A Mais Bela Melodia

By CarolTeles

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A história de Lorena e Klaus se passa em Esperança, uma cidade pequena, onde vivem entre as desavenças na esc... More

Capítulo 1: Klaus
Capítulo 2: Lorena
Capítulo 3: Klaus
Capítulo 4: Lorena
Capítulo 5: Klaus
Capítulo 6: Lorena
Capítulo 7: Klaus
Capítulo 8: Lorena
Capítulo 9: Klaus
Capítulo 11: Klaus
Capítulo 12: Lorena
Capítulo 13: Klaus
Capítulo 14: Lorena
Capítulo 15: Klaus
Capítulo 16: Lorena
Capítulo 17: Klaus
Capítulo 18: Lorena
Capítulo 19: Klaus
Capítulo 20: Lorena
Capítulo 21: Klaus
Capítulo 22: Lorena
Capítulo 23: Klaus
Capítulo 24: Lorena
Capítulo 25: Klaus
Capítulo 26: Lorena
Capítulo 27: Klaus
Capítulo 28: Lorena
Capítulo 29: Klaus
Capítulo 30: Lorena
Capítulo 31: Klaus
Capítulo 32: Lorena
Capítulo 33: Klaus
Capítulo 34: Lorena
Capítulo 35: Klaus
Capítulo 36: Lorena
Capítulo 37: Adônis
Capítulo 38: Klaus
Livro 2: Entre Notas

Capítulo 10: Lorena

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By CarolTeles

Eu não conseguia acreditar.

Meu coração parecia que sairia pela boca a qualquer momento e eu não poderia culpa-lo. Anos longe de Diego e de repente ele aparece do nada, no meio de uma apresentação que eu achei que seria um fiasco, mas que acabou sendo maior do que esperava. Eu estava eufórica por ter passado na cara daquele monte de babaca que eu conseguia, e muito mais por Diego estar ali.

Quando bati os olhos nele naquele auditório achei que fosse desmaiar, e se não fosse Dominic provavelmente teria acontecido. Foi uma mistura de medo com saudade, com raiva e principalmente com alívio. Tanto tempo sem notícias de alguém e você começa a se questionar se aquela pessoa ainda está viva.

Costumava ter pesadelos claustrofóbicos com Diego preso em um poço me pedindo socorro. Acordava suada e gritando, e lógico que meu pai nunca veio ver se eu estava bem, nem deixaria minha mãe vir. Ele era do princípio de que as pessoas tem que enfrentar seus temores sozinhas. Pois é, parece estranho para um pregador, mas o que eu poderia fazer?

Estávamos sentados embaixo de uma árvore na fazenda dos Padilha, fazendo um piquenique com coisas que ele tinha trazido na mala do meu carro. Era próximo ao terreno da escola e o mais discreto que poderíamos conseguir. Diego tinha acabado de chegar à cidade e não queria mostrar a cara ainda, sabia que isso renderia muitas fofocas. Eu tinha certeza de que sua aparição na escola já seria o suficiente para causar tumulto.

Contou-me que conseguiu um emprego como meteorologista aqui na cidade, o que foi uma surpresa para mim. Sabia que um dia ele estudaria algo assim, mas jamais imaginei que ele pudesse voltar a Esperança. Diego não tinha o mesmo apego que eu tinha por esse lugar. Mas se eu estava achando ruim? De forma nenhuma. Tinha meu irmão de volta.

— E então – Disse depois de dar uma golada longa e pausada numa garrafa de Coca-Cola. – Você agora é um meteorologista?

Ele sorriu e algo apertou no meu peito, me mostrando como foi absurda a saudade que tive daquele sorriso.

— Sim. Agora seu irmão é um cara sério e importante. Vou chefiar um departamento inteiro e...

— Diego, porque você foi embora? – Não quis ser ofensiva, mas me parecia ridículo falarmos sobre qualquer coisa antes daquilo. Ele me devia essa resposta. Ao menos essa.

Ele ficou com o queixo rígido e travou os dentes. Olhou o horizonte por algum tempo e bateu de leve na calça. E quando eu achei que nunca mais ficaria surpresa com meu irmão, eis que fico.

— Eu sou gay.

Sabe quando você está andando num carro em alta velocidade e ele está subindo um viaduto? Não tem aquele momento que o carro para de subir e fica rente? Conhece aquele frio na barriga que temos, como se por um momento nosso estômago parasse na boca? Foi justamente o que senti. E como se fosse um filminho, tudo se encaixou na minha mente.

Diego nunca pareceu ser gay. Não que soubesse exatamente como era um quando criança, só sabia que a congregação do meu pai não tratava muito bem os homossexuais. Sei disso porque alguns anos antes um rapaz, filho de alguém influente da cidade, tinha ido embora por conta do preconceito que viveu por ali. Nunca escutei nada de outros, mas Diego sempre me contava as barbaridades que as pessoas faziam com esse tipo de gente em cidades pequenas. Ele era indignado com isso, mas jamais achei que era porque ele se sentia ligado à ideia. Jamais achei que isso pudesse acontecer com alguém tão perto a mim.

Tudo bem, eu estava exagerando, não era uma doença terminal, era apenas uma opção sexual. Mas eu fui criada com o pastor de pensamento mais antigo do mundo, lógico que alguma influência tinha ficado em mim. A cidade não destratava os homossexuais, mas os isolava socialmente, e parte disso era culpa do meu pai. Podia imaginar porque o filho gay do pastor tinha ido embora.

Senti as lágrimas chegando aos olhos, então respirei fundo e encarei Diego. Seu rosto parecia confuso e envergonhado. Provavelmente ele tinha usado toda a coragem do mundo para dizer a sua irmãzinha que ele não gostava de meninas, como o mundo pedia que ele gostasse. Ele sempre quis ser o cara perfeito no papel de irmão. Foi ali, quando o vi buscando qualquer lugar para olhar que não fosse para mim, que percebi o quanto ele tinha se escondido dele mesmo por nosso pai, por nossa mãe, por Esperança e por mim.

A bile no meu estômago subiu novamente e passei a mão de leve por seus cabelos escuros e lisos, diferentes dos meus em vários sentidos. Ele a segurou e beijou de olhos apertados por bastante tempo.

— Papai te expulsou? – Perguntei com a garganta travada. Ele me olhou ainda beijando minha mão e negou com a cabeça.

— Não necessariamente. Um dia eu cheguei em casa e ele disse que tinha arranjado uma "possível" esposa para mim. Você acredita nisso? Esposa! Em pleno ocidente do século XXI e ele me arranjou uma possível esposa. — Ele fez aspas invisíveis com os dedos, mas eu estava chocada demais com aquilo para achar engraçado ver um antigo gesto cômico dele voltando para mim. — Naquele dia eu contei para ele e tivemos a pior discussão de todas. Mamãe se meteu e ele bateu nela — Uma sombra cruzou o rosto do meu irmão. A mesma que cruzava o meu sempre que pensava em minha mãe apanhando e nos fazendo jurar que nunca denunciaríamos nosso pai — então eu fui defendê-la e ele me fez orar praticamente a bíblia inteira de madrugada. Só não me colocou para ler pela segunda vez porque eu jurei que nunca tinha beijado um garoto, mas marcou meu rosto quando eu completei que foi apenas por falta de oportunidade. — Ele ficou em silêncio por um tempo, voltando a olhar para o nada. — Então eu simplesmente arrumei uma bolsa e fui embora.

— E me deixou aqui.

Não quis que as palavras soassem tão rancorosas, mas não pude evitar. Ele me olhou com dor nos olhos, provavelmente um reflexo espelhado da mesma dor que eu sentia há tantos anos.

— Desculpa, Lou! Eu sei que fui um idiota com você. Mas como eu sairia de casa sem nem um tostão no bolso e com uma criança? Se eu passasse fome você passaria comigo, e eu não podia suportar ver você sofrer.

E então veio a explosão.

— E como você acha que me senti quando vi meu irmão indo embora sem nem ao menos me dar tchau? — E finalmente as lágrimas que tanto evitei começaram a rolar quando levantei num pulo e passei a andar de um lado para o outro — Como você acha que me senti quando você me deixou o cargo de proteger mamãe das insanidades do pastor quando eu era uma criança? Está vendo isso aqui? — Evitando olhar para o rosto dele, mostrei a marca no meu pescoço que já estava sarada, mas se olhasse de perto, dava para ver o rosado. – Isso foi porque eu incendiei um prédio e papai achou que eu merecia ficar marcada. Está vendo essa outra? — Levantei a blusa mostrando a linha quase esquecida que ia do meu umbigo até minha costela esquerda. – Isso foi quando eu abandonei a igreja, passei a usar calças e arranjei um namorado que não o agradava. E essa outra — Puxei minha calça e mostrei o joelho já quase cicatrizado — Foi porque entrei na frente dele quando ele tentou bater em mamãe.

— Você tem os seus fantasmas, Lorena, e eu tive os meus. — Ele também se levantou. Os olhos estavam assustados e marejados, mas não fracos. Nunca fracos.

Enxuguei as lágrimas teimosas e encostei-me ao meu fusca, colocando a cabeça no vidro frio da janela. Sentia a têmpora latejar e o coração bater descompassado. Sentia que eu poderia morrer naquele momento, primeiro porque meu irmão estava vivo, e depois porque ele estava de volta.

As mãos dele roçaram no meu braço e eu me retrai.

— Sei que está complicado para você, Lou, e por isso estou de volta. Prometi para mim mesmo que voltaria para te pegar assim que pudesse.

Virei a cabeça para o lado onde ele estava. Seus olhos estavam suplicantes.

— Você poderia pelo menos ter me procurado. — Cuspi nele toda a minha frustração. — Eu passei anos achando que você estava morto.

Voltei a soluçar e ele me puxou para os seus braços, o que eu permiti porque não tinha mais onde me esconder da minha tristeza. Diego sempre foi o meu sorriso, mas desde que ele foi embora, tinha passado a ser meu choro. O amava, e saber que ele tinha fugido para conseguir viver uma vida verdadeira, era uma coisa sensata para minha cabeça tão analítica. Mas isso não mudava o fato de que eu sentira uma puta falta dele. Isso não mudava o fato de que eu queria ter tido um tempo para me despedir, mesmo que naquela época eu não entendesse porque ele estava indo embora. Hoje eu entendo, e sei que não conseguiria fazer o mesmo. Minha mãe estava aqui e eu tinha sido o que sobrou para ela. E apesar de toda a loucura do meu pai, eu ainda achava que poderia salvá-lo, como salvava os ratos e árvores da cidade. Eu queria ser o remédio do mundo, mas precisa de uma cura para mim mesma antes porque eu estava com cada pedacinho de mim leproso.

— Eu nunca estive totalmente ausente, Lou. Uma amiga muito querida ficou de olho em você. — Parei de chorar e fiquei atenta ao que ele dizia, mas não sai do abraço em que estava envolvida. Se dependesse de mim não sairia de perto dele mais nunca. — Sei, por exemplo, que você á uma bela encrenqueira e vândala. — Senti vontade de rir, mas fiquei quieta. — Sei que você é editora do jornal da escola. Sei que você entrou para o grupo de músicos como punição. Sei que deixou de dar aulas na escola dominical. Sei que namorou o Matheus Veloso. Sei que você salva coisas que mais ninguém salvaria. — ele me puxou dos seus braços e me encarou com seriedade, apesar de seus olhos estarem tão ternos e profundos. —Sei que apesar de já ser uma mulher, você ainda precisa de um irmão mais velho que conte histórias para você antes de dormir. Sei que você não aguenta mais ser insensível o tempo inteiro para se proteger. Sei que ainda me ama, apesar de não me perdoar nesse momento.

Ele tinha acertado quase tudo.

— Eu nunca te culpei, Diego. Não de verdade — Alisei o rosto dele com aquela barba rala ridícula. — Eu sabia que só um motivo muito forte faria você me deixar para trás. Sabia que se eu fosse a filha mais velha, provavelmente também iria embora e deixaria tudo.

Ele abriu a boca para protestar, mas eu o silenciei com a mão. Tinha certeza de que ele pediria desculpas por isso e tentaria se defender. Mas ele era humano, eu era humana. Talvez eu fosse até mais forte do que ele porque admitia para mim mesma que também o abandonaria no pesadelo se achasse que não teria opção de sobrevivência para mim.

Eu nunca precisei desculpar meu irmão porque ele tinha vivido no inferno comigo, e eu teria o mandado embora se tivesse surgido uma oportunidade para isso. Ele também faria o mesmo por mim, se fosse ao contrário.

Enxuguei novamente minhas lágrimas. Sorri e o puxei para debaixo da árvore de novo. Ele se sentou e eu deitei a cabeça no seu colo, sentindo a fragrância de gente adulta que ele agora exalava. Ele alisou meus cabelos por alguns minutos e ficamos nessa repetição de coisas que nos haviam sido roubadas.

— Você sabe que o pastor vai pirar quando souber que você voltou. — Comentei brincando com o botão da camisa dele.

— Eu sei, mas duvido que ele venha me procurar para dizer alguma coisa.

Ele tinha razão. O pastor era orgulhoso demais para isso.

— Mas e mamãe?

Ele ficou em silêncio, e quando respondeu tinha amargura e compaixão em sua voz.

— Se ela quiser me ver, serei o homem mais feliz e completo do mundo.

Balancei a cabeça e fechei os olhos, ouvindo o vento balançar as folhas das árvores.

— Então você voltou para essa cidade de merda — Falei repetindo as mesmas palavras que ele usava para se referir a Esperança. – E pretende morar uns tempos aqui até conseguir me convencer a ir embora. É esse o plano?

Ele sorriu e respondeu confiante:

— É exatamente esse o plano!

— Diego?

— Hum?

— Você sabe que não vai funcionar, não sabe?

Ele gargalhou e me puxou, beijando minha testa.

— Custa nada tentar. Deixei alguém me esperando e pretendo voltar para ele.

Sentei-me ligeiro e o encarei perplexa. Tudo bem que agora eu sabia que meu irmão era gay, mas daí a ter alguém especial era uma coisa estranha.

— Quem é ele? — Perguntei empolgada.

— Se chama Marcos. É publicitário.

— É bonito? Você está apaixonado?

— Ei, essas eram as perguntas que eu deveria estar fazendo para você. O irmão mais velho aqui sou eu.

Bufei e deitei derrotada.

— Você já sabe que acabei com Matt. Não estou apaixonada, mas estou em busca de um novo assistente para o jornal da escola. Se por acaso você puder me ajudar nisso eu agradeço. O que pode ser difícil de achar no meio daquele monte de gente idiota que estuda comigo.

— Porque não chama Klaus? Parece achar o cara bem espirituoso. Não posso negar que seja corajoso.

Voltei a levantar, e dessa vez me engasgando. Como tínhamos passado de um assunto tão sério para coisas desprezíveis como Hunter? Ele estava com um ar risonho para mim. Passei metade da minha manhã falando mal de Klaus, e agora meu irmão estava usando isso contra minha pessoa.

— Mas que porra de assunto é esse?

— Olha a boca suja, mocinha! — Ele me advertiu sério.

— Qual é, Diego! Você some por anos e vem reclamar porque falo palavrão? Isso era o mínimo. Eu poderia ser uma drogada ou prostituta. Já li Christiane F.

Ele gargalhou de novo, e eu rejuvenesci alguns anos nisso.

— Você continua dramática.

— E você continua tendo a melhor risada do mundo.

Ele sorriu de forma aberta e tranquila, mesmo que aquela sombra de tristeza e dor ainda permanecesse nele. Poderia passar o dia inteiro nisso.

— Amo você! — Falei olhando eu seus olhos eternos e lindos, me perdoando por ter pensado que jamais veria aquele rosto sonhador novamente.

Ele me encarou e vi seu sorriso ir sumindo e um suspiro pesado sair do seu peito.

— Graças a Deus você ainda me ama. Achei que tivesse perdido isso.

Por um momento eu também achei que ele tivesse perdido meu amor. Achei que estava com ódio do meu irmão o suficiente para matar o que sentia por ele. Mas foi só olhar para sua expressão tranquila para entender que não sou capaz de deixar de amar o que já amei, mesmo que isso queira dizer esconder meu amor dentro de mim por um tempo, ou muito tempo.

— Você jamais perderá isso, Diego.

E então voltei a abraça-lo, sentindo o mundo inteiro naquele abraço. Era bom saber que pertencia a alguma coisa de novo, ainda que não confiasse 100% que ela permaneceria ao meu lado.

O foda de ter sido traída é que você jamais confiará novamente do mesmo modo. E Diego me traiu de muitas formas quando foi embora e não me explicou o motivo de me deixar na cova dos leões sozinha. Mas eu iria aproveitar cada partícula que ele pudesse me dar, já que não as tive por anos. Eu iria recarregar minhas forças com meu irmão, ainda que fosse a última coisa que faria com ele.

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