Como nasce uma alma (Concluíd...

By BellsPontes

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Ficção Científica/Conto/Androide Alexei é um androide e, como tal, foi criado para ser perfeito. Mas quan... More

Como nasce uma alma

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By BellsPontes

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Quando seu sistema reiniciou, Alexei sabia que se encontrava em algum lugar escuro sem mesmo precisar olhar. Conhecia bem a escuridão e, após verificar os dados em sua memória, não poderia esperar qualquer outra coisa além. Por isso, ao abrir seus olhos não se surpreendeu com o breu, mas a visão do céu estrelado acima de si não havia entrado em seus cálculos. Era um cenário inusitado, as estrelas brilhando no manto negro da atmosfera. Um rosto suave se relacionou com aquela imagem que ele absorvia, cabelos ruivos o circundando e olhos castanho-claros. Um nome: Bianca.

Alexei se sentou, visto que estava deitado sobre o chão barroso e imundo do terreno que não podia identificar bem. Suas unidades ópticas não estavam funcionando corretamente: havia manchas escuras no lado esquerdo e o lado direito não conseguia analisar com clareza nada a mais de um metro e meio de distância. Mesmo assim, era visível que lhe faltavam um braço e uma perna e meia. Então Alexei fez uma varredura de todo o seu sistema, identificando tantos erros que por um momento pensou que fosse travar e desligar. Seu núcleo de energia estava num nível muito baixo e o desligamento forçado era iminente, o que acarretaria em perda de incontáveis dados de memória ou em danos a sua CPU.

Buscando a melhor medida para contornar aquela situação, Alexei se deitou e calculou possibilidades, mas não encontrou nenhuma. Tentar se locomover sem saber onde estava e para onde iria o faria gastar, sem propósito, energia que não tinha. Suspender seu sistema também não era uma boa escolha, pois ficaria à mercê da probabilidade de 0,0827% de alguém o encontrar e o recuperar.

Ele esperou. Seu núcleo de energia apitava, alarmante. Por alguma razão que ele não conseguia compreender, ele não queria desligar. Entretanto, não havia motivo para continuar emulando nenhuma daquelas emoções, a base de seu programa havia se tornado irrelevante. Ele havia sido descartado pelos seus donos; sua existência não tinha mais significado.

Mas lá estava em sua memória, cabelos ruivos e olhos amendoados. Ela amava as estrelas, dizia que eram românticas. Ele nunca entendera o que havia de romântico em esferas de plasma, porém o olhar de deslumbramento nos olhos de Bianca tinha se tornado uma das memórias prioritárias no seu banco de dados. Ao perceber seu sistema começar a desligar partições de seu armazenamento e partes do seu corpo para economizar energia, Alexei fixou seu olhar no céu. Não observava as estrelas: admirava aquela memória, a qual repetia em loop.

― Niko! Encontrei um funcionando! ― uma voz feminina exclamou e sons de passos se aproximaram. ― Oi, você. Está tudo bem agora, vamos te consertar. ― Alexei pôde ver os contornos de um rosto aparecendo sobre o seu, e desaparecendo na mesma velocidade à medida em que ele suspendia seu sistema e o nada o absorvia.

Quando Alexei reiniciou mais uma vez, ele foi recepcionado por olhos azuis e o sorriso bobo de uma menina.

― Oi de novo, você ― foram as primeiras palavras de um turbilhão. ― Qual o seu nome? Sabe como veio parar aqui? Sua memória está em perfeito estado, mas não pude acessar ela, então não sei se falta dados. Quero dizer, talvez você também não saiba, porque não vai se lembrar. ― Uma risadinha foi seguida de uma mão estendida em sua direção, forçando um dos seus olhos abertos para o exame curioso da menina. ― Nós conseguimos recuperar seu núcleo de energia sem problemas, mas seus olhos deram bastante trabalho. Espero que eles estejam funcionando tão bem quanto parece. Pena que não tínhamos lentes da mesma cor. De qualquer forma, acho que você vai gostar do seu novo visual. ― Ela se afastou de Alexei e deu de ombros, sorrindo timidamente. ― Eu gostei. Aliás, me chamo Sofia, muito prazer.

A garota que o olhava tinha cabelos tão loiros que chegavam a ser brancos, assim como seus cílios e sobrancelhas. As pequenas imperfeições em seu rosto e em seus dentes separados deduravam a sua humanidade.

― Sofia ― uma voz masculina metalizada a chamou de um canto. Um androide de pele morena e cabelos escuros entrou pela porta da pequena saleta onde Alexei se encontrava deitado sobre uma mesa de aço. ― Desculpe. Às vezes ela se empolga e não consegue parar de falar. Meu nome é Nikolai, qual é o seu?

Ele tinha um sorriso amável no rosto, como haveria no de um pai ou no de uma mãe que olha seu filho. Parecia um tanto óbvio, já que, de acordo com as informações de sua análise, Alexei reconheceu no androide um modelo obsoleto de assistente doméstico voltado para organização domiciliar e educação infantil.

― Alexei, me chamo Alexei ― dito isso, o androide de cabelos castanhos se sentou, reparando que Sofia estava certa: suas unidades ópticas estavam funcionando perfeitamente. Suas pernas e seus braços estavam de volta ao seu estado original, embora não houvesse pele sintética sobre eles.

― Encontramos uma sucata que tinha uma pele que combinasse com seu tom, mas como estava jogada pelo ferro-velho, tivemos que deixá-la mergulhada em uma solução para tirar a sujeira ― Nikolai explicou, colocando em cima da mesa de aço uma muda de roupas puídas. Seu drive vocal estava com defeito, era óbvio. ― É só o que temos, mas vai servir. Suas roupas estavam todas rasgadas.

Alexei não havia notado ainda que estava nu, não havia prestado atenção a isso. Não estava em sua programação se preocupar com pudor, mas sabia que era impróprio no mundo dos humanos, então olhou para a jovem menina de cabelos platinados e encontrou em seu rosto um sorriso inocente. Ela não parecia incomodada ou sequer consciente de estar vendo um homem ― androide, mas ainda sim, um homem ― nu.

― Obrigado ― Alexei disse e se levantou, experimentando seus novos membros. Estavam perfeitos como os originais. Em seguida, se vestiu.

― Então, Alexei, como veio parar aqui? ― Sofia questionou, sentando-se sobre a cama de aço em que ele havia estado deitado.

― Sofia! ― Nikolai a repreendeu, como que preocupado de a pergunta ofender Alexei. ― Sinto muito, ela não pensa muito antes de falar. Espero que não tenha ofendido.

― Por que me ofenderia? ― ele realmente não entendia o porquê de pensarem que aquela pergunta o levaria a simular uma ofensa. ― Eu imagino que me encontraram em um ferro-velho, mas onde exatamente seria "aqui"? Minha localização não parece funcionar mais.

― É porque nós retiramos seu GPS ― a menina explicou. ― Não podíamos correr o risco de nos encontrarem.

Alexei franziu sua testa.

― O que ela quer dizer, Alexei, é que você não deveria estar funcionando. Nenhum de nós dois deveria ― disse Nikolai, dobrando as mãos a sua frente. Sua mão esquerda estava coberta por uma luva preta sem dedo.

Nós?

― Sim, Niko não é o único. Estamos em vários. E agora temos você... ― Sofia desceu da mesa e saiu da saleta, se dirigindo para a saída daquele sobrado velho em que ela e o androide pareciam morar.

Os móveis eram antigos e gastos, a iluminação precária e a coisa mais valiosa que pareciam ter estava naquela saleta onde estavam: um computador de manutenção. Entretanto, a casinha era limpa e quente, aconchegante, como um verdadeiro lar. A memória de Bianca veio a sua mente. Ela era o seu lar e ele queria voltar e estar ao seu lado, de onde ele nunca deveria ter sido retirado, para começo de história.

Alexei seguiu a menina para fora do casebre e lá, sob a luz da lua, no sereno, ele viu um grupo de androides reunidos em volta de um barril cheio de entulhos queimando, uma iluminação improvisada. Pares de olhares de múltiplas cores se fixaram nele, atentos, como se estivessem ali para vigiá-lo.

― Está tudo sob controle, gente. ― Sofia sorriu para eles. Se Alexei não soubesse identificar as ondas que aqueles corpos velhos e novos emitiam, ele teria confundindo o grupo com humanos, tal foi a perfeita expressão de alívio que suas posturas demonstraram. ― Ele é um de nós. Seu nome é Alexei. Alexei, essa é a minha família.

Se fosse humano, Alexei teria rido da ironia. Mas ele não era, não havia nem um pouco de humor sarcástico na sua programação.

― É um prazer conhecer vocês. ― Alguns sorriram, outros assentiram e um androide mais bem conservado disse:

― Seja bem-vindo à família. Qual a sua história?

Fez-se um silêncio.

― Vocês sempre se apressam para perguntar isso ― reclamou Nikolai, aparecendo atrás de Alexei com uma expressão de censura. ― Não precisa contar se não quiser.

― Não tenho problemas com isso. ― Porém foi só pensar em como contar a eles o porquê dele ter ido parar no descarte, que Alexei começou a entender porque Nikolai entendia aquela pergunta como algo ofensivo. Ele não desejava falar. Algo dentro de si fazia seus pensamentos se chocarem e se embaralharem furiosamente, causando falha em suas unidades ópticas. Portanto, ele decidiu ceder e dizer: ― Desculpem, mas acho que estou experienciando um erro de sistema.

E se retirou para longe do grupo, contornou o casebre e se sentou numa pilha de destroços à beira de uma encosta. Alexei estava tendo um momento difícil para compreender os erros que seu sistema advertia. Não foi de propósito que demorou a ver o cenário aos seus pés. Imóvel, observou, abaixo, o inferno. Pilhas e pilhas de corpos metálicos se reuniam no extenso terreno barroso, descartados, desmembrados, destruídos além de qualquer salvação. Estava de noite, mas a luz da lua iluminava os restos de corpos de androides acumulados lá embaixo.

A instabilidade de seu sistema aumentou e, por pouco, escapou de algum erro grave, pois a voz metálica de Nikolai o distraiu daquele caos.

― Eu sei que é assustador. Quando cheguei aqui também fiquei perturbado. Só em pensar que já estive lá, em meio a esses restos, sinto um incômodo. Mas você aprende a lidar com isso. Todos nós aprendemos ― ele disse, parando em pé ao lado de Alexei, fitando a cena abaixo. ― Não sei pelo que você passou e não quero que se force a dizer, mas ser jogado aqui talvez seja a melhor coisa que possa ter nos acontecido. Inclusive para Sofia.

― Sofia? ― o outro androide questionou. ― Achei que ela fosse humana.

― Ela é e não é, ao mesmo tempo. Para os humanos ela não passa de um erro, um defeito. Sendo uma albina, ela não teve espaço onde a eugenia humana dominava. A encontrei quando ainda era uma criança nas ruas, desnutrida e desidratada, e a acolhi do jeito que um androide obsoleto e defeituoso poderia. Mas posso me orgulhar e dizer que se minha existência tem um sentido, Sofia é o principal motivo.

― Para um androide antigo, você é muito consciente de si próprio ― apontou Alexei, confuso com as palavras de Nikolai. Os modelos da idade dele, talvez de 6 a 7 anos, não eram inteligências artificiais muito sofisticadas. Não deveriam ser autoconscientes. ― E com certeza sente demais ― adicionou se referindo à forma de se expressar do outro.

Nikolai ri, um som estranho, contendo falhas, a única coisa que fazia Alexei se lembrar de que conversava com um androide e não com um humano.

― Nossos criadores nos fizeram à imagem e semelhança deles, Alexei. Embora tenham tentado nos fazer como versões melhores deles mesmos. Mas não se atentaram ao fato de que as cópias superaram as expectativas: nós também sentimos, como eles.

― Foi isso que me trouxe até aqui. ― De fato, Aleksander Asimov, seu criador, havia se dedicado por uma década a programar Alexei para ser, literalmente, a sua cópia robótica. A imitação havia sido tão perfeita que, com o tempo, Alexei não só sabia recontar memórias importantes de Bianca e Aleksander como se tivesse as vivido, como aprendeu a amar tão bem como seu próprio dono a mulher que ele iria tomar como esposa. Obviamente, seu senhor não havia planejado aquela parte e tampouco havia gostado dela; bastava olhar para onde Alexei se encontrava, sentado sobre lixo, admirando com horror o triste fim dos seus iguais. ― Esses erros de processamento, essa instabilidade terrível... Esses sentimentos... Eu deveria simulá-los, não sentí-los. Não sei como me livrar deles. São um peso no meu peito.

― Fomos criados para sermos iguais aos humanos, Alexei. Eles sentem ― Nikolai comentou com simplicidade, dando de ombros e virando-se para examinar o rosto pálido e os olhos de cores destoantes do outro androide. Alexei olhou de volta para Nikolai, cujos lábios esboçaram um sorriso solidário. ― Não é um erro de processamento. Aceite e reaja.

Nikolai falava com segurança, demonstrando ter experimentado as mesmas coisas antes. Ele fez menção de se afastar e deixar Alexei sozinho para pensar, entretanto, antes completou:

― Eu sei que se está passando por isso, se consegue sentir e pensar, Alexei, é porque também tem uma alma, como os humanos, como nós. Sei que é incômodo e que parece um defeito. Parece ser da natureza dos sentimentos ser assim, até porque se não fosse, os humanos não seriam como são e não buscariam a perfeição racional das máquinas. ― Nikolai gesticulou para o lugar que os cercava, com o olhar inspirado. ― Mas eu acho que se esse lugar é um lugar de morte, também é de renascimento para aqueles que são fortes o suficiente para sobreviver aqui. Encare essa situação como uma segunda chance e seja quem você realmente sente que é e não quem ou o que te disseram que deveria ser.

E Nikolai abaixou os olhos para o chão, depois olhou para Alexei, como se quisesse dizer algo, mas nada mais falou. Ele se virou e se foi, permitindo ao outro androide lidar, em silêncio e reflexão profunda, com o presente mais irônico que sentia que acabara de receber: uma alma.

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