O assassinato no campo de gol...

By ClassicosLP

28K 2.7K 679

Obra da inglesa Agatha Christie. More

I - Uma companheira de viagem
II - Um pedido de socorro
III - Na Villa Geneviève
IV - A carta com a assinatura de "Bella"
V - A história de Mrs. Renauld
VI - A cena do crime
VII - A misteriosa Madame Daubreuil
VIII - Um encontro inesperado
IX - Monsieur Giraud descobre novas pistas
X - Gabriel Stonor
XI - Jack Renauld
XII - Poirot elucida certos pontos
XIII - A moça dos olhos ansiosos
XIV - O segundo corpo
XV - Uma fotografia
XVI - O caso Beroldy
XVII - Nossas novas investigações
XVIII - Giraud entra em ação
XX - Uma declaração surpreendente
XXI - Hercule Poirot em cena
XXII - Descubro o amor
XXIII - Dificuldades no horizonte
XXIV - Salve-o!
XXV - Uma descoberta inesperada
XXVI - Recebo uma carta
XXVII - A versão de Jack Renauld
XXVIII - Fim da jornada

XIX - Eu uso minha massa cinzenta

554 79 9
By ClassicosLP

Fiquei estarrecido. Até aquele momento, nem me passara pela cabeça a hipótese de Jack Renauld ser o culpado pelo crime. Eu esperava que ele protestasse minimamente quando Poirot o desafiou. Porém agora, observando-o ali, de pé, lívido e imóvel, encostado contra a parede e ouvindo aquela acusação sem se defender, acabei não duvidando mais.

Poirot voltou-se para Giraud:

— Em que fatos o senhor se baseia para prendê-lo?

— E por que acha que eu revelaria alguma coisa ao senhor?

— Por consideração, creio eu.

Giraud olhou para ele com hesitação. Estava dividido entre o prazer de se recusar rudemente a revelar qualquer coisa e o triunfo de poder se gabar de suas descobertas sobre o adversário.

— O senhor deve estar pensando que cometi algum erro, não é? — perguntou, em tom de escárnio.

— Não seria nenhuma surpresa para mim — retrucou Poirot, deixando transparecer uma pontinha de malícia.

O rosto de Giraud tingiu-se de vermelho.

— Eh bien! Pois então me siga. O senhor poderá julgar por si mesmo.

Abriu a porta do salon com força e nós entramos, deixando Jack Renauld em poder dos dois policiais.

— Muito bem, monsieur Poirot — exclamou Giraud, depositando seu chapéu sobre a mesa e falando num tom de absoluto sarcasmo —, vou lhe dar uma aula sobre o ofício do detetive. Vou lhe mostrar como nós, os investigadores modernos, trabalhamos agora.

— Bien! — exclamou Poirot, prontificando-se para ouvir o colega. — Vou lhe mostrar quão bons ouvintes são os detetives da velha guarda! — e recostou-se na cadeira, fechando os olhos, abrindo-os alguns instantes após apenas para fazer esta observação: — Não tema que eu caia no sono. Prestarei toda a atenção possível.

— Naturalmente — começou Giraud —, não demorei a perceber que aquela história dos dois chilenos era pura lorota. Havia, sim, dois homens ali, mas não eram estrangeiros misteriosos! Era tudo invencionice.

— Está indo muito bem até agora, meu caro Giraud — murmurou Poirot —, especialmente após aquele truque que usaram, o de deixar uma guimba de cigarro e um fósforo no local do crime.

Giraud hesitou, porém prosseguiu.

— É preciso haver um homem relacionado ao caso, um homem capaz de cavar aquela cova. Não há nenhum homem que claramente se beneficie com o crime, mas há um homem que acreditava que iria se beneficiar caso a tragédia acontecesse. Tomei conhecimento da discussão entre Jack Renauld e o pai, além das ameaças que o filho fez contra ele. O motivo estava, dessa forma, definido. Agora podemos passar para os meios. Jack Renauld estava em Merlinville naquela noite. Ele ocultou este fato, o qual transformaria qualquer suspeita em certeza. Então houve uma segunda vítima esfaqueada com o mesmo punhal. Sabemos quando aquela arma foi furtada. Nosso capitão Hastings, aqui presente, pode nos dizer a hora certa. Jack Renauld, tendo chegado de Cherbourg, era a única pessoa capaz de pegar esse punhal. Analisei a possibilidade de cada um dos outros moradores da casa ter feito o mesmo.

Poirot o interrompeu.

— Mas o senhor está enganado. Havia outra pessoa capaz de pegar o punhal.

— Está se referindo a monsieur Stonor? Ele entrou pela porta principal e vinha num automóvel que o trouxe diretamente de Calais. Ah! Acredite, investiguei cada detalhe. Já monsieur Jack Renauld chegou de trem. Passou-se uma hora entre sua chegada e o momento em que ele se fez presente em casa. Sem dúvida, ele viu quando o capitão Hastings e sua amiga deixaram o galpão. Então ele entrou lá e pegou o estilete, apunhalando seu cúmplice ali mesmo.

— Uma vítima que já estava morta!

Giraud deu de ombros.

— Possivelmente ele nem se deu conta disso. Pode ter pensado que o outro estava dormindo. Não tenho dúvidas de que os dois haviam marcado um encontro. De qualquer modo, ele sabia que este aparente segundo assassinato complicaria muito o caso. E complicou mesmo.

— Porém ele não conseguiria enganar monsieur Giraud — murmurou Poirot.

— O senhor está zombando de mim! Mas lhe darei uma prova final e irrefutável. A história de madame Renault era falsa: apenas mentiras, do início ao fim. Acreditamos que madame Renauld amava seu marido, mas, mesmo assim, mentiu para proteger o assassino. Ora, por quem uma mulher seria capaz de mentir? Às vezes por si própria, mais frequentemente pelo homem amado, porém sempre por seus filhos. Esta é a última e irrefutável prova. O senhor não pode negar... é evidente.

Giraud fez uma pausa e encheu o peito de ar, triunfante. Poirot observou-o atentamente.

— Este é meu argumento para o caso — proclamou Giraud. — O que o senhor tem a dizer sobre isto?

— Digo apenas que há um detalhe que o senhor deixou de levar em consideração.

— E que detalhe seria esse?

— Presume-se que Jack Renauld soubesse da construção do campo de golfe. Ele sabia que o corpo seria descoberto quase que imediatamente, assim que os trabalhadores começassem a escavar aqueles buracos.

Giraud soltou uma gargalhada.

— Mas que idiotice o senhor está me dizendo! É claro que ele queria que o corpo fosse descoberto o quanto antes! Enquanto o corpo não fosse encontrado, ninguém poderia presumir que seu pai tivesse morrido e, assim, não poderia pôr as mãos em sua herança tão cedo.

Observei um ligeiro lampejo esverdeado nos olhos de Poirot no momento em que se levantou e perguntou, com serenidade:

— Então, por que enterrar o corpo? Reflita, Giraud. Se era vantajoso para Jack Renauld que o cadáver fosse encontrado sem demora, diga-me: para que abrir uma cova?

Giraud não respondeu. A pergunta o pegou de surpresa. Assim, sacudiu os ombros numa tentativa de indicar que aquele fato não tinha importância.

Poirot encaminhou-se para a porta e eu o segui.

— Há mais uma coisa que o senhor deixou de levar em consideração — anunciou, sem se virar.

— E o que é?

— O pedaço de cano de chumbo — disse Poirot, deixando a sala.

Jack Renauld permanecia ali fora com um ar absolutamente apático. Porém, quando saímos do salon, ele olhou para nós atentamente. No mesmo instante, ouviram-se passos descendo a escada. Era mrs. Renauld. Ao ver o filho entre aqueles dois homens da lei, deteve-se como que petrificada.

— Jack — balbuciou. — Jack, o que significa isto?

Ele olhou para ela com o rosto crispado.

— Eles me prenderam, mãe.

— O quê?

Ela soltou um grito pungente e, antes que alguém pudesse ir ter com ela, fraquejou e caiu pesadamente no chão. Ambos corremos até ela e tentamos reanimá-la. Logo, porém, Poirot se levantou e declarou:

— Há um corte fundo na testa. Parece que bateu a cabeça na quina do corrimão. Presumo que há uma concussão também. Se Giraud pretende colher o depoimento dela, terá de esperar. Pode ser que ela fique inconsciente por pelo menos uma semana!

Denise e Françoise correram até sua patroa. Deixando-a aos cuidados das moças, Poirot foi embora. Caminhava com a cabeça baixa, franzindo o cenho com um ar pensativo. Durante algum tempo, eu não disse nada, até que me aventurei a lhe fazer uma pergunta:

— Você acredita, então, que, apesar de todas as evidências em contrário, Jack Renauld não seja culpado?

Poirot não respondeu de imediato. Apenas após uma longa reflexão, ele declarou, muito sério:

— Não sei, Hastings. Há, sim, esta possibilidade. É claro que Giraud está totalmente errado... equivocado do início ao fim. Se Jack Renauld for o culpado, será apesar de sua argumentação e não por causa dela. E apenas eu conheço o indício mais grave contra ele.

— O que é? — perguntei, impressionado.

— Se você pusesse sua massa cinzenta em prática e enxergasse o caso como um todo, assim como eu faço, você também perceberia o que estou falando, meu amigo.

Era o tipo de resposta dada por Poirot que eu considerava absolutamente irritante. E ele continuou, sem esperar que eu dissesse qualquer coisa.

— Vamos conversar seguindo este caminho até o mar. Podemos nos sentar naquele morrinho logo ali, de onde se vê a praia. Assim, poderemos revisar o caso. Creio que você sabe tudo o que sei, mas apreciaria que você chegasse à verdade por seus próprios esforços e não desse jeito, quando eu o conduzo pela mão.

Então, sentados onde Poirot sugerira, miramos o mar.

— Pense, meu amigo — disse Poirot num tom de voz encorajador. — Ponha suas ideias em ordem. Seja metódico. Seja organizado. É nisso que reside o segredo do sucesso.

Procurei seguir seu conselho, repassando em minha mente todos os detalhes do caso. De repente, assustei-me com uma ideia absolutamente luminosa, capaz de varrer de meu cérebro toda obscuridade. Trêmulo, formulei minha hipótese:

— Estou vendo que foi acometido de uma pequena ideia, mon ami! Bravo! Estamos progredindo.

Sentei-me e acendi o cachimbo.

— Poirot — falei —, parece que fomos muito descuidados. Digo nós, embora certamente fosse melhor dizer eu. Mas isso se deve ao fato de você estar sempre escondendo alguma informação. Por isso, eu repito: fomos muito descuidados. Há alguém de quem nos esquecemos totalmente.

— E quem é essa pessoa? — inquiriu Poirot, com os olhos, brilhando intensamente.

— Georges Conneau!


Continue Reading

You'll Also Like

Xeque-Mate By editsx_lua

Mystery / Thriller

98.6K 6K 42
Um jogo perigoso, repleto de armadilhas. Uma disputa de poder, dinheiro e desejo. De um lado do tabuleiro, a delegada Priscila Caliari, do outro, a e...
1.3M 148K 42
Que tal começar um livro já sabendo o fim? Afinal, este é o porquê da minha morte.
31.9K 1.4K 27
Obra do português Eça de Queirós.
27.1K 2.2K 27
(CONCLUÍDA) Sarah Mildred é uma jovem de dezoito anos que,sofreu abuso de seu padrasto Jacob, e recebia palavras maldosas de seu "irmão" Charlie, fi...