Iracema - José de Alencar

By MatheusLeite8

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Publicado no ano de 1865, o livro Iracema é um romance do período romântico da nossa literatura, escrito pelo... More

Introdução
Prólogo (da 1ª edição)
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Notas
Carta

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By MatheusLeite8

Quatro luas tinham alumiado o céu depois que Iracema deixara os campos do Ipu; e três depois que ela habitava nas praias do mar a cabana de seu esposo.

A alegria morava em sua alma. A filha dos sertões era feliz, como a andorinha que abandona o ninho de seus pais e emigra para fabricar novo ninho no país onde começa a estação das flores. Também Iracema achara nas praias do mar um ninho do amor, nova pátria para o coração.

Ela discorria as amenas campinas, como o colibri borboleteando entre as flores da acácia. A luz da manhã já a encontrava suspensa ao ombro do esposo e sorrindo, como a enrediça, que entrelaça o tronco e todas as manhãs o coroa de nova grinalda.

Martim partia para a caça com Poti. Ela separava-se então dele, para mais sentir o desejo de tornar a ele.

Perto havia uma formosa lagoa no meio da verde campina. Para lá volvia a selvagem o ligeiro passo. Era a hora do banho da manhã; atirava-se à água, e nadava com as garças brancas e as vermelhas jaçanãs.

Os guerreiros pitiguaras, que apareciam por aquelas paragens, chamavam a essa lagoa da beleza, porque nela se banhava Iracema, a mais bela filha da raça de Tupã.

E desde esse tempo as mães vinham de longe mergulhar suas filhas nas águas da Porangaba, que tinham a virtude de tornar as virgens formosas e amadas pelos guerreiros.

Depois do banho, Iracema discorria até as faldas da serra do Maranguab, onde nascia o ribeiro das marrecas. Ali cresciam na frescura e sombra as frutas mais saborosas de todo o país; delas fazia copiosa provisão, e esperava se embalando nas ramas do maracujá, que Martim tornasse da caça.

Outras vezes não era a Jereraú que a levava sua vontade, mas do oposto lado, junto da lagoa da Sapiranga, cujas águas diziam que inflamavam os olhos. À cerca daí havia um bosque frondoso de muritis, que formavam no meio do tabuleiro uma grande ilha de formosas palmeiras.

Iracema gostava do muritiapuá, onde o vento suspirava docemente; ali espolpava ela o vermelho coco, para fabricar a bebida refrigerante, adoçada com o mel da abelha, que os guerreiros amavam durante a maior calma do dia.

Uma manhã Poti guiou Martim à caça. Caminharam para uma serra, que se levanta ao lado da outra do Maranguab, sua irmã. O alto cabeço se curva à semelhança do bico adunco da arara; pelo que os guerreiros a chamaram Aratanha. Eles subiram pela encosta da Guaiúba por onde as águas descem para o vale, e foram até o córrego habitado pelas pacas.

Só havia sol no bico da arara quando os caçadores desceram de Pacatuba ao tabuleiro. De longe viram Iracema, que viera esperá-los à margem de sua lagoa da Porangaba. Caminhava para eles com o passo altivo da garça que passeia à beira d'água: por cima da carioba trazia uma cintura das flores da maniva, que era o símbolo da fecundidade. Colar das mesmas cingia-lhe o colo e ornava os rijos seios palpitantes.

Travou da mão do esposo, e a impôs no regaço:

— Teu sangue já vive no seio de Iracema. Ela será mãe de teu filho!

— Filho, dizes tu! — exclamou o cristão em júbilo.

Ajoelhou ali e, cingindo-a com os braços, beijou o ventre fecundo da esposa.

Quando ergueu-se, Poti falou:

"A felicidade do mancebo é a esposa e o amigo; a primeira dá alegria; o segundo dá força: o guerreiro sem a esposa é como a árvore sem folhas nem flores; nunca ela verá o fruto. O guerreiro sem amigo é como a árvore solitária no meio do campo que o vento embalança: o fruto dela nunca amadura. A felicidade do varão é a prole, que nasce dele e faz seu orgulho; cada guerreiro que sai de suas veias é mais um galho que leva seu nome às nuvens, como a grimpa do cedro. Amado de Tupã é o guerreiro que tem uma esposa, um amigo e muitos filhos; ele nada mais deseja senão a morte gloriosa."

Martim uniu o peito ao peito de Poti:

— O coração do esposo e do amigo falou por tua boca. O guerreiro branco é feliz, chefe dos pitiguaras, senhores das praias do mar; e a felicidade nasceu para ele na terra das palmeiras, onde recende a baunilha, e foi gerada do sangue de tua raça, que tem no rosto a cor do sol. O guerreiro branco não quer mais outra pátria, senão a pátria de seu filho e de seu coração.

Ao romper d'alva Poti partiu para colher as sementes de crajuru que dão a mais bela tinta vermelha, e a casca do angico de onde sai a cor negra mais lustrosa. De caminho sua flecha certeira abateu o pato selvagem que plainava nos ares: e ele arrancou das asas as longas penas. Subindo ao Mocoribe, rugiu a inúbia. A refega que vinha do mar levou longe o rouco som. O búzio dos pescadores do Trairi e a trombeta dos caçadores do Soipé responderam.

Martim banhou-se n'água do rio, e passeou na praia para secar o corpo ao vento e ao sol. Ao seu lado ia Iracema, que apanhava o âmbar amarelo, que o mar arrojava. Todas as noites a esposa perfumava seu corpo e a alva rede, para que o amor do guerreiro se deleitasse nela.

Voltou Poti.

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