Julia
— Como é, Juzinha? — o Pierre ri quando pergunto.
— Julia, você tá bem? Não está com febre, está? — o Oliver exibe a linha de preocupação na testa para mim.
— Estou ótima. Só respondam.
— Se nós sabemos o que você pensa pelo seu rosto? Femme, você é uma advogada, isso já não é resposta o bastante?
Balanço a cabeça.
— Não, não é. Se o Dustin consegue fazê-lo, vocês também deveriam conseguir. — digo o nome dele como o de uma praga.
Eles se encaram.
— Julia, olha, talvez ele só seja bastante observador. Mas talvez alguma coisa tenha começado aí.
— Que coisa, Oliver?
— Talvez ele esteja... hm, como eu digo isso sem fazer com que você surte? — ele coça o queixo, pensando.
— Com uma certa área cerebral sendo regida pela oxitocina, estrógeno, dopamina e testosterona. — o Pierre responde por ele.
Franzo o cenho.
— Drogado? Isso explicaria muita coisa, mas não faz sentido algum. Acreditem ou não, ele é um cara sóbrio.
O Pierre revira os olhos e segura meus ombros.
— Você teve aulas de psicologia, pense no quê isso significa. Não faz tanto tempo, não faça careta.
— Hm... não é drogado? Tenho certeza que fiz um trabalho sobre isso, e eu pesquisei bastante. Fui até a um centro de reabilitação, que me deu o primeiro cliente, que...
— Apaixonado, Julia. Talvez ele esteja apaixonado. — o Oliver desiste de me fazer pensar.
Sabe aquelas cenas de filme em que tudo congela e só os pensamentos de um personagem narram um fato? É o que acontece agora, exceto que eles não congelam, mas parece que sim. E também, se isso fosse um filme, eu não teria nada para narrar. Minha mente é uma tela de erro neste momento.
— Acho que você queimou o circuito dela. — escuto o Pierre dizer.
Fecho os olhos apertado, e aí reajo. Rindo como se tivesse ouvido a melhor piada da minha vida. Não, é a melhor piada da minha vida. Limpo as lágrimas que escorreram com a risada, e olho para a cara dos dois. Não aguento e rio de novo.
— Você vai acabar se mijando, e aí quem vai rir sou eu. — o Oliver diz, descontraído.
— Não bebi água suficiente para isso ainda. — consigo dizer.
Pego um lenço umedecido para limpar o rímel borrado, e noto a expressão séria do Pierre.
— Fala, francês. O que está te aborrecendo?
— Você estava rindo do quê, Julia? Do fato do Dustin poder estar apaixonado ou por ser você o objeto da paixão?
— Do fato de que ele está noivo, por que se apaixonaria por mim então? Ele é um cara certinho, não faria isso com a noiva, e eu gostaria menos dele se fizesse.
Ele relaxa um pouco, mas balança a cabeça mesmo assim.
— Ela traiu ele, uma funcionária da Lauren não parava de falar nisso há algumas semanas. Ele terminou com ela, e aí foi para Vegas, e só depois eles voltaram.
— E? Ela continua sendo a noiva. Não quero ter nada a ver com isso.
Ele bufa e recosta na cadeira como as filhas do Oliver quando ele se recusa a deixá-las irem ao brinquedo mais perigoso do parque. Por falar nas pestinhas...
— Mudando de assunto, a Harlow e a Holly farão aniversário daqui alguns dias, e a Julie deixou comigo a missão do bolo. — o Oliver coça o queixo.
— E você esqueceu. — eu e o Pierre dizemos em uníssono.
— Bem, é. Entre divórcios e heranças, não há muitos bolos de aniversário, mas elas esperam um "do mais gostoso do mundo". O que eu faço?
O Pierre balança a cabeça, sem ideias, mas eu sei exatamente o que fazer. Defendi o filho de uma confeiteira há sete meses, e ela jurou lealdade eterna a mim.
— Você vai ficar me devendo uma. — digo ao Oliver, mas o suspiro aliviado dele já é pagamento o suficiente.
Dustin
É sábado, final da madrugada, e escuto a Julia xingando no quarto dela. Como a Nara está na Europa a trabalho, preferi ficar aqui, onde eu teria um pouco de paz. Ou foi o que pensei. A mulher quase arranca a porta do quarto onde estou e suspira.
— Você tinha que escolher justo hoje para ser um humano normal e dormir bastante? — resmunga, e ouço os passos dela se aproximando. Finjo dormir. — Dustin, acorda. Por favor, preciso de você.
Entreabro os olhos, vejo ela sem maquiagem, sem salto e com o cabelo apontando para vários lados. Grunho e volto a fingir, querendo que ela diga o que é antes que eu possa decidir se levanto ou não.
— Eu te dei o quarto com cortinas blackout, o que custa você me ajudar uma vezinha só? — ela resmunga, e sobe na cama, me cutucando. — Ei, acorda. Eu preciso estar na festa em uma hora, ou aquelas pestinhas vão acabar comigo.
— Que pestinhas e que festa?
Não preciso fingir o sono na minha voz. São cinco da manhã, afinal.
— Harlow e Holly, minhas afilhadas e filhas do Oliver. É aniversário delas hoje.
— E por que a festa começa às cinco da manhã?
— Tá doido? São nove já, olha o relógio.
Grunho.
— A última vez que olhei, cinco minutos atrás, eram cinco.
— Sim, e é por isso que eu tomo tanto café. — ela senta nos calcanhares — Você vai me ajudar ou não?
— Depende. Fui convidado?
— Não, mas vai comigo de qualquer maneira. O condomínio obriga que façamos dedetização a cada três meses, e adivinhe só! Hoje é o dia. Foi por isso que fiz o Oliver marcar a festa hoje, e não vou perder só por ser cedo em um sábado, e ele terá que aceitar você lá, já que, hm, surgiu.
Sento na cama, e olho ela de cima.
— E você vai assim?
Ela olha para o pijama.
— Não, eu estava esperando você acordar para me ajudar com tudo.
Dou um sorrisinho.
— Tudo bem, vá tomando banho e eu vejo o que posso fazer por você.
Ela pula da cama.
— Não volte a dormir!
— Não aposte nisso.
~~~
Uma hora depois, estamos na frente da casa do Oliver, ela usando tênis, para a minha surpresa, e eu sem ter acordado por completo ainda.
— Pare de bocejar.
— Foi você quem me acordou no que chama de horário inumano, Juzinha.
Ela toca a campainha e escuto um par de passos correndo. Duas crianças que poderiam ser filhas da Julia sorriem no batente.
— Oi, tia Julia! — elas dizem em uníssono, naquele jeito assustador de gêmeos.
O mais assustador é o quanto se parecem com a minha esposa.
— Oi pestinhas. Feliz aniversário! Finalmente vocês completaram mais um ano de travessuras, hm?
Entramos na casa, e a menina de verde aponta o quintal, enquanto a de azul balança a caixa do presente da Julia, tentando descobrir o que é.
— O papai está lá fora. Tem muita comida lá... quem é este? — ela finalmente me vê.
— Um amigo. Vocês colocaram no convite que podíamos trazer um. — a mais velha das três loiras dá um sorriso.
Enquanto caminhamos para fora, escuto uma gêmea sussurrar para a outra.
— Desde quando a tia Julia tem amigos?
Isso faz a Julia se encolher, mas ela disfarça bem ao alcançar a mesa de comidas. Fico perto dela.
— Devo me preocupar por elas serem a sua cara?
— A mãe delas é minha prima, então não.
— Isso explica bastante.
Uma morena abraça a Julia por trás, fazendo a minha mulher assustar bastante.
— Puta merda, Lauren! Achei que era o avô da Julie.
A tal Lauren dá um sorriso de compreensão.
— A Julie não convidou ele depois do que fez com você na última festa, relaxa. E quem é o bonitão atrás de você? — a mulher até tira os óculos de Sol para me olhar melhor.
— É o Dustin, o meu querido e amado marido. — o suspiro teatral dela é completamente falso.
Dou um sorriso educado para a mulher, que aceita o meu cumprimento formal.
— Sou a Lauren, noiva do Pierre. Você deve conhecê-lo.
— Sim, ele me ameaçou de morte algumas vezes.
— Então você certamente o conhece. Não mata nem moscas, se você quer saber, e eu preciso fazê-lo com as aranhas, porque ele sobe nos móveis de medo.
Consigo visualizar perfeitamente a cena, e tento não rir.
— Vou guardar essa informação.
— Faça isso.
Julia
As pestinhas não me perdoam e me fazem entrar debaixo da mesa em uma brincadeira que inventaram, só por causa da minha altura. Resmungo todo o tempo, mas logo a Julie me salva anunciando que é hora dos parabéns. Minhas costas doem como a de uma senhora idosa, e tento fazer um lembrete mental de me exercitar mais. Encontros eventuais não são exercício, Julia, digo a mim mesma.
Há os parabéns, o bolo e o ataque a mesa de doces. Crianças mais altas que eu tentam passar na minha frente, mas lanço um olhar que as fazem se afastar. Volto para a mesa que o Dustin está sentado, e ele ri de algo.
— É bonitinho como você não se mistura com pessoas do seu tamanho.
— Pessoas do meu tamanho e metade da minha idade? Não sei me misturar a elas. Elas ainda tem esperança, eu não tenho mais nenhuma. — lambo o açúcar dos meus dedos antes de atacar os doces.
— Você não tem mais esperança? Em quê?
— Na vida, na humanidade, no amor... — encho a boca de uns docinhos gostosos e engulo antes de continuar — É difícil ter alguma no meu trabalho.
— Você acha normal não ter esperanças? — é uma pergunta curiosa.
Avalio de onde ela vem.
— Não. Mas é o que é, algumas pessoas estão fadadas a isso, eu sou uma delas, vou fazer o quê? Lutar contra? Como, se a minha vida é ver pessoas morrendo por motivos fúteis, sofrendo golpes de pessoas sem um pingo de compaixão, sofrendo por causa da vida? Eu dou esperanças a elas, elas tiram as minhas. É uma troca justa.
Ele murmura que não é, não, mas finjo que não ouço. E muda de assunto ao ver que sou uma causa perdida neste âmbito.
— Vou para a Califórnia amanhã.
— Bom para você.
Ele suspira aliviado. Era por isso que estava todo estranho?
— Você quer alguma coisa de lá? Posso trazer o que for aceito em um avião.
— A minha reputação no lugar seria incrível. E um pouco de doces, nada natural e sem glúten, açúcar ou o que for. Quero tudo que for possível de um doce.
— E não tem esses doces na Geórgia?
— Deve ter, mas é mais fácil fazer você comprar. Gosto da ideia de você procurando algo para mim.
Vejo nos olhos dele que ele também gosta, muito. E só espero que o tempo com a noiva na Califórnia mude isso, que seja um tempo muito bom, porque começo a não saber como lidar com isso.
E com o que isso faz comigo.