Macbeth (1606)

By ClassicosLP

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Obra do inglês William Shakespeare. More

Personagens
SEGUNDO ATO
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PRIMEIRO ATO

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By ClassicosLP

CENA I

No pântano.

Trovões e relâmpagos. Entram três Bruxas.

Primeira bruxa – Quando nos encontraremos as três, uma próxima vez? Ao som dos trovões, à luz dos relâmpagos, em meio à chuvarada?

Segunda bruxa – Quando o tumulto tiver passado, quando estiver perdida e vencida a batalha.

Terceira bruxa – Isso se dará antes do pôr-do-sol.

Primeira bruxa – Em que lugar?

Segunda bruxa – No pântano.

Terceira bruxa – Onde nos encontraremos com Macbeth.

Primeira bruxa – Não deixarei de comparecer, cinzento gato meu.

Todas – Estou indo. Meu sapo está a coaxar:
O belo é podre, e o podre, belo sabe ser;
Ambos pairam na cerração e na imundície do ar.

[Saem.]


CENA II

Acampamento perto de Forres.

Toque de alarma. Entram o Rei Duncan, Malcolm, Donalbain e Lennox, com Serviçais, deparando-se com um Capitão ensangüentado.

Duncan – Que homem ensangüentado é esse? Dado o estado em que se encontra, poderá relatar-nos, da revolta, as últimas novas.

Malcolm – Esse é o Sargento, que, como bom e valoroso soldado, lutou contra minha captura. – Salve, corajoso amigo! Dize ao Rei o que sabes da refrega, no ponto em que dela te retiraste.

Capitão – Duvidosa era a situação, como a cena de dois nadadores exaustos que se agarram um ao outro e afogam a própria arte. O impiedoso Macdonwald (notável por ser um rebelde, pois para isso as sempre multiplicadas vilanias da Natureza concentram-se sobre sua pessoa), esse impiedoso Macdonwald, das Ilhas Ocidentais, encontra-se bem suprido de infantaria e cavalaria, todos selvagens soldados irlandeses; e, com a Sorte sorrindo-lhe sobre suas presas assassinadas, amontoadas e amaldiçoadas, apresentou-se ele como se fosse a rameira de um rebelde. Mas isso tudo provou ser muito pouco, pois o bravo Macbeth (e ele bem merece ser chamado assim), desdenhando a Sorte do outro, brandiu sua lâmina de aço, e esta manchou-se de sangrentas execuções (como a queridinha do Heroísmo), cavando e esculpindo seu próprio caminho, até encontrar-se Macbeth face a face com o escravo, de quem ele jamais apertou a mão, de quem ele não se despediu até depois de ter-lhe aberto o corpo desde a barriga até o queixo e de ter-lhe cravado a cabeça em nossas ameias.

Duncan – Ah, meu valente primo, notável cavalheiro!

Capitão – Como quando o sol prende seus reflexos numa armadilha, e daí surgem tempestades de afundar navios e por isso reboam trovoadas terríveis, assim também, da mesma nascente de onde parecia-nos que chegava o consolo, avoluma-se o desconsolo. Mas, prestai atenção, Rei da Escócia, pois nem bem a Justiça, armada de Heroísmo, havia obrigado aquela infantaria veloz a confiar-se em seus calcanhares, e já o Lorde dos noruegueses, vendo ali uma vantagem, munido de luzidias armas e com novas tropas, dava início a um novo ataque.

Duncan – E isso não desanimou nossos capitães, Macbeth e Banquo?

Capitão – Sim, como pardaizinhos desanimam as águias; ou como uma lebre desanima o leão. Para dizer a verdade, devo relatar que eles pareciam canhões supercarregados, prontos para tiros duplos; assim foi que eles em dobro redobraram os golpes desferidos sobre o inimigo. Só o que não sei dizer é se pretendiam banhar-se naquelas fedorentas feridas ou produzir massacre tão memorável quanto um gólgota. Agora sinto-me fraco; os cortes em minha carne clamam por socorro.

Duncan – Tuas palavras combinam muito bem contigo, assim como teus ferimentos. Ambos têm laivos de honra. Vão buscar-lhe os médicos.

[Entram Ross e Angus.]

Quem vem chegando?

Malcolm – O valoroso Barão Ross.

Lennox – Quanta pressa transparece em seu olhar! Assim deve ser a aparência de quem aparece para falar coisas as mais estranhas.

Ross – Deus salve o Rei!

Duncan – De onde estás chegando, valoroso Barão?

Ross – De Fife, meu nobre Rei, onde as bandeiras norueguesas insultam o céu e tremulam sobre a nossa gente, gelada de pavor. O Lorde da Noruega em pessoa, com números sem conta de soldados, assistido pelo mais desleal dos traidores, o Barão de Cawdor, deu início a um conflito desolador, até que Macbeth, aquele noivo de Belona, a Deusa da Guerra, chegou em sua armadura, confrontou-o e provou ser um homem de seu próprio valor, ponta de lança contra ponta de lança, braço rebelde contra um outro braço, reprimindo seu espírito pródigo. E, para concluir, a vitória incidiu sobre nós.

Duncan – Grande felicidade!

Ross – Esse agora Sweno, o Rei da Noruega, suplica por um acordo de paz. Mas não lhe concedemos nem mesmo o direito de enterrar seus homens até que ele desembolsasse, na Ilha de Saint Colme, dez mil dólares, para cobrir nossos gastos em geral.

Duncan – Nunca mais esse Barão de Cawdor trairá a afeição que trazemos em nosso coração. Vão, anunciem-lhe sua morte para logo, e, com o título que lhe pertencia, acolham Macbeth.

Ross – Verei que isso seja feito.

Duncan – O que ele perdeu, o nobre Macbeth ganhou.

[Saem.]


CENA III

Na charneca.

Trovões. Entram as três Bruxas.

Primeira bruxa – Onde estiveste, irmã?

Segunda bruxa – Matando porcos.

Terceira bruxa – E tu, irmã, por onde andavas?

Primeira bruxa – A mulher de um marinheiro tinha castanhas em seu colo, e mastigava, e mastigava, e mastigava. Me dá as castanhas, disse eu. Vai embora daqui, sua bruxa, me gritou a sarnenta, mais que bem nutrida de sobras. O marido fora-se para Aleppo, capitão do navio mercante Tiger.

Numa peneira eu vou lá.

Velejando, velejando...

Vou, como um rato sem rabo!

Velejando, velejando...

Segunda bruxa – Eu te presentearei com um vento que te impulsione.

Primeira bruxa – Do tipo artístico.

Terceira bruxa – E eu te presentearei com outro.

Primeira bruxa – Por minha própria conta, tenho todos os outros e mesmo os portos onde eles sopram, todos os quadrantes que eles visitam e que constam da carta dos marinheiros. Farei com que ele seque aos pouquinhos, até transformá-lo numa palha. O sono, nem de noite nem de dia, cairá sobre suas pálpebras. Viverá ele como homem amaldiçoado. Sofrerá de fadiga sete noites por semana, oitenta e uma semanas, quando então emagrecerá, definhará, consumir-se-á. Embora não seja possível fazer seu navio extraviar-se, posso sacudi-lo com tempestades. Olhem o que trago comigo.

Segunda bruxa – Me mostra! Me mostra!

Primeira bruxa – Aqui tenho o polegar de um marinheiro, piloto de embarcação naufragada em sua rota de volta para casa.

[Dentro, ouve-se o rufar de um tambor.]

Terceira bruxa – É um tambor, um tambor! Macbeth aproxima-se.

Todas – As Estranhas Irmãs Bruxas do Destino, de mãos dadas, viajando a uma enorme velocidade por terras e mares, andam assim, rodeando e rodeando, volteando e volteando, três vezes para ti, três vezes para mim, e três vezes mais, nove vezes ao todo. Paz, enfim: o encanto se conclui assim.

[Entram Macbeth e Banquo.]

Macbeth – Tão feio e tão lindo, dia assim eu nunca tinha visto.

Banquo – A que distância, em sua avaliação, senhor, estamos de Forres? O que são essas figuras, tão murchas e claudicantes e tão fantásticas e desvairadas em seus trajes a ponto de não parecerem habitantes da Terra e, no entanto, podemos ver que estão sobre a terra? Vivem, vocês? Ou seriam vocês alguma coisa que não admite perguntas humanas? Vocês parecem entender-me, logo levando, como fazem, cada uma por sua vez, seu dedo encarquilhado aos lábios emaciados. Vocês têm toda a aparência de mulheres e, no entanto, suas barbas proíbem-me de interpretar suas figuras como tal.

Macbeth – Falem, se é que sabem falar: o que são vocês?

Primeira bruxa – Salve, Macbeth; saudações a vós, Barão de Glamis.

Segunda bruxa – Salve, Macbeth; saudações a vós, Barão de Cawdor.

Terceira bruxa – Salve Macbeth, aquele que no futuro será Rei.

Banquo – Meu bom senhor, por que sobressalta-se? Por que parece o senhor temer palavras que soam tão auspiciosas? Em nome da verdade, é fantasioso o senhor ou é realmente aquele que mostra ser por fora? – Meu nobre companheiro vocês saúdam com evidente graça e com poderoso vaticínio de nobres haveres e de esperanças de realeza; tanto que ele parece estar com isso extasiado. A mim, vocês não dirigiram a palavra. Se sabem examinar as sementes do Tempo e dizer qual grão vingará e qual jamais será broto, falem então comigo, que não suplico por seus favores nem os temo, assim como não temo o seu ódio.

Primeira bruxa – Salve!

Segunda bruxa – Salve!

Terceira bruxa – Salve!

Primeira bruxa – Menos importante que Macbeth, e mais poderoso.

Segunda bruxa – Menos feliz e, no entanto, muito mais feliz.

Terceira bruxa – Filhos teus serão reis, embora tu não o sejas. Assim sendo... Salve, Macbeth! E salve, Banquo!

Primeira bruxa – Banquo e Macbeth, salve!

Macbeth – Fiquem, vocês que se pronunciam de modo tão imperfeito. Digam-me mais: com a morte de Sinel, eu sei que sou o Barão de Glamis, mas como é possível eu ser Barão de Cawdor? O Barão de Cawdor está vivo, um próspero cavalheiro. Quanto a eu ser Rei, esta é uma probabilidade na qual não se pode acreditar, mais incrível ainda que eu receber o título de Cawdor. Digam de onde vocês têm essa estranha informação, e por que razão, neste maldito pântano, vêm vocês interceptar nosso caminho com tais saudações proféticas? Falem, estou mandando.

[As Bruxas desaparecem.]

Banquo – A terra tem em si bolhas de ar, assim como a água, e essas figuras-bolhas são da terra e da água. Para onde sumiram-se elas?

Macbeth – Sumiram em pleno ar, e o que parecia corpóreo derreteu-se, como a respiração no vento. Bem queria eu que elas tivessem ficado.

Banquo – Agora que conversamos sobre elas, estavam realmente aquelas coisas aqui? Ou será que não comemos daquela raiz insana, que tem o poder de aprisionar a razão?

Macbeth – Filhos teus serão reis.

Banquo – O senhor será rei.

Macbeth – E também Barão de Cawdor; não foi isso o que elas disseram?

Banquo – Com essa mesma entonação, com essas mesmas palavras. – Quem vem lá?

[Entram Ross e Angus.]

Ross – O Rei recebeu com júbilo, Macbeth, as novas de teu sucesso; e, quando ele descobre que arriscaste tua pessoa na luta contra os rebeldes, sua admiração e seus louvores entram em conflito, pois pergunta-se ele, quais devem ser teus e quais devem ser dele? Com isso ele silencia, e revisa o resto daquele mesmo dia. Descobre-te em meio às audazes fileiras norueguesas, em nada amedrontado com aquilo que tu mesmo transformaste em estranhas imagens da morte. Tão rápido quanto voam as notícias, chegavam os mensageiros em seus cavalos alados, um após outro, e todos traziam elogios à tua pessoa por teres tão magnanimamente defendido o Reino, e esses elogios iam-se derramando perante o Rei.

Angus – Fomos enviados para trazer-te os agradecimentos de nosso Rei e Mestre, mas não para pagar-te, apenas para solenemente conduzir-te à presença de Sua Majestade.

Ross – E, à guisa de sinal, pois receberás depois honra maior, pediu-me o Rei que, em seu nome, te nomeasse Barão de Cawdor. Por essa honra, saudações ao mui valoroso Barão, pois o título agora te pertence.

Banquo – Ora, pode pois o Demônio falar a verdade?

Macbeth – O Barão de Cawdor está vivo. Por que querem me ver trajado em roupas emprestadas?

Angus – Aquele que foi o Barão ainda está vivo, sim, mas essa é uma vida pendente de severo julgamento, vida que ele merece perder. Se ele estava mancomunado com os homens da Noruega, ou alinhou-se com os revoltosos, prestando-lhes ajuda por meios secretos e vantagens, ou se pelos dois lados empenhou-se ele na destruição de seu país, isso eu desconheço. Todavia, máximas traições, confessadas e provadas, destituíram-no.

Macbeth – Glamis, e Barão de Cawdor. O mais importante ainda está por vir. – Agradeço-lhes terem se dado a esse trabalho. – Não tens esperanças de que teus filhos venham a ser Reis, quando aquelas figuras que me concederam o Baronato de Cawdor prometeram a eles nada menos que a Coroa?

Banquo – Essa sólida família real pode ainda levá-lo a ascender ao trono, senhor, além de fazê-lo Barão de Cawdor. Mas é estranho, porque muitas vezes, no intuito de conduzir-nos até a destruição, os instrumentos de Satã contam-nos verdades, cativam-nos com insignificâncias claramente honestas, só para trair-nos em conseqüências as mais profundas. – Primos, uma palavrinha, é o que vos peço.

Macbeth – Duas verdades foram ditas, como alegre Prólogo ao prometido e imperioso Ato de imperial tema. – Agradeço-vos, cavalheiros. – Essa sedutora, sobrenatural proposta não pode ser maléfica; não pode ser decente. E se for maléfica? Por que me deu um sinal de sucesso futuro, inaugurando-o com uma verdade? Sou o Barão de Cawdor. E se for decente? Por que me rendo a tal sugestão, cuja horrível imagem descabela-me e incita meu coração sereno a escoicear minhas costelas, contra os costumes da Natureza? Os temores do presente são menores que as horríveis figuras da imaginação. Meu pensamento, este que em si acolhe um assassínio não mais que fantasioso, sacode de tal maneira o reino de minha condição humana e única, que toda ação fica asfixiada em conjeturas, e nada mais existe, a não ser o que não existe.

Banquo – Observai, como nosso parceiro está absorto em pensamentos, por eles arrebatado.

Macbeth – Se a Sorte de mim fizer Rei, então a Sorte poderá coroar-me sem que em prol disso eu precise agir.

Banquo – Novíssimas honras caem sobre ele, à semelhança de nossas roupas novas: aderem ao corpo não por causa do molde, mas em função do uso.

Macbeth – Aconteça o que acontecer, o tempo e as horas sempre chegam ao fim, mesmo do dia mais duro dentre todos os dias.

Banquo – Meu mui digno Macbeth, aqui estamos, à sua disposição.

Macbeth – Tende paciência comigo. Meu cérebro embotado esteve ocupando-se de coisas há muito esquecidas. Gentis cavalheiros, vossa diligência encontra-se dentro de mim escriturada, em lugar onde posso, todos os dias, ao virar de uma folha, ler sobre ela. – Vamo-nos, ter com o Rei. Pensa sobre o que acaba de acontecer. Mais tarde, havendo este ínterim nos auxiliado em pesar os fatos, vamos abrir nossos corações um ao outro.

Banquo – Com prazer.

Macbeth – Até então, já falamos o suficiente. – Vinde, amigos.

[Saem.]


CENA IV

Forres. Um aposento no palácio.

As trombetas tocam uma fanfarra. Entram o Rei Duncan, Lennox, Malcolm, Donalbain e Serviçais.

Duncan – Cawdor já foi executado? Os notáveis que disso encarregaram-se ainda não voltaram?

Malcolm – Meu Soberano, eles ainda não retornaram. Mas falei com uma pessoa que o viu morrer e relatou-me que ele, com toda a franqueza, confessou seus atos de traição, implorou pelo perdão de Vossa Alteza e mostrou-se deveras arrependido. Nada do que ele fez em sua vida foi tão apropriado quanto esse despedir-se dela. Morreu ele, como alguém que, letrado em sua própria morte, tornara-se erudito para jogar fora o seu bem mais precioso, como se fora este uma ninharia que não merecesse maiores cuidados.

Duncan – Não existe arte pela qual se possa adivinhar o caráter de um homem só em observando-lhe a fisionomia. Ele foi um cavalheiro, e nele depositava eu absoluta confiança.

[Entram Macbeth, Banquo, Ross e Angus.]

Ó ilustríssimo primo, o pecado de minha ingratidão ainda agora pesa em minha alma. Estás tão adiantado à nossa frente que mesmo as mais velozes asas da recompensa parecem lentas para te alcançar. De meu agrado seria que fosses menos merecedor, pois, só assim, tanto os agradecimentos quanto a paga proporcionais aos teus atos eu teria para te oferecer. Resta-me dizer isto: mais te é devido, por mais que tudo te seja pago.

Macbeth – Meus serviços, e a lealdade que vos devo, ao cumprirem com seu dever, pagam-se a si mesmos. À Vossa Alteza compete receber o que é de nossa competência, e a nós compete cumprir com nossas obrigações para com vosso trono, o Estado, as crianças e os servidores, aqueles que fazem precisamente o que deles é esperado, ao fazerem tudo do modo mais seguro para assim assegurar o vosso amor e a vossa honra.

Duncan – Bem-vindo sejas. Dei início ao teu plantio, e colocarei todo o meu empenho em te ver crescido e viçoso. Meu nobre Banquo, que não fizeste por merecer menos, tampouco deve-se deixar de alardear os teus feitos. Deixa-me abraçar-te, prendê-lo perto do meu coração.

Banquo – Se em vosso coração eu crescer e vicejar, vossa será a colheita.

Duncan – Minhas alegrias, frutíferas, luxuriantes em sua plenitude, buscam esconder-se em gotinhas de contrição. – Filhos, parentes, Barões, e vocês, cujas posições são deste trono as mais próximas, façam-se disto sabedores: estabeleceremos o nosso Estado nos braços de nosso primogênito, Malcolm, a quem nomeamos doravante Príncipe de Cumberland. Essa honra não deve fazer-se desacompanhada, não deve ele dela investir-se sozinho; pelo contrário, que os símbolos de nobreza iluminem, como estrelas, todos os que são deles merecedores. Para Inverness, avante! – E assim cresce nossa dívida para contigo.

Macbeth – O mais é trabalho penoso, todo e qualquer esforço que não for empregado em prol de vós. Quero eu mesmo ser o arauto de vossa chegada, e assim fazer de minha esposa extasiada ouvinte. Portanto, humildemente despeço-me.

Duncan – Meu valoroso Cawdor.

Macbeth – [À parte] Príncipe de Cumberland! Este é um degrau que devo galgar; do contrário, tropeço, pois ele se encontra em meu caminho. Estrelas, escondam o seu brilho; não permitam que a luz veja meus profundos e escuros desejos. Que o olho se feche ao movimento da mão; e, no entanto, que aconteça! Que aconteça aquilo que o olhar teme quando feito está o que está feito para ser visto.

[Sai.]

Duncan – É verdade, valoroso Banquo: ele é homem de grande valentia, e saciado estou com os elogios que a ele se teceram: para mim, são um banquete. Tratemos de segui-lo, a esse cuja atenção e dedicação adiantaram-se a nós, a fim de preparar nossas boas-vindas. É um parente sem igual.

[As trombetas tocam uma fanfarra. Eles saem.]


CENA V

Inverness. Um aposento no castelo de Macbeth.

Entra a esposa de Macbeth, sozinha, uma carta nas mãos.

Lady Macbeth – Encontraram-me elas no dia do sucesso, e fiquei sabendo, pelos mais perfeitos relatos, que elas têm em si mais do que mera, mortal sabedoria. Quando me vi ardendo no desejo de indagar-lhes mais, elas se fizeram ar e nele desapareceram. Quedava-me eu ainda extasiado por tal maravilha quando chegaram mensageiros do Rei, saudando-me todos como Barão de Cawdor, o mesmo título com que antes haviam me saudado as Estranhas Irmãs, quando então as três apresentaram-me ao meu futuro com um Salve o Rei Que Serás. Isso pensei por bem contar-te (minha adorada parceira na grandeza), para que não se passassem em branco os teus direitos de regozijo, para que não ignores as grandezas que a ti estão prometidas. Acolhe isso em teu coração, e recebe minhas despedidas.

Já eras Glamis, e agora também és Cawdor, e serás o que te foi prometido. E, no entanto, amedronta-me tua natureza: tão plena é ela do leite da bondade humana que não te permitirá tomar o primeiro atalho. Queres ser grande, e para isso não te falta ambição, mas careces da maldade que deve acompanhar essa ambição. Deves estar desejando de um modo sagrado aquilo que desejas tanto. Não queres jogar sujo, e mesmo assim desejas vencer de modo indevido. Desejas ter, meu grande Glamis, a coroa que grita que assim deves agir se queres tê-la. E desejas também aquilo que temes fazer, e teu temor é maior do que teu desejo de que tal ato pudesse ser omitido. Apressa-te em vir para cá, e que eu possa em teus ouvidos derramar meu inebriante vigor, e que eu possa, com a ousadia de minha língua, açoitar tudo o que se interpõe entre tua pessoa e o círculo de ouro com o qual parece terem te coroado o Destino e o auxílio sobrenatural.

[Entra um Mensageiro.]

Que notícias me trazes?

Mensageiro – O Rei vem a esta casa hoje à noite.

Lady Macbeth – Estás louco em dizer tal coisa. Pois não está com ele o teu Amo? Fosse verdade, ele teria me avisado, para que se fizessem os preparativos.

Mensageiro – Por favor, senhora, é verdade: nosso Barão está a caminho. Um de meus colegas veio na frente e aqui chegou, quase morto de falta de ar, com fôlego só para transmitir a mensagem.

Lady Macbeth – Cuidem muito bem dele, pois que ele nos traz ótimas notícias.

[Sai o Mensageiro.]

Está rouco o corvo que grasna a entrada fatal de Duncan em minhas muralhas. – Vinde vós, espíritos que sabem escutar os pensamentos mortais, liberai-me aqui de meu sexo e preenchei-me, da cabeça aos pés, com a mais medonha crueldade, até haver ela de mim tomado conta. Que o meu sangue fique mais grosso, que se obstrua o acesso, a passagem, para o remorso, que nenhuma visitação compungida da Natureza venha perturbar meu feroz objetivo ou estabelecer mediação entre este meu objetivo e seu efeito. Vinde vós aos meus seios de mulher e sugai meu leite, que agora é fel, vós, espíritos servis e assassinos, seja onde for que, em vossa invisível matéria, atendeis às vis turbulências da Natureza. Vem, Noite espessa, e veste a mortalha dos mais pardacentos vapores do Inferno, que é para minha fina afiada faca não ver a ferida que faz, que é para o Céu não poder espiar através da coberta de escuridão a tempo de gritar "Pare, pare"!

[Entra Macbeth.]

Grande Glamis, valoroso Cawdor, e maior que ambos no título com que serás por todos saudados futuramente, tuas cartas transportaram-me para além deste tempo presente de ignorância, e agora eu sinto o tempo futuro neste mesmo instante.

Macbeth – Meu amor adorado, Duncan chega hoje à noite.

Lady Macbeth – E até quando fica ele aqui?

Macbeth – Até amanhã, segundo os planos dele.

Lady Macbeth – Ah, nunca, jamais o sol verá esse amanhã. Teu rosto, meu Barão, é como se fosse um livro, onde os homens podem ler estranhas matérias. Para enganar o tempo, compõe-te de acordo com o momento; ostenta boas-vindas em teu olhar, em tua mão, em tua língua. Com a aparência de inocente flor, sê a serpente sob esse disfarce. Esse que está chegando deve ser bem recebido e bem tratado. E tu deves colocar sob minha incumbência o grande empreendimento desta noite, que nos trará, a todas as nossas noites e dias por vir, controle inconteste, único, domínio soberano.

Macbeth – Depois conversaremos mais sobre isso.

Lady Macbeth – Trata apenas de levantar os olhos com expressão desanuviada. Sempre é mostrar medo, alterar a fisionomia. Deixa o resto comigo.

[Saem.]


CENA VI

Em frente ao castelo de Macbeth.

Oboés e tochas. Entram o Rei Duncan, Malcolm, Donalbain, Banquo, Lennox, Macduff, Ross, Angus e Serviçais.

Duncan – Este Castelo tem localização das mais aprazíveis. O ar daqui é revigorante e doce, atraente aos nossos sentidos humanos.

Banquo – Hóspede do verão, a andorinha, essa assídua freqüentadora dos templos, vem nos provar, ao fazer deste Castelo sua moradia mais adorada, que o hálito do Céu aqui tem perfume amoroso. Em cada friso mais saliente, em cada arcobotante, em cada cunhal com vantajoso ponto de observação, em canto conveniente, esses passarinhos fazem sua cama suspensa, o berço de suas crias. Onde eles se reproduzem e fazem ponto, já observei, o ar é delicado.

[Entra Lady Macbeth.]

Duncan – Vede, vede nossa honrada anfitriã! O amor que nos acompanha por vezes é motivo de nossa preocupação, mas por ele ainda assim somos gratos, pois é amor. Com isso estou lhe ensinando, minha senhora, a rezar a Deus para que nos recompense pela trabalheira que ora lhe impomos e a agradecer-nos por toda sua preocupação.

Lady Macbeth – Todos os nossos serviços, em cada detalhe verificados e revistos, e depois ainda uma vez mais revisados, foram medíocres, um empreendimento singelo, que não faz jus às tão profundas e irrestritas honras com as quais Vossa Majestade cumula nossa Casa. Pelas honras outorgadas no passado, e pelos títulos mais recentes, que vêm se acumular aos primeiros, permanecemos, meu marido e eu, vossos eremitas: rezaremos por vós e por vós rezaremos.

Duncan – Onde está o Barão de Cawdor? Corremos no encalço dele, e nessa perseguição tínhamos um propósito: chegar antes dele e preparar-lhe recepção digna de um rei. Mas ele é bom cavaleiro. E seu grande amor por nós (penetrante como sua espora) auxiliou-o a chegar antes de nós à própria casa. Minha bela e nobre anfitriã, somos seu hóspede por esta noite.

Lady Macbeth – Quanto a nós, somos vossos criados esta noite e sempre. Estes criados têm seus pertences, seus bens e a si mesmos tão-somente em confiança, para que deles Sua Alteza possa dispor, ao seu bel-prazer; e, ao requisitá-los, sempre os terá de volta, pois são de vossa propriedade.

Duncan – Dê-me sua mão. Leve-me até o dono da casa. Nós o temos em alta estima, e devemos continuar outorgando-lhe nossas graças. Com a sua permissão, senhora minha anfitriã.

[Saem.]


CENA VII

Um aposento no Castelo.

Oboés. Tochas. Entram um Copeiro e diversos Criados com pratos e comida servida e atravessam o palco. Depois entra Macbeth.

Macbeth – Se estivesse terminado assim que fosse feito, então seria bom que fosse feito num zás. Se o assassinato pudesse manear suas conseqüências e agarrar, com o próprio fim, seu sucesso! Se esse um golpe pudesse ser o tudo necessário para o fim de tudo! Aqui, e somente aqui, nesta vida, um tempo que não é mais que um banco de areia nos mares da eternidade, abriríamos mão da próxima vida. Mas, para esses casos, ainda temos julgamentos aqui, com os quais damos sanguissedentas instruções, que, recém-apreendidas, acham o caminho de volta, para atormentar seu próprio inventor. Essa Justiça equilibrada, imparcial, prescreve e recomenda para nossos lábios os ingredientes do nosso cálice envenenado. Ele aqui se encontra sob dupla salvaguarda: primeiro, sou dele parente e súdito, duas fortes razões contra tal ato; depois, como seu anfitrião, devo fechar meus portões a seu assassino, e não empunhar eu mesmo a adaga. Além do que, esse Duncan sempre vestiu seu manto real com tanta humildade, sempre foi tão honrado em suas decisões de governante, que suas virtudes passarão a defendê-lo como anjos, com o alarido de trompetes, contra a abismal danação de seu assassínio. E Piedade, como uma criança recém-parida e ainda nua, transporá o som dos metais, ou então o querubim do Paraíso, montado sobre as invisíveis correntes de ar, soprará o horrendo ato dentro de cada olho, até que as lágrimas tenham afogado os ventos. Não tenho esporas com que ferir os flancos de minha intenção, e minha única montaria é esta Ambição exagerada, desejosa de saltar por cima de si mesma, só para tropeçar no outro lado.

[Entra Lady Macbeth.]

E agora? O que há de novo?

Lady Macbeth – Ele está terminando de cear. Por que saíste de teus aposentos?

Macbeth – Ele perguntou por minha pessoa?

Lady Macbeth – Não sabes que sim?

Macbeth – Não vamos prosseguir com este plano. Ele muito tem me honrado ultimamente, e eu... angariei de todo tipo de gente opiniões favoráveis, preciosas como gemas que pretendo agora exibir em seu brilho renovado, pedras que não se descarta tão cedo.

Lady Macbeth – Estava bêbada, aquela esperança de que te revestias? Caiu no sono, a tal? E agora ela se acorda, tão pálida e verdolenga, para examinar o que antes fez com tanta liberalidade? Deste momento em diante, calculo que esteja igualmente doentio o teu amor. Tens medo de ser na própria ação e no valor o mesmo que és em teu desejo? Queres ter aquilo que, por tua estimativa, é o adorno da vida e, no apreço que tens de ti mesmo, levas a vida como um covarde, não é assim? Deixas que o teu "Não me atrevo" fique adiando tua ação até que o teu "Eu quero" aconteça por milagre; como a gata, coitadinha, que queria comer o peixe mas não queria molhar a pata.

Macbeth – Imploro-te, paz! Atrevo-me a fazer tudo o que é próprio de um homem. Quem se atreve a mais, homem não é.

Lady Macbeth – Quem foi, então, o animal que te obrigou a mencionar para tua esposa esse plano arrojado? Quando te atreveste a fazê-lo, então sim, eras um homem! E, para seres mais do que eras, terias de ser muito mais homem. Nem o momento nem o local eram propícios, e no entanto desejaste criá-los, os dois. Eles agora se apresentam, e sua conveniência é tal que te aniquila! Já amamentei, e sei como é bom amar a criança que me suga o leite. E, no entanto, eu teria lhe arrancado das gengivas desdentadas o meu mamilo e, estando aquela criancinha ainda a sorrir para mim, teria lhe rachado a cabeça tivesse eu jurado fazê-lo, como tu juraste fazer o que queres fazer.

Macbeth – E no caso de fracassarmos?

Lady Macbeth – Nós, fracassarmos? Estica as cordas no alaúde de tua coragem, e não falharemos. Quando Duncan estiver dormindo (e para a cama sadiamente o terá convidado a dura jornada do dia de hoje), seus dois camareiros encarrego-me eu de dominar com vinho e, de brinde em brinde, não será mais que vapores a memória, essa sentinela do cérebro, e não será mais que alambique esse recipiente da razão. Quando estiverem dormindo como dois porcos, duas naturezas encharcadas, dois corpos numa espécie de morte estirados, o que não podemos, tu e eu, aplicar no indefeso Duncan? ...que não se possa impingir a seus dois oficiais-esponja? ...que vão carregar a culpa do nosso formidável crime de morte?

Macbeth – Dá à luz tão-somente filhos homens. Teu ardor destemido não deve compor filhos que não sejam másculos. Qual a possibilidade de não acreditarem (depois que tivermos com sangue marcado aqueles dois que se plantam a dormir nos próprios aposentos de Duncan, depois que tivermos usado suas próprias adagas) que foram eles que perpetraram o ato?

Lady Macbeth – Quem ousará não acreditar, uma vez que rugirão nossos penares, nosso clamor sobre a morte dele?

Macbeth – Encontro-me agora determinado, e tensionada está cada fibra de meu corpo, em prontidão para esse terrível feito. Vamos! Que se enganem os outros com nossa aparência mais serena. Aquilo que sabe o coração falso, a cara falsa deve esconder.

[Saem.]

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