O assassinato no campo de gol...

By ClassicosLP

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Obra da inglesa Agatha Christie. More

I - Uma companheira de viagem
II - Um pedido de socorro
III - Na Villa Geneviève
IV - A carta com a assinatura de "Bella"
V - A história de Mrs. Renauld
VI - A cena do crime
VII - A misteriosa Madame Daubreuil
VIII - Um encontro inesperado
X - Gabriel Stonor
XI - Jack Renauld
XII - Poirot elucida certos pontos
XIII - A moça dos olhos ansiosos
XIV - O segundo corpo
XV - Uma fotografia
XVI - O caso Beroldy
XVII - Nossas novas investigações
XVIII - Giraud entra em ação
XIX - Eu uso minha massa cinzenta
XX - Uma declaração surpreendente
XXI - Hercule Poirot em cena
XXII - Descubro o amor
XXIII - Dificuldades no horizonte
XXIV - Salve-o!
XXV - Uma descoberta inesperada
XXVI - Recebo uma carta
XXVII - A versão de Jack Renauld
XXVIII - Fim da jornada

IX - Monsieur Giraud descobre novas pistas

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By ClassicosLP

No salon, encontrei o delegado interrogando laboriosamente o velho jardineiro Auguste. Poirot e o comissário, também presentes, cumprimentaram-me respectivamente com um sorriso e uma saudação típica da polícia. Sentei-me a um canto com discrição. Monsieur Hautet era diligente e meticuloso ao extremo, porém não conseguiu obter nenhuma informação importante do jardineiro.

Auguste admitiu que as luvas de jardinagem fossem suas. Ele as usava quando precisava lidar com uma espécie de prímula que podia ser tóxica para algumas pessoas. Não se lembrava de quando as havia calçado pela última vez. Não dera falta delas. Onde as guardava? Às vezes num lugar, às vezes noutro. A pá normalmente ficava no pequeno galpão de ferramentas. Esse galpãozinho ficava trancado? Claro que sim. E onde guardavam a chave? Parbleu, ficava pendurada na porta. Não havia nada de valor para ser roubado ali. Quem podia esperar pelo aparecimento de um par de bandidos ou assassinos? Esse era o tipo de coisa que não acontecia no tempo de madame la Vicomtesse.

Dando a entender que já estava satisfeito com o depoimento, monsieur Hautet dispensou o jardineiro, que saiu resmungando sem parar. Lembrando-me da insistência de Poirot sobre a importância das pegadas nos canteiros de flores, prestei atenção nele enquanto prestava seu depoimento. Podia ser que ele nada tivesse a ver com o crime. Mas ele também podia ser um ótimo ator. De repente, quando ele já alcançava a porta, tive uma ideia.

— Pardon, monsieur Hautet — gritei —, tenho sua permissão para fazer uma pergunta?

— Certamente, monsieur.

Encorajado pela resposta, voltei-me para Auguste.

— Onde você põe suas botas?

— Nos meus pés — retrucou o velho. — Onde mais queria que eu as pusesse?

— E à noite, quando vai dormir, onde as coloca?

— Debaixo da cama.

— Mas quem limpa suas botas?

— Ninguém. Para que limpá-las? Acha que sou um rapazinho que fica se exibindo por aí? Aos domingos calço minhas botas de passeio, mas nos outros dias... — e deu de ombros.

Balancei a cabeça em sinal de desânimo.

— Bem — desabafou o delegado —, não estamos evoluindo muito. Acho que ficaremos assim até recebermos uma resposta de Santiago. Alguém viu Giraud? Aquele ali não tem a menor educação, mas gostaria de mandar chamá-lo e...

— Não se dê ao trabalho.

A voz tranquila nos tomou de surpresa. Giraud estava de pé do lado de fora espiando por uma das janelas. Entrou rapidamente na sala e avançou em direção à mesa.

— Aqui estou às suas ordens. Aceite minhas desculpas por não ter me apresentado mais cedo.

— Não se trata disso, absolutamente, não! — exclamou o delegado, um tanto confuso.

— Obviamente sou apenas um detetive — continuou o outro —, não sei muito a respeito de interrogatórios. Mas, se tivesse de conduzir um, não o faria de janelas abertas, pois qualquer pessoa do lado de fora poderia facilmente ouvir todo o depoimento. Enfim, isso não importa.

Monsieur Hautet sentiu o sangue ferver. Era evidente que o delegado e o detetive encarregado do caso não formariam uma parceria amigável. Haviam se estranhado desde o início. Certamente as animosidades entre os dois já fossem as mesmas desde sempre. Para Giraud, todos os delegados não passavam de tolos. Para monsieur Hautet, apesar de respeitar o trabalho dos detetives, os modos do investigador parisiense eram muito ofensivos.

— Eh bien, monsieur Giraud — falou o delegado, friamente —, tudo leva a crer que anda empregando seu tempo com resultados impressionantes! Já tem os nomes dos assassinos para nos informar? E, com certeza, o paradeiro deles neste exato momento?

Sem se deixar abater por essa ironia, Giraud respondeu:

— Ao menos sei de onde vêm.

Giraud retirou dois objetos pequenos do bolso e os depositou sobre a mesa. Todos se aglutinaram ao redor. Os objetos nada tinham de extraordinário: uma guimba de cigarro e um palito de fósforo não riscado. O detetive acercou-se de Poirot.

— O que vê aqui? — perguntou.

Seu tom de voz tinha algo de brutalidade. Isso me fez corar. Poirot, no entanto, permaneceu imperturbável e deu de ombros.

— Uma ponta de cigarro e um fósforo.

— E o que isso lhe diz?

Poirot esticou as mãos.

— Absolutamente nada.

— Ah! — disse Giraud, cheio de satisfação. — O senhor não examinou estes objetos. Não se trata de um palito de fósforo comum. Pelo menos não neste país. Este fósforo é bastante popular na América do Sul. Por sorte, não foi riscado. Do contrário, eu não o teria reconhecido. Evidentemente, um dos criminosos jogou no chão um cigarro fumado e, ao acender outro, deixou cair da caixa um palito não riscado.

— E o outro palito? — perguntou Poirot.

— Que outro palito?

— O que ele realmente usou para acender o cigarro. O senhor também o encontrou?

— Não.

— É possível que não tenha procurado direito.

— Procurado direito? — Por um instante, pensei que o detetive iria explodir de raiva, mas, com esforço, acabou se contendo. — Vejo que gosta de uma piadinha, monsieur Poirot. Mas, de qualquer modo, com ou sem fósforos, a guimba do cigarro sozinha nos diz o suficiente. É um cigarro sul-americano confeccionado num papel especial.

Poirot fez um gesto de reverência. O comissário falou:

— Tanto a guimba do cigarro como o fósforo podiam pertencer a monsieur Renauld. Lembrem-se de que faz apenas dois anos que ele retornou da América do Sul.

— Não — protestou o outro, confiante. — Já procurei entre as coisas de monsieur Renauld. Os cigarros que fumava e os fósforos que usava são totalmente diferentes.

— Não considera estranho — perguntou Poirot — que esses forasteiros tenham vindo para cá sem arma, sem luvas, sem pá e que tenham encontrado todos esses objetos ali, como se estivessem à espera deles?

Giraud sorriu demonstrando um ar de grande superioridade.

— É estranho, sem dúvida. De fato, sem a teoria que defendo, não haveria explicação para isso.

— Ah! — falou monsieur Hautet. — Havia um cúmplice na casa!

— Ou fora dela — completou Giraud, com um sorrisinho peculiar.

— Mas alguém permitiu a entrada deles. Não podemos aceitar que, simplesmente por um inesperado golpe de sorte, eles tivessem encontrado a porta da frente totalmente escancarada.

— A porta foi aberta para que entrassem, mas isso bem pode ter sido feito pelo lado de fora por alguém que tivesse a chave.

— Mas quem teria a chave?

Giraud sacudiu os ombros.

— Quanto a isso, quem possuir a chave não será tolo de admiti-lo. Porém, muitas pessoas podem ter essa chave. O filho, monsieur Jack Renauld, por exemplo. É verdade que ele está viajando para a América do Sul neste momento, mas poderia ter perdido a chave ou alguém pode tê-la furtado dele. Tem também o jardineiro, que está aqui há muitos anos. Uma das criadas mais jovens bem pode ter um amante. É muito fácil tirar o molde de uma chave e mandar fazer uma cópia. Há muitas possibilidades. Sem falar numa pessoa que, segundo minha opinião, tem grande possibilidade de estar de posse dessa chave.

— Quem?

— Madame Daubreuil — sentenciou o detetive.

— Eh-eh! — exclamou o delegado. — Então o senhor ouviu a respeito disso, hein?

— Eu ouço tudo — afirmou Giraud, imperturbável.

— Mas tem uma coisa que posso jurar que o senhor ainda não ouviu — retrucou monsieur Hautet, deliciando-se com a possibilidade de demonstrar um conhecimento mais aprofundado do caso. E, sem mais delongas, contou a história do visitante misterioso da noite anterior. Ele também mencionou o cheque em nome de "Duveen" e, por fim, passou para Giraud a carta assinada por "Bella".

— Tudo muito interessante, mas nada disso afeta minha teoria.

— E qual é sua teoria?

— Por enquanto, prefiro não dizer nada. Lembrem-se, estou apenas começando minha investigação.

— Diga-me uma coisa, monsieur Giraud — interrompeu Poirot. — Sua teoria fala da porta aberta, mas não explica por que ela foi deixada aberta. Quando partiram, não teria sido natural para os criminosos fechar a porta? Se um sergent de ville tivesse passado lá fora, como é de costume, eles seriam flagrados e detidos imediatamente.

— Bobagem! Eles se esqueceram de fazer isso. Cometeram um deslize, posso garantir.

Então, para minha surpresa, Poirot pronunciou praticamente as mesmas palavras que enunciara anteriormente para Bex.

— Não concordo com o senhor. A porta foi deixada aberta premeditadamente ou por necessidade e qualquer teoria que não levar isso em conta estará errada já de início.

Todos olhamos para o homenzinho bastante estarrecidos. Para mim, Giraud procurou humilhar Poirot quando revelou sua ignorância em relação à guimba de cigarro e ao palito de fósforo. No entanto, Poirot agora se mostrava autoconfiante a ponto de arrasar a teoria do francês sem titubear.

Giraud torceu o bigode pelas pontas, fitando meu amigo com certo olhar superior.

— Não concorda comigo? Muito bem, então me diga o que lhe chama mais a atenção neste caso. Vamos ouvir a sua teoria.

— Uma coisa se me apresenta como bastante significativa. Conte-me, monsieur Giraud, não há nada que lhe pareça familiar neste caso? Nada que lhe remeta a outra coisa?

— Familiar? Alguma coisa que me faça lembrar de outra? Não sei dizer assim de pronto. Mas creio que não exista nada relacionado a este caso.

— O senhor está errado — afirmou Poirot, calmamente. — Um crime muito similar foi cometido antes.

— Quando? Onde?

— Ah, disso não consigo me lembrar no momento, mas logo ele virá à minha mente. Esperava que o senhor pudesse reavivar minha memória a esse respeito.

Giraud demonstrou desprezo e incredulidade.

— Já houve inúmeros casos de homens mascarados. Como espera que me lembre de detalhes de cada um deles? E, no final, os crimes acabam sendo tão parecidos uns com os outros.

— Ah, mas há sempre uma peculiaridade ímpar em cada um. — Poirot assumiu uma postura professoral e passou a se dirigir a todos os presentes. — Agora vou falar para os senhores sobre a psicologia do crime. Monsieur Giraud sabe muito bem que cada criminoso possui seu método particular de ação, e que a polícia, quando chamada a investigar, digamos, um caso de invasão de propriedade com roubo, por exemplo, pode chegar ao culpado pela simples análise dos métodos utilizados no crime (Japp lhe diria o mesmo, Hastings). O ser humano é um animal sem originalidade. Falta-lhe imaginação tanto dentro da lei, no seu cotidiano respeitável, como também fora dela. Quando um ser humano comete um crime, qualquer delito subsequente cometido por este mesmo ser humano será muito parecido com o primeiro. Aquele assassino britânico que matou todas as suas esposas sucessivamente afogando-as na banheira é um bom exemplo. Se houvesse variado seu método, talvez estivesse solto até hoje. Mas ele seguiu a rotina de sua natureza humana, pensando que aquilo que deu certo um dia seria um sucesso para sempre. Acabou pagando o preço decorrente de sua falta de originalidade.

— E qual o sentido de tudo isso, hein? — perguntou Giraud, com escárnio.

— Isto significa que, quando o senhor se deparar com dois crimes muito similares tanto no planejamento como na execução, encontrará o mesmo cérebro por trás de ambos. Estou à procura desse cérebro, monsieur Giraud, e digo-lhe que o encontrarei. Aqui temos uma pista verdadeira, uma pista psicológica. O senhor pode saber tudo sobre tocos de cigarro e palitos de fósforo, monsieur Giraud, mas eu, Hercule Poirot, conheço a mente humana.

Giraud permaneceu singularmente impassível.

— Para seu conhecimento — continuou Poirot —, vou lhe chamar a atenção para outro fato que pode não ter merecido sua atenção. O relógio de pulso de madame Renauld, bem no dia seguinte à tragédia, estava duas horas adiantado.

Giraud arregalou os olhos.

— Mas pode ser que o relógio estivesse adiantando mesmo.

— E, de fato, assim me disseram.

— Muito bem, fato consumado...

— Mesmo assim, duas horas é tempo demais — comentou Poirot, calmamente. — Sem falar na questão das pegadas no canteiro de flores. — E fez um gesto com a cabeça, apontando em direção à janela. Giraud deu dois longos passos até lá e olhou para fora.

— Não estou vendo pegada nenhuma.

— Não há pegada nenhuma mesmo — disse Poirot, endireitando uma pequena pilha de livros sobre a mesa.

Por um instante, uma ira quase assassina tomou conta do semblante de Giraud. Deu mais dois longos passos, desta vez em direção a seu opositor. Porém, nesse exato momento, a porta do salon se abriu e Marchaud anunciou:

— Monsieur Stonor, o secretário, acaba de chegar da Inglaterra. Devo mandá-lo entrar?


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