Do Outro Lado

By vcaroliniferraz

56 3 0

Como seria afirmar que há um ser tão superior quanto nós, seres humanos? Seria algo arriscado ou não? Como sa... More

Do Outro Lado

56 3 0
By vcaroliniferraz


Como seria caso afirmasse que há um ser tão superior quanto nós, seres humanos? Seria algo arriscado ou não? Como saber se tudo o que aconteceu em milênios: guerras, fome e miséria, são de fato criações nossas ou Dele? E como terei a garantia que a partir dessas perguntas eu não estarei à mercê da punição divina?

"Deusas e Deuses que escutais, suplico-vos: Dais a mim, tão perfeito servo deste mundo, o poder que vós tendes. Se é que existem para me escutar. Pois nascido da mais baixa das periferias e sobrevivente das mais mortais enfermidades, por que não ser merecedor de tal onipotência?"

Escuto sussurros, uma cidade deles; muitos dizem coisas boas, mas a maioria só quer o caos, a calamidade.

Ao lado da minha cama não há nada. Embaixo dela, vejo algo. 

Algo assustador.

Um monstro? Não. Então o que é?

Um espelho.

Está quebrado.

Não teria algo pior que a si mesmo? Somos o ser mais pecaminoso que poderia viver neste mundo, somos cobertos não pela razão, mas pelas emoções mais selvagens: inveja, ira e vaidade. Dominados pela fome, sede e, principalmente, pela morte. Somos de aparência horrenda, aptos a dilacerar-se caso nos convencemos que não somos belo o suficiente. 

Belo... O que seria isso? Com certeza, não seria a reflexão da refração distorcida do caráter humano.

Está quebrado.

Então eu me olho mais uma vez, pela última vez. Notando o sangue correr pela cabeça, sinto-me até um pouco aturdido e me levanto.

Outro dia passou, vou à cozinha, preciso comer. Na verdade... Preciso de tantas coisas, principalmente de poder.

"Oh, Deuses! O que será preciso fazer para vós me escutareis?"

Vou ao banheiro, excreto as fezes das heresias do homem; porém como uma faca de dois gumes, foi-se junto tudo o que poderia haver de humano em mim.

Percebo que eu era apenas um lobo sob a pele de cordeiro, no final todos nós somos. O que falta para isso se tornar real são as oportunidades. Então, agora me digas se tu nunca sentiste a ânsia de consumar um delito? Pois eu já, eternas vezes.

A cidade das vozes sempre me instigaram a um feito tão conturbado quanto os praticados na Idade Média. Elas me diziam que eu iria ser quem eu realmente sou e foi o que fiz. Acredito nelas, tanto quanto a fé que rege um povo cego pela corrupção.

Deduzo que chegou a hora de sair desse inferno em que vivo, as ruínas do que foi algum dia a obra mais moderna da cidade tem vista para o subúrbio, sendo o local mais barato e sossegado que achei para morar. Finalmente saio, a luz natural chamusca os meus olhos, no entanto minhas crenças me impedem de fraquejar.

"Não sou como eles. Jamais serei."  — Ao fechar a porta, eu paro, foi inevitável.

As vozes romperam mais uma vez e incessantemente elas marcham em passos uníssonos para o fundo dos meus pensamentos, preenchendo a minha cabeça até se ligarem aos choques elétricos que conduzem o meu corpo.

Está quebrado.

— Você está quebrado.

"Hipócritas, não sou como eles..."

As vozes tentam me apunhalar, querendo me fazer ser como eles. Aos sonhos kafkianos eles tentam me fazer renunciar do meu propósito, porém os Deuses me resignaram e como prova terei que resistir até me tornar digno.

O poder.

Está quebrado.

"NÃO!"

"Isso não vai acontecer, não novamente."

E os extintos, que como o mal, fizeram do homem querer fugir dele próprio se tornaram as motivações que me fizeram mais forte. Assim sinto o vazio escorrendo pelas minhas artérias e nos tornando apenas um, somos mais que a noite, somos o tudo e o nada. Então, ele me dá sua vasta magnitude e eu dou a ele minha visão; tudo fica turvo e todas as cores aos poucos se tornam apenas ele.  — Nada.

Minha cabeça está girando, estou tonto. Sinto algo quente escorrendo pela minha cara... Isso são lágrimas? Não... O nada me ensinou que isso não existe e sim a dor, aquela tão intragável que por uma boca sufocada o único meio possível de escarrá-la se dá pelos olhos.

"Chega! Não pense em nada". Eu digo para mim mesmo, mas como não pensar em nada quando ele é tudo? Não saber a resposta é pior que uma estaca no peito, pois eu sinto no espírito que estou falhando e isso tortura o meu ser; por fim sendo moldado às mãos do pecado acabo me deixando ser carregado pela euforia da insanidade.

Ouço as vozes gritando ao fundo da música mortal que é a vida, mas isso me tranquiliza. Sorvendo a doçura da sua amargura vejo suas cores escuras, tão claras quanto o reflexo do sol. Tocando na sua textura, tão suave que gruda nos dedos, vamos a passos largos nessa dança lenta que só nós entendemos o ritmo frenético quando toca os nossos pensamentos.

Do mais profundo sono tudo há um fim e enfim eu acordo.

Algo quebrou.

O mundo quebrou e esse é o problema.

Dos sonhos ao pesadelo, dos pesadelos ao sonho, eu sonho... Sonho... Sonho tanto que parece real.  — Ou será que eu vivo o real que parece um sonho?

Desta vez estou preparado, sairei das fantasias em busca da realidade. A caminho da porta pego as minhas coisas; então saio ao rumo da caça noturna. Como a carne é fraca, gosto daqueles mais desenvolvidos, pseudoempáticos, falsos moralistas, de caráter pútrido, ébrios pela corrupção do sistema... Criado por nós mesmos. Esses são aqueles que sentem medo dos justos, do conhecimento, da verdade desmascarada, da realidade.  — Esses são os meus favoritos.

De longe eles eram manchados pelo sangue de inocentes, pobres, minorias, sem voz e sem lugar neste mundo sórdido. De perto as marcas da tentativa de apagar o crime eram perceptíveis, uma transgressão que acabara de ser descoberta; proibidos de fianças e defesas, havia apenas um habeas corpus possível nesta instância. E somente eu sou capaz de ser o justo, trazendo à tona a suas vidas a única verdade que jamais conheceram e fazê-los senti-la quando se esgotou o deleite da sua devassa vitalidade: a morte.

O reconhecimento bastou em suas existências, pois no momento que as minhas ferramentas perfuraram; rasgaram e dilaceraram os seus corpos, as almas se esvaíram e presas à integridade que um dia eles acreditaram ter, escorreram misturadas ao sangue carmesim de suas veias e artérias. Um show horrendo que tornava inviável discernir o que poucos minutos antes fora seus rostos sujos, não por mim, mas pelo mundo tirano que criaram em suas cabeças frágeis, miseráveis, ignóbeis.

Chegava a ser ridículo ver eles pedindo piedade, expondo os seus amores pela família e falando em palavras humildes o quão comedidas suas vidas eram.  — Sendo que nunca foram.

Hipócritas! Isso que sempre foram e continuarão sendo. Pois, como na metade dominante de um gene doente esse morbo irá se perpetuar, passando de geração e como qualquer vírus sua única solução se torna apenas a extinção.

Deste mundo serei o ceifador, salvador. E como um animal que mata para acudir suas crias acabarei com todos que atacam a humanidade em sua pureza, plena integridade de sua função.

A caçada vira a noite, e a rua adormece ao passo que a cidade das luzes imerge nos mais profundos pecados, se apagando conforme a escuridão chega em seu ápice.

Essa via, pela qual eu ando, demonstra o quanto nos perdemos. O natural se concretizou e as vitrines das lojas mais sofisticadas mostram aquilo que querem impor em nós e lucrar sobre essa moda absurda que se encontra cosida na linha mais imunda de um trabalho escravo, desumanizado na insalubridade de um mundo afogado no esterco deste sistema inescrupuloso.

E se olhar mais para dentro tu... Encontrarás... Aquilo que eu sempre almejei? Impossível, pois isso não pode estar acontecendo...

"Não... NÃO!"

"Deuses, como podeis produzir tal figura tão magnífica, à beira da perfeição? Então, esse seria o poder que tanto almejei?" — A visão do outro lado... É perceptível.

"SIM!"

"Agora tudo é possível."

"Agora... O que eu quero agora?" 

Aquela imagem, aquele ser... Do outro lado. Ele tem um olhar melancólico, um tanto perdido; uma face penosa, desfigurada pelo tempo, porém bem-posta; e um corpo afeminado, tão sensual quanto Vênus em seu nascimento.  — Parece que quebrou.

Quebrado e jogado ao abismo que ele se encontra no outro lado, vejo que desperta os meus mais sinceros desejos, sua força de atração tão intensa me joga a sua vontade de consumar os prazeres mais carnais. E conforme vou ao encontro desse indivíduo, sinto o meu coração acelerar, numa taquicardia frenética que leva a óbito quaisquer vestígios da minha sobriedade.

A espera... Ela se torna branda, pois sendo o momento das maiores ilusões e expectativas acaba se fazendo o ópio para os impacientes, ansiosos e loucos. Findando-a, o deleitar do gozo de duas mentes em harmonia faz com que o espaço-tempo se perca nos universos, criados pelas sensações dos caminhos percorridos pelas mãos em cada membro do corpo de cada um.

Consumada tal expectativa, enfim; quando se torna real, até os deuses clamam para que se cessem os gritos intensos de duas almas brutas famintas pela excitação, que é tão carnal quanto seus próprios corpos.

De tantos pensamentos, eles continuam acontecendo na velocidade da luz e ao passo que a vou a ele; minha mão gelada se aproxima de seu corpo quente, porém noto que não há sensibilidade nenhuma entre sua fervorosa carne. Como se suas sinapses estivessem lentas... Ou até mesmo mortas, mas sei que ele apenas estava adormecido; como nos contos de fada e eu como o salvador irei ajudá-lo a sair dessa maldição. Com toques vou lentamente moldando seu corpo, cruzando as minhas mãos em círculos no seu peito, aperto os relevos que os salienta e nos longos momentos que sou tocado pelos seus dedos seguidos pela sua boca também me encontro atraído para si, penetrando em sua alma fazendo-nos ser apenas um naquele instante momento.

E no tão aguardado momento em que nossos corpos juntamente iriam se confundir por se tornar apenas um pelo mais tremendo clímax que um ser humano poderia chegar, acaba tudo se dissolvendo num piscar de olhos... A minha procura, a minha conquista, o meu ápice... Em segundos eles se esfarelam e somem como o pai fugindo da paternidade, como a honra de uma mulher que vai para esquina pela primeira vez ou como os direitos de inocentes, leigos e marginalizados que têm seus direitos roubados por aqueles que democraticamente foram escolhidos para representá-los.

Nesse momento, acaba-me por vir o anseio daquilo que jamais achei que fosse sentir um dia. Daquilo que sempre pensei e sabia que um dia iria vir para mim como vem para todos. — A morte.

Em sua plena forma: obscura, dramática, vingativa, desesperada. Uma mistura de sensações, momentos e emoções que me faz questionar se não seria isso que a vida esperava de mim e por fim sinto o que é querer desistir. Não poder ter ela me faz ver que esse poder jamais adiantará de nada, pois a impotência de não tê-la nos braços e de modo algum ter a chance de domar seu belo corpo me torna aquilo que sempre abominei: um suicida. 

12 minutos e 17 segundos, fora o tempo exato que ela me mostrou aquilo que desconhecia, fora o tempo exato para ter e perder tudo aquilo que queria. Fora o tempo exato... Para que aquele ser se tornasse não só um ser afeminado, como também o meu ser, a minha coisa e só minha.

Não seria agora que a perderia; logo irei me juntar a ela e aonde for, eu irei de atrás e se não achar, eu procuro de novo... De novo... E de novo... Como fiz a minha vida inteira.

Vou a todos os lugares e andando em círculos eu a vejo em todos os reflexos que a cidade produz, porém não a sinto. Não consigo sentir suas mãos macias penetrando na carne, seus lábios molhados pelo mais gostoso deleite que um ser humano poderia experimentar, não consigo escutar sua intrigante voz que me fazia querer fazê-la exprimir em palavras seus desejos mais profundos. Eu não a sinto mais e nunca mais irei senti-la...

E desenganado disparo de atrás dela, dos meus objetivos e do que mais ansiei entre lamentos e repulsas que se chama vida, se é que dá para se chamar assim.

Um desgosto, um fracasso tão fajuto que se torna desprezível pensar e repetir em voz alta esse sentimento que diversas vezes passou, cruzou-se e tangenciou na minha mente e os meus pensamentos nasceram, cresceram, envelheceram, morreram e apodreceram no tempo em que vivi ao lado dela. 

O espetáculo mais fingido e criado não por mim, mas pelo outros; prega-me a ânsia de correr afim de entrar no êxtase mais imaculado fazendo da cena principal a minha própria extinção para conseguir finalmente terminar com maldição que é o lembrar, malditas sejam as memórias e todos aqueles que fazem parte dela. Então, esperarei o meu repouso nos confins de um inferno frio e seco.

Espera.

Tamanha ganância que deixei passar que talvez naquela ponte eu pudesse encontrá-la, tamanha burrice que jamais cogitei que era isso que eles queriam de mim e nunca consegui enxergar, o ser humano... É deplorável.

Na ponte há uma luz emanada por um poste de luz, antigo, podre e disforme pelo tempo; como se não viesse muitas pessoas para cá nesses últimos anos e em baixo dessa ponte escuto o cursar da água, imunda, fétida, choca, poluída pelo parasita mais letal já existente, nós. Porém algo me faz querer olhá-la, abaixo dos meus pés e sob um feitiço vejo um outro reflexo além do meu, magnífico sejais...

E lá ela estava, vinda dos mais antigos mitos, fazendo me querer passar para o outro lado. Entretanto, seu sorriso mudara... Estranhamente se encontrava cínico; isso me irrita, porque já não era mais a mesma. Perco o resto da humanidade que me restara e mais ainda o pouco de sanidade que guardara para um eventual momento caso eu o precisasse, ela se junta ao outro corpo ao passo que lhe a usa e aquela cadela revira seus olhos dissimulados no mais puro gozo que jamais sentiu comigo e deixando se entregar mais ainda ao prazer quando vê o turbilhão que estou ao enxergá-la abusando da forma mais explícita de seus devaneios. 

É inevitável não gritar...

"Tu me prometeste e ousas a tornar-te mais imunda que minha própria espécie? Profana que engana o mais puro amor; merece apodrecer na mais absoluta escuridão, de alma maculada tens que afogar-se na culpa. Irei caçá-la do outro lado e torturá-la como todos os outros que já esfolei."

Nunca quis a morte de algo que me instigou a sentir gosto, o seu gosto; mas no momento que enxerguei outro ao seu lado, perdem-se em mim os meus demais sentidos e sem pensar duas vezes lanço-me para além dessa ponte desgastada pelo tempo, atravessando este sórdido portal aquoso para enfim poder ter a vingança mais ímpia pela vida miserável que vivi por conta dela.

"Desgraça seja sua existência, fuja e torça para jamais te encontrar."

Continue Reading

You'll Also Like

128K 12.9K 32
Athulya Singhania has spent her entire life in solitude, yearning for the love of a family. Over the years, she mastered the art of concealing her em...
163K 6.8K 83
A girl whom I thought as my best friend standing before me with a knife to kill me. She stabbed the knife onto my chest and told me "He will not like...
117K 4.1K 41
Y/N was a teenage introvert who enjoyed having her own space and being alone. She loved listening to music in her room, which was a great escape for...
11.5M 298K 23
Alexander Vintalli is one of the most ruthless mafias of America. His name is feared all over America. The way people fear him and the way he has his...