Nas Mãos do Diabo [1] O Maest...

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[CONCLUÍDA, Jikook] Livro 1 da Saga Nas Mãos do Diabo. Há algo errado ocorrendo no Inferno. As gárgulas não r... More

Aviso Infernal
Aviso de Sobrevivência Infernal
Prólogo: o Limbo.
|01| Saia da fila do Inferno
|02| Saiba Como Morreu
|03| Conheça o Diabo
|04| Seja Mal Pela Primeira Vez
|05| Tente negociar com a ira
|06| Receba a ajuda de quem não quer
|07| Estranhe o Diabo
|08| Dance com ele
|09| Fuja do Circo Infernal
[10] Não morra em silêncio
[11] Deixe que ele o toque
|12| Vá para o Hotel Mortal
|13| Divida o quarto com Jungkook
|14| Sobreviva ao Hotel Mortal
|15| Descubra o erro da redenção
|666| A última pista: O X E L F E R
|16| Não olhe para os reflexos
Interlúdio: O Jogo.
|01| Veja através de outros olhos
|02| Comece a mentir de verdade
[03] Pule de um precipício
|04| Corra
[05] Dê prazer para ele
|06| Veja seu pior pesadelo
|07| Conte sua história: Horácio
|08| Conheça o Diabo: Adiv
|09| Deseje o Diabo: Devon
|10| Não chore por ele: Eliel
|12| Veja ele trocá-lo lentamente
|13| Faça-o olhar somente para você
|14| Entre na Sala Proibida
|15| As revelações: Eles
|15| As revelações: O veneno
|15| As revelações: Nêmesis
|16| O Apocalipse: Tânatos
|16| O Apocalipse: Khaos
|16| O Apocalipse: O Espelho
Epílogo - Nem tudo foi o que pareceu ser
ESPECIAL DE NATAL - !leoN iapaP o etaM
NAS MÃOS DO DIABO: ¿2?
O LIVRO FÍSICO DE NAS MÃOS DO DIABO
ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO - Como poderia ter sido: Parte 1.
ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO - Uma longa escada: Parte 2.
ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO - Um Hotel inusitado: Parte 3.
ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO - Fim: Parte 4.
NAS MÃOS DO DIABO [3]: APOCALIPSE
O Maestro está no Kindle e, temporariamente, DE GRAÇA!

|11| Roube a memória dele e fuja: Samandriel

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A Última Memória:

Samandriel

Jogos à parte,

De uma mente sem forças,

Roubou-me o coração

E atirou-me à forca.

— Hades.

Era uma noite chuvosa. As gotas de sangue da chuva atingiam as janelas como pedras, com os trovões preenchendo o vazio hesitante no castelo com pancadas violentas e brutais.

No salão de festas, os monstros se reuniam pouco a pouco diante do altar dos Sete Tronos Mortais, confusos, intrigados e temerosos. Algo estava acontecendo. Eles não sabiam o que era exatamente, mas sabiam que o castelo de Lúcifer já não era o mesmo, que não possuía a mesma monstruosidade animalesca, a sede fervorosa pelo caos e a adoração matinal que tanto ansiavam.

O Rei do Inferno havia desaparecido.

No começo daquele dia, não desconfiaram tanto. Acharam que havia embarcado em mais uma de suas loucas viagens pelos Círculos Infernais ou que havia ido visitar Srta. Morte e seus esqueletos dançantes, até pensaram que estava na entrada infernal tentando pela milésima vez adentrar o mundo dos mortais, mas... Depois de um tempo, acabaram percebendo que algo muito mais sério poderia estar acontecendo.

Não somente eles, mas os Pecados Mortais começaram a desconfiar também. Contudo, quando perceberam, já parecia ser tarde demais.

Porque eu havia chegado.

Ajoelho-me diante do mar de sangue que causei e seguro o rosto trêmulo de Jungkook com ambas as mãos, depois ofereço-lhe um pequeno sorriso de consolo por sua brava tentativa de me destruir. Ele parecia tão pequeno naquele momento, tão inseguro e vulnerável, exatamente como eu havia imaginado. Ao seu lado, uma pequena carta formou-se a partir da poeira ao redor e fez-se deliciosamente encantadora diante de mim... diante de nós.

— Você estava me perseguindo, Jungkook... — revelei acariciando suas bochechas com leveza.

— Eu estava? — Indagou completamente perdido. — Quem é você? — Voltou a perguntar.

Já era a quinta vez que me perguntava a mesma coisa.

Sorri em escárnio e forcei a ponta da unha de meu indicador contra a pele machucada de sua bochecha, forçando-o a levantar com um grito para, enfim, olhar a bela pintura que eu havia acabado de completar: metade de seus súditos estavam mortos, a outra estava amarrada por correntes enquanto esperavam a vez. Ao nosso redor formava-se um lindo círculo feito do sangue de minhas vítimas. Um círculo marcado e perfeito no centro do Salão Principal do Castelo.

— Preste bem atenção, pois irei falar apenas uma vez... — ordenei entredentes. — Tive o pequeno privilégio de possuir vários nomes e, além deles, várias personalidades memoráveis adjuntas... — revelei-o lentamente, observando a curiosidade e o ceticismo banhando seus olhos vermelhos como mel. — ...Não pense em mim como vários; pense em mim como um todo. — Dei de ombros. — Felizinho e Estressadão costumavam dizer que eu tinha algum transtorno de personalidades, mas não gosto de pensar dessa forma... pense nisso como uma... Como uma válvula de escape — enfiei meu polegar mais fundo em seu rosto, soltando um risinho quando suas mãos agarraram meu pulso numa tentativa falha de me afastar, contudo, já estava fraco demais para tal coisa. — Quando um não sabia lidar com a situação, outro aparecia.

— Isso não pode ser real... — resmungou sem fôlego.

— Pense comigo — então lentamente comecei a introduzir memórias antigas em sua mente, desde o tempo em que nos conhecemos em meu terrível julgamento. — Antes mesmo de nos encontrarmos, eu era Horácio, o tristonho, mas, assim que pus os pés no Salão de Julgamento no dia de minha sentença, senti que não aguentaria e que não queria mais ser aquele demônio tristonho e miserável... — respirei fundo, inserindo a memória em que ele me julgava e me humilhava na frente de todos. — ...eu queria ser mais, eu queria ser alguém... então tornei-me Adiv.

Jungkook engasgou ao provar o gosto azedo de sua própria memória.

Prossegui.

— Mas não pense que todos esses nomes e essas mudanças são seres diferentes habitando num corpo só — neguei. — Só porque mudo de nome, isso me faz alguém diferente? — Indaguei com um sorriso criminoso nos lábios, forçando-o a voltar a me encarar assim que percebi seus olhos focando em qualquer outro lugar, menos em mim. — Só porque posso mudar a cor de meu cabelo... — então demonstrei-o fazendo meus cabelos brancos ganharem uma coloração negra e radiante. — Isso me faz outra pessoa?

— Você é louco! — Vociferou, cuspindo em minha bochecha com uma careta enojada.

Soltei um risinho, fazendo meu cabelo retornar a cor normal, e limpei o rosto com as costas de minha mão antes de acertá-lo um soco certeiro no nariz, ele soltou um gemido de dor e bateu com a cabeça no chão, derrotado.

— Então agora irei dizer como me chamo, mas cuidado para não esquecer, viu? — Brinquei mostrando a ponta de meus dedos, de onde pequenas nuvens de poeira surgiram prontas para roubar qualquer lembrança possível. — Chamo-me Samandriel, o furioso! — Gritei. — Olhe ao redor, olhe o que me fez fazer! — Larguei seu rosto com força, levando o polegar que havia causado o machucado em sua bochecha até minha boca, deslizando-o pela ponta de minha língua com louvor.

Tinha gosto de desespero.

Observei seu corpo cair mole contra o piso enquanto seus olhos arregalados varriam o cômodo com espanto e desespero, levantei de meus joelhos e puxei uma pequena adaga escondida no bolso de meu sobretudo, esperei o círculo de sangue envolver-nos por completo, depois soltei um risinho macabro e puxei a primeira mecha longa de meus cabelos brancos para cortá-la num simples piscar de olhos.

A mecha caiu e manchou-se do sangue dos mortos, desaparecendo.

— Irei contá-lo uma pequena história, Lúcifer... — ronronei cortando mais duas mechas, começando a me reaproximar de seu corpo.

— O que... O que aconteceu? — Ele se indagava baixinho, tremendo. — O que você fez comigo? Você matou meus súditos! — Vociferou. — Por que não consigo me lembrar de nada?

Ajoelhei-me ao seu lado e, com minha mão livre, agarrei a pequena carta contendo sua memória com um sorriso prazeroso de satisfação. Seus olhos se arregalaram em surpresa, talvez pelo fato de nunca ter visto alguma delas na vida.

— Era uma vez... — sorri cortando mais uma mecha, mas dessa vez jogando-a em cima dele. — Um demônio que sonhava em ser Rei...

Desde cedo soube o que queria, o que buscava, o que ansiava e, de certa forma, já sabia o que teria que enfrentar para conseguir. Desde cedo, quando surgi de minhas próprias cinzas ao redor do calor de meu próprio fogo, soube que não me contentaria em ser um nada, um sem-título, um ninguém; que havia surgido com propósitos maiores, dignos, grandiosos, mas... para isso, eu precisaria pisar na cabeça de alguns demônios antes.

— Um sem-título, um sem lei... — murmurei.

Fios de cabelo despencavam de minha cabeça como um véu fúnebre numa doce tarde chuvosa, eu os cortava com ânsia, os olhos bem abertos, o sorriso maníaco pintado em meu rosto como o de um bobo-da-corte, um lunático miserável. Sim..., eu estava sentindo a loucura invadindo meu corpo, clamando espaço e reivindicando o que era apenas dela: nós.

— Sonhava em sentar em um trono...

Ajeitei as mangas de meu sobretudo* e levantei limpando o sangue que manchava minhas mãos, minhas botas faziam o chão ranger a cada passo que eu dava em direção ao que era meu e ao que sempre havia me pertencido. Não estava longe, eu podia senti-lo. Antes de subir as escadas, pisei em algo que produziu um ruído irritante e afastei-me minimamente, inclinando-me para catar um pequeno caco de vidro.

Observei meu reflexo, sorrindo ao notar meus olhos cinzentos brilhando violentos junto de minha pele pálida como gelo, então apertei o vidro e suspirei ao observar meu sangue escorrendo por minha mão.

Antes de subir o último degrau, olhei para trás e suspirei violentamente ao vê-lo de joelhos olhando ao redor como se seu mundo, tudo o que era seu, tivesse sido destruído. Gritou ao ver os outros pecados amarrados um ao lado do outro, machucados, desacordados, um grito de pura dor, inconsolável, devastado. Levou as mãos até a cabeça e agarrou o cabelo com desespero, percebendo, finalmente, que estava sem saída.

Rubel estava desmaiado próximo as grandes portas do Grande Salão e, bem ao seu lado, Ruda o acompanhava.

— Foi o que eu fiz — revelei dando-lhe as costas, largando o caco de vidro sangrento. — Espelho, espelho meu... — sussurrei sentando-me em meu trono de ossos, então sorri. — Como você nunca percebeu?

Eu iria fazê-lo lembrar de tudo.

O DESASTRE

Desmaiei no segundo seguinte em que a poeira sombria deixou minhas mãos, bem ao lado de onde havia posicionado Jungkook após roubar sua memória. Eu estava exausto, acabado e não fazia a mínima noção do quão esgotado estava até sentir o impacto de minhas ações, parecia que aquele meu ataque de poder explosivo havia engolido cada gota de minha força vital e exaurido meu corpo até sobrar apenas a dor nos ossos, a dor na cabeça e, a pior, a dor no coração.

Quando acordei, Jungkook e Oxelfer ainda estavam desacordados no quarto, mas avistei Estressadão com um balde de água e Felizinho com um pano molhado em mãos sobrevoando ao meu redor com olhos esbugalhados e preocupados.

— Está febril, Senhor! — Felizinho avisou colocando o pano em minha testa.

— Bastante! — Estressadão completou com um bufar preocupado.

— Escutamos seus gritos e as pancadas do lado de fora, ficamos bem assustados, arrepiados até, — Felizinho voltou a tagarelar e Estressadão parecia concordar com cada palavra que ele dizia. — Mas então o silencio veio e parecia que tudo estava estranho demais, então entramos no quarto e o encontramos desmaiado e pálido, suas mãos estavam fervendo, mas o resto de seu corpo estava completamente gelado! Estava estranho demais!

— Dêmos uns tapas na sua cara, sabe, para ver se o Senhor só estava tirando uma sonequinha... — Estressadão fingiu chutar uma pedra imaginária, soltando um assovio culpado em seguida. — Mas o Senhor não acordou, então pensamos no pano e na água.

— Pegamos na enfermaria E.U.S.O.U.P.O.C. — Felizinho arregalou um sorriso. — Bom, roubamos, mas isso não vem ao caso.

Resmunguei baixinho, tirando o pano molhado de minha testa e, aos poucos, procurei forças para sentar-me e olhar ao redor. Primeiro fitei Oxelfer, seu crânio ainda estava amassado por minha pancada bestial e ele ainda estava inconsciente, miserável, depois mirei Jungkook e soltei um suspiro desamparado ao vê-lo de olhos abertos e opacos, porém ainda desacordado.

— O que fará com eles, Senhor? — Os demoniozinhos questionaram em uníssono.

Encarei-os por um tempo, desconcertado.

— Eu não sei.

Estressadão pousou em meu ombro direito e pôs sua mãozinha em minha bochecha para acalentar minhas mágoas visíveis, Felizinho fez o mesmo. Deitei-me novamente, soltando um suspiro desesperado e fechei os olhos ao sentir seus carinhos em meus fios de cabelo. Eles estavam cuidando de mim.

— Eu simplesmente não sei o que fazer! — Esbravejei mordendo um grito antes que ele escapasse. — Eu estou tão cansado e... — Comecei a fungar. — Sinto que não serei capaz de fazer isso mais vezes por muito tempo, sinto que já não tenho mais forças para...

— Senhor — Felizinho me interrompeu pondo o indicador contra meus lábios. — Precisa descansar antes de tudo.

— Concordo — Estressadão completou. — Vamos, o Senhor precisa de um banho, depois pode pensar no que irá fazer.

Fiz uma careta desgostosa e neguei.

— Mas...

— Vamos logo, deixe-nos cuidarmos de você — Estressadão me interrompeu resoluto. — Nós sabemos pelo que passou e sabemos que nunca teve amigos.

— Sim, — Felizinho concordou. — Podemos ser amigos... se quiser.

Funguei incrédulo, encarando-os com os olhos esbugalhados e a boca aberta.

— Meus... — engoli em seco. — Meus amigos?

— Sim! — Responderam em uníssono.

Fechei os olhos com força e escondi meu rosto com minhas mãos, soluçando lágrimas de alegria e uma euforia que não sabia da existência. Eles queriam ser meus amigos... Amigos! Solucei com mais força sentindo as lágrimas esquentarem meu rosto gradativamente, por completo. Então, por último, veio o êxtase.

— Vamos — concordei com eles. — Mas fechem a porta quando saírem — ordenei olhando uma última vez para o corpo desacordado de Jungkook. — Irei voltar para terminar o que comecei.

[...]

— Não está funcionando! — Esbravejei após tentar usar meus poderes pela quarta vez e não obter resultado algum.

Depois de meu banho, Felizinho e Estressadão acompanharam-me de volta para meu quarto, o lugar que eu menos queria estar naquele momento, porém que guardava dois demônios poderosos e desacordados. Ao chegarmos, pedi-os para trancarem a porta e ficarem em silêncio enquanto tentava me concentrar e focar meus poderes no que eu mais estava precisando naquele momento: manipulação.

Entretanto, eles não estavam funcionando!

Na primeira vez, tentei sem muitos esforços e acabei sentindo uma fisgada dolorosa em minha cabeça; na segunda, uma dor insuportável em minhas têmporas; na terceira, um formigamento estranho e desconfortável nos dedos; na quarta... simplesmente não havia sentido nada!

— Que estranho... — Estressadão comentou pondo o indicador no queixo, sobrevoando o corpo de Jungkook calmamente. — Geralmente seus poderes funcionam imediatamente.

— Eu sei! Eu sei! — Rosnei tapando meu rosto com minhas mãos, afetado. — Acho que ainda estou cansado, só isso...

— O demônio copiador está acordando! O demônio copiador está acordando! — Felizinho começou a se desesperar, disparando avoado pelo cômodo inteiro gritando: — Isso não é um teste! Não é um teste!

Arrastei-me para perto de Oxelfer e segurei seu rosto, fechando os olhos para tentar me concentrar o máximo possível em fazê-lo continuar desacordado, porém senti uma forte dor nos ossos de meus braços e me afastei imediatamente.

— Eu não consigo fazer nada! — Avisei desesperado.

E ele continuava acordando.

— O que iremos fazer? — Felizinho continuava voando adoidado pelo quarto. — O que vamos fazeeeeeeeeer?

Arg! Felizinho! — Estressadão vociferou tentando chamar sua atenção.

Quando não conseguiu, bufou e voou até uma pilha de pratos intactos – os que Jungkook ainda não havia atirado na parede – e pegou apenas um, depois virou-se em nossa direção e aproximou-se até estar bem próximo de Oxelfer... então quebrou o prato com toda a força em sua cabeça.

— Estressadão! — Felizinho gritou abismado. — Como ousa gastar um prato lindo com a cabeça de um simples demônio copiador?

Observei Oxelfer cair inconsciente novamente no chão e soltei um suspiro de alívio, pois havíamos ganhado mais tempo.

— Desobrigado! — Desagradeci-o cordialmente.

— Disponha, Vossa Maldição! — ele me ofereceu uma reverência e depois gritou para Felizinho algo como "Vai chorar por um prato, otário?", algo que não tinha tanta certeza se havia escutado corretamente.

Em minha mente tudo o que importava era achar a resposta para a pequena pergunta que já estava me dando dores de cabeça: o que havia acontecido com meus poderes?

— A questão não é o prato! — Felizinho gritava à distância enquanto discutia com seu amigo. — Você gosta de quebrar coisas, Estress! Lembra daquela vez que você quebrou meu bulezinho de chá?

— Tinha um rato dentro! — Estressadão defendeu-se com um grito indignado. — E ele ainda cantava uma música irritante!

— Que EU havia ensinado para ele! — Felizinho tentou acertá-lo com sua foicinha, mas ele se afastou antes que tivesse sua grande barriguinha cortada.

— Já chega! — Estressadão vociferou fingindo arregaçar as mangas de sua camisa imaginária, então aproximou-se de mim com as mãos estendidas. — Eliel, você viu meu tridentezinho? — Perguntou baixinho.

— O quê? — Perguntei voltando à realidade, balançando a cabeça em confusão. — Sobre o que estão brigando?

— O meu tridente! — Estressadão gritou.

— O meu bulezinho! — Felizinho o acompanhou.

Suspirei inquieto e limpei o suor que escorria por minha testa com as costas de minha mão trêmula.

— Garotos, não temos tempo para brigas agora... — informei-os calmamente, pois sentia que começaria a surtar caso falasse um pouco mais rápido. — Eu tenho um demônio e o Rei do Inferno desacordados e, acredito que, furiosos comigo — engoli em seco. — E acho que não irá demorar muito para um deles acordar.

— Se for o Oxelfer, posso quebrar outro prato na cabeçona dele! — Estressadão bateu as mãos como um operário ao acabar mais um dia de serviço.

Ele voou até a pilha de pratos e puxou mais um, deixando-o ao meu lado despretensiosamente.

— Quebrar mais pratos? — Felizinho indagou entredentes, empurrando-o.

Senti um movimento estranho atrás de mim e soltei uma pequena exclamação por entre os lábios trêmulos e gelados, lentamente olhei para trás e tive que engolir um pequeno grito de pavor ao perceber que Jungkook estava começando a acordar de seu desmaio resmungando enquanto movia primeiro os dedos das mãos, testando sua coordenação motora, depois passando a piscar os olhos com pesar como se tivesse sido esmagado por um peso de mil quilos.

Agarrei seu pulso assim que ele fez menção em movê-lo, arrastei-me para mais próximo de seu corpo e coloquei seu rosto cuidadosamente em meu colo. Ele abriu bem os olhos e, por segundos, apenas me encarou com suas írises escarlate intensas e confusas.

— Quem... — tossiu. — Quem é você?

Suspirei fechando os olhos por segundos com alívio, ele não lembrava de nada. Meu ataque havia funcionado para alguma coisa, pelo menos.

— Isso você não precisa saber agora, mas...

Ele me interrompeu:

— Por que você me parece tão familiar? — Indagou. — Ai! Minha cabeça...

Ofereci-o um sorriso nervoso e capturei seu outro pulso. Ele estava tão desnorteado e confuso que não havia oferecido resistência alguma. Juntei seus pulsos e passei a segurá-los com apenas uma mão enquanto acariciava os fios de seu cabelo molhados de suor com a livre. Por um momento, quis que somente aquilo importasse: o fato de ele estar ali em meus braços permitindo com que eu cuidasse dele daquela maneira tão boa..., mas aquilo já parecia um sonho bastante distante, até mesmo para minha imaginação perturbada.

— Não se preocupe, em breve suas perguntas terão respostas — garanti-o com a voz falha. — E entenderá todos os motivos que tive para fazer o que fiz com você e com todos.

— Espera aí... — resmungou piscando rapidamente, ainda se acostumando com a claridade da luz das velas no cômodo. — O que você fez? Eu... eu não estou entendendo!

Sorrateiramente, puxei o prato que Estressadão havia me oferecido e acertei-o na cabeça antes que ele fosse capaz de fazer mais perguntas e fizesse meu coração doer ainda mais com seus olhos pidões e perdidos, confusos e perturbados. Eu não queria nada daquilo! Nunca, nem em um milhão de anos, imaginei-me tendo que manipular as coisas para que eu pudesse ser feliz..., mas, infelizmente, aquela era a minha realidade e eu já estava muito mais do que sujo, apodrecido em minha própria alucinação de que, sim, eu poderia viver como alguém com um nome, um amor, uma família e um lar... O sonho de que eu poderia ser um demônio normal.

Quando foi que coloquei tudo a perder?

Tirei a cabeça de Jungkook de meu colo e observei-o desmaiado por bastante tempo abraçado aos meus joelhos como uma espécie de porto-seguro, como se ele, naquele estado, fosse uma espécie de "prêmio de consolação" para todas as minhas tentativas frustradas de ter algo e ser alguém.

Fiquei de joelhos e me inclinei sobre ele apenas para tocar nossos lábios singelamente enquanto sentia as lágrimas começando a nascer de meus olhos, queimando, ardendo, corroendo minha pele enquanto escorriam livres por meu rosto.

— Você nunca vai me amar de verdade... — solucei passado o polegar por seu lábio inferior, depois seu queixo, até chegar em seu peito e bem em cima do coração. — Eu nunca irei ter isso para mim — apertei sua blusa com desespero, deitando minha cabeça em seu peito. — E você nunca...

— Senhor... — de repente, escutei a voz de Felizinho.

Não me importei o suficiente para olhá-lo.

— Nunca irá sentir o que eu senti, porque você tem tudo...

— Senhor... — dessa vez, Estressadão se pronunciou.

Suspirei quase impaciente, mas afastei-me do corpo desacordado de Jungkook, enxuguei as lágrimas de meu rosto e virei-me em direção a eles. Não precisei perguntar o que eles queriam, bastou apenas ver Oxelfer sentado com duas cartas extremamente importantes de meu baralho: as que continham suas memórias.

Tateei meu bolso com os olhos arregalados, mas percebi que não havia pegado as cartas no momento em que elas surgiram após o roubo, o que significava que, sim, aquele era o resultado de minha desatenção.

— Cuidado com isso! — Pedi tentando manter a calma, por mais que meu corpo inteiro estivesse tremendo.

Ele poderia rasgá-las e...

— Por que eu teria? — Oxelfer indagou com curiosidade, parecia uma criança experimentando brinquedos pela primeira vez.

— Porque... porque... — comecei a tremer ainda mais e, pior, temer cada ação que ele fazia. — Cuidado! — Quase gritei quando ele levou uma delas à boca e começou a mastigá-la como um bebê idiota. — Isso não é para comer!

— Então por que é tão gostoso? — Indagou. Sua feição era ingênua, mas havia um brilho maldoso em seu olhar que entregava sua diversão ao me torturar daquela maneira.

Avancei nele e tentei capturar minhas cartas, mas ele apenas afastou-se com um gemido de dor e, para meu horror, enfiou ambas as cartas na boca, começando a mastigá-las com prazer explícito no olhar. Ele tossiu e cuspiu o bolo de papel no chão bem próximo às minhas mãos e eu observei pesarosamente quando as cartas, destruídas, desfizeram-se em pó.

O que significava que eles lembrariam de tudo desde os momentos em que eu havia roubado sua memória e me apresentado como Devon em poucos segundos.

— Seu idiota! — Gritei acertando-lhe um soco certeiro na bochecha, tirando-lhe a consciência novamente.

Assim que ele caiu mole no chão, desacordado, virei-me em direção aos demoniozinhos sabichões e clamei por ajuda, por algum prato, mas eles estavam tremendo, imóveis enquanto olhavam para algo que se movia e produzia barulhos bem atrás de mim. Demorei para perceber quem era e, quando percebi, já era tarde demais.

— Pensou que iria me manipular por quanto tempo? — Sua voz soou ainda mais assustadora contra meu ouvido.

Tentei me arrastar para longe, mas Jungkook capturou-me por trás e prendeu-me contra a parede num piscar de olhos, forçando meu corpo contra os tijolos frios e ásperos de nosso quarto com o cotovelo enquanto pressionava minha cabeça posicionando seu ombro bem no centro de minha nunca, impossibilitando-me de realizar quaisquer movimentos.

— Jungkook, deixe-me explicar! — Implorei tentando forçar minha liberdade, mas ele era forte demais para ceder.

— Mestre! — Felizinho fez menção em se aproximar, porém Estressadão o segurou.

— Não temos chance, Feliz! — Estressadão gritou.

— Por favor, Jungkook! Deixe-me explicá-lo o por...

Jungkook acertou-me um golpe forte e brutal nas costas, levando minha respiração ao além por momentos, depois chutou meus dois tornozelos e forçou-me de joelhos no chão, agarrando meus cabelos para empurrar minha cabeça contra a parede num golpe que me cegou por segundos. Gritei em dor pura e tentei levar as mãos ao meu rosto machucado, porém ele capturou meus dois pulsos e voltou a forçar meu rosto contra a parede.

— Eu não costumo sujar minhas mãos com sangue de sem-títulos, mas dessa vez irei apreciar cada gotinha que sair de você... — sussurrou contra meu ouvido.

— Você precisa me escutar! — Solucei.

Tentei usar meus poderes mais uma vez, porém ele puxou meus cabelos e me arremessou contra a parede mais próxima. Quando caí no chão, enxergando tudo vermelho, não consegui me concentrar em absolutamente nada além da dor agonizante que sentia.

— Um demônio perdedor tentando mexer com minha cabeça... — aproximou-se resmungando. — Onde já se viu algo assim?

— Eu... — funguei, cravando minhas unhas no chão como se a qualquer segundo fosse morrer. Eu iria. — ...Eu só queria ser alguém...

DEPOIS DO DESASTRE

— Eu sou alguém, Jungkook! — Pronunciei após um tempo, estávamos no Salão Principal após mais uma onda de lembranças depreciativas de minha vida como Eliel. — Eu sempre fui.

Descartei a carta ao lado e peguei a próxima.

— Você é um louco! — Gritou em plenos pulmões, ainda de joelhos e envolto pelo sangue de minhas recentes vítimas: seus súditos imundos.

— Eu não tive muita escolha, eles não me deram muitas opções... — referi-me aos mortos. — Após você me capturar, convocou uma grande reunião em seu Salão de Festas miserável apenas para anunciar minha morte como o maior evento do ano — cravei minhas unhas nos braços do trono, rosnando. — Você iria me levar para a forca, iria me pendurar pela cabeça e me observar morrer asfixiado como se eu fosse um filme patético!

— Mas... — murmurou derrotado, fixando o olhar em mim. — Como...? Como você está em meu trono e não na forca? Eu não... eu não consigo lembrar!

Gargalhei divertido, cruzando as pernas antes de respondê-lo da forma mais simples possível:

— Às vezes até eu esqueço que o que eu o faço esquecer, Jungkook! — Gargalhei. — Mas algo que você precisa saber é que, além de um manipulador de mão cheia..., eu também sei correr muito rápido.

A PERSEGUIÇÃO

— Acho que devemos comê-lo no jantar de hoje — Mino ofereceu balançando as perninhas sentado no ombro de Lúcifer, estava engajado em descobrir a melhor maneira de acabar com minha existência.

Depois que Jungkook recuperou sua memória, capturou-me e arrastou-me pelos cabelos até o Grande Salão, amarrou-me à uma cadeira com cordas grossas e convocou um corvo-correio para mandar a mensagem para todos os moradores do Castelo de que:

— Um grande evento irá ocorrer hoje à noite — começou a ditar para o corvo, que escrevia tudo agilmente com uma caneta de ossos fininha. — Convoco-lhes para assistir a morte do demônio que vem brincando de casinha em meu Castelo, meu temeroso, maléfico, tenebroso e muito bem arrumado Castelo — ditava seriamente concentrado em prestar um discurso eloquente. — Não, não! Risque a palavra "tenebroso" e coloque "monstruoso", desporfavor — pediu. — Então prossiga com "após o espetáculo, estarei oferecendo um lindo banquete de pós-assassinato no Salão-de-Pós-Assassinatos, uma cortesia de seu Senhor das Trevas, do Lorde Todo Poderoso, de Satanás, o temível, o demônio mais lindo já visto em toda a face do Inferno-Terra-Céu, Jungkook!".

— Somente, Senhor? — O corvo questionou entediado.

— Acha que precisa de mais alguns de meus títulos? — Indagou realmente preocupado.

— Acho que colocou demais — Mino revirou os olhos. — Aliás! — Virou-se para o corvo. — Acrescente algum elogio terrível a mim nesse convite, então, sim, ele ficará desperfeito!

— Por que você tem que tornar as coisas sobre você, hm? — Jungkook questionou magoado. — Que injusto!

— Eu só vou ter um elogio — Mino se defendeu. — Você ocupou, possivelmente, um milhão de linhas apenas com os títulos que você mesmo inventa e se atribui na madrugada!

Ouch! Essa doeu, nanico! — Jungkook resmungou acertando-o um peteleco que o jogou longe, então fixou seus olhos em mim com um sorriso maldoso. — Espero que esteja pronto para morrer.

Fechei os olhos com força tentando controlar as grossas lágrimas que rolavam soltas por meu rosto. Neguei.

— Eu não tenho nada a perder — revelei sem ânimo. — Não estarei perdendo nada, de qualquer forma.

Seu sorriso se desfez numa carranca, talvez decepcionado por minha reação tão... monótona às suas ameaças.

— Realmente, você não possui nada — concordou após um tempo. — É um miserável, um pobre...

— Você pode parar de querer me rebaixar a cada segundo que respira? — Questionei incrédulo.

Calou-se de repente, parecia atordoado por minha pergunta inusitada, e foi naquele mesmo segundo que comecei a serrar o pedaço mais fino da corda que prendia meus pulsos atrás de minhas costas sem ele perceber.

— Você, pelo menos, sabe a sensação de não ter nada? — Arqueei as sobrancelhas, então suspirei um riso decepcionado diante de sua falta de reação. — Exatamente! Você não sabe! — Ri. — Não sabe o que é passar fome, o que é viver na miséria, o que significa não ter um nome... um nome! Jungkook, você está tão cego pelo ódio e com o orgulho tão ferido por saber, agora, que tem sido manipulado por um demônio qualquer, que não percebe que estando na minha pele por um dia, você não hesitaria em fazer o mesmo!

Jungkook acertou-me um tapa na bochecha e afastou-se esfregando o queixo com uma expressão irritada e impaciente, começando a andar em círculos pelo Salão como uma ave presa em uma gaiola. Talvez ele realmente estivesse se sentindo preso, mas pela gaiola de suas inseguranças. Estava sendo até divertido de assisti-lo divagando sobre coisas que nunca havia pensado antes.

— Não pense que irá conseguir mudar minha mente com esse discurso apelativo — avisou aproximando-se para apontar o indicador na minha cara. — Eu não irei cair.

Sorri.

— Meu forte não são discursos apelativos, Senhor-Mestre-Dono-Lorde-Satanás... — brinquei. — Estou apenas expondo a vida através do meu ponto de vista, isso não significa que eu tenho a intenção de estourar sua bolha de privilégios e auto exaltação.

— Pare com isso! — Ordenou com um grito. — Pare de falar essas coisas! — Tapou as orelhas. — Você é um demônio qualquer, não merece nem mesmo falar!

— Talvez...

Comecei a serrar a corda com mais força.

— Mas isso não o dá o direito de tirar minha existência — completei.

Jungkook gritou como se tivesse atingido o limite de sua paciência e avançou até mim novamente, porém, antes que ele conseguisse me alcançar senti o movimento da corda cedendo ao meu redor e soube que havia conseguido rompê-la à tempo. Livrei-me dela e afastei-me antes que Jungkook me partisse ao meio com puro ódio. Irritado, ele pegou a cadeira e arremessou-a na minha direção, mas eu fui ainda mais rápido e desviei com êxito.

— Você estava me distraindo? — Esbravejou com o peito estufado e as narinas dilatadas.

Oh, não! Parecia que seu orgulho havia sido machucado mais uma vez...

— Talvez sim — respondi-o com um sorriso casto nos lábios, dando de ombros enquanto dava passadas espaçosas para trás em direção às grandes portas de saída. — Talvez não.

— Você me manipulou novamente! — Acusou aproximando-se na mesma medida em que eu recuava, soava incrédulo.

— Eu nem o toquei! — Defendi-me olhando ao redor em busca de um Plano B caso fosse capturado novamente.

— Mas o fez! — Revidou com os punhos cerrados.

— É mesmo tão fraco à ponto de deixar-se ser manipulado por alguém que nem mesmo o tocou? — Indaguei divertido.

Eu estava atacando o pecado do Orgulho da maneira mais eficiente possível: machucando seu ego.

— Eu? Fraco? — Riu. — Olhe para mim! — Flexionou os braços, revelando seus músculos escondidos pelo tecido branco, quase transparente pelo suor, de sua camisa social. — Eu não sou fraco!

— Jura? — Questionei debochado. — Pois eu brinquei com sua mente por décadas, eu o fiz ser meu amante, meu esposo, fi-lo esquecer Yoongi, seu ex-marido patético...

— Yoongi? — Murmurou perdido, parando de andar para, talvez, tentar lembrar a quem aquele nome remetia.

Recuei ainda mais, aproveitando-me de sua súbita confusão para alcançar as portas do Grande Salão. Eu só precisava abri-las e...

— Yoongi está no Lago dos Esquecidos... — sua constatação ecoou pelo lugar inteiro, arrepiando minha espinha.

— Sim — confirmei. — Morto, espero.

Arregalei os olhos quando ele tentou me capturar novamente, abri a porta e comecei a correr desesperadamente pelos corredores em busca de algum lugar em que pudesse me esconder por algum tempo, porém nada parecia o escondido o suficiente naquele momento. Já no corredor que levava para o Salão dos Corredores, olhei para trás e quase gritei ao ver Jungkook assumindo sua forma demoníaca não tão distante de onde eu já estava. Observei pelo canto dos olhos quando seu corpo aumentou e inchou em músculos tenebrosos, suas vestes rasgaram e sua pele ganhou a coloração preta com a faixa branca por cima dos olhos.

Ele parecia uma besta sanguinária. Eu era seu alvo.

— Não, não, não, não... — engatei a correr mais rápido, dobrando e adentrando em mais um corredor.

Esbarrei-me em alguém bastante firme e quase caí, porém me segurei no mesmo instante e não caí. Era Morfus.

— Oi, Morfus! — Cumprimentei-o apressado, empurrando-o para o lado para recomeçar a correr. — Tchau, Morfus!

Ele me olhou com um grande ponto de interrogação na testa e gritou ao ver Jungkook em sua forma demoníaca aparecendo no corredor, então virou morcego e afastou-se para deixar seu mestre continuar a me perseguir. Que belo lacaio eu tinha! Ainda no labirinto de corredores, trombei com Rubel e empurrei-o como uma bola de vôlei para longe, gritando desesperado:

— Sai da freeeeente!

Suspirei assim que encontrei o ramo de escadas que levava até o salão Principal, no térreo do Castelo. Eu só precisaria descê-las e sair do Castelo, então pegaria o bondinho infernal e desceria até o Trem Intrainfernal em busca do destino mais distante possível daquele lugar. Eu só precisava disso..., mas então, antes mesmo de sequer dar o primeiro passo, me assustei com um lampejo alucinatório em que eu me via ajoelhado diante de uma lápide destroçada, cujos pedaços de cimento juntavam-se e formavam "Jim..." macabramente e tropecei em meus próprios pés, caindo escada abaixo.

Senti todos os meus ossos sofrendo o impacto de rolar dezenas de degraus numa velocidade impressionante, sentindo-os quebrando a cada baque doloroso, a cada deslizar agonizante. Quando cheguei ao final, meu corpo inteiro estava dormente e acabado, eu não conseguia nem mesmo me mover! Estava apavorado e desesperado o suficiente para tentar me arrastar para longe, mas o grito de Jungkook e o pulo que ele deu do alto das escadas pegou-me desprevenido e eu congelei por completo.

Ele caiu em pé ao meu lado e segurou minha cabeça com apenas uma mão, suspendendo-me do chão.

Meus dedos começaram a formigar.

— Achou mesmo que conseguiria fugir de mim? — Indagou rindo em puro entretenimento, seus caninos pareciam ainda mais afiados quando vistos de tão perto.

E, subitamente, eu sabia o que fazer.

Comecei a murmurar coisas sem nexo, despertando sua curiosidade orgulhosa demais para não perder detalhe algum.

— O que disse? — Questionou aproximando-se curioso.

— Eu disse... — respondi-o tocando em seu peito, de onde pequenas nuvens de poeira começaram a surgir. — ...para você chegar mais perto!

Sorri, finalmente! Finalmente meus poderes estavam retornando e eu não me sentia mais impotente e vulnerável. Percebi, também, algo bastante interessante com seu retorno: o choque havia o retido em meu interior, mas o medo de morrer havia o libertado para fora de meus dedos como uma tempestade furiosa.

Eu não iria morrer, não iria mesmo.

Jungkook começou a convulsionar diante de meu toque e me largou no chão. Arrastei-me para perto dele e toquei em sua mão, voltando a imobilizá-lo roubando suas memórias. Conforme eu roubava, mais forte ficava. Após um tempo, ele caiu de joelhos, retornando a sua forma humana, sem força alguma para manter-se em seu estado demoníaco. Apanhei-o antes que ele batesse a cabeça no chão e segurei seu rosto com ambas as mãos e um sorriso vitorioso no rosto.

De repente o Salão foi invadido por um exército de súditos leais à Jungkook pronto para acabar com minha existência. Os outros pecados vestiam armaduras, mas pareciam desconcertados com a cena que estavam presenciando. Afinal, como um simples demônio havia conseguido enfraquecer o Rei mais uma vez?

Neguei com um singelo balançar de cabeça e estalei a língua, inclinando-me para sussurrar no ouvido de Jungkook:

— Lembra que você falou que não gostava de sujar suas mãos com o sangue de demônios como eu? — Indaguei mordendo o lóbulo de sua orelha, ele gemeu inconscientemente aperreado. — Eu também não gosto, mas... — afastei-o de meu colo e levantei calmamente, estalando os dedos. — ...irei aproveitar cada segundo.

DEPOIS DA PERSEGUIÇÃO

— Você os matou! — Jungkook gritou ainda de joelhos, talvez apavorado demais com a lembrança que havíamos acabado de presenciar.

— Eu? — Apontei para mim com as sobrancelhas arqueadas em escárnio. — Eu não fiz nada. Na verdade, até fiz...: fi-los imaginar que eram inimigos uns dos outros, então eles começaram a brigar entre si e... hm, enfim, eles mesmo se mataram e eu não movi um dedo — completei analisando minhas unhas com tédio.

Ele não disse mais nada, estava processando toda a sua perda, então aproveitei-me de seu silêncio para prosseguir:

— Sabe, Jungkook... eu poderia matá-lo agora, de uma vez por todas, enterrá-lo no Cemitério dos Perdidos e depois queimá-lo por inteiro, mas onde estaria a graça? — Levantei-me de meu trono, descendo as escadas à medida em que continuava a falar. — Você brincou tanto comigo... O mais justo seria se eu também brincasse um pouco com você, não é mesmo?

— O que quer que você esteja planejando, eu não irei cair. Eu me recuso! — Vociferou tentando me atacar assim que me aproximei o suficiente.

— Não, não... — ajoelhei-me e agarrei seu rosto com minhas mãos, forçando-o a olhar apenas para mim. — Você não irá saber nada de meu plano, meu desamor.

— Eu sou Lúcifer, o anjo caído, não duvide de minha força! — Defendeu-se.

Concordei, raspando a ponta de meu polegar em seu lábio inferior.

— Não duvido de sua capacidade, Senhor Lúcifer — informei-o, então nuvens de poeira começaram a escapar de minhas mãos. — Mas eu acho melhor você começar a duvidar de suas próprias memórias quando eu acabar.

O ADEUS

Fazer o que fiz não foi algo fácil. Como eu poderia ter tanta certeza se era aquilo o que eu queria, se eu nem mesmo tinha noção de quem eu era? Comecei roubando memórias, uma vez que havia descoberto meus poderes, depois passei a não somente roubá-las, mas transformar-me em tudo aquilo que roubava. Possui vários nomes, várias formas, cores e cabelos; possui asas grandes, pequenas e afiadas, todas moldando-se conforme a carta que surgia em minhas mãos após mais um incrível roubo. Quanto aos nomes... sei que não consigo contar nos dedos quantos já possui, mas sei quais foram os mais importantes para mim.

Cinco, no total.

Horácio, o perdedor, o andarilho iniciante sem rumo, o tristonho; Adiv, o miserável, o feliz... o cego; Devon, o mercenário, o que preferia arrancar as coisas com as próprias mãos, o triste; Eliel, o bastardo emotivo, o imparcial, o que descobriu um dom meu bastante interessante e, por fim, Samandriel...

Quem sou atualmente.

O furioso.

— Shh... — pedi acariciando seus cabelos, que resmungava enquanto eu terminava de roubar todas as memórias que possuía. — Quando o sol marcar o décimo nono ano após esse dia, um garoto irá cair em uma das filas do Castelo.

Em minha mente, a memória da lápide com o nome estranho zanzava em espirais.

— Esse garoto será tudo o que jamais fui: bondoso, medroso, tímido e encantador. — Murmurei afastando alguns fios molhados de suor de sua testa, observando sua pele leitosa mais pálida que o normal e sua boca vermelha brilhante de sua própria saliva. — Esse garoto terá lindos cabelos loiros e olhos castanhos, terá um coração de ouro... — engoli em seco. — Ele fará você se apaixonar, uma vez que você se interessa por qualquer coisa nova e fácil de quebrar.

— Hm... — Resmungou fechando os olhos com força.

— Eu não precisarei nem o forçar a gostar do rapaz, pois você tem um fraco por humanos patéticos e todos já sabem disso — ri. — Você não odeia humanos, Jungkook, você os admira. Quantas vezes não o vi deixando nossa cama para ir até os Portões Infernais¹ para tentar ir para o mundo mortal mais uma vez? — Indaguei. — Quantas vezes?

— Não... — negou desesperado.

Agarrei seu rosto com mais força.

— Esse garoto será alguém que você, nem em um milhão de anos, poderia imaginar: eu! Quem diria, não é mesmo? Imagina a sensação de se apaixonar pelo seu maior inimigo e nem mesmo saber? Isso irá acontecer e, quando, somente quando, eu tiver plena certeza de que você esteja de joelhos para minha nova patética persona, irei acordar de um sono deliciosamente profundo. Você estará fraco demais para revidar e, aí sim, irei matá-lo da maneira mais prazerosa que possa imaginar. Você nunca me amou, você nunca gostou de mim. Eu irei fazê-lo provar do gosto amargo da rejeição — funguei.

— Yoongi... — sussurrou pesarosamente.

Rosnei.

— Yoongi é dispensável em meu plano — cravei minhas unhas em seu pescoço. — Você lembrará dele como um humano miserável que caiu no Inferno, mas recebeu Redenção e foi para o Céu.

Jungkook fez uma careta, porém concordou e começou a tremer. Inclinei-me sobre ele e mordi o lóbulo de sua orelha antes de proferir minha última ordem.

— Em sua cabeça, você me matou. Você me matou da pior maneira possível, jogou-me aos corvos e assistiu enquanto comiam minhas vísceras como se estivesse em um espetáculo estupendo. Em sua cabeça, Jungkook, na cabeça de todos, eu estou morto. Talvez você não lembre de meu nome quando acordar, porém, deixarei a inicial de meus nomes favoritos e, se for esperto o suficiente, irá descobrir quem sou.

O barulho de passos me chamou a atenção para encarar a silhueta de Morfus surgindo da penumbra do Salão, segurava o corpo desacordado de Oxelfer com pesar e mágoa no olhar. Suspirei ao vê-lo colocar o demônio no chão e prosseguir em minha direção.

— Eu quero ajudar — pronunciou.

Arqueei as sobrancelhas em confusão e ceticismo.

— Por que? Tão de repente.

— Ele estava tendo um caso com Oxelfer — desviou o olhar para seu amado por segundo, depois retornou a me encarar. — Eu quero vingança!

— E você... — eu não podia evitar meu tom cético. — Quer me ajudar, depois de tanto tempo fingindo que eu nem existo?

Deu de ombros.

— Sou um demônio seletivo com minhas amizades — repetiu o que o falei na primeira vez em que nos encontramos.

— Precisamente? — Indaguei com um pequeno sorriso no canto dos lábios.

— Precisamente — concordou.

Deitei Jungkook ao lado com cuidado e levantei dando umas batidinhas em meus joelhos para limpar o sangue e a poeira de minha calça, depois peguei um pequeno caco de vidro e olhei meu reflexo, meus cabelos cortados tornaram-se pretos e meus olhos brancos tornaram-se cinzentos como um céu nublado. Olhei para Morfus e sorri ao ver seu olhar admirado sobre mim, depois estendi os braços numa pose pomposa e perguntei:

— O que acha?

— Preto é realmente sua cor, Senhor! — Respondeu.

Voltei a olhar para o caco de vidro e dessa vez fiz meus cabelos ficarem loiros, assim como meus olhos ganharam o tom castanho mais vivo já visto. Observei meu reflexo e fingi uma expressão apavorada, uma das características de minha nova persona.

— Como esse seu novo eu irá se chamar? — Morfus perguntou após um tempo em profundo silêncio.

Em minha mente, a lembrança da lápide surgiu como adagas cravando-se em meu âmago, manchando minhas veias com uma ideia brilhante. Eu já tinha o começo do nome, então só precisava completar.

Jimin — respondi-o tranquilamente, retornando à coloração negra de meus cabelos e o cinza de meus olhos. — Irei me chamar Park Jimin.

Caminhei até meu trono de ossos e sentei-me respirando fundo. Eu estava animado e assustado ao mesmo tempo, porém não podia evitar de sentir o calor da euforia dominando cada poro existente de meu corpo poderoso.

O meu plano havia acabado de começar.

— Mas você pode me chamar de Hades.


Adeus,

— Hades.

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