O assassinato no campo de gol...

By ClassicosLP

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Obra da inglesa Agatha Christie. More

I - Uma companheira de viagem
II - Um pedido de socorro
III - Na Villa Geneviève
IV - A carta com a assinatura de "Bella"
V - A história de Mrs. Renauld
VI - A cena do crime
VII - A misteriosa Madame Daubreuil
VIII - Um encontro inesperado
IX - Monsieur Giraud descobre novas pistas
X - Gabriel Stonor
XI - Jack Renauld
XII - Poirot elucida certos pontos
XIV - O segundo corpo
XV - Uma fotografia
XVI - O caso Beroldy
XVII - Nossas novas investigações
XVIII - Giraud entra em ação
XIX - Eu uso minha massa cinzenta
XX - Uma declaração surpreendente
XXI - Hercule Poirot em cena
XXII - Descubro o amor
XXIII - Dificuldades no horizonte
XXIV - Salve-o!
XXV - Uma descoberta inesperada
XXVI - Recebo uma carta
XXVII - A versão de Jack Renauld
XXVIII - Fim da jornada

XIII - A moça dos olhos ansiosos

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By ClassicosLP

Almoçamos bem, com excelente apetite. Comemos em silêncio por algum tempo até Poirot observar, com malícia:

— Eh bien! Não vai me contar as partes mais indiscretas do seu colóquio amoroso?

Senti que meu rosto estava ficando vermelho.

— Ah, está falando de hoje de manhã? — eu estava tentando demonstrar total naturalidade.

Mas eu não era páreo para Poirot. Em pouquíssimo tempo ele já havia extraído de mim a história inteira. Seus olhinhos cintilavam.

— Tiens! Que história mais romântica! Como se chama essa mocinha tão charmosa?

Tive de confessar que não sabia.

— Mais romântico ainda! O primeiro encontro no trem de Paris... O segundo aqui... "O amor começa quando a viagem termina,", não é mais ou menos assim?

— Deixe de ser chato, Poirot.

— Hum... Ontem era mademoiselle Daubreuil, hoje já é mademoiselle... Cinderela! Decididamente, você tem espírito de sultão, Hastings! Bem podia abrir um harém!

— Não faz mal, pode fazer toda a galhofa que quiser. mademoiselle Daubreuil é uma linda moça e realmente a admiro muitíssimo... Não tenho vergonha nenhuma em assumir isto. A outra não significa nada para mim... Creio que não nos veremos mais.

— Você realmente não pretende mais vê-la?

Sua pergunta me soou um tanto enfática, especialmente pelo olhar penetrante que me lançou ao fazê-la. Foi quando surgiram em minha mente as grandes e brilhantes palavras "Hôtel du Phare" e em meus ouvidos escutei novamente o convite "Venha me ver amanhã", seguida de minha própria voz dizendo "Vou sim" com certa pressa.

Para Poirot, porém, respondi apenas isto:

— Ela me convidou para visitá-la, mas é claro que não vou.

— Por que "é claro"?

— Bem, não quero ir.

— Mademoiselle Cinderela está hospedada no Hôtel d'Angleterre, conforme você me disse, não é verdade?

— Não. Hôtel du Phare.

— Ah, é verdade. Eu me esqueci.

Aquilo me deixou intrigado. Eu nunca havia mencionado nome de nenhum hotel para Poirot. Fiquei olhando para ele e logo entendi tudo. Ele estava cortando seu pão em quadradinhos muito bem delineados, totalmente absorto nessa tarefa. Ah, ele devia tão somente ter fantasiado que eu lhe dissera o nome do hotel onde a moça estava hospedada.

Tomamos café do lado de fora, de frente para o mar. Poirot fumou um de seus minúsculos cigarros e então sacou seu relógio de bolso.

— O trem para Paris parte às duas e vinte e cinco — observou. — Preciso ir andando.

— Paris? — exclamei.

— É o que estou lhe dizendo, mon ami.

— Mas por que você vai para Paris?

Ele respondeu em tom muito sério:

— Vou procurar o assassino de monsieur Renauld.

— Então você acha que ele está em Paris?

— Tenho certeza de que ele não está lá, mas é lá que preciso procurar por ele. Você não está entendendo nada, mas eu lhe explicarei tudo no momento certo. Acredite: esta viagem a Paris é mesmo necessária. Porém, não devo me demorar. É bastante provável que amanhã mesmo eu esteja de volta. Não quero que você venha comigo. Prefiro que fique aqui mantendo um olho vivo em Giraud. Também acho que você deve se aproximar do filho de monsieur Renauld.

— A propósito — disse eu —, estou curioso para saber como foi que você soube do envolvimento entre aqueles dois.

— Mon ami... Conheço a natureza humana. Coloque um rapaz como o jovem Renauld diante de uma linda moça como mademoiselle Marthe e o resultado será praticamente inevitável. Além disso, pense na discussão entre pai e filho! Claro que só podia se tratar de dinheiro ou de mulher e, ao me lembrar de Léonie descrevendo o grau de raiva demonstrado pelo rapaz, decidi pelo segundo motivo. Foi uma aposta... e eu estava certo!

— Quer dizer que você já suspeitava de que ela amava o jovem Renauld?

Poirot sorriu.

— De qualquer modo, percebi que ela tinha olhos ansiosos. É assim que sempre penso em mademoiselle Daubreuil... a moça dos olhos ansiosos.

Seu tom de voz era tão grave que até me incomodou.

— O que você quer dizer com isso, Poirot?

— Imagino que muito em breve poderei explicar isto também. Bem, agora preciso ir.

— Vou levá-lo até a estação — ofereci, levantando-me.

— Nada disso. Proíbo você de me acompanhar.

Ele disse isso com tanta veemência que fiquei ali, atônito, olhando para ele. Ele reafirmou sua posição:

— Estou falando sério. Au revoir.

Depois que Poirot saiu, senti-me um tanto perdido. Acabei indo passear pela praia, observando os banhistas, porém sem ânimo de me unir a eles. Comecei a fantasiar que Cinderela podia estar por ali se exibindo num lindo traje de banho. Contudo, ela não estava entre aquelas pessoas. Prossegui caminhando sem rumo pela areia até o lado oposto da cidade. Foi então que me ocorreu que procurar pela garota seria uma atitude decente e cortês de minha parte, além de provavelmente me poupar aborrecimentos futuros. E, assim, o caso seria encerrado, sem haver necessidade de me preocupar com o que quer que acontecesse com ela depois de minha visita. Se eu não a procurasse naquele momento, certamente seria ela quem iria procurar por mim na villa.

Tendo isto em mente, deixei a praia e segui para a cidade. Logo encontrei o Hôtel du Phare. Era um prédio simples, sem muitas pretensões. Era extremamente estranho chegar naquele lugar sem saber o nome da moça. Assim, para poupar minha dignidade, resolvi dar uma olhada pelo saguão e ver se a encontrava por ali, mas não havia nem sinal dela. Esperei por algum tempo até ser vencido por minha própria impaciência. Chamei o recepcionista de lado e discretamente pus cinco francos em suas mãos.

— Gostaria de ver uma moça que está hospedada aqui. Uma garota inglesa, de baixa estatura, morena... Não sei bem como se chama.

O homem balançou a cabeça e parecia estar disfarçando um sorriso.

— Não há nenhuma moça com essa descrição no hotel.

— Mas ela me disse que estava hospedada aqui.

— O senhor deve estar enganado. Ou... a moça deve ter cometido um engano, pois outro cavalheiro também esteve aqui perguntando por ela.

— O que você está me dizendo? — exclamei, surpreso.

— Sim, monsieur. Um cavalheiro que deu esta mesma descrição da moça que o senhor está procurando.

— Qual a aparência dele?

— Um cavalheiro de pouca altura, bem-vestido, impecável mesmo, com um bigode muito afilado nas extremidades, a cabeça assim meio ovalada e de olhos verdes.

Poirot! Então era esta a razão por que ele não queria minha companhia até a estação. Que impertinente! Metendo-se na minha vida particular. Depois dessa, o que deve estar tramando? Será que pensa em arrumar uma enfermeira para tomar conta de mim?

Agradeci ao homem e saí, um tanto confuso e ainda bastante irritado com a atitude de meu amigo.

Mas, afinal, onde estava a moça? Tratei de abstrair a raiva e me concentrar nisso. Era possível que houvesse se confundido em relação ao nome do hotel. Então outra ideia me ocorreu. Teria sido mesmo um engano ou ela deliberadamente havia me ocultado o próprio nome e mentido sobre o local onde estava hospedada?

Quanto mais eu pensava nisso, mais me convencia de que esta segunda hipótese era a verdadeira. Por uma razão ou outra, ela não me parecia interessada em deixar a amizade amadurecer. E, embora esta exata ideia fosse minha cerca de meia hora antes, não era nada confortável pensar que ela me desprezasse daquele jeito. A situação toda era profundamente insatisfatória e acabei indo para a Villa Geneviève em absoluto mau humor. Em vez de entrar na casa, segui direto pela alameda até o banquinho próximo do galpão e lá fiquei remoendo meus rancores.

Fui distraído de meus pensamentos pelo som de vozes que se aproximavam rapidamente. Logo percebi que provinham não do pátio onde eu estava, mas do jardim ao lado, na Villa Marguerite. Uma voz de moça, pude reconhecer instantaneamente, era da bela Marthe.

— Chéri — ela dizia —, é mesmo verdade que todos os nossos problemas não existem mais?

— Você sabe que sim, Marthe — respondeu Jack Renauld. — Agora, nada mais poderá nos separar, querida. O último obstáculo para nossa união já não existe mais. Nada mais pode afastar você de mim.

— Nada? — a garota murmurou. — Oh, Jack... Jack... Tenho tanto medo.

Preparei-me para sair ao perceber que estava bisbilhotando quase sem querer. Quando me pus de pé, pude vê-los perfeitamente através de uma pequena falha na sebe. Eles estavam bem diante de mim, o rapaz abraçado à moça, seus olhos fitando os dela profundamente. Formavam um casal esplêndido: o rapaz moreno, forte e bem proporcionado, e a jovem deusa. Pareciam ter sido feitos um para o outro, exalando felicidade apesar da terrível tragédia que desabara sobre suas vidas.

O semblante da moça estava pesado, todavia. Jack Renauld pareceu perceber sua inquietação e perguntou, enquanto a trazia mais próximo de si:

— De que você tem medo, querida? O que restou para se temer... agora?

Então pude notar a expressão de seus olhos, aquela que Poirot tanto enfatizara. Creio que até pude adivinhar o que ela disse em seguida:

— Tenho tanto medo... por você.

Não ouvi a resposta do jovem Renauld porque minha atenção se voltou para alguma coisa muito estranha pouco abaixo, camuflado próximo à sebe. Parecia haver um arbusto amarelado ali, uma coisa de fato esquisita para um verão que mal acabara de começar. Caminhei em direção a essa coisa para entender do que se tratava, mas, antes que eu fizesse qualquer coisa, esse "arbusto amarelado" precipitou-se para frente e me encarou com um dedo sobre os lábios. Era Giraud.

Muito cauteloso, puxou-me em torno do galpão até atingirmos um ponto onde não mais poderiam nos ouvir.

— O que está fazendo aqui, exatamente? — perguntei.

— A mesma coisa que você: escutando.

— Mas eu não estava lá de propósito!

— Ah! — disse Giraud. — Eu estava.

Como de costume, meu sentimento por aquele homem era de admiração e desprezo ao mesmo tempo. Ele me olhou de cima a baixo com um jeito de completo desdém.

— Você não ajudou em nada aparecendo por aqui. Eu poderia ter ouvido alguma coisa importante minutos atrás. Onde está aquele fóssil do seu amigo?

— Monsieur Poirot foi para Paris — respondi secamente.

Giraud estalou os dedos e falou, em tom depreciativo: — Quer dizer que foi para Paris? Enfim, fez algo que preste. Quanto mais longe ficar, melhor. Mas o que ele pensa que vai conseguir indo para Paris?

Percebi em sua pergunta um toque de desconforto. Resolvi me conter.

— Isso eu não estou autorizado a lhe revelar — afirmei, com tranquilidade.

Giraud encarou-me com seu olhar penetrante.

— Ele deve ter juízo suficiente para não revelar nada a você — observou, com a maior grosseria. — Boa tarde. Estou ocupado. — E, revolvendo-se sobre os calcanhares, partiu sem cerimônia.

As coisas pareciam inalteradas na Villa Geneviève. Giraud evidentemente dispensava minha companhia e, pelo que pude constatar, Jack Renauld parecia ter o mesmo sentimento.

Voltei para a cidade. Aproveitei para tomar um bom banho e dormir cedo, esperando que o dia seguinte nos trouxesse alguma novidade interessante.

Eu estava completamente despreparado para receber o que ele traria de verdade. Estava tomando meu café da manhã no hotel, quando o garçom, que estivera conversando com alguém do lado de fora, retornou ao salão demonstrando agitação. Ele hesitou por alguns instantes, torcendo o guardanapo de um jeito peculiar entre os dedos e então declarou:

— Perdoe-me, monsieur, mas creio que o senhor está investigando o caso da Villa Geneviève, não está?

— Sim — respondi, curioso. — Por quê?

— O senhor ainda não soube da novidade?

— Que novidade?

— Houve outro assassinato lá esta noite!

— O quê?

Deixei o café pela metade, peguei meu chapéu e saí correndo para a mansão. Outro assassinato... e Poirot ausente! Que fatalidade. Mas, afinal, quem fora assassinado dessa vez?

Entrei pelo portão da villa em disparada. Algumas empregadas estavam no pátio de entrada conversando e gesticulando. Tomei Françoise pelo braço e perguntei:

— O que aconteceu?

— Oh, monsieur! Monsieur! Outra morte! Que coisa horrível! Há uma maldição nesta casa! Ah, não tenha dúvida, é uma maldição! É preciso chamar o padre para benzer este lugar. Ah, não vou dormir nem mais uma noite aqui! Vai que resolvem me pegar também!

E fez o sinal da cruz.

— Compreendo, Françoise... mas quem foi assassinado?

— E eu que sei? Um homem... um homem desconhecido. Encontraram-no lá... perto do galpão... não muito longe de onde encontraram o pobre monsieur. E isso não é tudo. Ele foi apunhalado... no coração... com o mesmo punhal!

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