A Mais Bela Melodia

By CarolTeles

35.9K 1.5K 148

A história de Lorena e Klaus se passa em Esperança, uma cidade pequena, onde vivem entre as desavenças na esc... More

Capítulo 1: Klaus
Capítulo 2: Lorena
Capítulo 3: Klaus
Capítulo 4: Lorena
Capítulo 5: Klaus
Capítulo 6: Lorena
Capítulo 7: Klaus
Capítulo 8: Lorena
Capítulo 9: Klaus
Capítulo 10: Lorena
Capítulo 11: Klaus
Capítulo 12: Lorena
Capítulo 13: Klaus
Capítulo 14: Lorena
Capítulo 15: Klaus
Capítulo 16: Lorena
Capítulo 17: Klaus
Capítulo 18: Lorena
Capítulo 19: Klaus
Capítulo 20: Lorena
Capítulo 21: Klaus
Capítulo 22: Lorena
Capítulo 23: Klaus
Capítulo 24: Lorena
Capítulo 25: Klaus
Capítulo 26: Lorena
Capítulo 27: Klaus
Capítulo 28: Lorena
Capítulo 29: Klaus
Capítulo 30: Lorena
Capítulo 31: Klaus
Capítulo 32: Lorena
Capítulo 33: Klaus
Capítulo 34: Lorena
Capítulo 35: Klaus
Capítulo 36: Lorena
Capítulo 38: Klaus
Livro 2: Entre Notas

Capítulo 37: Adônis

123 14 0
By CarolTeles

Depois de ter entrado em todos os lugares que eu já tinha ido com Klaus na cidade, cheguei à conclusão de que ele não estava em Esperança.

Tentei ser discreto e não alarmar ninguém quanto ao seu sumiço. Apenas passeava pelos lugares de forma despreocupada, e eventualmente quando via um rosto amigo, perguntava se o tinham visto. Nada.

Tony tinha ido cobrir os bares e lanchonetes, eu fiquei com todo o resto. Pensei ainda em ligar para Samuel, mas não queria deixar mais uma pessoa preocupada com o idiota do Klaus. Além de que Tony tinha algo que Samuel não possuía: carro.

Se Lorena não me ligasse dando notícias dele ainda naquela noite, eu daria queixa de sumiço e colocaria todo o meu pessoal nisso.

Eu estava com muita raiva dele nesse momento.

Com raiva por ter deixado Lorena sem dormir o final de semana inteiro. Com raiva por ele estar se comportando como um menino de doze anos. Com raiva dele não ter me avisado que queria desaparecer uns dias, e o pior, com raiva porque ele tinha perdido a primeira imagem do filho dele que foi, de longe, a coisa mais bonita que eu já tinha visto na minha vida.

Sentei num banco de praça, observando os velhinhos passearem de mãos dadas e algumas crianças brincando sob a supervisão dos pais. Eu jamais tive aquilo com os meus pais. Eram pessoas ocupadas e um pouco superficiais comigo, ainda que tivessem aquele fogo italiano nas veias. Quem suprira minha criança emocionalmente frustrada foi minha nona, e depois que vim para Esperança, Klaus. Ele era a melhor pessoa que eu conhecia, apesar de ultimamente ser a mais babaca.

Quantas e quantas vezes tentei ajudá-los?

Lorena não via problema com a minha presença constante na vida deles, mas Klaus tinha surtado total depois que soube da gravidez dela, e começou a brigar comigo por qualquer coisa, como se estivesse desconfiado da minha vontade de ajudar ou com ciúmes do tempo que eu tinha disponível para Lorena. O fato de eu ter dinheiro demais passou a ser um muro estranho entre nós dois.

Porra, ele era meu amigo! Meu irmão. A pessoa que eu mais amava naquela cidade e vinha agora, depois de tantos anos, com chilique para não aceitar minha ajuda? Eu estava me sentindo um merda com essa situação toda.

Até que me afastar por uns tempos iria me fazer bem, mas não com Klaus agindo como uma ameba e deixando Lorena sempre à mercê da vida, sozinha. Não podia deixá-la sozinha. Não queria deixa-la sozinha.

Klaus era a pessoa que mais sabia sobre tudo o que Lorena tinha passado. Ele viveu os últimos meses ridículos da garota junto dela, e daí, invés de tratá-la com todo o amor e atenção que ela merecia, sumia no mundo. Aquilo era realmente tão egoísta quanto parecia ser.

Eu sabia que meu amigo reagia muito mal a certas coisas, mas sempre pensei que Lorena seria a exceção dessa regra. Ele a amava, e eu não tinha dúvidas disso. Só estava perdido entre contas para pagar e uma mulher grávida deitada em sua cama todas as noites. Isso era demais para qualquer pessoa, mesmo uma equilibrada quanto Klaus. Eu tentava ajudar como eles permitiam.

Usei o fato de ser padrinho do bebê para enchê-lo de presentes, e vi por muitas vezes Klaus entortar a boca para a minha ajuda. Era como se um alien tivesse se apossado do corpo do meu amigo e o transformado naquela coisa esquisita que bebia diariamente e se escondia pelos cantos, com medo de encarar a responsabilidade que de repente tinha.

O fato de eu ter dinheiro em excesso não era garantia de felicidade. Olhe para meus pais! Cada um era muito bom no que fazia: Meu pai fazia dinheiro, e minha mãe fazia caridade com o dinheiro dele. Nenhum dos dois tinha aprendido a incrível arte de ser pai. Eu ainda acreditava que tinha sido obra do acaso, o meu nascimento, já que nenhum deles quisera outros filhos. Então eu levei toda a pressão do legado da família, ou seja, eu herdaria todos os vinhedos espalhados pelo mundo inteiro. E até que eu gostava demais daqueles vinhedos, mas não tinha pretensões de dar o braço a torcer e fazer o que meu pai queria que eu fizesse.

Minha felicidade ainda estava em Klaus, Samuel, no meu violão. E nos últimos meses, em Lorena e naquele bebê.

Pensar nele gelava minha barriga. Eu estava tão preocupado com Klaus, que não conseguia tentar ser racional nessa situação. Não achava pistas de onde ele poderia ter ido, mesmo que a resposta estivesse dançando pagode na minha frente. Não conseguia enxergá-la.

Senti a aproximação de Tony antes mesmo dele chegar. Tinha passos fortes, e sempre um barulho irritante de chaves no bolso. Sentou ao meu lado no banco e soltou um suspiro de frustração. Eu bem sabia o que ele estava sentindo.

— Nada. — Murmurou coçando a mão direita. — Até parece que ele evaporou no ar.

— Ou que nunca existiu. — Completei sentindo a dor de cabeça chegar aos poucos.

— Como em um filme de ficção científica — Tony falou com a voz pesada, e eu me virei para ele revirando os olhos das besteiras que era capaz de dizer em momentos como aquele.

— Acho que vou ligar para Lorena. — Puxei o celular do bolso e ativei as teclas. — Já está tarde e ela não me ligou para dizer nada.

— Talvez seja porque ela não tenha novidades. — Ele disse.

Alisei o aparelho cinza em minhas mãos, pensando que talvez eu tivesse que deixar Lorena em paz, um pouco. Não queria que ela se abusasse das minhas constantes ligações. Podia ser que ela estivesse dormindo. Mas a impaciência do meu coração, e o gelo no meu estômago, não me deixariam ficar quieto.

— Ela teve um dia longo. Só quero saber se está bem.

Então disquei o número dela, que chamou por segundos, mas ninguém atendeu. Desliguei, negando com a cabeça para Tony. Minha perna começou a se balançar involuntariamente. Ela estava grávida e sem Klaus. Eu não estava confortável com a ideia dela sozinha em uma casa daquele tamanho com a barriga avantajada. Esperei alguns segundos e voltei e ligar.

O telefone chamou mais um bocado, e enfim, alguém atendeu.

— Loren? — Chamei, mas só ouvi a respiração sofrida e aterrorizante de alguém. Gelei. — Lorena? — Nada de resposta. Levantei impaciente, sentindo meu coração bater feito louco na caixa torácica. — Lorena, por Cristo, responda!

E então foi só um sussurro, e meu mundo caiu:

— Socorro.

Por um tempo fiquei desnorteado no lugar, sem conseguir me mover. Como se tivesse levado um choque e o corpo inteiro tivesse recebendo descargas naquele instante. Daí depois eu corri o máximo que pude, tentando descobrir nesse meio tempo onde tinha estacionado a porcaria do carro. Ouvi os gritos de Tony vindo atrás de mim, mas não parei para olhá-lo. Falei algumas vezes mais no telefone, mas Loren não voltou a responder.

Joguei-me dentro do carro, tremendo quando encaixei a chave no lugar. Tony conseguiu sentar no último minuto, respirando pesado ao meu lado. Joguei o telefone em cima dele enquanto dava a partida.

— Liga para Lorena de novo. — Falei ligeiro, e ele me olhou assustado. — Agora, Tony! — Gritei e ele se retraiu, pegando o telefone sem jeito e discando os números.

Agradeci aos céus que as estradas por ali eram calmas pela noite, ou certamente me envolveria em um acidente.

— Nada. — A voz de Tony saiu afetada, e minha cabeça pulsou mais forte, com estalos característicos de um enxaqueca.

Agora não, cabeça. Depois você pode doer.

Atravessei um semáforo vermelho, e um carro buzinou alto do outro lado.

— Tenta Klaus de novo, e coloca no viva voz.

Tony acenou, concordando. Eu o estava deixando apavorado, mas alguém tinha que ficar apavorado junto comigo, e ele teve o azar de estar no carro.

O telefone chamou, e então caiu na caixa postal.

Minha frustração estava beirando a loucura, e gritei tão alto no telefone, que até eu mesmo me assustei.

— Caralho, Klaus! Onde porra você se meteu?

Então bati com força no aparelho, que fechou e caiu no chão, ao pé de Tony.

Atravessei outro sinal vermelho, e passei muito perto de atropelar uma moto com uma mulher em cima.

— Vamos, vamos, vamos — Me remexia impaciente na poltrona, querendo que, de algum modo, a estrada se dobrasse para me fazer chegar mais rápido.

— Adônis? — Tony perguntou hesitante — o que aconteceu? Lorena disse alguma coisa?

Mordi a boca até sentir o gosto ruim de sangue. Buzinei mais uma vez e me virei ligeiro em sua direção.

— Socorro. — Foi só o que eu disse, e pareceu ser suficiente para Tony arregalar os olhos e em seguida colocar a cabeça para fora da janela, gritando impaciente para o motorista lerdo que estava no carro da frente.

O que será que tinha acontecido com Loren? Não conseguia pensar em muitas possibilidades perigosas dentro de casa. A não ser que ela tivesse caído de uma escada, ou alguém tenha invadido para machucá-la. Ouvi o pai a ameaçar quando foi preso, e eu não duvidava que ele pudesse fazer alguma coisa contra ela, mesmo de dentro da cadeia. Ele tinha mandado dar uma surra no próprio filho, fazer Lorena perder o bebê seria o de menos.

Não. Ninguém encostaria em Bernardo.

Acelerei mais ainda, e Tony gemeu ao meu lado, batendo a mão com impaciência no painel.

Cheguei na casa de Klaus cerca de quatro minutos mais cedo do que chegaria se tivesse indo na velocidade normal. Sai do carro depois de ter subido com ele na calçada, e derrubado uma lata de lixo. Deixei os faróis ligados, e a porta completamente aberta.

A casa estava toda escura, menos uma luz fraca no quarto deles. Forcei a entrada da frente, mas estava trancada.

— Lorena! — Gritei, mas ela não respondeu.

Esbarrei em Tony quando virei para dar a volta na casa. Eles nunca fechavam a porta dos fundos, porque uma cerca a dividia do resto da rua. Mas eu pulava aquela cerca com facilidade, e no desespero, foi um pulo rápido e que só me rendeu um arranhão na mão.

Respirei agradecendo pela porta estar aberta. O cheiro de calabresa entrou nas minhas narinas. Duas formas de pizza estavam em cima do balcão, intocadas, como se tivessem sido abandonadas no meio de uma explosão nuclear. Sei que parecia um exagero, mas era o que meu coração estava sentindo naquele minuto.

— Lorena! — Voltei a gritar.

Então eu subi os lances de degraus de dois em dois, tropeçando no último, e machucando mais ainda a mão arranhada, abrindo um corte na palma.

— Cacete! — Xinguei levando a mão à boca, chupando o lugar que sangrava.

Abri a porta do quarto com desespero, e aparentemente estava tudo no lugar, se não fosse a mão largada do outro lado da cama, e que era a única coisa visível de onde eu estava.

— Não! — A palavra saiu como um gemido da minha boca.

Corri até Lorena, que estava largada no chão, com os olhos fechados, numa expressão vazia. Os lábios estavam pálidos.

Agarrei-a em meus braços. Ela estava fria e arrepiada. Aproximei o ouvido de sua boca, e senti o leve, mas presente, ar saindo por ali. Quase chorei de alívio. Coloquei mais firmeza e levantei, levando-a junto de mim. Ela se encaixou nos meus braços, e eu a abracei.

Tony apareceu na porta do quarto naquele instante, suado e sujo de barro. Provavelmente caiu quando tentou pular a cerca.

O brilho da lua pela janela refletiu alguma coisa cinza no chão, e minha curiosidade foi maior do que eu.

— Tony, pega esse troço aqui no chão e vamos levá-la para o hospital.

— Não é melhor chamar uma ambulância? — Ele perguntou com a voz assustada.

—Não conseguiria ficar aqui parado olhando para Lorena desse jeito esperando que eles cheguem.

Fui saindo pela porta do quarto, e ele me seguiu, depois de pegar o objeto cinza do chão e uma bolsa de cima da cômoda.

Saímos pela porta da frente, que estava com a chave no trinco, e acomodei Lorena no banco de trás do carro, enquanto Tony entrava pela outra porta, pondo a cabeça dela em seu colo.

Se eu tinha dirigindo feito um doido para chegar ali, sai de lá pior ainda.

Toda hora olhava pelo retrovisor do carro, tentando fita-la no banco de trás. Tony estava segurando o pulso dela, provavelmente medindo-o. Ele me lançou um olhar nervoso através do espelho, e alguma coisa afundou no meu estômago.

— Desculpe pai, mas vou receber todas as multas do mundo hoje. — Falei baixinho e pisei no acelerador, voltando a morder minha boca de frustração por Esperança não ter hospital.

A estrada estava escura, mas eu achava que era reflexo do meu coração naquele instante. Eu estava com tanta raiva, que pensei seriamente em quebrar alguma coisa pelo caminho, só para ver se eu me sentiria melhor.

Quebrar coisas sempre foi uma forma eficiente de resolver minha vida, e da maioria das pessoas espalhadas pelo mundo. Quebrar coisas era como mandar alguém se fuder, e naquele instante não tinha ninguém que eu quisesse mandar se fuder mais do que Klaus. Era para ele estar com ela, e não vagabundando mundo afora. Acho que na verdade eu estava com vontade de quebrar o mundo por estar fazendo isso tudo com eles dois.

Quinze minutos. Foi o tempo que precisei para chegar até o hospital. Fiquei o caminho inteiro verificando o retrovisor e a aflição ampliada no rosto de Tony. Não quis perguntar como ela estava. Piraria se ele dissesse que ela estava pior.

Joguei o carro na entrada do hospital e sai dele gritando por ajuda. Não me lembrava de ter sido tão escandaloso em toda a minha vida. Orgulhava-me de ser um homem discreto, apesar de chamativo nos momentos certos. Não tendia a alvoroços, a não ser que tivesse uma briga de ovos podres na parada, ou uma competição musical. Eu estava extrapolando tudo o que acreditava ser correto, e dando tudo de mim para não enlouquecer ali.

Dois enfermeiros pularam com uma maca assim que as portas se abriram. Tentei ajudá-los a colocar Lorena para dentro, mas Tony já tinha se adiantado. Eu fiquei andando de um lado para o outro, sentindo como se tivessem brasas embaixo dos meus pés, sem conseguir me aquietar.

Entrei pela porta, atrás dos enfermeiros com Lorena. Tony não tinha me seguindo, provavelmente tinha ido tirar o carro da frente do hospital, já que ele puxou as chaves da minha mão, e me passou o negócio cinza que achamos com Lorena. Era uma cartela de remédio.

Passamos por cerca de três corredores brancos, e minhas narinas arderam pela quantidade de cloro ali. Fui barrado numa porta depois disso, e eu passei a mãos nos cabelos, nervoso.

Outro enfermeiro passou correndo, e eu o parei.

— Por favor, a menina que entrou agora, ela estava com isso quando a encontrei.

— Vou garantir que chegue até a mão do médico.

Então ele sumiu, e eu fiquei ali, parado, olhando para a porta e sentindo como se minha vida estivesse sendo arrancada de dentro de mim, e fosse depositada na frustração de não ter ficado fazendo companhia a ela desde cedo. Eu sabia que Lorena não estava bem, mas achei que procurar Klaus era o mais importante naquele momento.

Tony voltou correndo e me entregou o celular que eu havia jogado no chão do carro. Olhei o visor, mas nada de ligação de Klaus.

Sério, se ele aparecesse na minha frente naquele minuto, eu bateria nele até sentir minha raiva esvaziar de mim.

Tony se sentou na sala de espera, tão conhecida por mim nos últimos meses, e todas as últimas vezes graças a Lorena.

Ela parecia o imã que mantinha todos os nossos amigos unidos, por mais irritante que ela fosse. Todos gostavam dela, e alguns bem mais do que os outros. Esse era o meu caso. Não conseguia pensar em nada que eu não fizesse por Lorena, a não ser que fosse alguma coisa que atropelasse Klaus, e isso eu jamais faria.

Naquele minuto algo dentro de mim me dizia que eu poderia fazer muito mais do que isso por aquela criança na barriga de Lorena. Assustei-me com o pensamento.

Não tinha mais nada que eu pudesse fazer ali em pé, então também me sentei ao lado de Tony, achando que aquela cena poderia muito bem ser um reflexo de tantas que passei ao lado de Klaus naquela mesma sala.

Que inferno!

Fiquei brincando com o telefone em minhas mãos. Tudo tremia. Eu tremia, minhas mãos, minha boca, minha cabeça e até meu espírito. Eu precisava de um cigarro, mas não podia fumar ali, e de jeito nenhum que sairia dali sem notícias dela.

Abri o aparelho e coloquei nas mensagens, olhando para a tela branca, e pensando em como sintetizar minha angústia em poucas palavras. Arranhei com o dedo várias vezes, e quando menos esperei, minhas mãos já estavam escrevendo.

"Nunca tive tanta raiva de você como estou nesse momento, Klaus. Queria que você soubesse disso antes que a raiva diminuísse.

Preciso que você me ligue o mais rápido que puder.

Adônis"

Uma hora depois, a sala de espera já estava com metade da capacidade de gente. Aquele era um dia corrido por ali. Uma senhora no canto chorava agarrada a uma menina que não parecia ter mais de sete anos. Um casal ocupava o lado oposto, e eu, por não ter paciência para ficar parado, enchi vários copos descartáveis com água do bebedouro e improvisei uma bandeja com uma prancheta presa à parede. Trouxe água para todo mundo. Alguns me olharam estranhando, outros agradecidos.

Antes que eu pudesse devolver a prancheta à parede, uma mulher de branco se aproximou. Era jovem. Jovem demais, e tinha olheiras embaixo dos olhos e cabelos bagunçados, mostrando que tinha extrapolado o tempo nesse plantão.

— Parentes de Lorena Sanchez? — Ela perguntou e eu tropecei, tentando chegar até ela mais rápido. Não lembrava de ter dado as informações de Lorena na portaria do hospital, mas Tony tinha pego a bolsa dela quando saiu, então ele deveria ter passado tudo.

— Oi, sou eu — minha voz saiu apressada e histérica.

— Você é o pai do bebê? — Ela perguntou e pela segunda vez naquele mesmo dia, eu senti meu rosto esquentar. Mas que diabos as pessoas tinham de achar que eu era o pai? Por acaso eu tinha cara de pai? Vai ver era porque eu andava mais com Lorena ultimamente do que o pai do bebê.

— Sou amigo dela — respondi. — Nós a trouxemos. — Apontei para Tony, que estava um passo atrás de mim. — Ela está bem?

— Está. — Ela falou com um sorriso delicado e bonito no rosto. — Foi só uma estafa e uma crise nervosa. Ela está numa fase da gravidez em que respirar começa a ficar difícil, e suponho que ela tenha chorado até perder o ar.

Nunca me senti tão aliviado e dolorido em toda a minha vida. Nem quando precisei fugir de um marido, pulando a janela e caindo num canteiro de urtigas. Nem quando Klaus me salvou de morrer afogado no rio. Não me lembrava de achar nada tão grandioso quanto o simples fato de Lorena ter tido uma crise nervosa, mesmo que tivesse acontecido por conta de choro em excesso.

Eu mataria Klaus.

— E o bebê? — Minha voz saiu aflita, contudo menos desesperada.

— Ele está bem também. Tivemos que fazer uma lavagem estomacal nela, por conta do abortivo. Não sabíamos se ela tinha tomado, e tivemos que livrar o estômago de qualquer substância que pudesse fazer mal ao bebê.

Sabe quando uma pessoa está falando com você, mas parece que seu espírito saiu de dentro do seu corpo e ficou voando, embaçando a visão e a audição? Pois foi exatamente o que eu senti depois que ela falou em abortivos. E quando despertei do transe budista, perguntei:

— Abortivo? Que abortivo?

Ela franziu a testa para mim e tirou a cartela cinza do bolso, a mesma que eu tinha entregue para o enfermeiro. Meu sangue congelou naquele mesmo minuto. Eu peguei de sua mão, mesmo que estivesse relutante e achando que aquilo poderia ser um monstro invés de uma simples cartela de remédio.

Os lugares onde ficavam os comprimidos estavam vazios, e eu não sabia se tinha sido porque ela havia tomado, ou porque a médica tinha esvaziado. Não percebi quando o entreguei. Minha mão cobriu a boca, e um palavrão se formou no fundo da minha garganta.

— Ela tomou... — E minha voz falhou. Respirei fundo, puxando mais ar, e continuei — Ela tomou isso?

A médica negou com a cabeça, e eu fiquei zonzo no mesmo instante.

— Não. Estava tudo limpo. — Ela avaliou meu comportamento, e depois pegou de leve no meu ombro, apertando com firmeza para uma mulher tão pequena. — Mas eu vou passa-la para conversar com uma terapeuta. Ela pode não ter tomado, mas provavelmente estava perto de fazê-lo, então...

— Lorena não tomaria isso! — Fui categórico quando levantei a cartela, sentindo nojo dela.

A médica me olhou como se estivesse com pena de mim, ou com pena do que eu pensava que Lorena faria ou deixaria de fazer. Ela que se ferrasse. Eu conhecia Lorena, e sabia que ela não faria isso.

— Claro. — Respondeu com aquela expressão que usamos com crianças. — Mas com o histórico médico e social dela, acho melhor que passe por um terapeuta.

— Ela não tomaria essa porcaria — Falei com pausas longas e entonação forte. A médica tirou a mão do meu ombro quando a fuzilei. — Você não conhece aquela garota como eu conheço, e tenho certeza absoluta do que eu estou falando.

— Acho que a médica aqui sou eu. E se o senhor me permitir...

Se eu não estivesse cansado e não fosse um cavalheiro, esbofetearia aquela mulher ali mesmo.

— Não. Não permito, seja lá o que você queira sugerir. Quer que Lorena visite um terapeuta porque o pai é um sádico e a mãe foi uma egoísta, beleza, concordo. Mas ela não vai porque você pensa que ela queria matar o filho. Não ia fazer isso.

— As circunstâncias que afirmam, senhor. Não sou eu.

— Fodam-se as circunstâncias! — Gritei e muita gente na sala virou em minha direção. Tony pegou no meu ombro e eu me remexi, tirando a mão dele de cima de mim. Apertei com força o osso do meu nariz, me concentrando, e por fim respirei fundo e voltei a encarar a médica. — Não quero mais falar sobre isso, ok? Quando Lorena acordar converso com ela sobre o terapeuta e vejo o que pensa sobre isso. Ela vai ficar aqui muito tempo?

A médica me olhou por uns segundos, e então pigarreou antes de falar.

— Só mais algumas horas, e daí você pode leva-la para casa.

— Certo.

Foi o que falei antes de sair, sem dar a mínima se estava sendo rude. Precisava de um cigarro.

Encostei-me a uma árvore no imenso estacionamento, ainda agarrado a cartela vazia do remédio. Coloquei-a no bolso, e puxei minha carteira de cigarros. Pensei que o alívio viria com a primeira tragada, mas demorou muito mais do que isso para fazer efeito. E meu corpo foi levado numa frenesi de sensações calorosas, mas beirando o precipício do que existia de mais gelado.

Fiquei ali parado vendo os flashes de Lorena gelada e inerte naquele chão me inundar. Viveria mil vidas para esquecer aquelas lembranças.

— Ei... — A voz de Tony me acordou, e eu abri os olhos para ele, que parecia tão cansado quanto eu. — A médica falou que em breve assina a alta de Lorena. Pediu para avisar a você que passasse na sala dela antes de deixar o hospital, para pegar o encaminhamento da terapeuta.

Bufei.

— Certo. — falei e me sentei num tronco de árvore deitado ali no chão. — Vou levá-la para minha casa quando ela sair daqui.

— Você acha que é a melhor coisa a se fazer? — Tony perguntou com cautela. — Klaus anda nervoso ultimamente e vocês não estão no melhor momento de relacionamento.

— Klaus é um bosta! — Gritei para Tony, que fechou os olhos dando uma tremida no corpo. Acho que ele jamais havia me visto falar assim de Klaus. Nem eu, na verdade. — Nosso relacionamento anda assim porque ele não sabe lidar com uma coisa simples, como caridade. Dane-se ele e seu orgulho idiota!

Tony puxou meu cigarro, e também deu uma tragada antes de sentar ao meu lado, me devolvendo. Não queria ter gritado com ele. O cara tinha sido um amigo do caramba o dia inteiro, mas eu estava puto de raiva, e sobraria para alguém.

— Sei que você está com raiva dele, mas precisamos ser racionais.

— Não, Tony, você não tem noção de como estou puto de raiva dele. — Minha voz estava forte e invencível. Eu fiquei com medo de mim mesmo. — E estou sendo o mais racional possível. Não existe a menor possibilidade de leva-la de volta à casa de Klaus, a não ser que o próprio apareça na minha frente e me diga como Lorena conseguiu essa porcaria, e onde ele se enfiou o final de semana inteiro que não teve a decência de avisar a noiva onde estava.

Peguei a cartela do meu bolso e balancei na frente dele, que baixou a cabeça. Meu pai ficaria orgulhoso de mim sendo um cara agressivo. Sempre foi o que ele quis de mim.

— Você acha que Klaus deu esse abortivo a ela? — Tony perguntou, e eu me retrai.

— Não. — Falei depois de uma eternidade. — Klaus pode ser medroso, mas não faria isso. E nem era por causa do bebê, mas porque perderia Lorena se o fizesse.

Eu realmente acreditava no que estava dizendo. Eu vi a agonia de Klaus no dia em que Lorena lhe disse que estava grávida, e sabia que ele não faria nada que pudesse magoar Loren de alguma forma. Não intencionalmente, pelo menos. Ele não tinha conseguido um abortivo, até porque ele não saberia achar um sem mim. Então só me restava pensar em...

— Ai meu Deus, Tony! — falei com a voz falhando. — Agora eu entendi tudo.

E não esperei que ele respondesse. Levantei puxando minha chave do gancho de cinto da calça dele, e sai agarrando forte a cartela de comprimido.

Gritei para ele assim que entrei no carro:

— Fique com ela e me avise se algo acontecer. Vou voltar para busca-la em breve. Vou pedir para alguém do vinhedo trazer o seu carro.

Tony jogou a própria chave para mim e acenou.

Sai derrapando pneu e jogando o resto do cigarro pela janela. Eu era ambientalmente correto, mas eu ainda queria quebrar o mundo naquele maldito dia.

Dirigi feito um louco em todo o caminho de volta para Esperança. Já estava ferrado de multas mesmo, não me importaria com mais algumas, não agora quando eu tinha tanto para falar.

Sentia que meu corpo necessitava de algo resistente para continuar, mas eu era mais forte do que aquilo. Eu aguentaria aquele resto de dia da melhor forma possível. Queria estar bastante lúcido quando chegasse até meu destino.

Tirei o telefone do bolso e pluguei no viva voz inteligente do carro.

— Ligar Klaus. — Falei e o celular, coisa de europeu, já foi ligando sozinho. Logicamente o telefone tocou, tocou e tocou, e caiu na caixa postal.

— Quando você voltar para Esperança, Lorena vai estar na minha casa.

Desliguei rápido, me sentindo bem por ter sido ríspido com ele por telefone. Ele merecia tudo aquilo, e bem mais.

— Ligar Eugênio. — Falei e o telefone repetiu o procedimento.

— E ai, Narcole, meu velho! — A voz grossa e divertida falou do outro lado.

— Preciso de um favor seu, cara. — Respondi e ele silenciou, apreensivo

— Fala mestre.

— Preciso que você encontre alguém para mim. Klaus Hunter.

— Aquele seu amigo de Esperança? — Ele questionou.

— Esse mesmo. Acho que ele pode estar em alguma cidade dessas ao redor daqui. — E me senti estúpido por não ter pensando na opção mais lógica no momento. — Procure também em Assunção. Tem uma família de produtores musicais por lá com o sobrenome Hunter. Sonde com a garota para ver se ela o viu.

Katarina poderia ter notícias de Klaus, já que agora ela era a fuga dele. A irmã que ele nunca quis era a portadora de seus segredos e medos. Sentia-me traído por isso.

— Considere feito. — Eugênio disse confiante.

— E Eugênio — Dei uma pausa longa, e suspirei antes de falar. — quero ele bem.

— Tudo bem chefe.

Desliguei o telefone me sentindo um mafioso. Agora tinha certeza que meu pai se sentiria nas nuvens ali, me ouvindo falar.

Eugenio era um ex-presidiário que fazia alguns trabalhos para o meu pai. Foi preso por contrabando de drogas há dez anos. Foi solto depois de cinco, por bom comportamento. Entrou para o hall de capangas legais do meu pai quando salvou sua vida durante um tiroteio no Rio de Janeiro, sendo agressivo e estrategista como segurança temporário. Depois disso ele foi contratado como segurança em tempo integral. Virou amigo íntimo da família, e está conosco desde então. Ele chegou em Esperança há dois dias para resolver uns assuntos do senhor Narcole, que estava preso em Nápoles, na Itália. Não queria usar a força pesada de Eugenio para resolver isso, mas se não tinha jeito, ele seria minha salvação.

Continuei dirigindo, filtrando minha raiva e meu nervosismo até chegar ao meu destino. Quando cheguei, larguei o carro no estacionamento de qualquer jeito, completamente ciente de que nenhum policial dali mexeria em um carro Narcole.

Invadi o local com tudo, sem me identificar na portaria, apesar de saber que todos me conheciam bem. Tentaram me barrar em uma porta com detectores de metal, e eu dei dedo para o cara responsável por ela quando atravessei com tudo, ouvindo o barulho chato da máquina estalar atrás de mim, juntamente com os gritos do homem.

Invadi a sala, e três rostos se viraram para mim. Encontrei o que estava procurando atrás da mesa, com uma expressão séria.

Richard me olhou com desconfiança, e quando eu não fiz nada além de respirar ofegante, ele dispensou os outros policiais que estavam na sala com ele. Quando o último homem fechou a porta atrás de si, ele levantou apressado.

— Notícias de Klaus? — Ele pareceu aflito, e eu estava pouco me lixando para sua preocupação.

Neguei com a cabeça, e ele voltou a se sentar. Ali na minha frente estava o homem que tinha sido um tipo de segundo pai na minha vida. Eu cresci na casa dele, e agora eu só queria queimar o lugar, com ele junto. Tirei a cartela do bolso, e joguei em cima da sua mesa. Ele fitou o quadrado cinza, sem esboçar nenhum vestígio de culpa.

— Você pode me dizer onde Lorena conseguiu isso? — Perguntei com a boca tremida, controlando minha raiva.

Ele avaliou a cartela, sem encostar-se a ela. Depois se recostou na poltrona, e ficou batendo com uma caneta na mesa, de forma irritante e insistente. Olhava-me como o policial severo que ele era, mas aquilo não me assustou. Nunca havia assustado, nem quando era criança.

— Ela tomou? — Ele enfim perguntou, relaxado e até esperançoso, e eu nunca me senti tão enojado de alguém.

Apoiei-me na mesa dele para não cair, e senti o bolo se formar na minha garganta, e o chumbo encher minhas pernas com um peso desumano.

— Eu não acredito nisso, Richard! — Falei porque realmente era o que eu queria dizer, não porque eu não acreditava. — Você tentou matar o seu neto?

Ele bufou e levantou da cadeira, indo até o outro lado da sala, enfiando as mãos nos bolsos.

— Então não funcionou?

Meu Deus, e ele nem parecia chocado com aquilo.

Quem era aquele homem na minha frente?

— Sinto muito, mas não funcionou. — Peguei uma maça que estava em cima da mesa dele, e dei uma mordida, de modo teatral. — Vai ver Bernardo é tão turrão quanto você e Klaus. Só espero que ele não seja tão medroso quanto vocês dois.

— Vai me dizer que você acha que isso é certo? Vai dizer que você não quer o melhor para Klaus? — Sério que ele estava jogando aquilo em cima de mim?

— E quem é você, Deus? — Gritei deixando a maça de lado. — Por acaso você sabe o que é melhor para alguém? Você nem sabe o que é vida e quer controlar a vida dos outros?

— Ela não é o melhor para Klaus! — Ele gritou de volta e eu franzi os olhos.

— Ah, vou ter que concordar com isso, Delegado. — Resmunguei endireitando minha coluna, para parecer bem maior do que ele, mesmo que Richard estivesse há uns três metros de distância de mim. — Klaus é a melhor pessoa que eu conheço no mundo, mas não sabe lidar com Lorena nem com um filho. E sinceramente? Não estou vendo ele se esforçar o suficiente para isso. Então eu vou concordar e dizer que Lorena não precisa do seu filho nem de ninguém. Ela é muito mais mulher do que vocês dois são homens.

— Você é um estúpido se acha mesmo isso, Adônis. Eu não duvido nada que esse filho nem seja de Klaus.

Mas ele não continuou, porque eu cobri os três metros que nos dividiam e o joguei na parede, com a mão agarrada a gola da sua farda tão bem passada.

— Não fale dela perto de mim, está me entendendo? — Eu tremia de raiva, e minha voz saiu cuspida e descontrolada. Uma expressão de compreensão e medo cruzaram seus olhos, mas ele não revidou, mesmo sabendo que ele poderia me derrubar em menos de dois segundos. — Eu não sou o seu filho! Não faço ameaças, eu as cumpro também. E se você chegar perto de Lorena, nem que seja só um tantinho, não vou me incomodar de fatiar você em pedaços tão pequenos que você vai se tornar irreconhecível.

— Agora entendi tudo. — Ele balbuciou, e um sorriso sacana apareceu no canto de sua boca. — A história realmente se repete.

Agora o velho tinha dado para falar sozinho. Ignorei seu comentário sem sentido e apertei sua gola mais firme.

— Você me entendeu?

— Sim. Está me ameaçando. — Ele afirmou, não perguntou. Era inteligente.

— Não considere isso uma ameaça delegado. Ainda não.

Ele rosnou na minha frente, e meu sangue esquentou, furioso.

— Vá — Ele sibilou no meu rosto, tão desafiante como temoroso. — Me bata. Desconte em mim a raiva que você está de Klaus.

Eu não entraria no jogo imundo dele.

— Não sou estúpido e não quero passar a noite na cadeia.

Soltei a gola dele com agressividade, e ele se abaixou num suspiro longo e asfixiante. Depois o canalha começou a gargalhar, e eu senti que estava na hora de usar o poder que eu tinha nas mãos.

— Quer saber? — perguntei e ele levantou a cabeça. — Sou um pouquinho estúpido sim.

E eu simplesmente soquei o rosto dele, exatamente com a mão que estava machucada. Soltei um palavrão assim que Richard caiu em cima de uma mesa, derrubando-a. Levantou o braço com medo que eu fosse cair em cima dele para continuar o que comecei. Ele não se ligou quando eu disse que era só um pouquinho estúpido, não todo.

Ele me olhou realmente assustado, e para a minha felicidade, o nariz dele sangrava.

— E se você quiser me prender por causa disso, delegado, lembre-se que eu ainda estou com a cartela de remédio que você deu um jeito de entregar a Lorena, e que tenho uma forma sutil e perigosa de descobrir de onde veio isso. Você sabe que aborto é crime aqui no Brasil, não sabe? Quero só ver a carreira do senhor destruída depois que você for preso por dar um abortivo a uma adolescente de dezesseis anos. — Atravessei a sala e parei na porta da frente, me voltando para encarar sua expressão lívida no chão.

— E isso, delegado, é uma ameaça.

Sai da delegacia com mais de mil, mesmo que metade das pessoas tivesse tentado me parar no meio do caminho. Ainda cheguei a ouvir a voz de Charles de fundo, tentando me acalmar, mas eu estava cego de raiva e ninguém conseguiria me acalmar naquele momento. Tinha que vir de mim, não de fora.

Entrei no carro e sai dirigindo. Sabia que estava pegando a estrada de volta para o hospital, mas não estava focado em chegar daquela vez. Queria só andar um pouco, sem pressa. Não atravessaria sinais vermelhos, apreciaria todos eles.

Liguei o som do carro e continuei a ouvir a música grega e marítima do CD que minha avó me deu, tentando me acalmar um pouco. Minha mão voltou a sangrar no nó entre os dedos. Meu volante estava melecado de sangue, e toda a área perto da marcha também. Xinguei encarando minha calça jeans suja, e a barra do meu suéter.

— Meleca! — Gemi tentando limpar a mão na calça imunda.

Meu telefone tocou e eu estiquei a cabeça. Era Samuel. Já era bem tarde para ligações sociais. Aquilo era um SOS. Então eu soube que Tony havia ligado para ele.

— Atender ligação. — Falei alto.

— Adônis? — Era Rany, não Samuel. — O que merda está acontecendo? Porque Tony ligou para Sam para dizer que Lorena estava em um hospital e Klaus havia sumido?

Droga! A pior pessoa para se tentar explicar alguma coisa era Rany. Ela era explosiva e iria degolar Klaus vivo quando o encontrasse. É, talvez essa fosse uma boa ideia.

— É exatamente isso. — Respondi passando a marcha. — Klaus sumiu, encontramos Lorena desmaiada em casa, levamos para o hospital, mas ela já vai sair de lá. Vou leva-la para a mansão.

Chamávamos minha casa de mansão por motivos óbvios. Nunca gostei do nome, mas nada a identificava melhor.

— Porque você a está levando para a sua casa? — Samuel quem falou dessa vez.

— Não vou levá-la para a casa de Klaus até que o imbecil volte. — Fui firme, e eles nada responderam.

— Chegamos ai em algumas horas. — Rany finalizou e desligou o telefone.

Lorena tinha que ser tão excessivamente amada? Ela era a rainha dos problemas e mesmo assim abalávamos nossos mundos inteiros por ela. Na verdade faríamos algo parecido por todos. Acho que o fato de Lorena ter passado por tudo o que passou, a colocava num pedestal de prioridade em nossas vidas. Ela e o bebê eram prioridades na minha vida. Naquele momento muito mais do que Klaus era. O filho dele tomou todo o posto que pertencia a Klaus.

O bebê precisava de ajuda, Klaus precisava de uma surra.

Ele precisava ficar bem longe disso tudo, porque só depois de hoje tive certeza de que nada faria para melhorar essa situação. Klaus iria se afundar, e afundar e afundar. E quando chegasse na idade adulta, se comportaria como pai dele, culpando o mundo por não ter tido juventude.

Por que será que as coisas eram tão mais fáceis para mim? Porque eu tinha dinheiro e ele não. Será? Isso era um motivo tão babaca para justificar alguns serem homens melhores do que os outros?

Klaus era um garoto, não um homem. Homens não fazem o que ele fez.

Ele tinha medo de tudo o que não conhecia, e até de bater de frente com seu próprio pai por ele ter uma ideia tão ridícula e mesquinha de mundo.

Ele hesitou em bater no pastor no dia em que nós encontramos Lorena marcada e sangrando, tão pequena e solitária que eu poderia detonar o universo pelo bem dela.

Ele hesitou em dizer umas verdades grossas para Matheus Veloso quando ele jogou os dois pelo penhasco.

Ele hesitou em muitos momentos, e no principal deles.

Isso me deixava furioso por não ter nada que eu pudesse fazer para ajuda-los.

E foi ai que a ideia brotou, como uma erva daninha e mutante que vai crescendo e se enraizando pelo corpo, tomando o cérebro inteiro e me deixando vulnerável mentalmente e sedento para saber o que aconteceria "se...".

Estacionei o carro no meio fio da estrada escura, deixando os faróis ligados. Passei a mão na cabeça e fechei-as atrás do cabelo, cerrando também os olhos e tentando expulsar a ideia maluca que tinha brotado ali.

Eu não podia pensar cheio de raiva. Eu tinha que me acalmar e esperar que uma ideia um pouco mais saudável aparecesse. Mas a erva daninha não saiu de mim. Continuou lá martelando na minha cabeça já dolorida.

Eu queria um jeito de ajudar Lorena, Klaus e Bernardo. E se nenhum deles aceitava minha ajuda por bem, a ideia era que aceitassem por mal.

Eu seria odiado por isso. Fato!

Mas será que eu estava preparado para perder aquilo pelo o que mais zelava? Mesmo que achasse que estava fazendo isso só para ajudar?

— Porra! — Falei alto batendo no volante. — Porra! Porra! Porra! Eu não posso fazer isso. — Choraminguei.

Baixei minha cabeça, batendo com força na buzina, que ficou apitando até que eu tivesse o bom sendo de me levantar, para não chamar mais atenção do que tinha chamado hoje.

Não era só a minha vida envolvida nisso. E eu amava demais todas as vidas que eu envolveria no meu plano maluco. Tudo poderia dar errado e eu perderia todos eles. Mas e se desse certo? Se de algum modo eu pudesse resolver todos os pontos soltos dessa história? Eu não queria ser herói de nada, mas no momento eu não achava que Lorena ferida e grávida, nem Klaus medroso e desnorteado, pudessem usar martelos e pregos e fechar certas dores.

Mas a perguntava continuava a me deixar balançado: Eu estava preparado para isso?

Percebi nos minutos seguintes que a erva daninha já tinha criado raízes e que não sairia dali. Não se eu deixasse de seguir o conselho dela primeiro. Ela era maior do que eu naquele instante, e me tomou como se eu fosse uma criança indefesa.

Fiquei meia hora remoendo tudo no meu cérebro. Agindo como meu pai agiria e traçando planos malucos para a minha proposta. A ideia era válida, mas dependeria da estupidez de outras pessoas, e que eu sabia que a grande maioria tinha, e isso era deprimente.

Eu teria que mudar várias coisas na minha vida, mas eu tinha certeza de que valia completamente a pena. A imagem daquele bebê perfeito na tela me conquistou como poucas coisas tinham feito. E por ele eu faria qualquer loucura.

Peguei a estrada sem abandonar a minha agressividade inicial, mas deixando ela se mesclar e trabalhar como Sherlock Holmes e suas deduções fantásticas e planos mirabolantes. O meu era um desses. E pior, tinha cara de plano de gente nova. Mas eu não pensei nisso e não queria saber mais disso. Eu iria fazer de qualquer jeito.

Foi rápido no hospital. Lorena estava sonolenta quando eu e Tony a colocamos no carro e a levamos para a mansão. Deitei-a na minha cama, sob protestos de Henry, o homem que me criou, e o mordomo da casa. Pedi para Tony dormir lá, já que Rany e Samuel chegariam a qualquer momento, e eu não estava pronto para responder todas as perguntas deles, não agora que eu tinha tomado uma decisão tão difícil. Tony seria meu assessor.

Orientei Henry a colocar Rany e Sam em outro quarto quanto chegassem, e não deixá-los acordar Lorena de jeito nenhum.

Coloquei Tony em um quarto de hospede do outro lado do corredor e pedi que ele dormisse um pouco, lhe entregando uma muda de roupas minhas.

Joguei-me embaixo do chuveiro, lavando o sangue e a sujeira que estavam impregnadas em mim. Fiquei mais tempo no banheiro, do que dirigindo para levar Lorena para o hospital de carro. Eu estava confuso, cansado e cheio de raiva. Eu precisava de um tempo a mais debaixo da água quente, e me dei esse tempo.

Quando sai, coloquei uma calça folgada, uma camiseta e um casaco de um tecido mole. Atravessei o quarto lentamente, indo em direção ao quarto dos meus pais. Mas Lorena falou alguma coisa enquanto dormia, e eu voltei para olha-la.

Parecia tão cansada e indefesa naquela cama. Tão diferente da garota arredia e impossível que tinha me mandado para um campo cheio de gente, vestindo uma sunga de vaca. Eu realmente quebraria tudo para que ela aparecesse naquele rosto novamente.

A barriga volumosa e linda fazendo um contorno bonito no lençol delicado que eu tinha coberto seu corpo. Estava em um vestido xadrez, parecido com os que Lis vestia, só que menos psicodélico. Os cabelos longos e cacheados na ponta estavam amassados por tanto tempo que ela passou deitada sobre eles.

Ela era uma parte da minha família. Havia entrado nela quando resolveu amar Klaus e carregar o filho dele dentro dela. Eu jamais poderia abandonar um pedaço tão grande dele, até porque eu considerava que Klaus era 60% de quem eu era.

Faria isso por ele e por ela, e por aquela coisinha perfeita que parecia dormir quietinho junto da mãe.

Sentei-me na poltrona do quarto, disposto a zelar seu sono por todo resto de madrugada. Puxei meu violão, que estava no suporte do lado, e fiquei tocando notas soltas e acordes baixinhos. Às vezes saia um pedaço de canção, às vezes só alguma coisa gutural que mais lembrava um animal se contorcendo. Esse era eu.

O sol estava alaranjando no horizonte, e eu estava tocando "Patience", do Guns N' Roses, quando ouvi a voz lenta e cansada dela:

— Isso é bonito.

Levantei os olhos, e sabia que eu deveria estar assustador por ter perdido uma noite de sono, mas não podia evita-la. Estava na hora de me intrometer.

— Oi. — Sorri para ela, me aproximando da cama e sentando perto dos seus pés.

Ela levou a mão até a barriga, e me olhou alarmada.

— Está tudo bem. — Falei apertando sua perna sob o lençol. — Ele está bem, forte e se mexendo como um corredor.

Ela sorriu aliviada, e vendo seu rosto se abrir naquele encantador e forte sorriso, eu não tive mais dúvidas de que era aquilo o que eu iria fazer. O que me assustou foi perceber que era também o que queria fazer.

— Onde estou? — Perguntou avaliando o quarto ao redor. Acreditava que nunca tinha levado Lorena até ali.

— A Batcarverna. — Respondi e ela riu um pouco mais.

— Você tem bom gosto, Narcole. Isso aqui é lindo. As meninas devem gostar.

Foquei em seus olhos amendoados por um momento e senti algo esquentar dentro de mim.

— Nunca trouxe nenhuma menina para cá. É meu santuário.

— Então o que estou fazendo aqui? — Ela pegou um gato de alumínio na minha mesa de cabeceira e mexeu na perna dele, fazendo a cauda se movimentar com a precisão de um compasso musical.

— Você não é nem vagamente semelhante a nenhuma das meninas com que saiu, Lou. É minha melhor amiga e está grávida do meu afilhado. Você tem posição privilegiada em minha vida.

Ela me lançou um olhar acalentador e apertou minha mão. Foi então que pegou um porta retrato de cima da mesa, substituindo o gato, e suspirou quando viu uma foto minha e de Klaus, no Rock in'Rio do ano anterior.

— Klaus? — Ela perguntou e eu neguei com a cabeça. Ela assentiu, mas não parecia angustiada. Na verdade ela parecia aliviada. Aquilo me deixou curioso.

— Quer conversar sobre o que aconteceu? — Fui calmo, com medo que ela fugisse.

— Estava na gaveta dele. — A lágrima solitária desceu dos olhos dela, e eu entendi tudo. — Tinha um abortivo na gaveta dele, Adônis. Klaus mentiu para mim. Ele não quer esse bebê.

Ela pensava que Klaus tinha conseguido aquela caixa, por isso a crise nervosa que tinha tido. Aquilo tornaria as coisas mais fáceis para mim. Ela estava decepcionada com ele, e eu usaria isso a favor do plano. Eu não estava fazendo a coisa certa, mas faria pelo motivo certo.

Enxuguei a lágrima, e apertei sua mão com firmeza

— Loren? — Ela levantou os olhos da barriga para mim. — Tenho uma proposta para te fazer.

Continue Reading

You'll Also Like

1.3M 1.4K 5
Tem um novo garoto no bairro. Seria uma pena se ele fosse mais perigoso do que ela pensava.
10.1M 627K 88
Um homem insuportável de um jeito irresistível que faz um sexo que deixa todas de pernas bamba, Tem todas as mulheres que deseja aos seus pés mas te...
246K 25.2K 29
Brianna é a personificação da inocência. Com apenas sete anos de idade, acredita que as pessoas boas quando morrem viram borboletas e vão para o céu...
5.2M 380K 92
Annie Thompson tinha apenas algumas certezas na vida. Uma delas é de que o amor verdadeiro existia, e outra era de que não queria ir para Harvard apó...