Vitor
Adormeço no sofá com Gabriel no colo.
Acordo apenas quando uma das meninas me chama, dizendo que tem um senhor me procurando.
Deixo Gabriel dormindo e vou até a direção. Tio Ricardo está conversando com a Diretora.
- Ah olha ele aqui!
- Estou explicando a situação para o Senhor Ricardo.
- Oi tio.
Cumprimento meu padrinho com um abraço.
Tio Ricardo sempre me tratou bem.
Depois de alguma conversa ele se pronuncia.
- Bom é como eu falei, o menino será recolhido para algum abrigo, verificaremos se não há nenhum parente para ficar com a guarda se não houver ele será encaminhado para a adoção.
- Certo, é uma pena tudo isso.
- Eu posso vê-lo?
Levo Tio Ricardo até onde Gabriel dorme.
- Como você veio parar aqui Vitor? Nunca soube que você fazia esse tipo de trabalho.
Explico a ele meu sentimento, precisava retribuir tudo que eu tinha. Não toco no assunto da criação de Tyler, sobre ele ser renegado pela mãe enquanto eu recebia tudo dos meus pais. Mas esse foi um grande motivo que me trouxe até aqui.
- Interessante. Fico feliz por você, ter buscado algo assim Vitor.
- Me sentia pouco merecedor de tudo que tinha.
- Tyler nunca contou que você fazia trabalho voluntário.
- Ty não sabe. Ninguém sabe.
- E por que?
- Por que me sinto bem assim. Não senti necessidade de contar.
- E é um segredo?
- Não, não é, mas...
- Não vou dizer nada, mas você devia contar. Você pode inspirar outras pessoas.
Chegamos a sala de Tv e meu padrinho observa Gabriel.
- Quantos anos ele tem?
- Parece que dois e pouco.
- É uma pena.
Estranho o comentário dele.
- Por que?
- Se não houver parentes, as chances de adoção dele são poucas.
Um alarme soa na minha cabeça.
- Como assim poucas? Por que?
- Bom a primeira coisa é a cor, crianças negras não são escolhidas.
- Mas isso é ridículo!
Olho para Gabriel dormindo, a pele morena é de um tom marrom claro, lindo, ele parece um bombom dormindo enroladinho. Como alguém pode não gostar dele?
- É claro que é, mas o sistema é assim, esse país é muito racista. Crianças negras são segregadas. Outrora fator é a idade. As chances diminuem muito na idade dele.
Olho novamente para o garoto dormindo no sofá.
- Ele é um bebê tio. Mal fala. Usa fralda, toma mamadeira. Quer colo. Como pode ser deixado em abrigo? Crescer assim?
- Eu sei Vitor. Nesse meus anos acompanhando varas, juízes, abrigos, vi muitos casos de partir o coração. Mas o sistema é esse, as famílias que adotam em sua maioria querem um bebê menor de um ano e de cor branca.
Fico indignado. Meu sangue ferve.
- E o que vai acontecer?
- Provavelmente ficará em algum abrigo.
Mais um no sistema. Gabriel será contado como mais um.
Sinto um peso no coração. Não posso aceitar isso.
- Não. O que eu posso fazer?
Escuto ele suspirar.
- O que você quer fazer?
- Sei que não quero que ele vá para um abrigo e passe a vida lá. Como podemos impedir isso?
- Se não houver parentes para guarda apenas uma ordem judicial que entregue a guarda provisória para alguém o impediria de ir para um abrigo. Para isso ele precisa de alguém que queira o adotar.
- Então vamos fazer isso.
- Não é tão simples Vitor. Encontrar um adotante é difícil. Enfrentar todo um processo de adoção é estressante. E como eu disse geralmente as pessoas querem bebês com menos de um ano.
Vou até o sofá e pego Gabriel. Não vou deixá-lo ir para um abrigo. A explicação para o que senti me acerta em cheio.
Ele é meu.
- Eu farei isso. Quero a guarda dele.
Não vejo meu padrinho perder a tranquilidade. Mas com a minha declaração vejo a confusão no seu rosto.
- Vitor, não é uma brincadeira. A guarda de uma criança é algo sério. É para toda vida.
- Eu vou adotá-lo. Vou criá-lo e guiá-lo por toda a vida. Farei o meu melhor.
- Vitor eu sei que as histórias nos comovem, passei por isso muitas vezes. Mas não decida nada assim, é a vida de uma criança.
- O senhor fez isso com Larissa.
- É diferente, foi apenas uma tutela.
Seguro Gabriel no meu colo e balanço a cabeça.
- Não vou entregá-lo. Ele será meu filho. Já decidi.
Tio Ricardo me olha desconfiado.
- Vitor...
- Eu já decidi. O que faço agora?
- Se você quer mesmo fazer isso. Precisará comprovar que pode manter a criança, que é qualificado psicologicamente, que pode prover um ambiente seguro e estável para ele.
- Não será problema.
- Preciso alertá-lo que o fato de você não trabalhar, pode ser um problema. A renda dos seus pais não vai contar.
- Tenho minha própria renda. Não dependo dos meus pais. E posso provar, meus rendimentos e que eu trabalho.
- Estou confuso. Sempre o vejo com Tyler, e não me leve a mal filho, mas nunca o vi trabalhar.
- Eu faço investimentos, lido com a bolsa todos os dias, tenho ações em algumas empresas. Posso chamar isso de trabalho.
- Bom, suponho que sim. Você tem alguma renda regular?
- Tenho. Retiro rendimentos mensais.
Quando me formar pretendo trabalhar na área também.
E quanto ao ambiente acho que a casa dos meus pais seria suficiente, mas se não for adequado posso providenciar outro lugar. Já estava pensando em me mudar mesmo.
- Parece que você mantém muitas coisas em segredo filho.
Vejo ele me estudar. No final acena com a cabeça.
- Muito bem. Vou levar o caso a um colega amigo meu na vara da infância.
- O senhor não pode cuidar disso?
- Não. Há conflito de interesse no caso. Preciso levar qualquer documento do menino. Se não houver parentes a ordem de guarda provisória pode ser emitida.
- Certo. E quando isso acontece? Ele não pode ficar aqui no Centro.
- Posso conseguir para hoje a tarde. Caso seja dada a você, a guarda será provisória Vitor. Se houver adotantes, ele será entregue para eles depois.
Balanço a cabeça, eu entendo, mas não gosto.
- Ele vai se acostumar e depois sera trocado de lugar de novo?
- Caso você queira a guarda definitiva, pode entrar com o processo e alegar criação de vínculo com ele, mas repito,é uma vida, não é nenhuma brincadeira.
- Eu entendo sua ressalva comigo Tio. Mas posso encaminhar toda documentação agora.
- Tudo bem, vou direto falar com o juiz.
Ele sai, e eu sento com Gabriel no sofá.
Parece loucura eu sei. Mas sinto que é o certo.
Dona Eulália vem ao meu encontro para saber o que vai acontecer, quan do conto a ela o que vou fazer, ela fica eufórica.