LIÇÃO Nº 1
LUGAR DE APRENDIZADO
Moisés é um dos homens mais influentes do mundo. Ou seja, era. Agora está no deserto de Refaím, fugitivo, por crimes contra a humanidade. Se calhar crime contra a humanidade seja um exagero, mas pouco importa. Quem o vê no deserto não tem noção da dimensão deste homem nos seus 40 anos, com músculos bronzeados pelo sol, mas desgastados pela frustração. Moisés anda com o rosto coberto - porque é assim que tem que ser no deserto mas também porque tem medo, vergonha e descrença. Medo porque havia morto alguém, vergonha porque não estava mais no patamar glorioso que havia sido a sua vida e como dizem por aí, quem te viu e quem te vê, e por fim, descrença porque as suas aspirações de salvador da pátria estavam todas frustradas.
Antes de continuar vou lhe apresentar esse homem:
Moisés é filho de um casal da tribo de Levi. Nasceu no Egipto no tempo em que o rei do Egipto, um tal de Faraó, mandou matar todos os rapazes nascidos na casa dos hebreus (na altura escravos no Egipto) e evitar uma revolta. Moisés, ainda bebé, foi colocado num cesto por seus pais, para não ser morto pelos soldados de Faraó e acabou nas graças da filha deste que o adoptou e criou. Sua própria mãe foi contratada para criar o filho com direito a salário até que este chegasse a desmamar.
Moisés viveu a sua juventude no palácio real, tendo sido preparado nas melhores escolas do Egipto. Foi dotado de conhecimento científico diferenciado, teve aulas de liderança com os que ensinaram os faraós e tantos outros herdeiros da coroa egípcia.
Ele viveu uma vida de fartura diferente dos seus irmãos hebreus que sofriam a opressão de Faraó diariamente. E ao perceber que os hebreus sofriam grande humilhação, tentou resolver tudo à sua maneira. Matou um egípcio e teve que fugir... para o deserto.
Lá é confrontado com uma realidade totalmente diferente dos paços reais ou das ruas da capital do império. Agora ele está por sua própria conta e risco e tem de aprender algumas lições básicas para poder se manter. Moisés tinha de aprendera viver no deserto, ou seja, a sobreviver. Apesar de ter passado 40 anos nas melhores escolas do Egipto com todo o rigor científico Moisés tinha de começar do zero. Nada do que aprendeu na metrópole serviria para usar no deserto.
À semelhança de Moisés, sempre que somos surpreendidos pela adversidade, seja por culpa nossa ou não, de repente nos damos conta de que tudo o que sabemos parece não fazer sentido nessa experiência em particular e ao que tudo indica, temos de aprender tudo do zero, ou pelo menos, o suficiente para enfrentarmos esta situação incomum.
Passei por isso repetidas vezes, mas uma particular vem a minha mente: Quando tinha eu 14 anos quando aprendi a falar inglês, e o meu irmão mais velho me colocou na escola de um amigo porque a língua seria um diferencial na minha vida futura. Naquele tempo todos queriam aprender inglês para entrar numa Organização Não Governamental porque pagavam em Dólares Americanos.
Depois de chegar ao nível elementary, o meu amigo e professor António Makasi emigrou para a Europa e já não podíamos continuar para o próximo nível. Nesse meio-termo eu achei que estava tudo terminado. Cheguei à casa e expliquei o sucedido ao meu irmão mais velho e arrumei meus livros. Para meu espanto sou confrontado com a ideia de repetir o nível. Admirado e revoltado com aquela proposta tentei recorrer ao meu pai para não repetir o nível mas não tive sucesso.Meu pai nem sequer falou comigo sobre o assunto e estudei por mais seis meses num nível que já tinha passado. Foi muito difícil para mim, porque era um tédio ouvir as mesmas coisas com um professor menos habilitado que o carismático Makasi
Hoje olhando para trás percebo que o processo foi doloroso mas eu posso dizer que valeu a pena repetir e consolidar os meus conhecimentos. Saí do curso mais aguçado que nunca.
Mais cedo ou mais tarde, todos somos confrontados com a adversidade, que trataremos pelo nome de deserto e consequentemente com a necessidade de aprendermos a viver na situação, ou, como foi com Moisés, aprender a sobreviver e quem sabe sair ilesos da adversidade. Logo, a primeira acção numa adversidade não é sair dela, mas aprender, o que torna o deserto num local de aprendizado.
O que é Aprendizado?
Aprendizado é o processo que envolve o ensino em todas as suas facetas.Existem pessoas que aprendem as lições e aplicam antes que os problemas cheguem, mas também há um segundo grupo que também aprende as lições durante as crises e consegue superá-las. Porém há um terceiro grupo maior no qual as pessoas só aprendem a lição depois de terem passado pela crise. Mas no fim de tudo todos aprendem a lição, a bem ou a mal.
Moisés está frustrado com a situação que vive no momento. Diante dele uma imensidão de areias e estepe. Não há nada senão o silêncio. Nesse silêncio aprendeu a discernir os ventos e começou a perceber que o vento da chuva é diferente do vento comum. Passou a ter uma audição mais apurada. Começou por saber distinguir o uivar dos animais, o rastejar das serpentes e a linguagem de outros animais.
O maior exercício que todo o homem deve fazer durante a sua breve existência na Terra é ouvir. Não apenas a perceber os sons, mas as vozes que ecoam através do universo invisível da espiritualidade em silêncio. Devemos ter uma boa audição porque é uma questão de sobrevivência. Se perdemos a capacidade de ouvir, perdemos a conexão com os outros. O diálogo entre dois seres ou a sintonia com a natureza são exemplos do quão importante é essa qualidade e até que ponto nos é muito útil.
Para chegarmos onde desejamos precisamos de uma audição aguçada, consistente e apurada. Ao longo da trajectória seremos obrigados a ouvir vozes com ou sem vontade. As vozes de incentivo de um lado e as vozes de ameaças do outro. Talvez seus pais estejam sempre em cima de você, e seu chefe seja aquele chato ou o pastor de sua igreja pareça um louco, mas ao saber descodificar o que ouve terá as habilidades e o conhecimento necessário para vencer.
Ninguém é tão sabe-tudo que não precise de ouvir, nem tão louco que não seja capaz de dizer uma palavra de sabedoria. Moisés aprendeu a ouvir no deserto, seremos sábios se também o fizermos, mas não basta sabermos ouvir, temos de saber dar o passo seguinte, que é a reflexão.
Moisés aprendeu a reflectir
Naquele lugar Moisés aprendeu a reflectir mais. Um homem que agiu sem pensar agora tem todo o tempo do mundo para fazê-lo e está no lugar certo para pensar mais antes de qualquer passo. Moisés está a fazer uma retrospectiva de quantas coisas fez sem pensar e as consequências que sofreu. Agora se entrega aos cuidados da prudência, e se faz amigo da sensatez para não sofrer os danos no futuro.
Se o leitor estiver a passar por uma crise neste momento saiba que já não é tempo de dar as mesmas respostas que lhe fizeram chegar a esse ponto baixo. Pare! Pense e reflicta qual é o caminho a tomar! Será que correr desse jeito vai dar certo? Será que dar o troco lhe trará mais alegria? Medite nas palavras boas que já ouviu de outras pessoas, ou leu de bibliografias, encontre o caminho de volta, ou o próximo destino.
É verdade que as palavras perdem algum significado quando estamos diante de circunstâncias difíceis e talvez não tenhamos a chance de uma pausa, mas pensar antes de agir pode poupar-nos do pior.
Moisés ganhou Experiência
O aprendizado que a vida nos dá não é linear nem conclusivo. Ele é constante e intensivo, racional e, mas muitas vezes sem lógica. Na vida real a teoria se esbarra nas paredes da prática e o que achamos ser a verdade verdadeira afinal é a mãe de todas as mentiras. Por isso tenha cuidado com os absolutos relativos ou vice-versa. O mais importante é aprofundar o conhecimento que temos, aperfeiçoá-lo e adquirir a experiência. Muitos perdem grandes oportunidades porque sabem tudo e mais alguma coisa ou são especialistas em tudo. E no final da história nunca saíram do mesmo lugar, porque de facto se fecharam ao novo no afã de provar teorias antigas e ultrapassadas. Que desperdício.
Na minha infância passei por um constrangimento que me deixou muito envergonhado. Numa conversa entre colegas falávamos de iguarias eu disse que já tinha comido tchikwanga (iguaria de Angola. Serve de guarnição ao peixe e carne) com chá! Meus colegas soltaram uma gargalhada e me chamaram de maluco. Eles tinham razão, eu era ignorante na matéria e estava tão apressado em dar a minha opinião em vez de ouvir a dos outros que já tinham alguma experiência, e acabei por fazer figura de parvo.Depois de aprofundar o assunto descobri que na verdade essa iguaria é usada para acompanhar o peixe ou a carne, e se por alguma razão a minha mãe me deu com chá talvez fosse uma experiência ou criatividade materna nos dias de "crise". No fim de tudo me precipitei e paguei o mico.
Voltando ao assunto, Moisés o homem tirado das águas está no lugar que menos jus faz ao seu nome. Simplesmente não há nem vestígios de água de onde ele se encontra. Não tem nenhum suporte ou alguém com quem pudesse apenas conversar. Moisés está longe da sua "mãe" e da sua ama (que na verdade é sua mãe verdadeira) e pensa nelas dia e noite. O rosto dessas duas mulheres vem nos seus sonhos diariamente porque a sua personalidade é o reflexo delas. Uma egípcia poderosa e uma hebreia humilde e carinhosa.
Não tem ninguém para poder partilhar o seu dia. Se foi bom ou mau, tinha de guardar para si mesmo e engolir tudo, afinal de contas o deserto é assim mesmo. A solidão é a única coisa certa e evidente.
Com o tempo ele se acostumou com a ausência dos seus e começou a catalogar tudo. Os lugares mais importantes, os pontos de referência, os rios, lagoas até aos animais daquela região. Dessa forma Moisés era não mais um egípcio perdido, mas um estratega que conhece os limites da sua crise. A dinâmica do deserto era por si conhecida em todas as suas dimensões. As tempestades de areia já não o apanhavam de surpresa, porque adquiriu experiência suficiente para contorná-las. Moisés agora tem o deserto na mão.
Como é que tudo o que aprendemos na escola não funciona aqui? Tantos livros que lemos, tantas palestras. A vida real não se compadece do mundo imaginário que nos dão a conhecer na escola. Um mundo onde tudo é perfeito, onde o ideal se concretiza. Um mundo onde tudo está sob controle e os fenómenos são calculáveis.
Em vez de ficar à espera de um conforto amigo ausente comece a aprender os ciclos das crises no desconforto da solidão. Elas vêm e vão naturalmente, e tudo o que precisamos é estar dispostos a aprender o seu comportamento. Aprender também passa por resolver os problemas através das lições que aprendemos nas experiências do passado. Não espere pelos amigos que demoram chegar, nem pelas pessoas que lhe fizeram promessas. Somos tentados a pensar que se o pai ou a mãe estivessem por perto seria mais fácil. Mas a verdade é que existem situações que devemos enfrentar sozinhos caso contrário não aprenderemos nada.
Neste momento em que escrevo essas linhas seria bom para mim se um amigo estivesse do meu lado mas não está ninguém porque existem coisas que precisamos fazer sozinhos para aprender e ter experiência. Experimente o amargo e aprenda a valorizar o doce, aceite experimentar coisas difíceis para aprender a dominar com mais facilidade.
Se hoje está difícil,
Amanhã será impossível
= provérbio chinês =
Éxodo 2:15
Êxodo 2:1-10
Éxodo 2:11,12