Trato Feito #1 (DEGUSTAÇÃO)

By MirandaTelles

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Uma pequena mentira pode mudar a sua vida? Lilian Medeiros sempre teve o completo controle de sua vida... More

Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Os humilhados foram exaltados!

Capítulo 3

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By MirandaTelles

Sempre fui uma pessoa organizada. Minhas tarefas são listadas em ordem prioritária, minha mesa é milimetricamente arrumada e muitos dizem até que sofro de alguma doença, mas só acho que as soluções dos problemas são mais visíveis quando se tem ordem. A matemática demonstra isso, se você não segue a ordem dos símbolos, seu cálculo estará errado.

E eu não gosto de errar. Então, comecei a listar minhas pendências em busca de uma solução.

1º Encontrar uma maneira de ganhar o caso celebridade e rir na cara do Beto.

2º Dar um jeito na confusão do namorado inexistente sem deixar a minha querida priminha feliz com isso.

3º Sobreviver a mais uma reunião com a família e bolar novas respostas para as perguntas clichês dos meus tios.

4º Levar o carro para a revisão.

5º Comprar papel higiênico (na verdade acho que esse deveria ser o primeiro item).

Mesmo com a lista feita, eu não tinha ideia de como encontrar a solução para as três primeiras tarefas e isso raramente acontecia — ênfase no raramente — mas, quando acontecia, só existia uma pessoa a quem eu recorria, e ela estava na minha discagem direta do celular.

— Me diz que você achou um velho bilionário e que ele quer me adotar, porque estou pensando em mudar de profissão! — a voz do outro lado da linha era puro desânimo.

A Bia era assim, sempre após uma sessão com um paciente, ela ficava num estado de melancolia e acidez irônica que afugentava qualquer ser vivo há quilômetros de distância. Ela dizia serem ossos do ofício, pois ser psicóloga requer sentir além de você para entender o outro e muitas vezes você se depara com sentimentos negativos. Mas, eu estava desesperada e já havia sido vacinada contra o humor volátil dela.

— Estou em apuros, Bianca! Me ajude!

— Você está bem? Aconteceu alguma coisa? — sua voz soou preocupada.

— Minha mãe está na cidade e eu meio que sem querer disse que tinha um namorado...

— Todo esse desespero só por isso?! Lili eu quase tive um enfarto aqui!

— Não é só isso, Bia, a cobra da Gabriela estava com ela! Então, eu não posso só dizer a verdade. — eu disse num tom de resignação. — Eu estou perdida, não sei o que fazer.

— Gabriela é aquela sua prima Lili? A que foi sacana com você a vida toda? — ela parecia estar coletando informações em sua memória.

— Essa cretina mesmo! E a reunião dos Caceffo está chegando, se ela descobrir que eu menti vai ser humilhante!

— Então, nesse caso, amiga, você tem que arranjar um namorado. — a Bia usou um tom despreocupado, como se a tarefa fosse mais fácil do que respirar.

— Bianca, era para você me ajudar a sair dessa! — eu podia sentir minhas mãos suando frio. — Eu preciso de uma desculpa para ter um namoro com o Homem Invisível!

— Você sabe que quanto mais você fugir vai ser pior, ? — eu ouvi um suspiro do outro lado do telefone. — Já sei, vamos àquele barzinho que adoro! Eu te empresto um vestido decente e garanto que você consegue um pretendente hoje mesmo!

— Minha flor, minha mãe chega hoje e um cara aleatório não vai querer conhecer minha família! Você, que é minha melhor amiga, foge toda vez que tem uma reunião dessas! — eu apontei esse fato muito óbvio para a Bia.

— Não força me chamando de flor, seja sincera e xinga a minha mãe. — ela disse num tom azedo, mas completamente sincero. — Mas, já sei! Eu posso ligar para o meu primo e pedir um favor!

— Claro, o seu primo que se chama Paulete! Por que eu não pensei nele antes?! — eu disse com ironia, já que a Bia parecia estar se esforçando em não me ajudar.

— Prefere um garoto de programa? Eu conheço um que vai te deixar babando!

Essa voz de empolgação da Bia me deixou menos tensa ou talvez fosse a revelação dela, que me desfocou do problema em questão.

— Uou! Desde quando você conhece esses.. hum... profissionais? — eu perguntei em tom acusatório.

— Não desvie do assunto aqui, minha florzinha!

— Eu só pedi uma solução Bia e não um programa cheio de doenças. Meu Deus, você usou proteção, ? Não me diga que você está grávida! Peraí, e se a minha família achar que eu estou grávida, e é por isso que eu finalmente tenho um relacionamento? Minha avó vai começar a falar de igreja e bolo. Ai Meu Deus eu ferrada!

Agora, suor frio praticamente banhava todo o meu corpo e eu afundei a cabeça na madeira da minha mesa, não me preocupando com os papéis amassados no processo.

— Lilian Caceffo Medeiros para de crise! Respira fundo! Isso, agora, expira. Melhor? — eu fiz um som esganado concordando. — E se você só contar a verdade e pronto? Vai ser indolor e dentro da lei.

— Promete que vai dar tudo certo? — minhas palavras saíram num fio de voz.

— Se não der Lili, eu ainda vou estar do seu lado, te fazendo companhia nesse banho de lama em que você se meteu. E pensa bem, será um SPA e tanto!

Eu comecei a rir como uma idiota antes de desligar. Só uma amiga consegue te tirar de um surto.

Na verdade, quem nos visse juntas, pensaria que éramos amigas de infância, mesmo sendo como o sol e a lua, completamente opostas. Mas, nos conhecemos há poucos anos, quando estávamos na faculdade e jogávamos no time de handball dos nossos cursos. E foi durante um jogo, depois que a Bia, uma anã de meio metro de altura, conseguiu me derrubar durante um passe, que nos conhecemos. O juiz não sabia se tinha sido falta ou não e no fim acabamos os três numa enorme discussão, com direito a expulsão da partida.

Desde então, eu e o protótipo nipônico somos inseparáveis. Moramos no mesmo prédio, ela um andar acima de mim, já que a nossa tentativa de dividirmos o mesmo teto foi um desastre, mas nos vemos sempre que possível, uma vez que a vida de adultas não é fácil e o tempo se torna escasso.

A Bia é o tipo de pessoa que você sempre sonha em ter ao redor, com sua estatura pequena é uma das mulheres mais bonitas que eu já vi, o que sempre nos ajudou quando saímos para festejar. No entanto, é a sua personalidade que encanta a todos. Com aqueles olhinhos puxados e uma animação que ganha de qualquer torcida organizada, ela é capaz de alegrar até um enterro.

Sua marca registrada são as cores em suas roupas, quase nunca se vê a Bianca vestindo looks básicos e muito menos sem um salto alto.

Eu gosto de pensar nela como as bolinhas do champanhe, que te fazem cócegas só de estarem perto e se você beber demais vai ter uma boa ressaca com marcas de batalha.

E eu tenho umas boas marcas para provar essa teoria.

****

Tentei o máximo possível me concentrar na minha rotina, mas a cada segundo minha mente se voltava para o passado.

Eu já lidei com trapaceiros, ladrões e muita gente ruim. Mas, eu nunca seria capaz de ficar mais do que cinco minutos na companhia da minha prima Gabi. Sei que estou sendo rancorosa, porém, existem feridas que não podem ser coladas com fita adesiva e acabam se tornando cicatrizes gigantes.

Nós duas temos um passado, que começa quando usávamos fraldas. Ela foi maldosa e às vezes cruel. E com o tempo, preferi pensar que nem tudo o que ela fazia era intencional, afinal ela tem meu sangue e teremos que conviver pelo resto da vida.

Fingir que tudo ficou no passado é fácil, mas não é possível segurar a maré de lembranças eternamente, por isso, eu sempre preferi manter distância da Gabi.

Eu estava no trânsito há mais de uma hora com esses pensamentos nadando na minha cabeça, quando meu celular começou a tocar e reconheci o número imediatamente.

— Oi mãe!

— Querida, será que você pode vir aqui no hotel agora?

— Estou indo para casa, quero tomar um banho e comer algo. — minha voz demonstrava meu nível de cansaço. — Passo aí mais tarde, mãe.

— Filha, eu preciso que de você agora! É uma urgência!

O tom dela me deixou preocupada. Pedir ajuda não era uma coisa comum para a minha mãe. Um traço de personalidade completamente hereditário, então, só podia ser sério.

— Tudo bem. Estou no trânsito, chego aí em breve.

— Obrigada, filha! — ouvi o suspiro de alívio dela antes da ligação terminar e isso só me deixou ainda mais apreensiva.

Do lado de fora das janelas, eu era capaz de ver apenas um mar de carros parados que não me ajudariam em nada com a urgência de chegar até a minha mãe. Engarrafamentos deixam algumas pessoas loucas. Eu geralmente gosto de aproveitar para ouvir música e tentar me desligar das buzinadas e gritarias, mas a preocupação com a Dona Estela estava me fazendo tamborilar os dedos freneticamente no volante.

Eis aqui o mal do século, pessoas irritadas e presas umas com as outras no meio de gases poluentes, a receita infalível para pequenos desastres. No entanto, desde que me tornei uma motorista, nunca deixei um congestionamento e os ânimos me afetarem. Isso até o momento em que um motoqueiro, em cima de uma Harley, seguindo o estereótipo de mal-encarado passou apressado no corredor ao lado do meu carro e quebrou meu espelho retrovisor.

— Ei idiota! Não quer levar o carro todo? — eu coloquei a cabeça para fora da janela e gritei a plenos pulmões.

— Talvez eu leve a dona. Ela parece melhor do que essa lata velha!

A resposta do homem na moto chegou aos meus ouvidos um pouco abafada, mas eu entendi cada palavra dita e isso me deixou completamente furiosa.

Nunca fale do meu carro, essa é a minha regra de ouro! Pois, o que muitas pessoas esquecem quando veem o meu carro é que ele é um clássico, um artigo de colecionador muito cobiçado. Um Fusca 63 vermelho cereja conversível, no qual eu paguei muito caro, por ser uma raridade.

Eu pretendia gritar um pouco mais com o idiota e aproveitar para anotar a sua placa. Mas, ele realmente estava com pressa e a única coisa que ele deixou para trás foi a fumaça do escapamento e uma crise de tosses para mim. O que me deixou ainda mais irritada, já que o meu trabalho seria maior para achá-lo e fazê-lo pagar pelo retrovisor perdido.

Quando finalmente eu estacionei em frente ao hotel que meus pais utilizavam quando vinham à cidade, minha irritação já estava à flor da pele e para piorar, encontrei minha mãe no saguão em companhia da minha queridíssima prima.

O dia estava ficando cada vez melhor, não?

— Mãe, o que aconteceu? — perguntei diretamente para a versão mais velha de mim.

Sim, eu ignoraria a loira ao lado dela até o último instante possível.

— Eu tive um problema querida... Mas você está tão magra! Não anda comendo direito?

— Não enrola Dona Estela, diz logo o que aconteceu! — eu sabia que a minha mãe estava protelando para dizer o que houve, e isso só deixou a pulga atrás da minha orelha maior ainda.

— Mas, você nem cumprimentou a Gabriela! Onde estão os seus modos?

E lá se foi o último instante. Eu não colocava os olhos nela há um ano e ela parecia mais deslumbrante do que nunca, acho que são ossos do ofício, enquanto eu ganho olheiras a modelo na minha frente ganha brilho.

— Como vai a sua carreira Gabriela?

— Ótima, vou fazer uma nova campanha em breve. E você Lili? Fiquei sabendo que está de namorado novo...

— Sim. Ele é... — inexistente, irreal, imaginário — Incrível! Mas mãe, por que você me chamou aqui?

— Eu tive um problema com o pagamento... Recusaram meu cartão de crédito. A Gabriela até queria me ajudar, mas eu não acho isso certo.

— Você está certa mãe, ela não tem obrigação alguma.

Obviamente, minha mãe sentia a tensão entre nós duas.

— Nem você minha filha, mas seu pai só me deixou esse cartão e eu também não tenho cheques. E o crápula ainda por cima, mudou a senha do banco.

— Em outras palavras, você está sem um tostão furado? — perguntei, tentando não rir da expressão brava da minha mãe.

— Em resumo é isso mesmo filha.

Eu reconhecia as ações do meu pai em relação aos gastos da minha mãe. A Dona Estela tinha um coração tão duro quanto sorvete no deserto e por isso se envolvia em várias doações, que muitas vezes eram grandes furadas. Da última vez que eu soube, uma quantia generosa da sua conta foi envaida para uma organização de proteção aos fósseis de mamutes brasileiros.

— Tudo bem mãe. Eu vou pagar a sua conta.

— Obrigada Lili. Mas, eu queria te pedir um favor... Eu não quero pedir dinheiro ao seu pai e nem ficar em débito com você, então, será que eu posso ficar na sua casa?

A imagem da última vez em que eu hospedei minha mãe piscou na minha mente, como uma cena de filme de terror. Meu apartamento ficou um caos, não só com a sua parafernália exotérica, mas, também, porque ela levou cães de rua para o meu sofá novo. Fiquei um pouco mais pobre depois de pagar as multas do condomínio pelos cachorros barulhentos.

— Isso não vai dar mãe! — acho que soei meio histérica e desesperada.

— Vai ser só essa semana, depois eu vou voltar para casa. Eu juro que não vou te incomodar, você nem vai perceber que estou lá.

A cara de piedade que ela fez quase me amoleceu. Eu não podia dizer minhas razões para querer que ela ficasse no hotel, isso iria fazê-la chorar e ficar magoada comigo. Então, eu só podia ver uma solução.

— É que eu me mudei mãe! — essa mentira era aceitável, não?

O olhar no rosto dela não era de decepção, mas de compreensão, como se tivesse entendido uma grande charada da metafísica.

— Ah, é esse seu namorado, não é? Vocês estão morando juntos?

Sabe aqueles momentos em que tudo ao seu redor para e só uma coisa prende a sua atenção? Bom, nessa hora a expressão de espanto que traduzia um "como isso é possível?" que eu vi no rosto da belíssima Gabriela Caceffo foi o que monopolizou qualquer reação minha. E aquela sensação abrasadora de vitória evitou qualquer pensamento coerente que eu pudesse ter sobre os dons de dizer a verdade.

— É mãe, eu estou na casa dele agora. Mas, faz pouco tempo...

— Uau prima! Isso é um grande passo, quase um casamento hoje em dia! Você tem certeza?!

Para quem ouvisse a sua declaração, a Gabi seria apenas uma pessoa se preocupando comigo. Até eu mesma pensaria isso, se não fosse a recriminação presente em suas últimas palavras. Palavras que tiveram um sentido muito maior para mim.

— Não seja boba e nem estraga prazeres Gabi. Minha filha está feliz e isso é o importante! Mas, Lili, quando iremos conhecer o seu príncipe encantado?

— Em breve, mãe! — isso se Santo Antônio cooperasse e me fizesse um milagre!

Será que meu nariz cresceu muito? Cirurgia plástica não estava na lista de pedidos de natal esse ano. A Gabriela ainda estava me lançando um olhar especulativo, como se pudesse ler meus pensamentos, e isso era meio assustador.

— Onde vocês estão morando agora? — ela me perguntou incisivamente.

— Você mudou de profissão Gabriela? Virou policial para estar me interrogando?

Minhas palavras foram ácidas, mas eu as diluí com bom humor. Há muito tempo, aprendi que podemos dissolver o peso da verdade com um tom brincalhão e um sorriso no rosto, para dizermos o que pensamos sem sermos indelicados. E quase sempre funciona perfeitamente.

— Claro que não, ainda sou capa de revistas! Você deve ter me visto por aí, Lili, em outdoors e essas coisas... Eu só estou curiosa sobre a sua vida, já que não conversamos há um tempo.

Pelo sorriso e risadinha que ela estampou no rosto, a descoberta dessa técnica da verdade não era só minha, pois minha prima conseguiu me dizer muito mais do que suas poucas palavras.

— Tudo bem, tanto faz. Vamos ao que interessa. — eu voltei a ignorar minha prima. — Mãe, eu vou arranjar outro quarto para você.

O ar estava começando a ficar muito carregado e eu não queria começar uma cena, por mais discreta e subliminar que fosse.

E o meu pesadelo mal tinha começado...



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