Loucuras Urbanas

By zefilhoescritor

46 2 0

Segundo conto. Boa leitura! More

DÔSTO
CABELOS DE AMÔNIA
DIRETO PARA O INFERNO

Tão...

7 1 0
By zefilhoescritor

Provisório ficou pirado, mano, naquela noite, início de noite de sexta feira, o dia não importa tanto. Ele teve um dia cheio e estava com os ossos, todos, quebrados, então nada melhor que um espasmo relaxante sobre o velho sofá em noventa graus com almofadas negras, de tecidos porosos. Pegou uma almofada e a enfiou sob a nuca, apoiando os pés no lado oposto do sofá.

À noite, o escuro caía como flocos de neve, bem lentos e silenciosos. Provisório não acendeu a luz e permaneceu assim, sob aquele manto invisível que o cobria feito uma película bem fina.

Seus membros doíam como se estivesse sido espancado dentro de um saco de batatas, alguém pensava ele, o havia esmagado aos poucos. Não foi difícil para ele adormecer ali mesmo, fora da cama. A casa ficou um breu, pois, a noite por completa se instalara e Provisório vagava em seu sono pesado como uma bola de chumbo. Mas os aposentos não estavam completamente tomados pelas trevas, as luzes da calçada ao lado emanavam feixes que penetravam através do tênue vidro da janela lateral. Sob este ambiente, ainda que amorfo e fosco, dava para discernir que aquele corpo lânguido sobre o sofá era o de Provisório. Já havia um bom tempo passado e ele continuava na sua posição inicial, também, em sofá, ninguém está totalmente confortável. Como ele dormia de barriga para cima, roncava como porco, aquele ronco estribilhado, de lábios pipocando, tá ligado?

Puta que pariu, todo nariz que dorme de barriga para cima, ronca. Os roncos, mano, são erupções do capeta! Obeso, Provisório devia estar uns vinte quilos acima do peso, isto já lhe dava o direito de roncar, principalmente após as caipirinhas e uma pratada de feijoada gorda.

Provisório sempre chupou manga verde com sal, por isso que ele é o bicho, saca?

Certa vez, na adolescência, Provisório comeu um pimentão verde, cru. Nós fizemos uma aposta, ele devia comer todo o pimentão para ganhar uma cocada, fez imensas e demoradas caretas, mas conseguiu...

Outra que nós fazíamos: bater punheta para ver quem gozava primeiro, só dava ele. Não sei não, mas acho que ele carregava porra na ponta da pica. Minha preferida, na época, era Sara Fawcete ou Brigite Bardot, Cindy Crawford também era gostosa. Velho o que eu espiniquei de esperma na pia do banheiro dava para uma nova índia, tá ligado? Outro filé para masturbar eram os desenhos eróticos em preto e branco. As revistas sofriam demais, pois nós as amassávamos no decorrer de todos os dias. O pênis inchava que só...

Estes dias vi a foto da Brigite Bardot, ela levantou a bandeira de proteção aos animais, que lindinho, antes, vestiu tantos casacos de pele. Mas se redimiu, sabe? Tá valendo, mano.

Coitada, tá tão mal acabada está mais para Linda Blair em o exorcista. O que não faz o passar dos anos, brother.

Porra, cadê o Provisório? Pois é, ele está do mesmo jeito, até que seria de bom tamanho que os seus próprios roncos o derrubassem do sofá. De preferência que, na queda, quebrasse ao menos duas costelas ou, no mínimo, o dedo mindinho. Mas gordo é muito compacto e não muda fácil de lugar não, ele é, sempre, um peso pesado. Já ia quase amanhecendo, corria uma

brisa melancólica, com gosto de cabo de guarda chuva, de segunda de ressaca, quando Provisório mexeu-se para virar de lado. Sentiu um desconforto e descobriu que estava, não em sua cama, mas no sofá. Limpou as vistas piscando várias vezes e viu que o clarear da manhã já lambia a janela ao lado. Ficou sentado e sentiu dor nas costas, de pé, espreguiçou tipo um urso saído da hibernação e dirigiu-se ao quarto. Estava meio grogue e jogou-se na cama, no quarto havia uma penumbra que enegrecia o ambiente. Ele deitou, agora de barriga para baixo, com os braços abertos. Começou a pescar novamente o sono que perdera minutos atrás, queria aproveitar aquele escurinho que ainda banhava o quarto frio. Quando começou a sair uma babinha do canto de sua boca, ele teve um sobressalto repentino. Seus braços estendidos à esquerda e à direita teriam, um ou outro, que estar pousado em algo, algo tipo um corpo de mulher. Acordou de vez e viu que faltava alguém naquela cama forrada com lençol branco, alvo como as nuvens de verão. Esse alguém seria Adalgiza, sua esposa...

Provisório ficou zonzo e caçou-a em todos os outros cômodos, nada. Relembrou, num triz, sua chegada e o desabamento sobre o sofá em noventa graus, será que Adalgiza estava, naquele momento, em casa? O que restava a ele senão pegar o celular e ligar? Foi isto que ele fez...

E o fez através de todo o dia, até desistir por completo, o aparelho estava desligado. Então, foi até a mãe dela, ela sabia tanto quanto ele. Perambulou por delegacia, hospital e IML e isto somente o entristecia. Na noite daquele sábado, Provisório ainda deslocado e pateta, sentou aos pés da cama e, com o rosto entre as mãos, buscava o motivo, a explicação para o sumiço de Adalgiza. Foi aí que lhe deu na telha de abrir o guarda roupas. Ele não sabia exatamente porque, mas naquele momento, um fio fino e gélido de presságio, escore-lhe coluna abaixo, e era de maus agouros. Seus dedos estavam como que trêmulos e suarentos, ao pegar no puxador da porta do móvel em sucupira bem talhada. Ele a abriu num temor, um bolo asfixiante parecia subir-lhe a garganta, trouxe a porta em sua direção, de modo a ver, enxergar o interior. E ali estava o que ele temia, seu corpo estremeceu e o coração era como um turbilhão querendo espedaçá-lo, lancetá-lo numa sangria desprovida de anestesia.

Dentro do guarda roupas não havia nada, todas as roupas de Adalgiza foram levadas...

Agora, Provisório sabia de uma coisa: ela não estava morta, nem presa, Adalgiza tinha simplesmente fugido, evaporada sob as sombras do infinito que é o mistério da vida.

As únicas peças que ainda restavam nos cabides e no suporte transversal eram as suas camisas e calças, dependuradas feito cadáveres pálidos como a cera, tão peculiares a todos os defuntos.

Provisório afasta-se dois passos para trás de forma que, assim, possa ver a parte superior do móvel, e constata que a mala de roupas não estava lá, no lugar de sempre. Certo pavor cerca-o e ele se vê feito uma onça acuada ante a iminência da morte. Sai para a rua envolto numa miríade de incertezas e angústias, descobre-se só e vulnerável ao mais pífio dos infortúnios da vida. Um farrapo desprovido de alma era assim que se sentia. A única certeza que teve, alguns minutos após, foi de que estava numa mesa de bar e, à sua frente, um conhaque a espera de ser sorvido. Só que não fora somente um, ele batera uns cinco ao longo daquela noite. E, cambaleante pela rua, alguém o reconheceu e o segurou pelos ombros. Era Recenvindo, um velho conhecido, que estranhou o estado do amigo.

__Provisório, meu amigo, é você mesmo?

Provisório o olhou com as vistas turvas.

__Recenvindo, é você?

__Claro, não vês que sou eu mesmo?

__Puta merda, tô mal...

A rua estava erma e eles sentaram na calçada. Recenvindo percebeu que, além de bêbado, provisório estava uma lástima só, digno de pena. Recenvindo, então, pede: __acalma, respira devagar e me diga o que aconteceu para você estar assim, velho. Provisório esforça-se para encará-lo e solta palavras entrecortadas de choro: __foi ela, Recenvindo, "Dalgige" me largou, foi embora sem dizer explicação...

Recenvindo fica perplexo ante tal cena, desloca de qualquer reação, pois o amigo tá na pior.

Levanta o colega e o escancha em seu ombro, saindo em direção à casa do quase desfalecido.

Recenvindo tem dificuldade em conduzi-lo devido ao peso e, olha mano, bêbado dobra de peso, experimentaste já? Mas, enfim, chegaram a casa e Recenvindo põe Provisório sobre a cama. Ele é como um monte de ossos e músculos molengados, desconjuntado, um bezerro após o nascimento, sem equilíbrio algum. Recenvindo entende que não há nada a fazer, Provisório é um indivíduo só e abandonado, uma cria nascida a pouco e, porra, na há tetas para amamenta-la. Então ele pega o celular do morto, digita algumas letras no teclado e o coloca sobre a mesa na sala de estar. Olha mais uma vez o amigo de longas datas e sai com passos de quem não ganhou a batalha. Recenvindo puxou a porta encostando-a, pondo-a entre si e uma história ainda não escrita, mas que ele, era um dos personagens. Entre ele, Recenvindo e Provisório, havia um interposto, um celular que logo acenderia a sua tela...

Era seis horas do domingo, quando Provisório acordou numa ressaca do caralho, sua cabeça parecia um sino badalando e seu corpo numa rede balançando num vai-e-vem pirotesco.

Seu estômago era uma panela de feijoada perdida, azeda, prestes a explodir. O amargo do fel vinha-lhe à língua, trazendo uma torrente de vômito. A vontade era que um raio lhe partisse ao meio ou que o mundo derretesse feita bolota de sorvete no deserto. Ele queria limpar o rabo com urtiga, mastigar cacos de vidro de manhã cedo, segunda feira ou, então, comer duas bagas de jiló cruas em jejum. Provisório, mano, estava no vale dos zumbis, aqueles seres brancos de olhos negros, esquálidos como mortos ressecados. Eles são verdadeiras hemorroidas vivas, como erupções sangrentas. Provisório queria sentar sobre o vaso, expandir bem as nádegas, abrir o rego ao máximo e enfiar os dedos, dois de cada lado, e rasga-lo em mil pedaços. E, em seguida, olhar sob os testículos e a bunda, farelos de carne moída escorrendo rumo ao esgoto, lugar que nenhum perito jamais investigou. Mas, na sua linha longitudinal, Provisório ainda tinha momentos de discernimento e sensatez. Ele via, tênue que fosse, a figura imponente, marcante e amorosa de Adalgiza. Por isso, rasgar o rabo até então, seria a mais estúpida e nefasta decisão. Ele tamborilou, esgueirou-se, bamboleou-se, cambaleou até chegar à mesa de estar. Apanhou o celular e, ao toque, a tela mostrou uma mensagem escrita por Recenvindo, seu amigo: __procure mãe Dindinha...

"Procurar mãe Dindinha? Porra, eu conheço essa mulher, ela lê a sorte das pessoas e, também, vê o presente e o futuro..." Foi isto que rolou na língua de Provisório logo após a leitura.

Ele quis se ajeitar, mas a ressaca o jogava para os lados, ele cambaleava e suas mãos amparavam o seu corpo para não ruir ao chão, para isso, equilibrava-se nas paredes, seus sustentáculos laterais. Provisório, neste momento, era um papel sujeito ao condão de quem tinha a vara. Sabe aquele vento inesperado, que te sopra aos olhos as cinzas do cigarro?

Pois é, toma porra...

Ai, ai, ai, rasgar o rabo é tão doloroso quanto vomitar tripas, pedaços de fígado e resquícios de bofes. Sei lá, o mundo dá volta e eu estou aqui, rodopiando, pode?

Velho, há tantas entranhas expostas, elas estão cruas, sem fumaças de churrascos, um exangue só.

Os relógios da cidade marcavam 09h15min, quando Provisório empurrou o portão de madeira da casa de mãe Dindinha. Ele percorreu o pouco espaço de quintal que separava o portão da porta de entrada, que tinha um trinco todo enferrujado. A casa devia ser quase centenária e aquele trinco tinha cara de ser filho único. Quando ele bateu a porta, seu estômago deu um revestrés e todos os demônios, instalados em seu interior, insurgiram numa revolta, querendo ser regurgitados. Mas Provisório afinou a traqueia, engoliu em seco, e os mandou de volta para o seu inferno. Sua língua expelia um exalar de amargo e ele, toda a hora que engolia, fazia aquela cara de bosta. Antes de sair de casa ele batera um chá de boldo e era por isso que os demônios estavam inquietos, irritados. Eu não sabia que demônios detestam amargos, eles só gostam de coisas ruins. Se Provisório soubesse disso ele teria comido vários e muitos jilós crus. "Toma, capeta do zinferno..."

Agora, com seus demônios controlados, bem comportados, a porta abriu-se e surge uma velha que mais parecia uma boneca de pano, passada num desintegrador de papéis.

Dela exalava uma tristeza com vontade de morrer. Provisório deu uma batida no estômago e disse para os seus demônios: "saiam agora, seus filhos da puta..."

Mas eles, certamente, estavam entorpecidos pelo amargo do boldo maldito.

Havia um bom tempo que Provisório não via mãe Dindinha, a última vez que a viu, ainda era rapaz.

Olha o que o tempo, os anos fazem com o ser humano, velho...

Ela esboçou um "entra, meu fio..." e foi sentar-se numa cadeira tosca na mesa que ficava no centro da sala. Ela indicou, com o dedo, onde ele poderia sentar-se também. Foi o que ele fez prontamente e, assim, ficaram de frente. Os dois se olharam por um tempo e, enfim, ela soltou:__ o que te aflige, meu fio?

Ele passou a mão direita sobre o estômago e seus ratos estavam dormindo, portanto, o lance era um grande drama: Adalgiza e sua mala sumida...

Aí ele jogou as cartas na mesa de Dindinha, expôs o seu sofrimento, omitiu, somente, os demônios alojados em suas tripas. Começou laconicamente: __depois de dois anos, "Dalgige" me deixou e quero saber o motivo, não tem por que...

Dindinha tinha as mãos estendidas sobre a mesa forrada com uma napa marrom, bem gasta de tantos cotovelos descansarem ali, com histórias de arrepiar qualquer calvo.

__você tem aí uma foto, retrato dela?__pergunta Dindinha. Provisório tirou a carteira do bolso e mostrou um retrato de Adalgiza, vestida com o uniforme da escola. Blusa branca com algibeira para pôr a caderneta de presença e notas, saia azul marinho na altura dos joelhos, meias brancas, também, até os joelhos e, por fim, sapatos pretos. O retrato era bem velho e quase não se via os traços do rosto de Adalgiza. Dindinha devolveu-o, dizendo:__ quero um mais vistoso, tem uma foto no celular?

Provisório apanhou o aparelho e fez a tela brilhar mostrando uma foto dos dois, sentados sobre uma grande rocha com o mar azul de doer ao fundo. Todos sorriam e ele, jamais, imaginava que aquele sorriso de Adalgiza fosse uma incógnita, que se revelaria mais tarde.

Dindinha ficou espreitando, assuntando a face de Adalgiza por um bom tempo e, depois, empurra o celular para o lado de Provisório. A luz da tela apaga enquanto seus olhos, os quatros, viram dois. É que eles, agora, são uma só carne e um só corpo, Provisório vê, também, demônios no cérebro obscuro de Dindinha.

Dindinha fita-o com olhar piedoso e constrangedor: __Sua mulher fugiu...

__Provavelmente, dona, concorda Provisório.

__Eu quero saber onde "Dalgige" está.

__Ela não está só...

__O quê?

__Ela foi-se, com outra pessoa.

Provisório sofreu um breve apagão, suas mãos esfriaram repentinamente e os demônios encenaram risinhos cavernosos. Enquanto Dindinha permanece inerte, com sua cera pálida e enrugada, ele levanta-se, agitado, e fica andando em círculos, passando por trás de Dindinha.

Ela está tranquila e serena, já que estava acostumada com tais episódios, mantem-se ereta na cadeira, esperando o desfecho final.

Provisório para um momento, e pergunta:__ Onde ela está?

__Não sei, é a reposta de Dindinha...

Ele irrita-se então:__ Porra, ou você vê tudo ou não vê nada, caralho. Eu vou ter que te pagar tudo ou só a metade?

__ Meu fio, ninguém vê tudo ou sabe de tudo. Se eu soubesse de tudo, não estaria nesta penúria, já que labuto desde moça. Dei-te uma pista, o resto é com o destino...

Ele ficou olhando aquela velha à sua frente, tão esquálida, frágil, numa melancolia contagiante e sentiu como tal. Pegou a carteira num gesto mecanizado, sacou uma nota de cinquenta reais e a pôs no centro da mesa, próximo às mãos tão debilitadas da velha. Saiu desorientado, dando um sacolejo no portão quase o levando ao chão.

Aquela manhã estava cinzenta e meio fria, uma miríade de cenas tamborilava em sua mente e ele imagina sua doce Adalgiza nos braços de outro alguém. No seu estômago parece que a legião demoníaca havia acendido uma fogueira e encenavam a dança da chuva, de forma que uma lufada de fumaça negra subia através do seu esôfago, vedando a traqueia, matando-o por asfixia. Ele andava a passos largos e as pessoas ao seu redor nada significavam, absolutamente nada. A cada pisada sua no chão da calçada, parecia que as casas mudavam de lugar, era como se estivessem sobre molas saltitantes. Ele as via dançando ao seu lado, rente aos passeios, e os vidros das janelas não quebravam, nem as antenas despencavam do telhado. As pessoas, os carros, os animais, o ar e a terra, nada disso existiam a sua volta. Abruptamente, atravessou o pátio de um posto de gasolina, entrando numa loja de conveniência. O sininho da porta tilintou e a moça o viu indo em direção a prateleira de bebidas. Ele já sabia o que queria, pois agarrou o pescoço de um litro de Old Eigth, pagou e safou-se em seguida. À sua saída intempestiva ouviu-se, de novo, o tilintar do sininho nojento e, bem lá no fundo, uma vozinha fina que só ela: __ ei, moço, quer uma sacola?

Com passos doidos pelo pátio, ele retrucou:__ Que porra de sacola, menina, eu quero é a minha "Dalgige".

Naquela tarde, Provisório tinha um propósito: fazer uma longa viagem através da morte, iria mergulhar na mais infinita e misteriosa massa cinzenta, iria até o céu ou inferno, pois de uma coisa ele tinha plena certeza: traria de volta Adalgiza...

E quem o conduziria a tal epopeia seria ele: o líquido acondicionado dentro daquele litro, que ele carregava com tanto esmero e zelo. Entrou em sua casa num desassossego incontido e sentou na cama, de frente para o guarda roupas. Antes largara o uísque sobre a mesa da cozinha. Abriu mais uma vez e tudo estava como antes, um vácuo, um espaço que ninguém poderia preencher, a não serem as roupas de Adalgiza. Ficou ali, com o pescoço caído para frente e a cabeça pendendo para o fosso, que era, naquele instante, a sua vida.

Provisório saindo do quarto passou pela cozinha, se instalando no sofá da sala, o mesmo de noventa graus. Deitou-se como naquela sexta feira, estava como num estado de "passação", fora de si, variado, que seja o caralho que for. Ele cruzou os dedos sobre o peito e descansou os pés na outra extremidade do assento, estranhamente quem o levaria para o céu ou inferno, ainda estava sobre a mesa da cozinha. Com seus demônios acomodados e quietos, ele teve uma breve síncope, um espasmo anestésico, fazendo-o criança ninada. Não roncou naquele espaço entre o céu e o inferno, não sabe se foi rápido ou lento. O que o despertou, na verdade, foi o toque de uma mensagem chegando ao seu celular. O vibracal fazia um barulho fúnebre, aquela chieira de gosma negra, intermitente e escatológica. Antes de acessar, lembrou vagamente de Dindinha, com seu rosto marcado pelas rugas do tempo e dos seus olhos mortos. Ao toque apareceu, na tela, Adalgiza junto à outra mulher, a seu lado. Sobressaltado, Provisório sentou-se imediatamente no sofá e tentava familiarizar-se com aquilo. Olhou a outra mulher para ver se era um parente, amiga ou alguém da infância dos dois. Não recordava de nada. Mirou Adalgiza com mais cuidado, ela tinha o rosto teso, fixo, introspectivo e enigmático...

Seu dedo deslizou sobre a tela e embaixo veio:__Oi, desculpe, estou com quem verdadeiramente amo..."

Provisório tem um acesso de loucura e quer espatifar o celular na parede, berra e fecha os punhos. Volta novamente para o seu sofá e senta, sua testa está suado, seu corpo todo treme e ele sente um gosto pastoso, horrível sobre a sua língua. Velho, Provisório está num inferno sem o seu Old Eigth, seu mundo vira um turbilhão de ponta cabeça, ele quer entrar dentro do vaso...

Então, com a ponta do dedo trêmulo, o coração pulsando num frêmito de morte, sobe, para cima a sequência do texto. Numa fração ínfima de segundos ele mantém os olhos fechados, tem receio do que poderá vir, sente, novamente, o desdém dos seus ratos nas tripas. Cerra os lábios, aperta as pálpebras e as abre e, estampado na tela, está o inimaginável: __Sou gay, Provi... "Sou lésbica..."

Durante toda avida de Provisório, todas as tardes foram iguais, menos aquela daquele dia, uma tarde de céu nublado onde as casas pululavam, os vidros não quebravam, as antenas não desabavam e as pessoas andavam, mas nada significavam. Era o mundo num cemitério cheio de ruas, onde todos os vivos moviam-se e os mortos assistiam...

Provisório entrou no mundo do então, então ele pegou o litro de uísque, deitou-se como sempre nas tardes de sempre, pôs sobre a barriga aquele que o levaria até o inferno. Olhou em direção ao quarto com o guarda roupas vazio, vazio de "Dalgige". Vazio como aquele litro cheio...

Ele teve um relax de abandono completo, destituído até dos demônios, oco de qualquer ser.

Provisório sentiu-se...tão provisório.

Continue Reading

You'll Also Like

83.2K 2.8K 120
A book only providing random scenes about the Delgado family from the past, present and future <3 Almost all scenes brought to you by fellow readers...
146K 2.4K 64
Just some short stories about my favorite Ninjago couple, Jay and Nya. This book contains canon oneshots. I have a second book called "The Jaya Chro...
15K 1.5K 33
ទោះអូនមិនមែនជាមនុស្សដំបូងតែអូនជាមនុស្សចុងក្រោយហើយណា ដែរចូលមកក្នុងជីវិតបង!!♥️ GEMINI X FOURTH (TOP) (BTT)
25.1K 1.8K 28
« ហឹក អ្ហឹក ៗ ខ្ញុំមិនចង់បានបែបនិងទេ ខ្ញុំចង់ឲ្យប៉ាស្រឡាញ់ខ្ញុំក្នុងនាមស្នេហាមិនមែនរវាងប៉ាកូន » « រវាងយើងទៅមិនរួចទេជុងគុក ប៉ាមិនបានគិតលើឯងលើសពីចំណងប៉...