7 de Abril, 2017
Raiva e mágoa. Esses eram os sentimentos que me preencheram aquele dia. Foi a partir dali que tudo entre nós começou a desmoronar.
Havia passado quase que a semana toda na casa de Taehyung, fazíamos isso sempre. Tinha dias que ele vinha para a minha casa e passava alguns dias lá, ou eu ia para a dele e assim ia. Eu costumava passar mais tempo na casa dele do que na minha própria.
Naquele dia em específico, eu tinha acordado por volta das seis da manhã. Meu relógio biológico tinha dessas de me acordar cedo demais ou tarde demais.
Perdi as contas de quantas vezes deixei de dormir uma noite inteira por simplesmente ter acordado no meio da noite e perder o sono.
Taehyung por outro lado sempre dorme tarde e acorda tarde. Tornando a tarefa de tentar acorda-lo um verdadeiro desafio.
Naquela manhã me lembro perfeitamente de ter arrumado a casa, arrumei não porque quis e sim porque não tinha nada mais interessantes a se fazer. Fiz algo para comer e me sentei no sofá, liguei a TV em um documentário sobre o Titanic, que nem era tão interessante assim.
Com toda certeza devem existir coisas mais interessantes sobre o Titanic, mas tudo o que falam é sobre como ele afundou, pelo amor de Deus, todos já estão cansados de saber como ele afundou. Por que não nos dizem algo sobre os passageiros e suas vidinhas? Talvez até sobre os sobreviventes. Sim, um documentário sobre os sobreviventes. Acredito que já devem ter feito um desses, isso sim me soa interessante.
E foi por volta das oito da manhã que alguém começou a bater na porta. Tirando minha atenção do documentário. Lembro-me de me perguntar internamente quem era o sem vida que estava batendo na porta às oito da manhã de uma quinta-feira.
A princípio eu teria ignorado, se as batidas não tivessem começado a ficar tão irritantes ao ponto de me dar uma certa vontade de socar quem estava do outro lado da porta, me impedindo de assistir aquela droga sobre a porra do Titanic.
Me levantei a contragosto e abri a porta. Jamais esqueceria aqueles cabelos longos e dourados, os olhos pequenos e os lábios finos. O corpo muito bem desenhado. Continua tão bonita quanto me lembro e eu a odeio por isso. Jiwoo, a ex do Taehyung.
Nos encaramos por dez segundos inteiros, ela me olhou dos pés a cabeça, lembro-me de estar usando uma das camisas de Taehyung e um short que também era dele.
- Posso ajudá-la? - perguntei o mais cínico possível. Não queria ajudá-la em nada, só queria saber o motivo de ela estar bem ali na minha frente.
- Preciso falar com Taehyung. Ele me ligou semana passada, disse que queria me ver, e bom, aqui estou.
Meu sangue ferveu. Concordei com a cabeça e pedi que esperasse um segundo. Bati a porta e saí pisando fundo em direção ao quarto onde Taehyung dormia. Iria arranca-lo daquela cama a força.
Por quê? Por que diabos ele havia ligado para ela? O que era tão importante assim que faria ela sair do inferno para vir falar com ele pessoalmente? E principalmente, por que diabos Taehyung não me contou?
- Taehyung! - gritei abrindo a porta do quarto em um baque - Taehyung, levanta agora! - continuei gritando enquanto dava voltas no quarto.
Ele se remexeu na cama, resmungando algo baixinho. Cruzei os braços batendo os pés irritado, esperando que se levantasse, mas ao invés disso ele voltou a dormir.
- Taehyung! - gritei outra vez, então finalmente ele se levantou em um pulo assustado.
- O que? O que foi? - olhou envolta - Por que está gritando? O gás está vazando de novo?
- Não. Você não disse que tinha resolvido o negócio do gás? - questionei.
- E eu resolvi, eu acho... Por que está gritando? - coçou a nuca.
- Tem uma pessoa lá fora querendo falar com você - sorri forçado.
- Quem?
- Por que não vai lá e descobre? - ele me encarou de cenho franzido, antes de se levantar vindo em minha direção.
- Certo, vou escovar os dentes antes - disse me dando um selinho rápido.
Voltei para a sala me sentando em uma das poltronas, Taehyung apareceu momentos depois. O cabelo loiro completamente desgrenhado, e as roupas amassadas, saiu em direção a porta a abrindo.
- Finalmente! - a garota entrou, batendo seus saltos contra o assoalho - Demorou, achei que iria me deixar plantada do lado de fora.
- Jiwoo...
- Nossa, a casa está arrumada. Desde quando você é organizado?
- Ele não é. Eu sou - disse alto, mudando os canais da TV.
Taehyung suspirou coçando a nuca outra vez.
- Sobre o que você queria falar?
- Não é um bom momento para isso - respondeu tentando evitar aquele assunto.
- Por que não? - perguntei me interrompendo outra vez.
Taehyung me encarou mordendo os lábios, as mãos apoiadas na cintura. Arqueei a sobrancelha, o encarando da mesma forma.
- Eu não tenho o dia todo, Taehyung... - Jiwoo disse chamando a atenção outra vez.
- Escuta, eu te ligo depois. Agora não é o momento certo para isso.
Ah, ele liga depois. Claro que liga depois.
- Por que não é um bom momento? O que é tão importante que eu não possa saber, Taehyung? - perguntei piscando algumas vezes.
- Agora não, Hoseok.
- Ok - me levantei - Você quer privacidade, vou te dar privacidade - dei a volta indo até o quarto.
- Hoseok... Hoseok - chamou vindo atrás de mim.
- Eu já entendi, Taehyung - rebati irritado - Fale o que tiver que falar com a sua ex, não vou atrapalhar seu assunto tão importante - resmunguei vestindo minhas roupas - Ela não tem o dia todo, não é? - ri nervoso pegando meu celular o guardando no bolso.
- Hoseok, não vai - pediu vindo atrás de mim.
O ignorei passando pela minha querida Jiwoo, indo embora o mais rápido possível daquele inferno. Antes que eu explodisse, então nós brigaríamos, e eu não queria brigar com ele. Eu fugi dos meus problemas, como sempre fiz.
Não estava com ciúmes, estava com raiva. Raiva por saber que Taehyung havia procurado sua ex namorada pelas minhas costas.
Eu não era confiável o suficiente? Por que eu não podia saber? Por um momento eu quis voltar até lá e gritar com ele até onde minhas cordas vocais me permitiam.
Depois, minha raiva se transformou em mágoa. Eu sabia que Jiwoo havia sido importante na vida de Taehyung, sabia reconhecer isso e respeitava. Bom, em partes.
Passei o resto do dia em casa, Taehyung ligou umas duas ou três vezes e então desistiu. Me lembro de não ter conseguido dormir aquela noite, simplesmente não consegui.
Meus pensamentos me atormentaram a noite inteira. E, pela primeira vez eu tive medo de perde-lo.
Não gosto muito de recordar esse dia, me deixa meio abalado, tanto quanto me lembrar do dia do nosso término.
Tive que dar aula de dança no dia seguinte. Não estava com ânimo para aquilo, mas fui mesmo assim, afinal as contas não se pagam sozinhas. E, dançar costuma aliviar minha raiva.
- Ok, do começo - disse alto me posicionando no meio dos outros - Um... dois... três... quatro...
A porta foi aberta e Taehyung entrou, chamando a atenção para si. Respirei fundo parando de dançar, o encarando pelo reflexo do espelho.
Era isso, não poderia ficar fugindo dele e da conversa que precisávamos ter para sempre, certo?
- Continuem - gritei visto que muitos haviam parado de ensaiar.
Pisei fundo em direção a Taehyung, o puxando pelo braço até o canto da sala.
- O que foi?
- Precisamos conversar.
- Precisamos? Tem certeza que não é com a sua ex que você precisa conversar? - rebati com a voz carregada de mágoa.
- Me desculpa...
- Olha, não tenho tempo para isso agora - esfreguei os olhos, soltando um suspiro - Conversamos depois - disse dando as costas, mas ele segurou meu braço me puxando de volta.
- Espera - pediu - Por favor.
- Eu estou com tanta raiva de você...
- Me desculpa.
Mordi o lábio com força. Desculpa, é tudo o que ele sabe dizer. Desculpa. Desculpa. Desculpa.
- Você foi atrás da Jiwoo. Sua ex, Taehyung - grunhi irritado.
- Não é o que você está pensando...
- O problema nem é esse, o problema é você não ter me dito nada.
Ele abaixou a cabeça e nesse meio tempo, notei que a turma toda nos assistia. Puxei Taehyung pelo braço em direção a saída, andamos pelo corredor até chegarmos do lado de fora da academia. Não iria ter aquela conversa na frente daquela gente, não mesmo.
- Por que não me contou?
- É complicado...
- Não, Taehyung! Não é complicado! - rebati, perdendo o pouco de paciência que ainda me restava.
- Eu iria te contar depois de falar com ela...
- Falar o quê? - gritei.
Taehyung suspirou, desviando o olhar.
- O meu pai ficou doente, Hoseok. Minha mãe não tem dinheiro para pagar os exames dele, e sem ninguém para ajudar a cuidar do campo ela não pode trabalhar - meu coração acelerou - Jiwoo tem uma companhia de roupas, você sabe. Ela disse que me arranjaria um emprego, e o salário é mais que o suficiente para pagar os exames do meu pai.
- Por que não me contou? - perguntei. O coração batendo forte dentro do peito.
- O emprego é em Daegu.
Fechei os olhos com força, sentindo minhas pernas fraquejarem. Me afastei dele e me sentei em um dos bancos que tinha ali.
- Me desculpa, eu não queria te contar sem ter certeza de nada - se sentou ao meu lado - Eu pensei muito sobre isso, Hyung. Muito mesmo. Eu pensei nos meus pais, pensei em você, em nós...
- E você vai embora? - perguntei com medo da resposta.
- Eu não sei. Eu sinto que preciso ir, mas eu não quero te deixar, meu lugar é aqui com você, nós temos uma vida juntos.
- Você não precisa ir - disse segurando sua mão, entrelaçando nossos dedos - Nós vamos dar um jeito. Você pode arrumar outro emprego aqui e eu posso pedir um aumento. Dinheiro nunca foi um problema para mim, você sabe.
- Não quero que se sinta obrigado a me ajudar.
- Eu quero te ajudar, Taehyung - respondi segurando seu rosto com a mão livre - Somos uma equipe, esqueceu? E eu vou apoiar qualquer decisão sua, mesmo que você escolha ir para longe de mim...
Taehyung colocou a mão sobre a minha, colando nossas testas. Sua respiração estava agitada, ele queria chorar, mas eu sabia que ele não o faria na minha frente.
- Só quero que saiba, que ir para Daegu não é a sua única opção, ok?
Eu estava com tanto medo de perdê-lo. Tanto medo. Eu queria chorar e implorar para que ele ficasse comigo, para que não fosse para longe de mim, mas eu não podia fazer isso, não podia prendê-lo a mim e impedi-lo de fazer suas escolhas. Era fácil obrigá-lo a ficar quando não é era minha família que precisa de ajuda, era egoísta demais. Eu jamais faria uma coisa dessas com ele, nunca.
- Eu não vou. Pelo menos não sem você - suspirou, uma sensação de alívio invadiu o meu corpo - Eu te amo tanto - sua voz soou grogue.
- Eu te amo também - disse em meio a um suspiro longo.
Taehyung me abraçou, deixando um beijo na lateral da minha cabeça, escondendo o rosto na curva do meu pescoço se deixando levar pelas lágrimas.
- Eu estou com medo, Hyung - murmurou.
- Vai ficar tudo bem, você vai ver - sussurrei, subindo as mãos para o seu cabelo - Eu vou estar com você, sempre - murmurei, beijando sua mão.
- Não queria chorar na sua frente, desculpa - se afastou, enxugando o rosto.
- Tem vergonha de mim?
- Não, só não gosto de parecer fraco - sorriu mínimo.
- Você é a pessoa mais forte que eu já conheci - enxuguei o canto de seus olhos com o polegar - Chorar não te faz fraco, só mostra que você é um ser humano - ele abaixou a cabeça, voltando a chorar e sem pensar duas vezes o puxei para mim, o abraçando pelo pescoço. Taehyung me abraçou pela cintura, afundando seu rosto em meu peito.
Meu coração batia forte, nunca gostei de vê-lo assim tão vulnerável. Meu instinto protetor gritava dentro de mim, sentia vontade de protegê-lo do mundo e guardá-lo só para mim.
Taehyung era meu.
Não no sentido de posse, mas no sentido de ter uma intimidade a mais com ele, ter sua atenção apenas para mim, seu carinho, seus beijos, eu tinha tudo aquilo e perdi.
Perdi e daria tudo para ter de volta, para fazer sermos o que éramos antes.
- Quer ir para casa? - perguntei fazendo carinho em seu cabelo.
- Você vai comigo?
- Claro. Se eu não for quem você vai abraçar pra dormir? - perguntei o fazendo rir fraco - Mas antes eu preciso dispensar a turma, tudo bem? - me afastei, o vendo concordar com a cabeça - Já volto - lhe dei um beijo rápido antes de voltar para dentro da academia.
Depois de mandar o pessoal embora, Taehyung e eu fomos para o meu apartamento. Tomamos um banho juntos e fomos para a cama assistir Mulan. Taehyung tem uma grande paixão pelo mundo idealizado das princesas da Disney. Sempre me fazia assistir Cinderela e Rapunzel, já que eram suas favoritas.
Eu por outro lado sempre achei meio ridículo toda essa fantasia, envolvendo príncipes, amor verdadeiro, sapatinhos de cristal e etc. Ele dizia que eu não sabia valorizar as histórias, o romance e o mundo mágico da Disney.
Taehyung sempre teve uma opinião mais complexas sobre tudo a sua volta. Nada nunca era apenas nada, sempre havia algo para descobrir, algo para analisar, para refletir e apreciar. Taehyung era um verdadeiro amante da arte e eu simplesmente amava esse lado dele.
A forma como ele costumava me explicar seu ponto de vista sobre pequenas coisas e no fim concluía dizendo algo bobo apenas para me fazer rir, me encantava.
Passamos o restante da noite conversando, até que ele dormiu por volta das três da manhã. O assisti dormir por um longo tempo, até que em algum momento eu acabei dormindo também.
Sinto falta dele.
×