Calmaria Rebelde

By AngelinaDourado

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Eudora Allerton é o que se pode chamar de garota problema, com chances de ser levada a um reformatório se fos... More

Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV

Parte V

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By AngelinaDourado


Quase nada funcionava direito naquela escola custeada (e abandonada) pelo estado. Fossem as carteiras velhas e bambas, o laboratório defasado, os livros cheios de traças da biblioteca, a péssima comida do refeitório e os armários arregaçados. Por isso foi uma verdadeira surpresa para Dora quando ouviu que as câmeras pelo jeito funcionavam muito bem, ao contrário de todo o resto, mesmo que nunca fossem checadas.

E jamais seriam se os malditos pais de Acey não tivessem solicitado as filmagens, estes que se não fosse a pedido da diretora continuariam a gritar na sua cara e exigirem o telefone de seus responsáveis. Teria respondido que não tinha responsável nenhum, e que poderiam enfiar o processo naquele lugar em particular, sorte que a Sra.Jones pediu por silêncio e calma no momento, coisa que ninguém tinha naquele instante.

Dora não queria que ligassem para sua mãe, foi o que mais temia naquele momento na diretoria, mais do que o olhar vingativo do babaca do Matt ou as ameaças de seus pais quanto a um processo. Porém a chamaram, e Dora torceu para que Caroline fosse a mãe relapsa de sempre e simplesmente não viesse, mas não foi o que aconteceu.

Foi inevitável seu encolher de ombros quando a figura da mulher apareceu de maquiagem feita às pressas, cabelo desarrumado e andando levemente cambaleante sem saber se por conta dos saltos ou se pela bebida – Dora não duvidava que fossem os dois. Num primeiro momento a mãe apenas berrou em sua direção, puxando sua orelha como se fosse uma criança e questionando de forma escandalosa que tipo de merda Eudora tinha na cabeça para fazer essa idiotice, usando exatamente essas palavras. A garota não retrucou, coisa que raramente fazia, apenas olhava dos pais de Matt Acey para a Sra.Jones de maneira repetitiva, detestando o olhar de horror que lançavam para ela e sua mãe. Nunca viram uma família disfuncional antes seus imbecis? Era o que queria dizer, mas quando Caroline parou de insultá-la no meio daquela plateia, começou a se dirigir de dedo apontado aos pais de Matt que segurava o riso feito o imbecil que era.

Mas quem riu dessa vez foi Dora, onde enfim pensou que a presença de sua mãe naquele momento não era tão ruim assim. Claro que Caroline podia ser um tanto escandalosa, mas sempre conseguia o que queria por sua teimosia, e não deixaria que a filha tivesse o mesmo destino que o imbecil de seu pai. Se Dora havia entrado naquela sala imaginando que seria levada direto para o reformatório, dona Caroline Allerton havia sido a maior advogada que poderia pedir ao conseguir no lugar duas semanas de suspenção e pagar a reforma do carro de Matt.

Mas nem tudo eram flores, se é que aquilo tudo manchando seu já decadente currículo poderia ser chamado de flor.

– Você vai pagar aquele carro maldito com seu dinheiro, não vou dar um centavo pros seus erros. – Caroline disse mais tarde fora da escola, lhe apontando com o cigarro que exalava fumaça. – E é melhor fazer bastante hora extra, sua merreca de salário não serve nem para pagar nosso papel higiênico.

– Já estava esperando por isso. – Dora respondeu franzindo os lábios e revirando os olhos, encarando de soslaio a mãe que procurava o celular na bolsa de marca falsificada. Não sabia se agradecia por ela ter vindo e a ajudado, pois uma parte sua dizia que não era mais que a obrigação dela de mãe, enquanto outra parecia tentar encontrar alguma espécie de afeição a justificar aquele ato. Quando não estava discutindo com sua mãe, acabava não saber o que fazer no lugar. – Valeu por ter vindo mesmo assim.

Caroline não parou de digitar sua mensagem. Só a olhando com os olhos azuis vibrantes após alguns segundos, dando um sorriso solene e jogando o resto do cigarro no chão e pisando com o salto.

– Só pare de se meter em encrenca docinho. Mas agora você sabe que tenho de voltar pro trabalho antes que meu chefe imbecil note, se vira com essa papelada. – Disse a mãe apertando sua bochecha como uma tia grudenta. Eudora franziu as sobrancelhas e massageou a pele beliscada, vendo-a andar até o carro sucateado que tinham e saindo quase batendo nos outros veículos estacionados durante o trajeto.

– Você também... – Dora murmurou encarando os papéis sobre sua suspensão e do acordo que havia feito com os Acey. Achava estranho não encontrar com o próprio Matt naquele momento, imaginando que o desgraçado não perderia a oportunidade de se vangloriar e tirar com sua cara. Mas era melhor assim, pois se visse aquele sorriso cínico mais uma vez talvez tivesse que contratar um advogado de verdade para impedir sua estadia na prisão juvenil.

– Então, como foi ficar na toca dos leões? – Susan colocou um braço sobre seus ombros, a encarando com um sorriso presunçoso no rosto. Dora revirou os olhos pela enésima vez apenas aquela manhã.

– Terrível. – Disse bufando irada feito um touro. – Mas poderia ter sido pior, não fui expulsa ao menos. Mas vou ter que pagar o carro do babaquinha.

– Quando penso que te conheço você vai lá e me surpreende Dora. – Susan riu dando tapinhas em seu ombro, mesmo que Eudora continuasse com o cenho carrancudo. – Sei que possui uma cota alta de vandalismo, mas nem suspeitei que tivesse sido você a detonar o carro do Matt!

– Vou por no meu currículo: ''Exemplo de força de vontade movida pelo ódio. '' – Disse dando um leve sorriso.

– Isso aí garota, sua vida acadêmica está no buraco, mas ainda não foi enterrada!

– Uau, obrigada pelo incentivo.

– Imagina, agora vai lá com seu namoradinho antes que ele entre numa pilha de nervos. – Susan apontou para as escadarias do edifício, onde Dora reconheceu a figura pequena de pele tom de cobre e com os óculos grandes refletindo os raios de sol.

Sorriu sem jeito para amiga enquanto começava a andar em direção a Stuart que parecia ficar mais ansioso à medida que ela se aproximava. Viu um tímido e belo sorriso se formar em seu rosto assim que se colocou em frente a ele, não se contendo em segurar seu rosto entre as mãos e tascar um selinho em seus lábios doces.

– O que está fazendo fora da aula menino gênio? – Indagou acariciando o cabelo macio de Stuart que aproveitou a aproximação para lhe abraçar a cintura. Dora riu com a ousadia atípica do outro que desviou os olhos ficando acanhado com sua reação, mas ainda sorrindo.

– Estava esperando você, fiquei preocupado. – Stuart respondeu fazendo os lábios ficarem uma linha reta e os olhos escuros observarem Dora com expectativa.

– Não vou ser expulsa, o que é uma boa notícia. Mas devo dar adeus ao meu precioso salário que será convertido para pagar o estrago do possante daquele imbecil do Matt. – Dora franziu os lábios descontente, contornando o pescoço do namorado com os braços e olhando para ele ligeiramente para baixo devido à diferença de altura. – Também vou fica duas semanas suspensa, o que não é tão ruim se não vou precisar ver a cara de mais ninguém desse inferno. Menos Susan, ela vejo sempre de toda forma.

– E quanto a mim?! – Stuart questionou magoado, com uma cara de cachorro pidão que era simplesmente irresistível para Dora que lhe beijou com todo o ardor de um amor juvenil, provando de seus lábios com a ferocidade de um faminto no deserto.

– Está incluso, portanto ainda terá que me aturar. – Disse em meio à falta de fôlego, sentindo a respiração descompassada de Stuart, os narizes ainda se tocando pela proximidade.

– N-não será um problema. – Stuart disse tentando engolir a timidez e encarar os olhos cor de mel de Eudora. – Afinal, alguém precisa mantê-la atualizada com o conteúdo durante esses dias.

– Por Deus você é tão nerd!

– E do que eu deveria chamá-la pela suspensão por vandalismo? – Stuart questionou fazendo Dora erguer uma das sobrancelhas em surpresa pela audácia dele.

– Ei! Aprendi minha lição está bem? E foi pra defender o seu traseiro. Mas de agora em diante nada de jogar tijolos em janelas, ou cabular aula e despencar minhas notas.

– Bem, o que aprendi com isso, foi que não é bom cobrar tanto de si mesmo... E que valeu a pena falar com a garota que eu gosto. – Stuart declarou sentindo o rosto esquentar, mas acabando por se inebriar pelo sorriso de alegria da namorada a sua frente que lhe deu mais um selinho. Afastaram-se para pegar na mão um do outro, andando pelo pátio a procura de algum banco para se sentarem. – Mas acho que mais alguém aprendeu uma lição hoje...

– O que quer dizer com isso? – Dora perguntou intrigada.

– Foi uma descoberta e tanto saber que as câmeras funcionam, e não apenas as do estacionamento pelo jeito. Resolvi tomar coragem e denunciar mais uma vez as implicâncias de Acey e sua turma, agora com provas concretas. Também pedi para que revistassem as câmeras, e não encontraram apenas as agressões a mim, mas a diversos outros alunos. – Stuart disse com um sorriso confiante no rosto. – Pelo que ouvi dizer provavelmente ele ganhará não apenas uma suspensão, mas também uma advertência, e se continuar a agredir outros alunos poderá até mesmo ser mandado para outra instituição.

– Stuart, isso é incrível! – Disse Dora o dando um abraço apertado de orgulho. – Finalmente conseguiu fazer essa gangue ter o que merece.

– Mais do que isso, espero que agora a escola passe a ter mais cuidado com esses casos, não quero que nenhum outro jovem tenha que passar por isso.

– Stuart, o mundo não te merece. – Dora deu um beijo no rosto do garoto que sorriu de forma solene e acanhada com o gesto. – Sei o que é ter problemas, e já me meti em muita encrenca. Mas jamais descontei em outros, ainda mais nos mais vulneráveis. Só usei violência pra revidar idiotas assim.

– E mesmo assim violência é...

– Errado. – Dora concluiu revirando os olhos, mas murmurando no final um ''A maior parte das vezes ''.

– É seu dia de folga? Podíamos comemorar a sua ''não expulsão'' e o Acey encrencado.

– Infelizmente não. – Dora bufou descontente, ainda mais agora por não ter sequer a alegria de ficar com o salário. – Mas posso passar na sua casa mais tarde.

Stuart pigarreou sem jeito com o sorriso sugestivo da garota, sentindo o rosto esquentar e o cérebro ficar disfuncional por alguns instantes.

– E-eu tinha pensado em tomar um sorvete ou algo assim...

– Eu posso trazer também.

– Ah bom, tudo bem então... – Disse sem jeito, mas não contestando nem um pouco a proposta. Eudora deu um largo sorriso, pegando um cigarro do bolso, mas sendo surpreendida por Stuart que o tirou de sua mão e jogou em direção a lixeira. E acertando o alvo, para a tristeza de Dora.

– Ei!

– Mesmo que você continue, sabe que estou tentando parar, então agradeço se ao menos não fizer isso na minha frente. – Disse Stuart com um sorriso presunçoso no rosto, enquanto Dora apenas lhe fulminava com os olhos.

– Me deve dois dólares.

– Eu vou compensar. – Retorquiu fazendo a garota soltar um riso surpreso.

Eudora Allerton e Stuart Kashyap podiam ser considerados o casal mais inusitado de toda escola. Todavia, todos sabiam o quanto amavam um ao outro não apenas pelos olhares e gestos de carinho, mas pelos detalhes mais simples daquela relação. Como quando Stuart faltava suas eletivas apenas para ajudar a garota em seus estudos, ou quando saiam juntos da escola e Dora escolhia somente empurrar sua bicicleta para andar ao lado do garoto. E mais do que tudo, davam-se bem apesar de todas as diferenças que antes os separavam.

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Aqui está o último capítulo, me diverti muito escrevendo essa curta história e agradeço a todo mundo que leu! Se gostaram deixem um voto e comentem o que acharam ^-^

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