O assassinato no campo de gol...

By ClassicosLP

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Obra da inglesa Agatha Christie. More

I - Uma companheira de viagem
II - Um pedido de socorro
III - Na Villa Geneviève
IV - A carta com a assinatura de "Bella"
V - A história de Mrs. Renauld
VI - A cena do crime
VII - A misteriosa Madame Daubreuil
VIII - Um encontro inesperado
IX - Monsieur Giraud descobre novas pistas
X - Gabriel Stonor
XI - Jack Renauld
XII - Poirot elucida certos pontos
XIII - A moça dos olhos ansiosos
XIV - O segundo corpo
XVI - O caso Beroldy
XVII - Nossas novas investigações
XVIII - Giraud entra em ação
XIX - Eu uso minha massa cinzenta
XX - Uma declaração surpreendente
XXI - Hercule Poirot em cena
XXII - Descubro o amor
XXIII - Dificuldades no horizonte
XXIV - Salve-o!
XXV - Uma descoberta inesperada
XXVI - Recebo uma carta
XXVII - A versão de Jack Renauld
XXVIII - Fim da jornada

XV - Uma fotografia

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By ClassicosLP

A afirmação do legista foi tão surpreendente que, por instantes, ficamos todos estupefatos, sem dizer palavra. Diante de nós, estava um homem apunhalado com um punhal que, como era de conhecimento geral, fora roubado apenas vinte e quatro horas antes. Mesmo assim, o dr. Durand estabeleceu, com total convicção, o horário do crime para quarenta e oito horas atrás! A situação toda era absolutamente fantástica.

Ainda estávamos nos recuperando da surpresa causada pelo anúncio do médico quando me entregaram um telegrama que um mensageiro do hotel trouxera até a villa. Abri o envelope com ansiedade. Era uma mensagem de Poirot anunciando seu retorno pelo trem que chegaria a Merlinville ao meio-dia e vinte e oito.

Consultei meu relógio e vi que dava tempo de ir até a estação para recebê-lo. Sentia que era de extrema importância que Poirot soubesse imediatamente das novidades e seus desdobramentos estarrecedores. Parecia evidente que ele não encontrara nenhuma dificuldade em encontrar o que queria em Paris. A rapidez de seu retorno mostrava isso. Apenas algumas horas foram suficientes para ele. Fiquei pensando em como ele receberia as espantosas novidades que eu tinha a compartilhar com ele.

O trem estava com um atraso de alguns minutos. Enquanto esperava sua chegada, fiquei passeando pela plataforma. De repente, ocorreu-me que poderia passar melhor aquele tempo investigando quem teria partido de Merlinville no último trem na noite da tragédia. Abordei o chefe da estação, um homem com ar inteligente. Tive pouca dificuldade em persuadi-lo a conversar sobre o assunto. Segundo sua inflamada opinião, era uma vergonha para a polícia que tantos malfeitores e assassinos estivessem por aí, à solta e impunes. Quando sugeri que eles teriam escapado pelo trem da meia-noite, ele refutou efusivamente essa possibilidade. Decididamente, ele teria reparado em dois estrangeiros. Disso ele não tinha a menor dúvida. Não embarcaram mais que vinte pessoas naquele trem e ele não teria falhado em observar cada pessoa.

Não sei por que me ocorreu aquela ideia — talvez fosse a grande ansiedade que Marthe Daubreuil demonstrara ao falar —, mas só sei que, de repente, disparei esta pergunta:

— E o jovem monsieur Renauld? Por acaso partiu naquele trem da meia-noite?

— Ah, não, monsieur. Chegar e partir num intervalo de meia hora não faz o menor sentido. Seria até engraçado.

Encarei o homem. Por instantes, duvidei que estivesse entendendo o significado de suas palavras. Até que tudo ficou bem claro.

— O senhor está me dizendo... — perguntei, com o coração disparado — que monsieur Jack Renauld chegou a Merlinville naquela noite?

— Pois sim, monsieur. Chegou no último trem, o das vinte e três e quarenta.

Minha cabeça deu voltas. Enfim, aquele era o motivo da ansiedade exacerbada de Marthe. Jack Renauld estava em Merlinville na noite do crime. Mas por que não declarou isso para nós? Por que, ao contrário, nos levou a acreditar que tivesse permanecido em Cherbourg? Recordei-me daquele jeitinho infantil do rapaz. Era difícil de acreditar que ele pudesse ter alguma ligação com o crime. Então, por que ele mantivera silêncio a respeito de um aspecto tão relevante para o caso? Uma coisa era certa: Marthe sabia de tudo o tempo inteiro. Daí sua ansiedade e aquela sofreguidão ao perguntar a Poirot se havia algum suspeito.

Minhas elucubrações foram interrompidas pela chegada do trem. Em instantes, eu saudava Poirot. O homenzinho estava radiante, falando e gesticulando muito e, esquecendo-se da minha austeridade britânica, abraçou-me calorosamente tão logo pôs os pés na plataforma.

— Mon cher ami, obtive êxito! Tudo correu às mil maravilhas!

— É mesmo? Fico muito feliz em ouvir isto de você. Já soube das últimas notícias?

— E como saberia de alguma coisa? Então... quer dizer que as coisas evoluíram, é? O valente Giraud fez uma prisão, é isso? Ou quem sabe até mais de uma? Ah, mas eu farei com que pareça um tolo, aquele lá! Mas... onde você está me levando, meu amigo? Nós não vamos para o hotel? Preciso urgentemente refazer meu bigode, que se desfez todo devido ao calor que fez durante a viagem. Além disso, meu casaco está empoeirado e minha gravata está totalmente torta.

Logo interrompi toda aquela falação.

— Meu caro Poirot... Deixe tudo isso para lá. Precisamos seguir para a villa imediatamente. Houve outro assassinato!

Nunca vi um homem ficar tão espantado. Ficou de queixo caído, literalmente. Toda a sua animação desmoronou. De boca aberta, encarou-me.

— O que você disse? Outro assassinato? Ah, sendo assim, então estou completamente equivocado. Creio que falhei. Giraud poderá fazer piada sobre mim e... com razão!

— Quer dizer que você não esperava que isso fosse acontecer?

— Eu? Isso não me passou pela cabeça em momento algum. Com essa história, minha teoria cai por terra e tudo fica arruinado... ah, isso não! — e caiu numa espécie de torpor, batendo com a mão no peito. — Não é possível. Eu não posso estar errado! Os fatos, se dispostos metodicamente em sua sequência correta, admitem apenas uma explicação. Eu tenho que estar certo! Eu estou certo!

— Mas então...

Ele me interrompeu.

— Espere, meu amigo. Não posso estar errado, senão este novo assassinato será impossível... a menos que... Oh, espere um pouco, eu te imploro. Não diga nada, deixe-me pensar.

Ficou em silêncio por um ou dois minutos e então retomou seu jeito natural de ser e afirmou com uma voz tranquila e segura:

— A vítima é um homem de meia-idade. Seu corpo foi encontrado no galpão trancado, próximo à cena do crime, e já estava morto por pelo menos quarenta e oito horas. Também é muito provável que tenha sido apunhalado de forma muito parecida com a de monsieur Renauld, embora não necessariamente pelas costas.

Aquela foi minha vez de ficar de queixo caído. Entre todas as minhas experiências vividas junto a Poirot, nunca antes ele tinha feito uma revelação tão espantosa em meio a um caso. E, quase inevitavelmente, uma suspeita amadureceu em minha mente.

— Poirot — chamei —, você só pode estar me pregando uma peça. Você já sabia de tudo.

Ele fechou a cara e me olhou com um ar de repreensão.

— Você acha que eu faria uma coisa dessas com você? Repito que não ouvi nada sobre assunto algum. Você não notou como fiquei transtornado quando você me contou que houve um segundo crime?

— Mas como é possível que você já saiba dos detalhes?

— Estou certo, é? Mas eu sabia! São as pequeninas células da massa cinzenta, meu amigo, as celulazinhas cinzentas! Foram elas que me contaram. Somente nos termos que expus a você um segundo crime poderia ter ocorrido. Agora me conte você os detalhes. Se seguirmos o caminho da esquerda, por aqui, tomaremos um atalho pelo campo de golfe e então chegaremos à Villa Geneviève muito mais rápido.

Enquanto caminhávamos, seguindo o caminho indicado por ele, contei-lhe tudo o que sabia. Poirot ouviu cada detalhe com atenção.

— Quer dizer que o punhal estava cravado no ferimento? Que curioso... Você tem certeza de que era o mesmo punhal do primeiro crime?

— Certeza absoluta. Esse fato é o que parece impossível no caso.

— Nada é impossível. Pode ser que haja dois punhais.

Ergui as sobrancelhas.

— Mas isso me parece a coisa mais improvável do mundo. Teria sido uma coincidência absurda.

— Você está falando sem pensar, Hastings, como de costume. Em alguns casos, duas armas iguais seriam um fato improvável. Mas isto não se aplica a este caso. Esta arma em particular era um souvenir de guerra feito conforme as especificações de Jack Renauld. O que é altamente improvável, se você pensar melhor, é que ele tivesse mandado fabricar apenas um punhal. No fim das contas, o mais provável mesmo é que tenha mandado fazer pelo menos mais um para si próprio.

— Mas ninguém mencionou isso até agora — objetei.

— Meu amigo, quando a gente trabalha num caso desses, não leva em consideração só as coisas que são "mencionadas". Muitas vezes não existe um motivo para que muitas coisas importantes sejam mencionadas. Da mesma forma, há sempre uma excelente razão para não mencionar essas coisas. Você pode escolher entre as duas alternativas.

Fiquei em silêncio, convencido de que meu amigo tinha razão. Em instantes, chegamos ao famoso galpão. Encontramos todos os companheiros ali e, após uma troca de amabilidades, Poirot começou a trabalhar.

Tendo observado Giraud em ação, fiquei muito interessado no que meu amigo faria. Poirot começou observando rapidamente o lugar. A única coisa que chamou sua atenção foi o paletó rasgado e as calças velhas próximos à porta. Um sorriso desdenhoso aflorou nos lábios de Giraud e, como se não tivesse notado, Poirot largou as roupas no chão.

— Roupas velhas de jardineiro? — perguntou.

— Exatamente — confirmou Giraud.

Poirot ajoelhou-se próximo ao corpo. Seus dedos eram rápidos, porém metódicos. Examinou a textura das roupas e verificou que não havia etiqueta em nenhuma. Examinou as botas com especial atenção, bem como as unhas quebradas e sujas. Enquanto as examinava, lançou uma rápida pergunta a Giraud:

— Você viu isto?

— Sim — respondeu o outro, mantendo aquele semblante inescrutável.

De súbito, Poirot empertigou-se.

— Dr. Durand!

— Sim! — O médico se prontificou.

— Há um leve traço de espuma na boca do morto. O senhor notou isso?

— Devo admitir que não.

— Mas consegue ver agora?

— Certamente.

Poirot fez outra pergunta para Giraud.

— Já o senhor, eu presumo que havia notado isso antes, não é?

O outro não respondeu. Poirot prosseguiu. A arma havia sido removida do corpo e colocada num jarro de vidro que estava ao lado do defunto. Poirot examinou o punhal e, em seguida, estudou o ferimento com cuidado. Quando se levantou, seus olhos mostravam excitação e brilhavam com aquele tom de verde que eu conhecia tão bem.

— Que ferimento estranho! Não tem sangramento. Não há manchas de sangue na roupa. A lâmina do punhal está ligeiramente descolorida, nada mais que isso. A que o senhor atribui isso, monsieur le docteur?

— Posso dizer simplesmente que isso não é normal.

— Pois, eu digo, é bastante normal. E por uma razão muito simples. O homem foi apunhalado depois de morto. — E, acenando para amenizar um pouco o burburinho que se seguiu à sua afirmação, Poirot virou-se para Giraud e acrescentou: — monsieur Giraud concorda comigo?

Qualquer que fosse a convicção de Giraud a esse respeito, ele aceitou o argumento de Poirot sem mexer um músculo. Calmamente e de modo quase escarnecedor, respondeu:

— Oh, certamente que sim!

Murmúrios de surpresa e curiosidade eclodiram novamente pelo ambiente.

— Mas que ideia! — exclamou monsieur Hautet. — Apunhalar um homem depois de morto! Que barbaridade! Uma coisa absurda! Pode ter sido por um ódio incontrolável.

— Não — disse Poirot. — Imagino, inclusive, que o ato foi cometido a sangue-frio... para criar uma falsa impressão.

— Que falsa impressão?

— A que quase acabou criando de fato — respondeu Poirot, assumindo uma postura oracular.

Monsieur Bex estava pensativo.

— Mas, então, como esse homem foi morto?

— Ele não foi morto. Ele morreu. E, se não me engano, morreu em virtude de um ataque epiléptico!

Novamente, essa afirmação de Poirot deixou todos os presentes ouriçados. O dr. Durand ajoelhou-se novamente e reiniciou seu exame sobre o cadáver. Por fim, ergueu-se.

— Monsieur Poirot, estou inclinado a acreditar que sua afirmação está correta. No início, deixei-me levar por uma falsa evidência. A certeza de que o homem fora apunhalado desviou totalmente minha atenção em relação a outras causas para o óbito.

Poirot se transformara no herói do dia. O delegado desmanchou-se em elogios. Poirot agradeceu com simpatia e então desculpou-se dizendo que partiríamos, ele e eu, sob o pretexto de que não havíamos almoçado. Ele também disse que precisava descansar da viagem. Quando estávamos prestes a sair do galpão, Giraud se aproximou de nós.

— Só um detalhe, monsieur Poirot — disse ele, com sua voz suave e desdenhosa. — Encontramos isto enrolado em torno do cabo do punhal... um cabelo de mulher.

— Ah! — exclamou Poirot. — Um cabelo de mulher? Puxa, como gostaria de saber que mulher é essa!

— Eu também — replicou Giraud. E, com um gesto de saudação, saiu de perto.

— Insistente, o nosso bom Giraud — comentou Poirot, reflexivo, enquanto caminhávamos em direção ao hotel. — O que eu gostaria de saber mesmo é até onde ele pretende me levar a fim de desviar minha atenção. Um cabelo de mulher... hum!

Almoçamos muito bem, embora Poirot tenha me parecido um tanto distraído e ausente. Mais tarde, subimos para a sala de estar de nosso apartamento, onde implorei que me contasse alguma coisa sobre sua misteriosa viagem a Paris.

— Com todo o gosto, meu amigo. Fui a Paris à procura disto.

Retirou de seu bolso um pequeno e desbotado recorte de jornal. Era a reprodução da fotografia de uma mulher, que ele passou para eu ver. Soltei uma exclamação de surpresa.

— Você reconhece esta pessoa, meu amigo?

Assenti. Embora fosse uma fotografia tirada muitos anos antes e o penteado fosse diferente do atual, a semelhança era incontestável.

— Madame Daubreuil! — exclamei.

Poirot fez que sim e sorriu.

— Não é bem assim, meu amigo. Ela não usava esse nome naqueles tempos. Esta é a fotografia da famosa madame Beroldy!

Madame Beroldy! Num átimo, a coisa toda ressurgiu em minha memória. Aquele julgamento com repercussão internacional.

O caso Beroldy.


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