Quando em Vegas

Da MariaFernandaRibeir2

165K 16.2K 2K

Julia é uma das advogadas mais requisitadas do estado da Geórgia, e tem uma reputação a zelar pelo bem dos cl... Altro

Alerta de gatilho+ aviso aos leitores
Dedicatória
Prólogo
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
26
27
28
29
30
31
32
Epílogo
Brianna e Harvey contam sua história
Contato

25

4.3K 439 50
Da MariaFernandaRibeir2

Julia

Sentar na minha cadeira novamente é semelhante a sensação que tive quando peguei o meu diploma de direito com o reitor na minha formatura. Voltar para casa foi como se eu estivesse voltando de viagem para mim, o que me tocou foi voltar para cá. Reencontrar o lugar que me abrigou por horas a fio, que me fez ser quem sou. Já para o Dustin, me ver levantando da maca quando ganhei a alta, caminhando até ele, já foi razão para começar a chorar. E ele está com a mesma cara de choro ao abrir a porta da minha sala e entrar, ainda que eu tenha deixado ele até dormir na minha cama.

Foi por razões térmicas. Está frio, ele é grande e quente. Obviamente acordar com beijos na primeira manhã não teve nada a ver com o fato dele ainda estar dormindo na minha cama.

— Que bom é te ver no seu habitat natural.

— Sim, e isso está te fazendo chorar, para variar.

— Bem que você queria que fosse, não é? Eu choro por nós dois, e isso te faz sentir normal, o que é completamente anormal. Mas não é isso que me fez ficar emocionado. Eu estava conversando com o seu secretário sobre a primeira cliente do dia, ele disse que ela já está vindo.

— A Emorie? Ela está agendada às oito, segundo o garoto. — checo o relógio para conferir. Sete e quarenta.

— Sim, ela disse que se sente mais segura aqui que em um café. O ex voltou a atacar enquanto você estava no hospital.

Ele fala com tanta propriedade que parece que é ele o advogado.

— Este é um daqueles casos que me faria chorar se eu não tivesse controle emocional. — confesso.

A Emorie é uma cliente do Oliver que precisou de mim, porque não é nada natural o marido atacar a mulher por ela pedir o divórcio. O Dustin mostra o lenço que ela deu a ele.

— Eu não tive nenhum. Como você consegue lidar com isso?

— Deixo pra chorar no banho.

— Não, não emocionalmente, mas... como humana, acho. O cara não teve nenhuma piedade, o rosto dela está irreconhecível e o que fez com o couro cabeludo é de vomitar.

— Você ficou dez minutos com ela e ela já te mostrou as fotos? Uau. É bom mesmo nisso de socializar. Talvez eu devesse te contratar para acalmar os meus clientes antes que o Oliver o faça.

— Eu prefiro ser contratado pelo Oliver.

Reviro os olhos. É claro que ele ainda tem medo dos meus clientes. O garoto entra na sala com os meus casos de hoje e aponta o primeiro.

— Passei esse na frente dos da tarde porque acho que é mais importante para você. Vou trazer o seu suco agora, você quer açúcar?

— Suco?

— O seu marido disse que você está tomando remédios demais para tomar café, e eu não quero ter que ser a testemunha da sua morte no tribunal. Minha vó que fez para você, disse que uma mulher na idade fértil deve cuidar de partes específicas do corpo e tudo mais.

Não quero nem saber o que é o tudo mais. Bebo um pouco e é absurdamente péssimo. Tem gosto de limão estragado e gengibre, com um toque bem forte de rúcula. Ele faz um "toca aqui" com o Dustin e eu estreito os olhos, cuspindo o que não engoli na lixeira antes que ele comece a explicar.

— O Dustin me desafiou a te fazer beber uma das minhas vitaminas. Eu coloco mel, mas achei que seria mais saudável sem.

— Garoto, se isso aqui fosse o elixir da vida, eu escolheria a morte sem pensar duas vezes. É a pior coisa que já entrou na minha boca. Vá trabalhar agora, e se vier com outra coisa ruim no almoço, te demito por tentativa de envenenamento.

O Dustin está com um sorrisinho no rosto quando o homem sai.

— Que foi?

— É que, até você provar isso, uma camisinha saborizada era a coisa com o pior gosto para você, até onde me lembro.

Sorrio amplamente para ele, porque deste detalhe de Vegas eu lembro bem.

— Você não provou nenhuma das duas coisas, então quem escolhe sou eu. Tem mesmo rúcula naquilo? — pego uma bala na gaveta pra tirar o gosto da boca.

— Tem, a vitamina é minha, na verdade. É o meu café da manhã, ele provou um pouco e quase teve uma convulsão, então disse que não sabia como você me beijava se a minha boca tem gosto disso.

— Hoje de manhã tinha gosto de pasta de dente, espero que ele saiba disso. Não quero arruinar a minha reputação. O garoto te explicou o protocolo dessa primeira cliente, certo?

— Sim, eu vou comer alguma coisa na rua com ele, o Oliver e o Pierre. Pedi que uma segurança feminina acompanhasse ela até aqui em cima.

Como naquele episódio de Grey's Anatomy, essa cliente não consegue ver figuras masculinas sem ter um ataque de pânico. Foi agredida até entrar em coma pelo futuro ex-marido, e por isso estou trabalhando duplamente com ela, para denunciar o crime e conseguir o divórcio. É o segundo divórcio com o qual trabalho na vida, e o primeiro que não sou uma estagiária, então estou também duplamente nervosa.

— Obrigada por cuidar disso.

— É o mínimo que posso fazer por ela. Você quer alguma coisa da rua, que não café?

— Balas de café.

— Um bagel recheado? Pode deixar.

Ele não vê ao sair, mas eu sorrio, porque até que gosto que ele tente trocar o meu café por outra coisa. Tem uma máquina lá fora, então eu só ganho. Só compro porque não posso ficar levantando toda hora pra preparar, leva algum tempo pra ficar pronto, e o garoto não sabe usar ela tampouco.

— Julia? — a cliente chama — Obrigada por disponibilizar uma acompanhante para mim.

Ela está tremendo. Eu saio da minha cadeira e indico o sofá, sabendo que ficará mais confortável lá.

— Você relatou que não gosta de andar sozinha, não fiz mais que o esperado. Aconteceu alguma coisa?

— Ele estava a duas portas da minha quando saí. Eu vi ele. Estava com uma mulher, eles estavam... — ela não consegue falar e a boca faz um bico.

O Oliver me disse que isso poderia acontecer. Muitas vítimas são apaixonadas pelo agressor, por isso ficam. E também me disse que eu não devo alimentar isso.

— Você fez uma boa viagem para cá? Essa neve sempre me deixa nervosa.

— Fiz. A motorista me indicou um bom restaurante para pedir comida.

— Uh, o Dustin conhece alguns, posso perguntar a ele. Eu não tenho uma... variedade muito grande no meu cardápio, então estou começando a descobrir agora.

— Seria bom. Me surpreende que ele não esteja aqui, considerando tudo que você viveu.

— Ele entende o seu medo, nunca desafiaria ele assim. Você trouxe as provas?

~~~

Mando uma mensagem para o Oliver quando ela sai. Ouvir tudo que aconteceu com ela me fez sentir como aquela adolescente assustada por causa da mãe novamente, e essa é uma sensação que eu esperava nunca sentir novamente. Não consegui me segurar ao ouvir o relato dela, e precisei usar toda a caixa de lenços que achei que nunca usaria. Ver as fotos que a perícia liberou foi estarrecedor. O medo gritante na cara dela, intensificado pelo fato de só ter um plantonista homem no hospital onde ela foi socorrida, é um soco no meu estômago.

Só vi aquele olhar uma outra vez, e foi no meu rosto quando saí daquele inferno em Washington. O gosto de reviver essa sensação me obrigou a chorar um pouco no banheiro, de onde trago lenços umedecidos para limpar a maquiagem, sentando no sofá para fazê-lo. É terrível ter que encarar uma realidade tão aterrorizante quanto uma que alguém que deveria ser seu maior confidente te trai com a violência. E dói não ter para onde ir depois disso, mas melhor que ninguém sei que voltar é a pior opção. Eu tive a sorte de ter um amigo.

Ela só teve a segurança do hospital.

A porta abre antes que eu esteja pronta. O Dustin vê as minhas lágrimas, por mais que eu tente fingir que não são o que são, e senta ao meu lado, fazendo carinho na minha mão.

— A Marnie não vai te machucar novamente, Julia.

— Como você sabe?

— O quê? Que ela te machucou ou que não vai te machucar novamente? — as duas coisas, digo. — As feições dessa cliente ao ver três homens saindo do prédio na hora que entrou, eram as suas quando chegamos na capital. E o quanto eu puder manter você longe daquela mulher, eu vou. Sei que eu não fui toda a razão para você querer ir embora tão rápido.

Não mesmo, mas não discuto isso, porque ele escorrega um papel para mim.

— Você meio que deixou isso em Washington.

É um envelope violado, datado à mão no último dia que estive lá. A letra eu conheço bem. Na carta dentro ela diz que, embora eu tenha tentado me tornar quem deveria ser ao me casar, que sou ainda a maior decepção de toda a família. Que eu deveria parar de ficar tentando denunciar bobagens e focar no que faz o país avançar; a política. Que ela ainda vê uma luz em mim por eu ter me casado e que tem esperança, mas que não quer me ver mais por todas as razões citadas. Não leio o resto, passo o papel no picotador e jogo o que sai na caixa das gêmeas usarem para trabalhos escolares, e me viro para ele.

— Se você leu aquilo, por que me deu pra ler também?

— Porque não é meu para eu decidir o que fazer.

— Certo. Você tem a minha autorização para censurar esse tipo de coisas daqui em diante. Acho que me... conhece o bastante para saber o que me afeta ou não.

Ele estala a língua, chateado.

— Por que você hesitou?

— Porque eu não consigo acreditar que deixei você me conhecer. O meu plano quando você saiu correndo atrás de mim era entrar no carro e dizer a polícia que tinha um louco me perseguindo.

O arfar dele me faz engolir o riso.

— Eu não estava te perseguindo!

— Ah? Você sai correndo atrás de mim e não está me perseguindo?

— Eu marquei uma hora com você, lembra? Você desmarcou. Eu precisava... hm... eu achava que aquilo deveria ser tratado com urgência, e você desmarcou. Ia fazer o quê? Esperar você querer se casar para descobrir que já era comigo?

— Pensando por esse lado, você fez bem. Imagina passar o resto da vida casada e nunca saber que eu posso me aproveitar disso para ter comida sempre?

— Julia, você não acha mesmo que eu estava te perseguindo, certo? Nunca foi minha intenção te dar essa sensação.

— Dustin querido, eu estou brincando. Se você estivesse me perseguindo, eu nunca aceitaria ficar perto de você sem que houvesse um par de algemas nas suas mãos.

Ele faz algo com os papéis picotados, mas é tão abstrato que prefiro nem tentar entender.

— Sabe a primeira coisa que pensei quando te vi? — ele pergunta.

— Não, mas sei que te reconheci das fotos com aquela mulher maravilhosa. Eu queria casar com ela, mas você nem é tão mal assim. Só que eu ainda preferia ela.

— Uau. Você é tão... você. Por que é tão aficcionada com a Nara, hein? É perturbador.

— Para você que namorou ela, talvez. Eu não estava falando sério, não acho que daríamos certo com vidas tão iguais. Mas acho que preciso esclarecer, eu sou bissexual, Dustin. Não era fixação e nem paranoia, ou seja lá como você for chamar, era só atração. Não tenho nenhum quarto dedicado a ela ou coisa do tipo. E conheci ela antes de conhecer você, então não, não veio de você; isso seria extremamente perturbador se sim.

— Isso explica um pouco, mas por favor, você pode tentar se controlar se um dia conhecê-la? Ela não é tão sua fã, e não seria muito legal isso.

— Fica tranquilo, eu sei que ela tem raiva de mim. Afinal, você terminou com ela e nem deu a ela a oportunidade de conhecer o verdadeiro amor da vida dela; eu.

As feições dele ficam tensas.

— A verdadeira razão pela qual terminei com ela antes de ir para Vegas é que ela me agrediu. A razão pela qual voltei antes de te encontrar é que ela disse que eu era a única razão dela estar viva, dentre outras ameaças. Eu sabia no que estava me metendo, e ainda assim escolhi acreditar que poderia dar certo, que aquilo não ia acontecer mais.

Sinto meu coração batendo na garganta. Como eu não vi isso acontecer?

— E aconteceu?

É inevitável. Adoto minha postura de advogada. O que tenho na minha frente não pode ser tratado de modo leviano, como com a Emorie. Isso é sério.

— Sim. — é toda a resposta dele.

Reconheço a hora de recuar, e é o que faço.

— Você denunciou alguma vez?

— Eu sabia no que estava me metendo, não o que estava fazendo. Nunca pensei em denunciar. Acabou que você me salvou de ter que explicar por que não voltarei.

Não sei como seguir a partir disso. Queria poder trabalhar em cima disso, porque é o que sei fazer, mas sem uma denúncia não tenho para onde ir.

— Obrigada por me contar. Isso explica muito. Eu também vivi um, você sabe com quem, e por isso achei que poderia reconhecer todos os sinais.

— Não é sua culpa.

— Eu sei que não, mas gostaria de ter ajudado antes. Você é... um cara legal. Um cara legal que eu gosto. — digo rápido — Muito. E não me agrada a ideia de você estar sofrendo tão perto...

— Respira. A última coisa que entendi foi "legal". Está tomando café escondido?

— Não. Só estou nervosa. Havia esquecido como é ruim. Acho que precisamos melhorar nossa comunicação. Por onde a gente começa isso? Não devia ser natural?

A risadinha dele faz meu coração desacelerar um pouco.

— Geralmente é, cariño, mas acho que trabalhar nisso será tão interessante quanto. Falando em trabalhar, tenho algo a fazer e preciso ir. Me encontre em casa, ?

Estreito os olhos para ele. Quando fala espanhol assim no meio de tudo, está ocupado demais inventando algo para se preocupar com a língua falada. O que será dessa vez, só saberei depois que atender todos os outros clientes.

Pela primeira vez sinto um frio bom na barriga no trabalho. Só espero que não me decepcione novamente.

Continua a leggere

Ti piacerà anche

109K 11.1K 19
Nada na vida é pior do que receber o convite de casamento de sua irmã mais nova quando você está completamente solteira. Talvez possa ser pior se voc...
52.6K 3.5K 41
Uma história de amor é realmente o suficiente para manter um casamento vivo entre duas pessoas imperfeitas? Quando uma música começa, a melodia é per...
3.2K 588 42
Katherine é acostumada a mudanças. Ela está presa em dois mundos, onde tentar buscar a felicidade é sua meta. Ela compreende que importa apenas adapt...
193K 12.5K 57
Inimigos que se odeiam. Namoro de mentira. Colegial. Traições e mágoas. Amizades leais e mentiras. Sierra Hermione foi traida, humilhada, taxada de l...