A Mais Bela Melodia

By CarolTeles

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A história de Lorena e Klaus se passa em Esperança, uma cidade pequena, onde vivem entre as desavenças na esc... More

Capítulo 1: Klaus
Capítulo 2: Lorena
Capítulo 3: Klaus
Capítulo 4: Lorena
Capítulo 5: Klaus
Capítulo 6: Lorena
Capítulo 7: Klaus
Capítulo 8: Lorena
Capítulo 9: Klaus
Capítulo 10: Lorena
Capítulo 11: Klaus
Capítulo 12: Lorena
Capítulo 13: Klaus
Capítulo 14: Lorena
Capítulo 15: Klaus
Capítulo 16: Lorena
Capítulo 17: Klaus
Capítulo 18: Lorena
Capítulo 19: Klaus
Capítulo 20: Lorena
Capítulo 21: Klaus
Capítulo 22: Lorena
Capítulo 23: Klaus
Capítulo 24: Lorena
Capítulo 25: Klaus
Capítulo 26: Lorena
Capítulo 27: Klaus
Capítulo 28: Lorena
Capítulo 29: Klaus
Capítulo 30: Lorena
Capítulo 31: Klaus
Capítulo 32: Lorena
Capítulo 34: Lorena
Capítulo 35: Klaus
Capítulo 36: Lorena
Capítulo 37: Adônis
Capítulo 38: Klaus
Livro 2: Entre Notas

Capítulo 33: Klaus

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By CarolTeles

Estava concentrado na porta onde Lorena tinha entrado e pensando em como era terrível não saber lidar com o que não nos cabe resolver. No momento eu me sentia um idiota inútil.

Não tinha muito tempo que esperava, mas alguma coisa dentro de mim se partia cada minuto que se passava. Adônis estava lá, do meu lado. Comia as unhas e olhava para a porta quase na mesma intensidade que eu. Mas ele era a voz da razão, e quando levantei querendo emburacar no corredor branco e fedorento de cloro, ele me impediu dizendo que eles precisavam de um pouco mais de tempo. Adônis estava gelado e pálido. Provavelmente um espelho de mim mesmo.

Estava com ele quando percebi as mais de trinta ligações de Rany para o meu celular, e mais umas dez no telefone de Adônis. Tínhamos tirado a tarde para nadar no rio, e deixamos os aparelhos no carro. Desesperei-me quando vi, e retornei para ela ainda molhado. Rany me deu um grito antes de dizer que havia alguma coisa de errada entre Lorena e o pastor, e como eu nunca gostei daquele homem, fui o mais rápido que pude para a casa dela.

Claro que Rany tinha que também ligar para a polícia, e quando chegamos, a viatura do meu pai já estava parada do lado de fora com dois policiais à espreita, o que me impediu de invadir a casa de modo dramático, como tinha imaginado fazer.

O delegado disse que só poderíamos tocar a campainha e esperar alguém aparecer. Caso ninguém aparecesse, tentar uma ordem judicial para arrombar ou esperar gritos e pedidos de socorro. Quis enfolar meu pai vivo quando ele falou essa última parte, mas não precisei porque Adônis começou a gritar o quanto que aquilo era ridículo, e ele mesmo foi até a frente da casa, sob ameaças do meu pai, e arrombou a porta com o pé.

Nunca vou esquecer do barulho das chicotadas. Sabia o que era antes mesmo de ver. Crescer em Esperança fazia você entender de cavalos e qualquer coisa relacionada a eles, inclusive chicotes e o som que faziam contra uma superfície viva .

Meu sangue congelou e eu parei de respirar quando andei na direção da porta de onde vinha o barulho, e a abri sem bater. Lá estava ela, ensanguentada e amarrada, de costas para mim. Não sei o que foi que me deu naquele instante, mas eu simplesmente avancei em cima da criatura asquerosa, o jogando na parede. Toda a raiva que eu senti relacionada ao sofrimento de vida de Lorena, foi atirado naquele gesto. Ela não precisava daquilo. Ela não merecia daquilo.

Não lembro do que disse exatamente, mas eu faria valer qualquer ameaça que tivesse feito a ele. O pastor não chegaria nem perto de Lorena se dependesse de mim. E dependeria de mim, já que ela era de menor e eu sou o pai do filho que ela está carregando. Daria um jeito de conseguir a prisão perpétua daquele desgraçado.

Encontrei minha garota mais quebrada do que achava ser possível, e não poder abraçá-la porque o pai destruiu seu corpo seminu, foi a coisa mais apavorante eu já vivi na vida.

Ela estava muito machucada fisicamente, mas o meu medo maior era a sua cabeça e seu coração. Eu admirava o quanto de tombos Lorena era capaz de aguentar, mas eu não a queria mais levando nenhum. Eu também não podia mais suportar aquilo.

E quando ela disse que me amava, eu achei que explodiria. De angústia por ela estar me dizendo isso quando soube que o pai foi responsável pelo coma do irmão. De felicidade porque era bem difícil ela dizer alguma coisa boa que estava sentindo. De remorso por ter respeitado o tempo que prometi a ela para pensar.

Ela era minha, e nada nem ninguém poderia mudar isso.

O telefone vibrou no meu bolso e eu puxei automaticamente. O nome de Katarina apareceu na tela, piscando num envelope no canto superior. Fechei os olhos com força quando lembrei que ela havia mandado uma mensagem pela tarde, e eu tinha respondido que alguma coisa tinha acontecido com Lorena e que depois daria notícias. Não lembrei disso.

"Me dê notícias de Lorena"

Katy

Era o que dizia a mensagem dela. Suspirei pensando se queria responder agora. Até porque eu não sabia o que estava acontecendo com Lorena. Mas se não dissesse nada, certamente Katy ligaria, e não conseguia mais esnobar uma ligação dela. Passou a ser uma área de conforto leve depois daquela carta que me escreveu, e dos diversos emails e ligações que fizemos um para o outro desde então. Um dos assuntos prediletos dela era meu amor por Lorena, o que ela julgava típico de romance de banca de revista, e eu achava que tinha muito mais de terror de Stephen King.

"Estamos no hospital, mas parece que ela está bem. Ainda não sei"

K

Bufei quando enviei a mensagem, e Adônis olhou para mim curioso. Balancei a cabeça negando. Qualquer gesto que eu fizesse, ele me olhava com mais preocupação do que já estava. Adônis envelheceria mais cedo só por ser meu amigo.

Outro vibrado do telefone, e eu me sobressaltei.

"Hospital? Por que?"

Katy

"Ela pode ter machucado o bebê"

K

Só fui pensar no que estava respondendo depois que enviei a mensagem. Katy não sabia do bebê. Não quis contar nada para ninguém antes de Lorena tomar uma decisão. Agora era tarde.

"Ai meu Deus!!!! Eu vou ser tia? *-*"

Katy

Sorri olhando para o aparelho na mão. Ela conseguia ser tão espontânea e alegre em uma situação que, até o momento, nós tínhamos sido pesarosos e revoltados. Eu sabia que era um bebê, e que bebês eram a alegria das famílias. Mas o que fazer quando Lorena não tinha mais família e certamente a única de sangue que eu tinha se destruiria assim que eu chegasse em casa?

— Klaus?

Adônis me chamou e eu levantei a cabeça, enfiando o celular no bolso quando a figura de branco surgiu na minha frente. Em menos de dois segundos eu já estava ao seu lado.

— Vocês estão com Lorena Sanchez? — Um senhor calvo e com uma postura invejável, perguntou por cima dos óculos. Afirmei com a cabeça, e ele estreitou os olhos para mim. — São da família? — Perguntou desconfiado.

— Ela não tem família na cidade — Respondi impaciente. — Eu sou o namorado.

Ele me avaliou de cima a baixo, depois passou o olhar para a Adônis, e eu pensei seriamente em dizer uma ou duas ofensas, mas daí ele suspirou e, finalmente, abriu a boca.

— Ela está bem. Machucada, mas milagrosamente não quebrou nada. Vai ficar aqui mais alguns dias e depois poderá sair.

Respirei aliviado sentindo a luz do meu mundo se acender com aquelas poucas palavras dele.

— E o bebê? — Adônis perguntou e eu me assustei com a sensação esquisita de desconforto por ele ter perguntado isso quando eu havia esquecido.

— Perfeito. — O médico completou com um sorriso fraco. — Batimentos normais e se mexendo com rapidez. Ele é forte, como ela.

Dessa vez foi Adônis quem suspirou na minha frente, e se sentou passando a mão nos cabelos.

— Eu posso vê-la? — Perguntei.

— Ainda não. — O Médico respondeu carrancudo. — Ela está dormindo e ficará até amanhã. Além de que, está na enfermaria onde só tem mulher. Se você quiser arranjar uma amiga para dormir lá com ela, seria interessante, mas homens não ficam em enfermarias de mulheres.

— E se a transferirmos para um quarto privativo? — Adônis questionou o médico ainda da cadeira.

— O plano de saúde dela não cobre isso — Falou o médico de olho nos papeis na prancheta.

— Eu pago. — Meu amigo me olhou quando disse isso, e eu desviei da sua preocupação. Ele não tinha obrigação nenhuma de cuidar de Lorena, e de alguma forma, ele sabia disso e me olhou na intenção de perguntar o que eu pensava sobre aquilo. Ele sabia o quanto eu era orgulhoso sobre esse tipo de coisa.

— Não precisa. — O olhei com ternura, e foi a vez dele desviar de mim. Fitei o médico decidido — Vou ligar para uma amiga dela e pedir para ela vir dormir aqui. Amanhã eu dou um jeito de colocá-la em um quarto.

O médico acenou e saiu, nos deixando sozinhos. Sentei na cadeira ao lado de Adônis e soltei um suspiro cansado. De repente tirei um peso enorme dos meus ombros para colocar outro.

— Me desculpe por ter me intrometido. — Adônis falou tão baixo, que quase não o escutei.

— Tudo bem. — Bati de leve nas costas curvadas dele e apertei seu ombro. — Sei que você se preocupa com ela também, mas acho que a gente tem que começar a se acostumar a viver por nós mesmos, entende?

Ele balançou a cabeça e sorriu para mim. Era um sorriso cansado, mas era um sorriso. Voltei a me concentrar nos meus pensamentos homicidas sobre Sanchez quando Adônis voltou a falar.

— E agora?

Era uma boa pergunta. Na verdade uma ótima pergunta. Mas eu já tinha uma noção do que ia fazer, mesmo que fosse de encontro a tudo o que eu sempre quis na minha vida nos últimos anos.

— Ela tem que vir morar comigo — Resmunguei apreensivo com minhas próprias palavras.

— Seu pai não vai gostar nada disso. — Ele comentou e eu dei um sorriso que pareceu mais um soluço.

— Eu sei, mas ela é minha namorada e o bebê que ela está esperando é o neto dele. Não acredito que o delegado vá deixar o neto sem teto.

Adônis levantou uma sobrancelha loira para o meu lado, e eu sorri.

— Talvez ele me coloque para fora de casa, mas daí a gente vai ter que esperar para ver.

— Vocês podem ir morar no apartamento que Diego estava morando. Minha mãe ainda não o alugou e...

— Não, Adônis! — Falei mais alto do que gostaria, e ele encolheu. — Não vou aceitar isso e você sabe.

Não aceitei que ele tirasse Lorena de uma enfermaria, não aceitaria uma casa.

— Você tem que deixar de ser tão orgulhoso. — Ele resmungou parecendo chateado. — Aquele bebê não quer saber se o pai de Lorena está preso por ser um psicopata. Ele quer um lar quando nascer e...

— E vai ter um lar, Adônis. Só me deixe organizar tudo sozinho, ok? — Eu já estava começando a ficar com raiva daquela conversa. — Por enquanto ela vem morar comigo.

Ele se jogou na cadeira e deu o seu melhor suspiro de frustração. Eu não queria brigar com ele, mas aquilo era uma coisa que eu precisava fazer sem ajuda. Precisa começar a me virar.

Levantei rápido e assanhei o cabelo loiro de Adônis, que se virou para mim sério. Eu lancei um sorriso encorajador para ele, que retribuiu me chamando de idiota, mas riu também.

— Você pode ligar para Rany vir e esperar ela chegar antes de ir para casa? Eu preciso ir falar com o delegado.

— Provavelmente ela só está esperando que nós liguemos, já que não para de mandar mensagem para o meu celular. — Adônis falou puxando o aparelho moderno e cheio de aplicativos do bolso.

— Diga a ela que me ligue se tiver algum problema com Lorena.

Ele confirmou já procurando o número de Rany no celular, e eu beijei a cabeça dele antes de sair do hospital. O negócio seria complicado em casa e eu precisava me preparar. Só lembrei que tinha vindo sem a moto quando sai de lá. Não podia deixar Adônis sem carro, ou ele não teria como ir para casa. Então pensei na pessoa mais próxima do hospital, e liguei para Tony na intenção de pedir uma carona. Ele chegou vinte minutos depois, com o short do pijama e a cara de sono.

— Desculpe ter tirado você do seu sono de beleza. — Falei assim que me sentei.

— Tudo bem — Ele respondeu com a voz arrastada. — Só me diga o que você estava fazendo em um hospital.

Tony deu a partida no carro e eu me afundei na poltrona. Estava cheirando a perfume feminino. Provavelmente o sono de beleza dele tinha sido mais animado do que eu imaginava, o que me deixou com remorso.

— Lorena teve um problema e a trouxemos para cá. — Respondi cansado demais para dar detalhes. Tony se desconcentrou da estrada, fazendo com que uma moto buzinasse para ele quando saiu da pista, e me olhou de forma preocupada. Incrível como mesmo sendo a pessoa mais irritante do mundo, Lorena tinha conseguido conquistar todos eles.

— Ela está grávida, não está? — Ele perguntou com a voz pesada depois de um tempo, e eu suspirei antes de acenar, confirmando. Claro que eles já deveriam saber! Lorena andava vomitando a cada passo que dava.

— Esta.

— Ela vai ter o bebê?

— Você sabe que ela não conseguiria tirar, Tony. Eu até acho que ela meio que já o ama.

— E você? — De alguma forma ele perguntou a mesma coisa que Adônis, só que de um jeito diferente. E eu realmente não gostaria de responder aquela pergunta ali.

— Será que a gente pode conversar sobre isso amanhã? Podemos marcar uma reunião na árvore pela tarde? Quero falar com todos. Preciso de dicas de como podemos ajudar Lorena nesse minuto.

Tony me avaliava enquanto dirigia, e eu o avaliei de volta. Ele era um ótimo motorista, mesmo que ficasse meio louco quando bebia. Os cabelos cacheados bagunçados pelo sono e pelo vento. Os olhos claros escondidos sob a luz neutra da noite.

Depois de Adônis, ele era a figura mais extrovertida do grupo. Sempre tinha ideias idiotas nos momentos menos convenientes, e nisso ele parecia bastante com Samuel. Mas era bonito o suficiente para ser o segundo rosto mais cobiçado do colégio, depois de Adônis, que era bonito e tinha dinheiro.

— Tudo bem. — Ele respondeu por fim. — Vou marcar uma reunião com todo mundo na sua árvore.

— Não é minha árvore, Tony. — Resmunguei.

— É como se fosse.

Dei de ombros e olhei para o lado de fora, sentindo o vento frio bater nos meus olhos com leveza, e lembrando do rosto apavorado do meu pai quando disse na frente dele que Lorena estava grávida. Parecia que um fantasma tinha se escondido por trás dos olhos arregalados. Era a história que ele tinha pavor se repetindo na vida do único filho. Estava morrendo de medo de como conversar com ele, mas eu precisava fazer isso ainda hoje.

Quando Tony estacionou na porta de minha casa, respirei aliviado por tudo estar escuro. Ele deveria estar de plantão até de manhã.

Despedi-me de Tony e rumei até minha casa pensando em tomar um banho e ligar para Rany, para confirmar se ela já havia chegado ao hospital. Dava para descansar um pouco antes que o delegado chegasse em casa. Arrumaria meu guarda roupa para caber algumas coisas de Lorena, até a gente se acertar. Ou talvez tentasse fazer um bolo para levar para ela logo cedo. Desisti da ideia do bolo quando pensei no último que tentei fazer. Passei mais tempo limpando a cozinha do que de fato o fazendo, e ficou parecido com um pedaço firme de pedra.

Compraria uma cesta imensa de coisas gostosas para ela de manhã. Era mais seguro.

Larguei as chaves no pote onde jogávamos todas e fui em direção a cozinha, na intenção de pegar uma garrafa enorme de água. Estanquei quando vi a porta dos fundos aberta. Puxei uma faca da gaveta lentamente, pensando em quem seria o idiota que invadiria a casa do delegado da cidade. Mas acabou que não precisei da faca, a não ser que tivesse intenção de matar meu próprio pai, que estava sentado numa cadeira dobrável no jardim, com a roupa de trabalho e de costas para mim.

Meu coração apertou por vê-lo daquele jeito. Quantas horas ele deveria estar ali sentado, provavelmente me esperando?

Suspirei, coloquei a faca em cima do armário e invadi o jardim descuidado. Não ligávamos muito para plantas, e éramos péssimos com esse tipo de serviço delicado. Então eu só tirava as folhas secas quando apareciam, e ultimamente nem isso.

Parei na frente dele, que não levantou os olhos para mim. Continuou fazendo um gesto irritante de mexer os polegares grudados em círculos e fitar demoradamente o pé de uvas poucos metros distante.

— Pai? — Ele não me olhou. — Pai, olha para mim! — Mas ele continuou a não me olhar. — Pai...

— Você não podia ter feito isso comigo, Klaus! — Sua voz saiu amargurada e chorosa. Parecia que eu tinha enfiado uma faca na minha perna de tanta dor que senti por isso. Sabia que meu pai tinha os sofrimentos dele, mas não queria ser um também.

— Eu não fiz nada com você. — Falei calmamente, tentando me aproximar da bolha perigosa que ele formou com sua energia ao redor daquela cadeira. — Eu fiz comigo. A responsabilidade é toda minha e eu nunca faria nada para jogá-la em cima de você.

Ele levantou da cadeira de modo abrupto, parando bem próximo de mim com uma ira descontrolada nos olhos, e com uma tristeza escondida atrás deles.

— Responsabilidade? O que porra você sabe sobre isso, Klaus? Você ter um carro e uma moto não quer dizer que você seja responsável, já que jogou o maldito carro por uma ribanceira assim que se sentiu compelido emocionalmente. — As narinas dele se dilatavam, e eu me retrai um pouco. — Você não está pronto para isso! Não é um carro, é uma criança dentro de Lorena!

— E você acha que eu não sei? — O segui quando entrou na casa batendo o pé. — Eu só penso nisso nos últimos dias, pai. Não queríamos um bebê, mas aconteceu.

Ele se virou rápido o suficiente para eu que trombasse nele, e voltasse para trás desconcertado.

— Cair acontece, bater o carro acontece, se molhar na chuva acontece. Um filho não acontece! Puta merda, quantas camisinhas eu dou a você por mês? Todas as que compro e mais as que acho de graça pela cidade. Quantas vezes te falei sobre sexo seguro e toda essa coisa que você dizia ser baboseira porque você já sabia?

Ele tinha razão. Eu sabia que ele tinha razão.

— Foi só uma vez. Nunca transei com ninguém sem proteção, só com Lorena e só uma vez. — Me justifiquei sentindo meu grito preso na garganta.

— Uma vez é suficiente, Klaus. Lorena não é diferente das outras garotas do mundo.

— Você sabe que para mim ela é. Sabe que a amo.

— Você tem dezoito anos! — Ele gritou, e mesmo no escuro, eu percebi o quanto seu rosto estava vermelho de raiva. — Você não faz ideia do que isso significa em termos reais, só no seu imaginário. Amar alguém não é fácil assim.

— Só porque alguém te ferrou não significa que ela vá me ferrar também. — Gritei de volta, não ligando mais se isso fosse magoá-lo.

— Ela ferrou você, Klaus! — Meu pai bateu na parede da sala, e o quadro que tinha lá se desprendeu, caindo no chão, espalhando vidro quebrado para todos os lados.

— Ela não fez esse filho com o dedo, pai. Tenho tanta culpa quanto ela. — Justifiquei quando ele voltou a dar as costas e se afastar.

— Eu sei, mas você é meu filho e meu coração quer sempre justificar seus erros jogando-os em outra pessoa. — Falou ainda andando.

— E isso é a grande maturidade do delegado Hunter? Culpar alguém pelo erro do filho? Ela está grávida. É só um bebê que vai ser seu neto, não é a morte.

— Não quero netos! — Ele parou, mas ficou de costas para mim com a respiração afetada. Colocou a mão no cabelo e suspirou, se acalmando. — Pelo menos não até você ter trinta anos, uma casa própria, um emprego e uma cabeça melhor do que a que você tem agora.

— Você querendo ou não, ele já existe e resistiu aquela merda que o pastor fez com ele. — Quis fazer com meu pai entendesse o meu lado da situação. Porra, não podia ser tão difícil, já que ele tinha passado pela mesma coisa. — Lorena está sem pai, sem mãe, com um irmão em reabilitação. Ela só tem a mim e eu não vou deixá-la sozinha.

— Você não pensa muito no que está falando, não é? — Ele se aproximou e eu percebi como seu hálito estava fedendo a álcool. — Lorena é uma menina, Klaus. Porra, merda, caralho! Ela tem dezesseis anos! Ela não pode arranjar um emprego, não vai conseguir voltar a estudar para acompanhar a turma. Só vai ficar para trás enquanto a vida dela vai passar. Vai carregar um bebê enquanto as amigas carregam um diploma e bolsas de marca.

— Você não conhece Lorena o suficiente. Se conhecesse saberia que ela não é assim.

— Não preciso conhecer Lorena para saber disso, Klaus. Eu preciso conhecer a vida, e isso eu conheço. E você, heim? Com seu sonho perfeito de ser o melhor músico do mundo. O que vai fazer agora? Tocar violão na porta da igreja e esperar que as pessoas te deem fraldas e chupetas?

— Eu vou arranjar um emprego como você arranjou. A gente vai dar um jeito. Ela é forte e vai superar isso também. — Eu estava tentando com todas as minhas forças me manter calmo, mas ele já havia me tirado do sério.

— Superar o que? Um filho? Você tem dezoito anos e eu ainda tenho pesadelos das noites em que você acordava doente e eu não sabia o que fazer. Eu ainda fico sem dormir quando você passa a madrugada na rua. Eu ainda não aprendi o que te dizer quando você está mal e ainda não sei te dar os parabéns quando você faz algo incrível. Não se supera um filho, Klaus. É para a vida inteira.

Olhei para o rosto acabado e vazio do meu pai, assombrado por coisas que talvez eu nunca vá entender, ou vá. Aquilo foi o mais perto de um "eu te amo" que eu já tinha recebido dele, e ainda assim a raiva comia dentro de mim. Se ele de fato me amava tanto desse modo maluco, poderia ter usado as chances que teve para me provar isso. Não estava desmerecendo o trabalho que ele tinha feito como pai, eu só queria que ele fosse mais compreensivo.

— Pai...

— O que você vai fazer quando faltar o dinheiro do leite dele?

— Eu...

— E quando você quiser sair para beber com os amigos e Lorena precisar estudar para recuperar as notas? Ou você espera que ela vire dona de casa e mãe a vida inteira? Porque você conhece bem aquela garota e ela não é dessas que vive na sombra de alguém. — Ele deu uma pausa, provavelmente vendo o quanto aquele discurso estava me afetando. Aquilo era tudo assustador — E quando ele adoecer e você precisar enfrentar a fila de um hospital público para conseguir atendimento para seu filho? Já parou para pensar nisso?

— Não, pai, não parei para pensar em nada mais do que ter Lorena comigo. — Explodi. — Eu sei que não vai ser fácil, mas, poxa, eu quero fazer isso dar certo, e gostaria que você estivesse ao meu lado também.

— Não posso ficar feliz e puxar um charuto para isso, Klaus. Você tem dezoito anos e sonhos tão grandes que tive inveja deles por muito tempo. — As lágrimas apareceram nos olhos dele e eu tive que me segurar para não avançar os passos que faltavam e o abraçar — Não criei meu filho para vê-lo seguir o meu caminho. Eu quero mais para você. Eu quero tudo para você. Não me contento com menos do que isso, e acho que você também não deveria.

— E o que você espera que eu faça? Deixe Lorena sozinha e caia no mundo com um violão nas costas? — Perguntei cansado.

— É exatamente o que eu quero! Aborte ou dê para alguém criar. Eu estou me lixando para o que vai acontecer com essa criança, mas não entre nessa furada de ter um filho achando que esse conceito é romântico, porque isso vai destruir o que você e Lorena são.

Eu não pude falar por alguns momentos. Cada uma das opções dele era, de algum modo, tentadoras e apavorantes demais, mesmo que eu me sentisse um merda por pensar nisso. Mas não podia mentir para mim. Era a única coisa que eu não sabia fazer. Eu sabia que ele tinha razão e que isso modificaria a mim e a Loren, e estava em pânico por isso.

— É sério que você está me pedindo para abortar? Você é uma porcaria de delegado de merda!

Ele riu tanto que começou a gargalhar. Era quase impossível ver meu pai gargalhando, por isso me encolhi inteiro, com mais pavor disso do que da raiva dele.

— Tive que ser seu pai e sua mãe por treze anos, então é claro que você passa por cima de qualquer lei que eu conheça. É animal querer proteger o filho, Klaus. E se por acaso eu parar na cadeia porque evitei que você cometesse o maior erro da sua vida, então eu ficarei feliz de morrer nela.

— Não vou matar meu filho, e também não deixaria Lorena entregar para ninguém criá-lo. — Tentei ser firme quando respondi, mas só saiu seco e sem emoção. — Minha mãe me abandonou e eu sofri por anos pensando que nada no mundo justificava a falta de amor dela. Não vou permitir que isso aconteça com essa criança.

— Não romantize a vida, Klaus. Ela não é tão palpável assim. Não é do jeito que você imagina. Quando menos esperar, ela vai te dar uma rasteira estranha e você vai ficar tonto por dias, meses, e talvez até anos tentando descobrir o que fazer com o desnorteamento que ela deixou. É claustrofóbico viver se você não sabe tomar decisões difíceis.

— A que eu estou tomando é uma merda de decisão difícil! — Gritei para calá-lo.— Eu estou abdicando de um sonho em prol de algo que amo.

— Você ama hoje. Não sabe se vai amar Lorena daqui a dois anos, ou mesmo vinte.

— Não vou premeditar minha vida, pai. Se acontecer de eu deixar de amar Lorena, vai acontecer. Mas isso não é agora. Agora ela é todo o meu mundo.

Joguei-me no sofá da sala, e ouvi os passos pesados e espaçosos dele, caminhando na minha direção. O delegado sentou-se no sofá ao meu lado sem me encarar.

— Você percebe que em todos os momentos você fala de como ama Lorena, de como não consegue deixar Lorena? É sempre Lorena, Lorena, Lorena. Você por acaso pensou nessa criança?

— Porra, se você não percebeu o quanto eu estou preocupado com o bebê nessa nossa conversa sem pé nem cabeça, então eu não estou me fazendo entender. — Me virei para ele, que estreitou os olhos para mim, parecendo curioso.

— Não. Entendi que toda a sua preocupação é em perder uma mulher. Você não vai abortar porque Lorena não quer. Você não vai deixá-la dar isso porque tem medo que ela te julgue. Você vai ser um maldito pai de dezoito anos vivendo de um emprego bosta em Esperança porque acha que assim vai mantê-la por perto. — O timbre da sua voz aumentou, e eu quis sair dali correndo. Eu sabia que no fundo ele estava certo. Porra, eu sou um filho da mãe cretino! — É por Lorena que você está fazendo isso, Klaus. Bote a mão na cabeça e pense bem antes de desistir da sua vida por causa de uma mulher.

— Pode ser que comece por causa dela, mas eu sei que vou amar essa criança também, do mesmo jeito que você me ama. Ou vai me dizer que só me amou depois que me viu?

Ele virou a cabeça e sorriu enquanto encarava a TV desligada. A casa estava no mais completo silêncio e escuro, mas eu sentia a nostalgia chegando até mim através dele.

— Eu o amei desde a primeira vez que senti você se mexer na barriga da sua mãe. Estou tentando evitar que esse ponto aconteça. Eu mudei minha vida inteira para me adaptar a ter você nela, e te amo como nunca amei nada e ninguém. Mas se eu disser que não penso no que teria sido de mim se não tivesse sido pai, eu estaria mentindo. Seria médico? Advogado? Estaria fudendo com mulheres diferentes em todas as noites por anos até resolver me casar? Eu não sei, e nunca saberei por que tive você.

— Não foi exatamente fácil ser seu filho. — Resmunguei para me proteger daquele discurso sincero. —Você poderia ter se casado, pai. Poderia ser mais do que só um pai. Poderia ter outros filhos e...

— Para alguém me deixar com o coração partido e ir embora de novo? Não. Não me arriscaria. Há dores que não somem, e medos que nunca nos abandonam. Acho seguro onde eu vivo.

—Não é vida o que você tem. — Falei baixinho, e ele ficou rígido.

— É para mim, e é a minha vida. Você não tem nada com isso.

— Então não meta o dedo na minha. — Ele estava sendo ofensivo. Eu também seria.—- É o meu filho que está na barriga dela.

— Vai ser a sua perdição, Klaus. Eu sei que vai. — Aquelas palavras saíram sábias e pesarosas, e jamais tive tanto medo de uma promessa de pai.

— Não vou discutir isso com o senhor. Mas você tem opção. Pode nos deixar ficar aqui até eu me arranjar, ou me colocar logo para fora e apressar as coisas.

Ele ponderou por alguns instantes. Passando dos meus olhos, para o sofá, para lâmpada apagada, e por fim, para uma foto minha que tinha no console da lareira que nunca acendíamos. E então, falou:

— Eu poderia colocá-lo logo para fora, e tenho certeza de que isso seria apressar as coisas para mim. Mas não vou fazer isso. Você é meu filho e seu lugar é aqui, mesmo que ela venha de bandeja. E isso não quer dizer que essa história não vai tomar o caminho que eu acho que vai.

Isso teria que ser suficiente para mim no momento. O bebê poderia amansar o coração do velho.

— Promete ser gentil com ela? Tudo o que Lorena menos precisa nesse momento é mais um problema. — Perguntei analisando seu rosto vazio.

— Lorena já está com problemas, Klaus. Com todos eles. E não prometo ser gentil, mas prometo ser respeitável. Isso vai ter que servir para você, porque é a única coisa que terá de mim.

E então ele se levantou, com a postura de delegado de volta. O pai tinha se perdido no tempo e naquele sofá. Sabia que alguma coisa mudaria entre nós dali para frente, e não seria para o bem. Conhecia meu pai o suficiente para afirmar isso.

Quando ele desapareceu nas escadas, eu soltei um suspiro longo e me encostei, com a cabeça explodindo de dor. Iria tomar um banho e engolir um analgésico antes de tentar dormir. Mas antes eu precisava ligar para Rany.

Peguei o telefone do bolso, e avistei as três mensagens de Katy piscando com o rostinho de um urso do lado. Esqueci-me dela de novo.

"Ei, ainda estou esperando notícias dela".

Katy

"Klaus, eu vou ser mesmo tia?"

Katy

"Aconteceu alguma coisa com o bebê? Tem um bebê?"

Katy

Sorri para a tela, sentindo que Katy era a única coisa com normalidade na minha vida naquele momento.

Eu tinha desistido da faculdade, teria que arrumar um emprego, teria que cuidar de um filho e de uma namorada. Teria que aguentar o rancor do meu pai e os olhares pesarosos de toda a Esperança novamente.

Estava cansado de ser motivo de pena por ali.

Estava cansado de tanta coisa "demais", mas não podia fugir delas.

Suspirei sentindo a água encher meus olhos e levantei a cabeça para evitar que elas caíssem facilmente. Quando me senti forte o suficiente, voltei para o celular, e passei o polegar pela tela, tentando imaginar como seria o abraço de minha irmãzinha. Eu precisava tanto daquilo naquele momento.

"Ela está bem. O bebê está bem também. Já vá pensando em nomes legais para nos ajudar na escolha."

K

Enviei a mensagem e levantei para subir as escadas. Quando cheguei em cima o telefone apitou de novo. Ela ainda estava acordada, provavelmente esperando notícias minhas.

Abri.

"Ai. Meu. Deus!!!! Eu sempre gostei de bebês! Quero que seja menina e a gente pode chama-la de Hannah"

Katy

Sorri para a tela e voltei a digitar.

"E se for menino?"

K

E ela respondeu:

"Então será Bernardo"

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