O último feitiço de Cassandra...

By RaquelTerezani

24.1K 2.9K 10.8K

** HISTÓRIA VENCEDORA DO WATTYS 2021, NA CATEGORIA LITERATURA FEMININA ** Às vésperas de completar 36 anos... More

Dedicatória
Book trailer
Capítulo 1 - Afortunadamente
Capítulo 2 - Todo dia era bom
Capítulo 3 - O príncipe virou um chato
Capítulo 4 - Toda idade tem prazer e medo
Capítulo 6 - O que ficou
Capítulo 7 - Redemoinhos
Capítulo 8 - Sorriso é só disfarce
Capítulo 9 - Tão feliz contigo
Capítulo 10 - Deixaremos para trás
Capítulo 11 - Nem tudo pode ser perfeito
Capítulo 12 - Desdizer
Capítulo 13 - Noite longa pra uma vida curta
Capítulo 14 - Sempre em frente
Capítulo 15 - Assumir e Sumir
Capítulo 16 - Temos tempo
Capítulo 17 - O acaso
Capítulo 18 - Era
Capítulo 19 - Trajetória
Capítulo 20 - Vamos nos permitir
Capítulo 21 - O vazio
Capítulo 22 - Ferida Viva
Capítulo 23 - A solução
Capítulo bônus: Como eu imagino os personagens
Epílogo: Agora
E não é que vai ter continuação?!

Capítulo 5 - Não é mais como era antigamente

696 116 533
By RaquelTerezani

"Quem me dera, ao menos uma vez,
explicar o que ninguém consegue entender"

(Índios – Legião Urbana)

Enquanto tomava banho naquela segunda-feira começou a pensar a respeito da avó e das primas. As duas moças eram em torno de quatro anos mais velhas que Regina e, de acordo com o que Cassandra havia dito na tarde anterior, as três receberiam conhecimento a respeito de feitiçaria quando completassem trinta e três anos. Ou seja, no futuro, Angélica e Ingrid poderiam já saber de alguma coisa e nunca comentaram nada. Regina gostaria de entender o porquê. Este seria o primeiro assunto a ser tratado com as primas assim que a viagem terminasse.

Saiu distraída do quarto e enquanto se dirigia para a escada, ouviu os pais conversando:

— Tá esquisita mesmo... Você tem que ver os comentários que ela faz quando a gente está assistindo a novela das seis. E ela arrumou o quarto sem nem eu mandar!

Parou no meio do corredor e se agachou para ouvir melhor, já que eles falavam baixo.

— Sexta-feira no caminho pra escola ela me perguntou o que eu achava da prefeita! Ela nunca se interessou por política!

Brigite riu com a mão na boca:

— Sei lá, parece que de um dia pro outro alguém trocou a minha filha por um robô.

Regina levou as duas mãos ao rosto, e sentiu o coração acelerar. Ela precisava agir conforme sua idade, com urgência.

— Está com saudade de ter uma criança, é? — Cido mudou o tom de voz de repente — A gente pode providenciar isso...

— Não obrigada. Mas... a gente pode...

Os olhos da garota se arregalaram quando ela ouviu o que parecia ser um beijo... e um gemido!

— Bom dia! — falou alto enquanto descia as escadas. Ela nunca havia presenciado um momento íntimo dos pais e não pretendia começar naquele momento.

Brigite saiu rindo pra um lado e Cido pigarreou sentando numa cadeira.

Ocupou as horas seguintes repassando aquela cena. Primeiro pela preocupação a respeito de seu comportamento, ela acreditava piamente que estava disfarçando bem, entretanto concluiu que o melhor seria deixar o piloto automático guiá-la a maior parte do tempo, para garantir.

Segundo porque era a primeira vez na vida que ela pensava nos pais como um homem e uma mulher que ainda se amavam, que ainda faziam sexo, que eram como ela e Tiago. Isso ao mesmo tempo a deixou feliz e enojada, se é que fazia algum sentido. A felicidade vinha da adulta, o nojo vinha da adolescente, com certeza.

Sorriu divertida quando chegou a esta conclusão e pensou que, se pudesse, escreveria um diário sobre esta viagem e levaria de volta consigo mesma, para revisitá-lo quando quisesse saber sua própria opinião sobre tantas coisas, quando quisesse relembrar as lembranças...

— Ãh? — falou para si mesma no meio da aula de matemática, enquanto a sala toda estava em silêncio tentando resolver um exercício.

— Esse tá bem difícil mesmo. — Sabrina sussurrou em resposta.

Regina não estava prestando a menor atenção nas aulas daquele dia, mergulhada em pensamentos confusos sobre passado, presente e futuro, não fez uma única anotação nas folhas de fichário coloridas que ela tanto gostava de usar para se organizar.

Durante o intervalo se sentou  com os amigos e, entusiasmada, lhes mostrou o aparelho celular que havia ganhado. Gravou o número de Sabrina e de Andrei na memória do aparelho e comentou displicente:

— Acho que o Diogo também tem celular, não tem? — O garoto não estava com eles naquele momento.

— Não sei não se você vai querer o número dele. — Andrei respondeu sem sorrir.

— Por quê? — As quatro meninas voltaram a atenção para o amigo.

— Assim, longe de mim fazer fofoca...

— Imagina! — Sabrina ironizou, mas ninguém riu.

— É que eu meio que ouvi o Diogo contando pra alguns dos meninos que vocês ficaram no sábado.

— Foi. — Regina não tinha problema algum com aquilo.

— E que você deixou ele avançar o sinal.

A garota continuou a encará-lo, esperando que a história tivesse uma continuação e quando ele não disse mais nada, ela insistiu, já que o olhar questionador não parecia ser o suficiente:

— Tá e daí?

— Bastante.

— É, não foi bem assim já que a gente teve pouco tempo, mas...

— Que filho da puta! — Amanda interrompeu a amiga.

E as outras meninas começaram a protestar, falando todas ao mesmo tempo, chamando Diogo de mentiroso por acusar Regina de ser fácil, depravada e tantas outras coisas.

— Só estou avisando. — Andrei levantou as duas mãos, em sinal de rendimento.

Regina continuou calada, processando as informações. Ela quase havia se esquecido que, na época de sua adolescência, permitir que um menino tocasse seu corpo na primeira vez que se beijassem era praticamente um "crime condenável à fogueira". Sem conseguir se controlar, ela começou a gargalhar e os amigos interromperam a discussão.

— Tá doida?

Ela queria reagir do modo que os amigos esperavam que ela reagisse: chorando envergonhada, xingando ou até mesmo indo brigar com o garoto, mas simplesmente não conseguia levar aquela situação à sério. Quando a risada foi se acalmando, Amanda lhe chamou a atenção:

— Rê, a gente vai ter que dar uma prensa nele e fazer ele desmentir tudo!

A amiga a olhava furiosa e Regina se lembrou de seus alunos, na escola em que era diretora. Ela também não levava a sério metade das situações pelas quais aqueles adolescentes passavam e alí estava ela, mais uma vez, duvidando da gravidade do caso.

Respirou fundo e optou por reagir como uma adolescente vingativa:

— Olha, se vocês querem saber a verdade, o beijo dele nem é assim tão bom. Acabou com toda a quedinha que eu tinha por ele.

— Jura? — As feições das amigas se transformaram em divertimento, mas a sirene anunciou o fim do intervalo, impedindo a continuidade da conversa. 

— Pode deixar gente, eu vou falar com ele.

Regina se lembrou do próprio plano, sobre fazer coisas boas enquanto estivesse revivendo o passado, como uma forma de treinar para seu retorno ao futuro. E uma dessas coisas seria passar um sermão no menino que ela ainda chamava de amigo.

O que começou a ser um pouco difícil visto que Diogo não se juntou aos colegas em nenhum momento daquela segunda-feira nem no dia seguinte e durante as aulas sentou no lado oposto de seu lugar habitual, alegando alguma coisa que Regina não prestou atenção. Ela estava curiosa para saber se Diogo estava sem jeito por ter espalhado que ela era uma libertina ou pelo que ela havia comentado sobre  o beijo dele.

Sobre a fofoca, ninguém de sua classe, ou das outras, havia feito nenhuma piadinha com ela, possivelmente porque Regina não era "dessas", o que começou sim a deixá-la irritada. Ela estava se relembrando como jovens podem ser ridiculamente julgadores e covardes. Se aquilo tivesse acontecido com alguma das meninas que usavam shorts justos durante as aulas de educação física por exemplo, a escola toda, inclusive suas amigas, estariam afirmando absurdos sobre a garota. A Regina adolescente também seria uma dessas pessoas, ela admitiu envergonhada para si mesma. A lição a ser dada não era só para Diogo, era também para o seu próprio eu do passado.

Estava decidida a falar com ele na quarta-feira, nem que precisasse caçá-lo por toda a escola, mas não foi necessário, o moleque a esperou ao final das aulas da terça-feira.

— Inacreditável. — Ela acabou falando quando o viu com cara de inocente, parado no corredor.

— O que? A gente não vai estudar? — Os dois começaram a caminhar lado a lado. Estava claro que Diogo queria fingir que não tinha feito nada de errado.

Regina pretendia conversar com ele a sós, explicar que o que ele tinha feito não era legal, entretanto, alguma coisa começou a fervilhar em seu âmago. Uma mistura da adulta empoderada com a adolescente humilhada.

Ela respirou fundo e falou o mais alto que sua boa educação lhe permitia, para que ao menos alguns colegas a ouvissem e divulgassem o ocorrido:

— É por meninos machistas como você que eu e as minhas amigas não podemos ser livres! Eu quis, você quis, o que tem de errado nisso? — Ela abriu os braços e olhou em volta — Qual o problema em fazer algo que a gente está a fim?

Ambos pararam de caminhar, Diogo a olhou franzindo a testa, abriu a boca e apenas um início de "eu" saiu de sua garganta, sendo logo interrompido:

— Mas olha só, eu tenho novidades! No futuro as pessoas vão perceber que caras que nem você, são uns babacas!

— Tá doida Regina? — Ele acabou falando.

— Tô! Tô doida sim! — Ela sorriu e se esforçou para aumentar o tom da voz — Você relou a mão na minha bunda? Nooooosssa você é o cara e eu sou uma piranha, né? Agora você COM CERTEZA vai perder a sua virgindade comigo e depois vai contar os detalhes pra toda a escola. Pois saiba que você não vai nem me comer, nem aprender física, tá? Se vira!

Ela continuou a caminhar, deixando para trás o garoto atônito e várias pessoas rindo.

— Que que é?!

Como um furacão ela acelerou o passo e saiu da escola sem olhar para mais nada ou ninguém e a adrenalina a fez chegar ao ponto de ônibus na metade do tempo normal.

Regina nunca tinha usado um vocabulário daqueles, ou gritado em público por algum motivo que não fosse torcer durante algum esporte, todavia sentia–se aliviada depois que as palavras saíram de sua boca.

Encostou no muro do escritório de contabilidade que ficava em frente ao ponto de ônibus, aguardando que a própria respiração acalmasse. Se tivesse feito aquilo quando realmente tinha dezessete anos não teria coragem de dar as caras na escola no dia seguinte, mas sorriu imaginando o que aconteceria desta vez. Com sorte tinha plantado ao menos uma sementinha de consciência em alguém.

Ouviu três palmas a intervalos longos e virou o rosto na direção do barulho. Babí caminhava na direção dela, chamando atenção de mais alguns alunos que também estavam por alí:

— Regina Medeiros, nossa heroína! — Largou a mochila forrada de broches no chão.

Ela deu uma risadinha e chacoalhou a cabeça:

— Obrigada. Alguém tem que chamar esse pessoal pra realidade.

Babí pegou uma caixinha de tic tac do bolso da calça jeans:

— Quer?

— Valeu. — Regina esticou a palma da mão para pegar uma bala e só então percebeu que estava tremendo.

— Que foi? Tá arrependida de ter dado um esculacho no Diogo Ferreira?

— Não. Mas fiquei um pouco nervosa. Será que ele vai querer continuar a briga amanhã?

— Puff! — Babí fez que não com a cabeça, fechando os olhos e espremendo os lábios — Ele vai fazer o que? Te bater? Gritar aos quatro ventos algum argumento absurdo contra as verdades que você falou?

— Tadinho. Eu até acho que ele é uma boa pessoa, mas, como muitos, precisa de um direcionamento. As pessoas não entendem que a gente pode fazer o que a gente quiser com o nosso corpo, inclusive se permitir ser tocada se isso nos fizer sentir bem. Não é vergonha nenhuma.

Bárbara gargalhou:

— Minha tia que fala assim.

— Sua tia é legal... — Regina sorriu mais calma — Nunca te vi nesse ponto, tá fazendo o que aqui?

— Vou encontrar a minha mãe, a gente vai comprar uma guitarra nova pra mim. — a garota deu sinal para um ônibus.

— Ah, legal, vai lá.

Babí subiu no ônibus e ao invés de acenar, fez um sinal de chifrinhos com a mão e mostrou a língua, fazendo Regina rir novamente.

Alguns minutos depois, já dentro do ônibus a caminho de casa, ela ouviu o celular tocando e leu seus primeiros torpedos:

Bina 12:37

Me liga quando chegar em casa. Fiquei com dó do Diogo.

Andrei 12:40

A bina me contou o barraco. tofeliz q alguem colocou o Diogo no lugar dle.

Regina sorriu para a tela do celular porque ainda teria muito trabalho pela frente.

O burburinho a respeito da discussão dela e de Diogo perdurou por dois ou três dias apenas, pois na sexta-feira o assunto foi substituído pelo fato de que a professora Violeta havia ridicularizado um aluno do primeiro ano e a mãe dele tinha comparecido à escola para reclamar. As atitudes da professora de português eram famosas, todavia era a primeira vez que alguém revidava e isso só fez  o infeliz aluno ser tachado de "filhinho da mamãe".

Diogo se manteve distante do grupo de amigos, conversando com outros colegas de classe e às vezes até permanecendo sozinho nos intervalos. Durante as aulas, entrava mudo e saia calado e nunca olhava na direção de Regina.

— Ele está envergonhado.

— Tá com raiva.

— Azar dele.

— Já passou esta história, não sei por que ele não volta a andar com a gente.

— Se ele sentar com a gente e começar a conversar do nada, a gente vai fazer o que?

— Coitado, tô com dó dele assim sozinho. E quando tiver algum trabalho?

— Pior que ele tá com a minha cópia do Macunaíma.

Quase quinze dias depois, Regina chegou mais cedo e foi a primeira a arrastar os dois bancos para aguardar os colegas. Diogo entrou na escola logo em seguida e ao perceber o olhar da garota, abaixou a cabeça, se agarrando à alça da mochila e apertando o passo, como um cachorro enxotado.

— Diogo! — Regina apontou para o assento quando o menino a olhou com receio — Senta logo aqui e vamos esquecer essa história.

Ele se aproximou um pouco contrariado, porém acabou se sentando pois sabia que não era hora de ser orgulhoso.

— Então... Física?

Regina gargalhou:

— Diogo Ferreira, você não muda!

Marcela chegou sorridente:

— Finalmente você voltou Diogo! — E esticou um folheto para cada um dos dois — Vamos ter sarau na última semana de abril!

Regina olhou emocionada para a folha de sulfite, dobrada em formato de folder, que anunciava os detalhes do evento junto com um desenho feito à mão.

Aquele tipo de folheto, xerocado e rexerocado, era uma espécie de jornal informal que alguns alunos do colégio produziam uma vez por mês. Havia símbolos anarquistas misturados com trechos de músicas, poemas, declarações entusiasmadas de diversos pontos de vista sobre todo tipo de assunto e alguns avisos.

Desta vez o comunicado principal era sobre o tradicional evento da escola, que acontecia uma vez em cada semestre, no qual alunos, professores e funcionários poderiam se apresentar, seja tocando, cantando, declamando poemas, ou com qualquer manifestação artística.

Regina adorava os saraus mas nunca se apresentava pois era tímida e não possuía veia artística.

Ela sentiu o coração se aquecer ao recordar que naquele evento, especificamente, a banda da turma do fundão  cantaria uma música cuja melodia ela se lembraria por toda a vida. Aquele momento ficaria para sempre em suas lembranças como um dos que representavam seus dezessete anos.

— Que foi? Tá com cara de apaixonada. — Amanda puxou o folheto — Nossa, Marcela! Ficou lindo esse desenho, hein?

— Valeu! Que milagre é esse que você chegou antes do sinal hoje?

— A primeira aula é da Viola, minha Viola e eu quase fiquei pra fora da sala outro dia.

Diogo gargalhou com a menção à professora de português:

— Qualquer dia todo mundo devia chegar atrasado, queria ver ela dar falta coletiva.

— E quem tem coragem de enfrentar a velha? — Amanda inclinou a cabeça e os demais não se manifestaram.

— O que me consola é que no fim do ano a gente tá fora daqui, vamos evoluir, fazer outras coisas e essa mal amada vai continuar no mesmo lugar, fazendo as mesmas coisas. — Andrei entrou no meio da conversa, ao perceber o assunto.

— Ferrando com os alunos.

— Exatamente. Ainda bem que não vai mais ser a gente.

Regina não participava do bate-papo, estava aérea, se lembrando do quanto Tiago gostava de MPB. 

Continue Reading

You'll Also Like

2.7M 231K 59
VERSÃO ATUALIZADA, COMPLETA E REVISADA, JÁ NA AMAZON! Não recomendado para menores de 18 anos! ... Para Victor Hugo, desde a morte de sua esposa, o m...
135K 14.7K 35
[Este livro não retrata a realidade nua e crua das favelas, é apenas uma história fictícia com o intuito de entreter] Após passar 72 horas como refém...
3.7M 328K 79
Quando seu mundo desaba sob seus pés logo após descobrir que o seu noivo Brian a traiu com sua melhor amiga, ela aceita assinar um contato absurdo de...
836K 9.3K 10
(+18) Um reality onde o foco é exibir para o mundo os prazeres carnais.