A Mais Bela Melodia

By CarolTeles

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A história de Lorena e Klaus se passa em Esperança, uma cidade pequena, onde vivem entre as desavenças na esc... More

Capítulo 1: Klaus
Capítulo 2: Lorena
Capítulo 3: Klaus
Capítulo 4: Lorena
Capítulo 5: Klaus
Capítulo 6: Lorena
Capítulo 7: Klaus
Capítulo 8: Lorena
Capítulo 9: Klaus
Capítulo 10: Lorena
Capítulo 11: Klaus
Capítulo 12: Lorena
Capítulo 13: Klaus
Capítulo 14: Lorena
Capítulo 15: Klaus
Capítulo 17: Klaus
Capítulo 18: Lorena
Capítulo 19: Klaus
Capítulo 20: Lorena
Capítulo 21: Klaus
Capítulo 22: Lorena
Capítulo 23: Klaus
Capítulo 24: Lorena
Capítulo 25: Klaus
Capítulo 26: Lorena
Capítulo 27: Klaus
Capítulo 28: Lorena
Capítulo 29: Klaus
Capítulo 30: Lorena
Capítulo 31: Klaus
Capítulo 32: Lorena
Capítulo 33: Klaus
Capítulo 34: Lorena
Capítulo 35: Klaus
Capítulo 36: Lorena
Capítulo 37: Adônis
Capítulo 38: Klaus
Livro 2: Entre Notas

Capítulo 16: Lorena

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By CarolTeles

Meu celular tocou às sete da manhã. Menos de três minutos depois e meu pai bateu na porta do meu quarto para me despertar de verdade. O culto começava as oito, e eu era obrigada a ir para poder levar minha mãe, já que meu pai costumava sair de casa uma hora antes para checar detalhes de última hora. Não que eu achasse inteiramente ruim ir a igreja aos domingos, era sempre uma oportunidade de avaliar como as pessoas se comportavam na "casa de Deus", e comparar com como elas se comportavam na escola.

Sei que isso era uma babaquice total, mas todo adolescente é meio babaca, não é? Acredito que se realmente existia um Deus, a casa dele seria em qualquer lugar onde alguém precisasse ou quisesse sua presença. Usava desse princípio para me negar a ir, mas meu pai sabia ser convincente quando queria, sem contar que ainda estava de castigo pelo incêndio. Minha turma em peso ia aos domingos pela manhã, já que o culto da noite era reservado às pessoas com mais idade. Elas achavam que se fosse para a igreja aos domingos, poderiam se livrar dos pecados que achavam que cometiam. Outra babaquice.

Levantei de mau humor e passei direto para o banheiro em anexo do meu quarto. Levei um susto quando encarei a imagem refletida no espelho. Estava com a maquiagem borrada e meu cabelo era uma completa bagunça. Suspirei lembrando os acontecimentos da noite anterior e cai no chuveiro antes que a coragem fosse embora.

Tinha passado por uma sessão de tortura com aquela amiga de meu irmão. Ela era tão doce que eu teria que refazer meu teste de diabetes ainda esse mês. Não suportava tanta docilidade. Sem contar que a mulher não parava de falar hora alguma. Sai com dor de cabeça de tanto que ela puxou e repuxou meu juízo com a porra do secador e a porcaria da matraca. E o vestido que Diego tinha comprado? Certamente tinha sido na mesma loja de vadias que Marion frequentava. Eu me senti uma depravada, mas uma depravada contente com o resultado no espelho. Se eu gostasse de mulher, me pegava fácil.

Daí a pior parte tinha sido encarar a festa, com aquele monte de gente que eu já tinha difamado no jornal, ou derrubado dentro da lata de lixo. Senti-me maravilhosa quando notei que ninguém tirava os olhos de mim, ao mesmo tempo em que quis tacar a porra do salto daquele sapato ridículo no bando de homem besta que ficou olhando para os meus peitos e minhas pernas.

E então passamos para a melhor parte: o namorado imbecil da anfitriã da festa e seu fiel séquito, que não saíam de perto de mim. Usei isso ao meu favor para deixar Hunter desconcertado, mas o feitiço virou contra mim quando ele começou a cogitar coisas demais. Passei a tarde inteira quase nua na casa de Diego e consegui esconder o machucado dele, e em menos de um minuto Klaus já tinha percebido, e pior, tinha tirado conclusões que tinham me deixado assustada. Fugi de lá me sentindo fraca e apavorada. Odeio me sentir vulnerável, e incrível como ultimamente era sempre Klaus o causador desses momentos. E quando ele foi legal comigo, eu quase desmoronei em seus braços. Quase. Não porque ele era a melhor pessoa do mundo, mas por que ele continuava a me perceber mais do que eu gostaria.

Agi por impulso quando o empurrei no chão, e ele agiu premeditadamente quando jogou aquele copo de cerveja em mim. Eu quis beija-lo e soca-lo ao mesmo tempo.

Diego me deixou em casa sendo o irmão chato e interrogador durante todo o percurso, e o resto foi um borrão entre eu chorar até pegar no sono, e acordar com essa cara inchada.

— Lorena? — Minha mãe chamou baixinho batendo na porta, abrindo-a de leve. Ela nunca gritava. Nunca. Às vezes até eu queria ouvi-la gritar para saber como ficaria sua voz nervosa.

— Oi, mãe, estou saindo.

Vesti uma calça jeans branca e uma regata rosa clara. Completei com uma jaqueta bege. Não era o vestido que meus pais insistiam que eu usasse, mas pelo menos não tinha uma caveira ou o nome de satã estampada na frente; sem contar que eram claras. Meu pai dizia que o claro pertencia a Deus. Outra porcaria.

Sai do quarto para encontrar minha mãe com seu costumeiro vestido de domingo, sentada numa cadeira no corredor. Seu olhar parecia vazio, como sempre. Senti-me mal quase que instantaneamente pelos meus problemas de adolescente estarem me desvirtuando do principal motivo da minha vida: Trazer minha mãe para o lado negro da força.

— Vamos? — Fiz uma curva com o braço para que ela encaixasse o dela.

Dona Izabel esboçou um fraco sorriso, o que me lembrou do sorriso de Diego, e também do fato dela ainda não saber que ele tinha voltado para a cidade. Pigarreei e desci as escadas com ela. Eu cantando uma música do Nirvana, ela um louvor.

Esperança nunca tinha trânsito, mas dia de domingo era sempre bem movimentado. Alguns carros, com péssimos condutores, ficavam estacionados de forma transversal, o que fazia metade da pista ficar inativa, e filas se formarem aos montes.

Buzinei quando algum idiota forçou entrar por um buraco minúsculo para estacionar. Ele não acertava a vaga e insistia que conseguiria entrar com um carrão daqueles ali. Nem eu com meu fusca conseguiria entrar ali. Aposto que o padeiro não conseguiria entrar ali com o carro de pão.

— Ei, seu idiota! — Gritei pela janela. — Você não está vendo que seu carro não entra ai? Uma merda de senso espacial, heim!

Buzinei de novo e ele levantou o dedo médio para mim, o que me deixou mais irritada ainda. Segurei a buzina sem parar. Quando enfim outros carros começaram a buzinar também, ele desistiu e deu a partida, liberando a pista.

— Otário! — Gritei levantando o mesmo dedo quando passei pelo carro dele.

Virei para minha mãe e ela parecia horrorizada comigo. Foram três palavrões e um gesto obsceno. Já vi que meu dinheiro iria para a lata esse mês.

— Desculpe, mãe.

Ela se ajeitou na poltrona, puxando o vestido e arrumando a bíblia surrada no seu colo.

— Não sei onde você aprendeu a falar desse jeito. — Ela disse severamente. — Eu nunca disse essas coisas na sua frente.

— É, mas o pastor conhece formas convincentes de dizê-las.

Fechei os olhos no momento em que as palavras saíram. Isso me faria escutar o segundo sermão do dia. Mas eis que minha mãe me surpreendeu e ficou calada. Ela sempre o defendia. Dizia que tudo o que meu pai fazia era o melhor para a gente. Meu corpo de dezesseis anos marcado não concordava com ela, e acho que o dela também não. Mas ela tinha sido criada para obedecer e servir. Eu também tinha sido, mas alguma coisa se perdeu de mim quando Diego me deixou. Graças a Deus que ele me deixou!

Continuei dirigindo e só parei quando chegamos à igreja. Foi difícil estacionar, mas consegui achar uma vaga atrás de um carro branco o suficiente para parecer que tinha acabado de sair de uma concessionária. Sai apressada, e só quando tinha dado passos demais notei que minha mãe parecia uma estátua, ainda lá atrás.

— O que houve? — Perguntei checando a hora no relógio do celular. Tínhamos o lugar marcado na frente de todo mundo, mas odiava ter que passar por todos quando já estavam sentados.

— Onde está sua bíblia?— Ela foi categórica.

Encarei-a me perguntando se ela estava falando sério, mas resolvi não apelar para a dúvida quando percebi seu olhar firme. Ela era a voz passiva nessa família, mas tinha esse poder de persuasão com os olhos que sempre funcionou comigo.

Voltei para o carro e puxei minha bíblia, que estava jogada com meu material escolar no banco de trás. Mostrei a ela, junto com meu sorriso mais debochado. Ela resmungou algo e foi caminhando na minha frente em direção ao prédio.

Aquele domingo estava especialmente cheio. Vi gente que havia muito tempo que não via por ali, como os Mackenze e seu novo bebê. Mas também vi outros que tinham presença confirmada todos os domingos, era o caso da prefeita e de Charles, um policial que mais parecia um recheio de bolo de tão fofo.

As mulheres loiras e belas sempre arrumadas com seus melhores vestidos de verão e penteados elaborados, quase um show de horrores para mim. As crianças corriam pelo jardim super bem cuidado. Os homens sempre estavam de ternos cinza ou qualquer tom mais claro, talvez por isso eu tenha enxergado muito cedo a figura que estava sentada num muro baixo que dava para a horta da igreja. Ele vestia uma camiseta vermelha com uma gola em V. Vocês podem acreditar nisso? Uma camisa vermelha no culto de domingo? Meu pai surtaria, com certeza. Mas foi o jeito que me olhou que mais me chamou atenção. Aquele cara me deixava com os pelos do braço arrepiados só em me olhar. Odiava essa reação exagerada que meu corpo tinha a ele. Odiava ter que admitir que ele fosse lindo e que mexia comigo de muitas formas possíveis.

O que Klaus Hunter estava fazendo na igreja? Ele nunca vinha na igreja.

Samuel estava ao lado dele. Todo engomadinho com sua camisa de manga azul clara e calças jeans. Provavelmente tinha sido uma briga com sua mãe para ele conseguir vestir aquela calça, mas até que ficava bem e combinava com seu rosto delicado e o cabelo comprido. Aposto que aquele corte também deve ser motivo de brigas diárias com a mãe, que era fã de cortes militares.

Então alguém esbarrou em mim.

— Tia Lorena!

— Amanda. — Respondi me abaixando para ficar da mesma altura que a garotinha ruiva e cheia de sardas que suava de tanto correr. — Porque você está correndo? Sabe que sua professora da escolinha não vai gostar de te ver assim.

— Mas agora a escolinha tem ar-condicionado, e eu posso correr mais rápido do que o flash.

Sorri.

— Aposto que pode. Você é campeã nisso! — Ela retribuiu o meu sorriso de modo angelical.

Arrisquei uma olhada furtiva para Klaus. Mexia a boca como se estivesse conversando com Samuel, mas ainda me encarava, e ainda parecia assustador e lindo. Foi a voz de Amanda que me despertou.

— Você viu que o filho do delegado está aqui? — Ela perguntou baixinho, colocando a mão em concha no meu ouvido.

— Ah, sim. O nome dele é Klaus. — Respondi desviando dos olhos penetrantes do garoto em cima do muro. — Acho legal que ele tenha vindo para a igreja, você não acha?

— Sim. Talvez isso tire a maldição da família dele. — Disse sussurrante

Franzi a sobrancelha para ela e a puxei para poder encarar melhor seu rosto.

— Quem te disse que a família dele tem uma maldição?

— Tia Carla disse que quem tem pecadores na família, a família inteira seria amaldiçoada. — Ela deu uma pausa como se soubesse que não deveria estar me contando isso. — E ela falou da família dele. Disse que a mãe dele é uma adul... — Ela se enrolou na palavra, mas eu me mantive calada para não influenciar o que ela diria. — Adultera e que fugiu para viver na luxúria.

Arregalei os olhos com o comentário final de Amanda. Aquela vaca completa estava usando a vida das pessoas como exemplo para dar aulas às crianças? E ainda vinha com essa de maldição? O que ela era, uma cigana? Tinha um jeitinho todo meigo, que me fez cair na lábia dela de primeira. Eu entreguei minha turma para alguém que chamava os outros de adúlteros e que falava sobre luxúria com crianças de seis anos?

A raiva chegou a galope. Levantei lentamente, ainda encarando a garota na minha frente.

— Amanda, vai brincar mais um pouco antes que o culto comece. Você ainda tem uns quinze minutos.

Ela beijou minha barriga, um pouco abaixo de onde estava meu machucado, e mesmo assim eu recuei. Forcei um sorriso para ela, que saiu correndo logo em seguida. Minha mãe acenou para que eu entrasse, e eu gesticulei dizendo que iria em dez minutos.

Vasculhei o lugar procurando a idiota fofoqueira. Por sorte ela sempre andava com o mesmo bando de mulheres bobocas, então foi fácil de encontrar. Tive uma ideia que de início me pareceu exagerada, e que depois soube que era necessária. Fui andando em direção a Klaus, e ele foi ajeitando a coluna como se esperasse um tapa, ou que eu voltasse a derruba-lo. Não podia culpa-lo, normalmente minha raiva era revertida a ele, mas dessa vez estava enganado.

— Samuel — Cumprimentei quando cheguei perto o suficiente. Ele acenou em minha direção, parecendo apreensivo. Então me virei para Klaus. — Vem comigo.

Sai andando e ouvi quando ele pulou do muro e me seguiu.

— O que foi? — Perguntou, mas eu não respondi — Se é por causa de ontem eu queria dizer que...

— Já falei que não, Hunter. — Resmunguei baixo me virando para olha-lo.

Ele concordou com a cabeça e continuamos a andar.

As crentes formavam um círculo de babados e flores que chegava a ser irritante de tão meigo. Simplesmente invadi o meio dele, parando de frente para a fofoqueira. Não precisei me virar para saber que todas estavam olhando para mim.

— Carla, posso dar uma palavrinha com você?

Carla era loira, como a maioria das pessoas nascidas em Esperança. Baixinha, e um pouco cheia nos seios e na bunda, o que a deixava com um corpão invejável. Pena que era tão medíocre e tinha esse gosto terrível para golas fechadas até o pescoço.

Ela me olhou em estado de alerta, o que todas as outras fizeram também. Vamos combinar, eu não era muito querida por ali.

— Olá Lorena! E Klaus Hunter. — A cara dela era puro deleite, mas eu não engolia toda aquela bondade. — Pode falar, estou aqui para servir ao senhor, e se puder ajudar de algum modo, eu ajudarei, irmã.

A cínica ainda teve o disparate de piscar o olho para mim. Eu estava bem perto de cair no tapa ali mesmo, mas respirei fundo e me concentrei nas crianças ao redor.

— Acho melhor você me acompanhar, irmã. — Arranhei a palavra final em um tom alto. Queria que ela sentisse ali que eu não tinha vindo em busca de salvação eterna. — Preciso de um conselho de uma das fiéis mais maravilhosas da igreja.

Fiz um bico ridículo com os lábios. Klaus se engasgou com um sorriso, mas eu continuei a encara-la. Carla parecia confusa e preocupada, mas enfim sorriu.

Sai caminhando sem olhar se eles me seguiam, mas ouvi os passos fortes de Klaus e o salto de Carla ecoando pelo cimento quando atingimos o corredor trancado ao lado da igreja. Tínhamos um coreto no quintal e ele funcionava uma vez por mês para a festa das senhoras de Esperança. Eu tinha as chaves no meu bolso, visto que era a mesma chave que abria a maioria dos portões ali. Foi exatamente para lá que fomos

Subi no coreto e Klaus ajudou a megera a subir. Tenho certeza de que ele não iria querer ser bonzinho depois dessa conversa.

— E então, Lorena, o que você tem para me dizer? — Seus olhos ficaram maiores e expressivos quando ela apontou de mim para Klaus. — Não vão me dizer que vocês praticaram coito? São só meninos!

Fui pega tão desprevenida pelo o que ela disse que acabei corando. Klaus foi quem me salvou.

— Pode ter certeza de que o problema não é esse.

Ele desviou os olhos dos meus, mas não conseguiu esconder que também tinha ficado vermelho. Até que me senti meio orgulhosa disso.

Respirei fundo, puxando a concentração de volta.

— Você está vendo esse cara? — Apontei para Klaus. — O nome dele é Klaus Hunter, filho de Richard Hunter, mas sei que você já sabe disso. — Ela me olhou confusa e eu continuei. — Eu tenho certeza absoluta de que Klaus Hunter não deseja ter sua vida usada como exemplo para "maldições" — Fiz aspas na palavra com os dedos, percebendo que ela tinha entendido aonde eu queria chegar. — O que a mãe dele fez não é em absoluto da sua conta, nem da conta de ninguém em Esperança.

— O que? — Klaus perguntou baixo, mas eu o ignorei.

— Lorena, eu acho que você entendeu errado.

Carla disse num tom manso que me deixou mais furiosa ainda. E quando ela veio alisar o ombro de Klaus, eu me descontrolei e a empurrei para a pilastra na parede, segurando seu colarinho apertado. Ela congelou e Klaus se aproximou de nós duas, sem encostar-se a nenhuma, o que achei muito digno da parte dele.

— Eu. Ainda. Não. Acabei. — Falei pausadamente e ela fechou a boca, concordando. — Não quero que você fale sobre adultério, luxúria, ou qualquer coisa que envolva pessoas dessa cidade para ensinar, você me entendeu?

— Acho que você não entendeu minha aula, irmã. As crianças só precisam de exemplos vivos de como os planos de Deus funcionam. De como o purgatório pega qualquer um. Não quis denegrir a imagem da família de Klaus em específico.

—Mas denegriu! — Gritei na cara dela, que virou o rosto fugindo do meu cuspe. — Eu deixei aquela turma porque julguei não estar emocionalmente capacitada para lidar com ela. Deixo em suas mãos e o que você faz? — Ela começou a tremer. — Você fala das pessoas da cidade como se elas tivessem permitido que usasse suas vidas dessa maneira. Para explicar purgatório? Sério isso? Você é maluca? Falando de maldições para crianças de seis anos — A vadia começou a choramingar. — Hunter, você deixou que essa vaca usasse sua mãe como exemplo de adultério e luxúria em sala de aula?

Não me virei para vê-lo, mas percebi quando se aproximou dela do outro lado e parou bem perto do rosto iluminado de Carla e do meu. Ele estava sério e sexy pra caramba. Oh, senhor!

— Tenho certeza de que não permiti isso.

— Você ouviu, Carla?

— Acho que estou me sentindo mal — Ela chorou e meu sangue ferveu, o que me fez apertar mais o seu colarinho engomado.

— Por mim você morre, eu não dou à mínima. — Meu corpo também tremia, mas era de raiva, não de medo. – Você ouviu o que Hunter disse?

Ela acenou.

— Eu vou ficar de olho em você, sua vadia, e se souber que você está comentando essas coisas com as crianças de novo, vou chutar essa cara linda até ninguém mais no universo querer olhar para você.

Ela arregalou mais os olhos e eu a soltei no chão. Carla caiu tossindo, e eu sai batendo o pé.

— Seu pai vai saber disso, Lorena. — Ela falou entre uma tosse e outra, alisando o pescoço e secando o rosto.

Parei ainda de costas tentando respirar, mas o ar não vinha, então tratei de voltar até onde ela estava. Fiquei em pé observando seu rosto manchado de lágrimas por algum tempo, sentindo a cólera que invadia tão facilmente o meu coração. Sentindo que eu poderia fazer qualquer coisa a qualquer pessoa sem simplesmente dar a mínima para o resto da sociedade, ou se arranjaria mais algum machucado no corpo. Eu era exatamente aquilo que tinha acabado de mostrar: um monte de traça acumulada ao ponto de me tornar seca e fria. Eu era a morte do que fui antes, e era a vida de quem poderia me tornar. Não ligava nem se ela dissesse ao próprio Deus que eu a tinha chamado de vadia, porque eu acreditava que ela era vadia e porque Deus era só um nome num livro escrito por pessoas que eu nunca tinha visto na vida.

— Vá correndo dizer para o pastor o que você quiser. Quero que vocês dois se fodam e vão para o inferno juntos!

Sai de lá sentindo os olhos marejarem, mas controlei minha respiração para não me deixar abalar. Nem ela nem meu pai valiam isso. Era um bando de bosta inútil e corrompida.

— Lorena! — Aquela voz perfeita me chamou, mas eu não parei. — Por favor, espera!

Não sei se foi a forma com a qual ele disse isso, ou o fato dele ter usado o "por favor", mas eu parei. Virei para o seu rosto pedindo aos céus que eu não desabasse agora. Klaus Hunter, meu pior inimigo, tinha visto uma parte muito séria de quem eu era, e eu não podia voltar atrás quanto a isso isso. Sua expressão não parecia dizer nada sobre pena. Era mais uma mistura de perturbação e força, e pude ver um lampejo de orgulho também.

— Olha Hunter eu...

E ele se aproximou de mim, colocando o dedo indicador sobre os meus lábios. Estava tão próximo que podia sentir o cheiro amadeirado e delicioso que seu corpo exalava. Quis fechar os olhos para recobrar minha sanidade, mas o azul dos dele não me permitiu que o fizesse. Era a primeira vez na vida que estava tão próximo e não sentia vontade de mata-lo. Isso me deixou em pânico.

— O que aconteceu aqui, fica aqui. — Ele falou baixinho, aproximando a boca do meu ouvido, causando um arrepio em minha espinha. — Obrigado por aquilo.

Quando ele se afastou de mim, meu corpo pediu desesperadamente por mais. Toda a raiva que eu estava sentindo pareceu se esvair quando ele esboçou um sorriso no canto da boca. E eu, babaca como sou, soltei a primeira merda que veio na minha cabeça.

— Ainda não gosto de você, Hunter.

Klaus deu de ombros e jogou um sorriso sedutor para mim.

— Estou trabalhando para mudar isso.

Não consegui me conter e acabei rindo.

A música chegou antes mesmo que eu pudesse pensar em responder alguma coisa. Era o hino de abertura do culto, e logo me vi mais encrencada do que imaginava quando minha mãe colocou a cabeça pela porta lateral da igreja e meu viu conversando com o cara que nunca vinha e que estava vestido numa blusa vermelha.

Dona Izabel arregalou os olhos e levantou as sobrancelhas em nossa direção. Klaus pareceu encabulado quando saiu andando na frente e a cumprimentou quando passou por ela, indo provavelmente se sentar ao lado de Samuel.

Ela não disse nada para mim, apenas acenou para que eu entrasse. Eu entrei.

Passei direto para o meu banco logo na frente, perto do altar. Meu pai tentou disfarçar, mas me fuzilou com o olhar. Já sabia que teria uma péssima noite.

Quando o hino acabou, ele subiu no púlpito e sorriu para todos nós, um sorriso que jamais via em casa. Senti-me gloriosa de estar o vendo sorrir. Senti-me horrível de nunca ter sido capaz de fazê-lo ser daquele jeito em família.

— Como é bom ver rostos tão felizes e amigos nessa manhã de domingo. — Ele falou e uma senhora atrás de mim suspirou. Revirei os olhos sem querer. — Meus irmãos, essa semana eu tive um sonho. Sabia que era uma mensagem do senhor quando rumores de acontecimentos recentes chegaram até meus ouvidos, e não consegui deixar de compartilhar isso com vocês. No sonho Deus vinha andando na minha direção e me dizia que eu era responsável por limpar toda Esperança da sujeira que não provinha da tua voz. Ou seja, que não vinha da bíblia.

Alguma coisa apitou na minha cabeça quando ele começou com aquele papo de sonho e mensagem do senhor.

— Quero que abram o livro em 1 Coríntios, capítulo 6, versículo 9 e 10.

Todos nós abrimos o livro, mas aposto que eu abri mais rápido que todo mundo. Tinha uma vaga lembrança do que se tratava o capítulo, e acertei em cheio quando meus olhos conseguiram captar a mensagem.

Porra!

E ele leu:

— "Vocês sabem que os maus não terão parte no Reino de Deus. Não se enganem, pois os imorais, os que adoram ídolos, os adúlteros, os homossexuais, os ladrões, os avarentos, os bêbados, os caluniadores e os assaltantes não terão parte no Reino de Deus".

Fechei os olhos quando a igreja em peso gritou amém.

Diego.

Ele tinha feito um sermão especialmente sobre Diego.

Senti minha mãe se encolher ao meu lado, e não puder evitar fazer o mesmo. Levantei meus olhos e virei de costas procurando a saída mais próxima. Podia dizer que ia ao banheiro e fugir o resto do culto. Mas eu havia acabado de entrar, e a porta ficava um pouco distante de onde eu estava. Sem contar que se eu saísse no meio do culto, minha mãe pagaria por isso. Então me recolhi a simplesmente suspirar e observar a reação das pessoas ao redor. Acabei achando Klaus no meio da multidão, que me deu um sorriso torto e lindo enquanto me mostrava um celular.

Virei para frente e discretamente procurei meu telefone no bolso. Uma mensagem piscava na tela. Puxei os cabelos para esconder o rosto e abri.

"Nunca liguei em ir para o Reino dos Céus. Lá não deve ter algo tão imoral quanto batata frita". K. H.

Eu sorri.

Não sabia como ele tinha conseguido meu número, e nem respondi a mensagem, mas salvei o número dele na agenda do telefone.

Não escutei mais nada depois daquilo. Fiquei pensando em filmes de terror, algodão doce preto, matérias legais para o jornal e livros que queria ler ainda esse ano. Klaus colaborou me enviando torpedos durante todo o sermão com trechos da música Yellow Submarine, dos Beatles. Simplesmente me senti sendo resgatada daquela loucura por suas mensagens bestas e sem sentido.

Sabia que mais tarde eu pagaria pelo o que fiz a Carla, e por alguma outra coisa que meu pai quisesse me punir. Eu também sabia que ele já estava me punindo com aquele sermão. Estava mostrando para a cidade que se eles descobrissem que Diego era gay, ele estaria isento disso. Já que as pessoas teriam que descobrir, então que descobrissem da pior forma possível e tirando totalmente a culpa de suas costas. Como se amar alguém diferente, ou nesse caso igual, fosse motivo de culpa para alguém. Era um hipócrita ensinando vários outros hipócritas a usar a hipocrisia.

Que se fodam todos eles!

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