Nas Mãos do Diabo [1] O Maest...

By atimewritting

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[CONCLUÍDA, Jikook] Livro 1 da Saga Nas Mãos do Diabo. Há algo errado ocorrendo no Inferno. As gárgulas não r... More

Aviso Infernal
Aviso de Sobrevivência Infernal
Prólogo: o Limbo.
|01| Saia da fila do Inferno
|02| Saiba Como Morreu
|03| Conheça o Diabo
|04| Seja Mal Pela Primeira Vez
|05| Tente negociar com a ira
|06| Receba a ajuda de quem não quer
|07| Estranhe o Diabo
|08| Dance com ele
|09| Fuja do Circo Infernal
[10] Não morra em silêncio
[11] Deixe que ele o toque
|12| Vá para o Hotel Mortal
|13| Divida o quarto com Jungkook
|15| Descubra o erro da redenção
|666| A última pista: O X E L F E R
|16| Não olhe para os reflexos
Interlúdio: O Jogo.
|01| Veja através de outros olhos
|02| Comece a mentir de verdade
[03] Pule de um precipício
|04| Corra
[05] Dê prazer para ele
|06| Veja seu pior pesadelo
|07| Conte sua história: Horácio
|08| Conheça o Diabo: Adiv
|09| Deseje o Diabo: Devon
|10| Não chore por ele: Eliel
|11| Roube a memória dele e fuja: Samandriel
|12| Veja ele trocá-lo lentamente
|13| Faça-o olhar somente para você
|14| Entre na Sala Proibida
|15| As revelações: Eles
|15| As revelações: O veneno
|15| As revelações: Nêmesis
|16| O Apocalipse: Tânatos
|16| O Apocalipse: Khaos
|16| O Apocalipse: O Espelho
Epílogo - Nem tudo foi o que pareceu ser
ESPECIAL DE NATAL - !leoN iapaP o etaM
NAS MÃOS DO DIABO: ¿2?
O LIVRO FÍSICO DE NAS MÃOS DO DIABO
ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO - Como poderia ter sido: Parte 1.
ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO - Uma longa escada: Parte 2.
ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO - Um Hotel inusitado: Parte 3.
ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO - Fim: Parte 4.
NAS MÃOS DO DIABO [3]: APOCALIPSE
O Maestro está no Kindle e, temporariamente, DE GRAÇA!

|14| Sobreviva ao Hotel Mortal

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By atimewritting

— Do que... — engasguei, observando meu próprio sangue começando a escorrer por meu rosto. Era uma visão desesperadora. — Do que está falando?

Quem é Hades?

Olhei ao redor, em busca de algo que pudesse me ajudar, mas minha visão estava girando e girando em um ritmo assustador, me impossibilitando sequer de pensar em algo.

Jungkook, onde você está?

O homem se inclinou um pouco mais e agarrou meu queixo, forçando meu maxilar com tanta força, que senti que partiria meu rosto caso não abrisse minha boca imediatamente.

— Isso vai servir para que você seja erradicado de uma vez por todas — murmurou entredentes, despejando um liquido incolor de um pequeno vidrinho.

Ele sorriu e largou meu rosto, fazendo minha cabeça bater com força no chão e mais um gemido doloroso escapar de minha garganta. De primeira, pensei que ele havia se enganado e me dado apenas um pouco de água, mas depois que comecei a sentir meu corpo inteiro esquentar assustadoramente, arregalei os olhos e provei o gosto das minhas lágrimas de sangue. As lágrimas de meu próprio desespero.

De repente, tudo parecia queimar minha pele; o ar, a pouca luz e, principalmente, minhas roupas.

— Por que... quente... — ofeguei, tentando rasgar minha blusa com minhas mãos trêmulas. — Quente... demais...

Comecei a me desesperar ainda mais quando percebi que não conseguiria rasgar o tecido com minhas mãos fracas e patéticas, ainda mais quando meus dedos pareciam tão magros e anêmicos. Me assustei quando percebi que minha blusa estava encharcada de suor e chorei ainda mais, começando a arranhar meus próprios braços para tentar sentir algo além daquela sensação de pavor e.... calor.

Por que estava queimando!

— Você conseguiu se esconder por bastante tempo, não foi mesmo? — o homem perguntou, com as mãos atrás das costas em uma postura calma e controlada, mesmo que seus olhos azuis transparecessem ódio expeço e tangível. — Achou que conseguiria fugir por bastante tempo, você é muito burro mesmo...

Gargalhou, me dando um chute forte o suficiente para me tirar o ar. Abri a boca, mas nenhum som saiu; estava sobrecarregado pelas sensações do calor mesclado a dor intensa que foi sentir um de meus ossos quebrando com seu golpe.

Arregalei os olhos, engasgando com meu próprio sangue.

— Você achou que... depois de tudo o que fez, — começou a caminhar ao meu redor, me olhando de cima com superioridade com um sorrisinho medonho no canto dos lábios. —, você achou que iria causar mais danos?

— Eu... — tentei falar, queimando em meu próprio calor. — Eu não... sei... do que está falando, eu...

— Cale sua boca! — gritou, me acertando mais um chute certeiro no rosto.

A força foi tamanha, que meu corpo foi projetado contra a parede. Acabei caindo brutalmente no chão, incapaz de sequer me arrastar para longe do homem que já voltava a se aproximar com passos lentos.

— Não me engana, eu sei que é você, Hades! — voltou a gritar, puxando um punhado de meus cabelos para ter meu rosto em mãos novamente. — Você é um nada!

Senti um choque seco quando ele bateu minha cabeça contra a parede pela primeira vez, depois mais uma e outra, até que não conseguisse enxergar mais nada com meu olho esquerdo, e apenas vermelho com o meu direito. Sentia que minha consciência se esvaía a cada instante, assim como meus sentidos, minhas ações... eu estava esvaindo a cada golpe que recebia de suas mãos afiadas.

— Apenas me surpreendo por você não estar revidando — ele riu, jogando meu corpo como se fosse um nada na poça de meu próprio sangue. — Nem parece o monstro que conheço...

— Deve ser por que ele não é Hades, só que você é burro demais para perceber — outra voz soou no cômodo quase destruído; uma voz que eu não conseguia distinguir a quem pertencia.

Haviam poucos membros de meu corpo que eu podia movimentar àquela hora, e um dos meus braços era um deles. Eu estava chorando, apavorado por não sentir mais muita coisa, ou por que não conseguia enxergar quase nada, nem mesmo ouvir, mas usei o pouco de força que me restava para poder virar meu corpo e olhar na direção em que a voz furiosa havia soado.

E quando consegui, senti uma onda intensa e inebriante de alívio, mesmo que eu já estivesse com a sensação de que estava no fim da linha.

— Jungkook... — sussurrei, piscando letárgico.

— Você demorou mais do que imaginei — o estranho respondeu, rindo.

A porta do quarto foi derrubada, revelando Mortícia e suas gárgulas, junto dos outros seis pecados capitais.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou ela, com as mãos na cintura.

— Jimin... — pisquei dolorido na direção de Mino, que me olhava com uma expressão assustada.

Todos olhavam.

Comecei a arranhar meus braços quando a sensação enlouquecedora de que eu estava deitado em chamas retornou ao meu corpo, gritando em frustração quando não consegui mover minha mão esquerda, nem mesmo a direita.

Eu não conseguia mais me mover.

— Socorro... por favor! — chorei, incapaz de conter o sangue escorrendo por minha boca e meus olhos acabados. — Eu não aguento mais...

Mino tentou se aproximar com Wonho, mas o estranho estalou os dedos e jogou todos contra a parede, prendendo morte, suas fiéis companheiras e os seis pecados um ao lado do outro.

— Chamuel... — Jennie rosnou, tentando se soltar da corrente invisível.

Chamuel, o arcanjo?

Oh, não! Lembrei de ter estudado sobre ele quando vivo, um dos anjos mais poderosos de Deus, e estava aqui...

... querendo me matar!

— O idiota — Kai completou.

— Nos solte imediatamente! — Mino gritou, se debatendo avidamente.

— Vocês são uns petulantes, agem como se eu os obedecesse... — e enquanto o estranho discursava pomposamente para eles, fixei minha visão em frangalhos na direção de Jungkook, que continuava parado na margem da cratera em que havia sido jogado anteriormente.

Ele também estava me olhando... e parecia perdido.

Seus ombros estavam caídos — como se houvesse um peso de quinhentos quilos sobre eles —, tinha uma postura abalada, com as mãos abertas e inertes, a expressão desolada e os joelhos dobrados em derrota. Seus olhos se moviam com rapidez, enquanto ele me analisava minunciosamente de longe, com o brilho nos olhos vermelhos quase inexistente.

E mesmo todo arrebentado e incapaz de mover um dedo sequer, eu me preocupei com o estado em que ele estava.

O que estava acontecendo com Jungkook?

Gritei novamente quando constatei uma nova onda de convulsões dominando meu corpo, sentindo que minha pele estava derretendo e virando apenas sangue. Não conseguia conter a brutalidade em que meus olhos reviravam, e tudo o que eu podia ver era o teto escuro com manchas respingadas de meu próprio sangue, que escorria e pintava as paredes de carmesim.

O barulho de uma pancada estrondosa ecoou pelo quarto inteiro, e quando consegui focar minha visão — mesmo que sem nitidez alguma e por pouco tempo —, percebi que sua fisionomia havia mudado: estava de peito estufado, respirando visivelmente rápido, com os ombros erguidos e a cabeça inclinada misteriosamente, pois olhava para baixo. Jungkook tinha quebrado a parede ao lado com apenas um soco de punhos cerrados, e quando levantou a cabeça, seus olhos estavam quase totalmente vermelhos.

Com o barulho assustador, o estranho parou de falar e o silêncio mortal começou a reinar no cômodo. Naquele momento, tudo o que se podia ouvir eram os meus gemidos de dor, os xingamentos dos pecados e de Morte e suas gárgulas tentando escapar do controle dele e.... a respiração de Jungkook, audível e poderosa.

Ele parecia furioso.

— Você irá se arrepender tanto de ter feito isso com o meu Jimin, Chamuel... — sua voz parecia vidro; grossa e cortante.

Seu Jimin? — Chamuel gargalhou, cruzando os braços. — Não percebe, Jungkook, é incapaz de perceber que esse aqui não é ninguém menos que Hades?

— Você endoidou? — Zen gritou da parede, se debatendo. — Matamos aquele demônio há mil anos atrás. Esse aí não passa de um simples humano.

Outro soco foi ouvido, e dessa vez Jungkook quebrou uma das paredes inteira, reduzindo os tijolos ao pó com apenas um ataque preciso de seus punhos cerrados, e foi quando começou a falar que comecei a notar as mudanças em seu corpo.

— Você... — ele começou, rindo desdenhoso. — Vai se arrepender tanto...

E mesmo tremendo e quase à beira da morte, fui incapaz de desviar o olhar quando sua pele ganhou um tom preto fosco. Começou de seus punhos, depois se espalhou por seus braços, ombros, pescoço — era possível ver a cor se espalhando até por baixo de sua camisa rasgada pelo ataque anterior.

Sua blusa começou a rasgar quando seu corpo começou a crescer, ficando mais forte e musculoso. Em seus braços, era possível ver as veias saltando, tão vermelhas quanto seus olhos, e na mesma medida em que suas roupas se desfaziam em farrapos — sobrando apenas sua calça extremamente apertada por suas pernas musculosas — seu par de chifres tortos ficavam cada vez mais longos.

Assim que ele se virou de frente para nós, pude ver que seus dedos estavam tão finos quanto a ponta de seus chifres, e que em seus pés descalços haviam garras afiadas e brilhantes, ameaçadoras e mortais.

— Você... — e sua voz havia ficado mais grave, como se um monstro horripilante tivesse tomado conta de seu corpo. —... acha que pode chegar aqui e tentar matar o meu garoto?

Seu peito tonificado subia e descia rapidamente, e quando ele levantou a cabeça, prendi a respiração ao ver seu rosto tingido de preto, com uma grande mancha branca sobre os olhos vermelhos. Seu cabelo não era mais roxo; era quase tão preto quanto sua pele.

Não podia ser.... aquela era sua forma demoníaca?

Faz anos que ele não assume a forma infernal... — Jennie sussurrou de longe, e quando olhei para a parede em que eles estavam presos, notei o olhar surpreso e fascinado que cada um deles possuía.

— Ele está muito puto... — Wonho murmurou, de boca aberta.

Chamuel gargalhou, nem um pouco intimidado pela figura alta e imponente diante dele.

— Você pensa que me assusta, Lúcifer? — debochou.

— Eu não penso... — Jungkook riu, e sua risada parecia a combinação de cem homens gritando ao mesmo tempo. —... eu sei que te assusto.

Pisquei, tentando capturar cada traço da cena que foi Jungkook correndo em direção ao arcanjo, criando crateras no piso com suas passadas grandes e violentas. Seu semblante era calmo, mas eu podia sentir que não havia nada calmo em seu interior. Jungkook estava borbulhando em ódio, e isso era perceptível em seus olhos vermelhos horripilantes.

Chamuel não conseguiu se defender do soco certeiro no rosto que Jungkook o deferiu, nem mesmo quando levou mais um chute na barriga e cuspiu sangue pela boca.

E ao mesmo tempo em que eles travavam uma batalha sangrenta diante de meus olhos, percebi que já não estava mais conseguindo enxergar mais da mesma maneira. Minha visão começou a falhar, assim como meu corpo parou de tremer e entrou em um estado de inércia completa, onde somente minhas pálpebras se moviam com extrema lentidão.

Eu estava melhorando?

— Jimin! — escutei o grito de Mino, entretanto, fui incapaz de olhá-lo.

Nem meus olhos eu conseguia mais mover.

A única coisa que consegui ver foi quando Jungkook se virou em minha direção, após ouvir o grito de Mino clamando meu nome, e amoleceu ao me ver. Seu corpo voltou ao normal quase que imediatamente, com seus olhos vermelhos brilhantes e perturbados me fitando por um momento, e foi nesse único momento que Chamuel aproveitou sua desconcentração na batalha, para atacá-lo com uma adaga prateada no ombro.

Jungkook! Eu queria gritar, mas nada saia de minha boca.

Eu não estava melhorando; eu estava morrendo.

06 DE JUNHO DE 2013, Terça-Feira

Era o meu aniversário de quatorze anos.

Minha única festa havia sido em 2006¹, quando mamãe chamou nossos vizinhos para comer um bolinho simples de trigo. Foi uma boa festa; somente ela.

Eu estava em casa, sentado no finalzinho da escadaria da sala, abraçado aos meus joelhos quando comecei a chorar. Minha mãe havia me proibido de subir para meu quarto, como castigo por ter me recusado a dar boa noite para os vizinhos carrascos na igreja.

Era a minha penitência, e eu deveria pagar por meu pecado.

Antes de subir para seu quarto — junto de meu pai — ela havia ordenado que ele removesse todas as lâmpadas do primeiro andar para que eu ficasse no escuro completo e pudesse, por fim, pensar e refletir sobre a coisa terrível que eu havia feito.

Naquele momento, tudo me assustava; desde os mais simples barulhos, até as sombras estranhas que a cortina fazia ao se mover com o mínimo rastro de vento.

Era de madrugada quando acordei novamente. Havia dormido no último degrau na escada — depois de horas incontáveis de choro e tristeza — com o barulho de passos vindo da sala.

De olhos fechados, eu pude escutá-los com precisão, entretanto, assim que abri os olhos com o susto, eles simplesmente desapareceram.

— Alguém está aí? — perguntei, me apoiando em minhas duas mãos para me sentar novamente.

Cocei os olhos, provando de minha saliva amarga, depois olhei ao redor a procura de quem fazia o barulho. Havia alguém andando por perto, disso eu tinha certeza, e o mais estranho era que eu só conseguia ouvir os passos quando estava de olhos fechados.

A cada piscada amedrontada, um passo soava.

Levantei com um pulo assustado, batendo as costas contra a parede. Olhava ao redor com avidez, procurando por qualquer singelo movimento, mas não havia nada, simplesmente nada, e quando fechei os olhos para bocejar, senti um arrepio intenso, seguido de um bruto tremor em meu corpo ao ouvir os passos cada vez mais próximos.

Contudo, quando abri os olhos... novamente, não havia nada ali.

— Mãe? — perguntei, dando alguns passos hesitantes em direção a cozinha. — É você?

Quando cheguei na porta da cozinha, contei até dez e rezei para que não fosse nada, ou que tudo fosse fruto de minha imaginação idiota, mas assim que adentrei no cômodo, senti meu corpo inteiro se retesar em puro medo quando vi um homem vestido em um sobretudo, de cabelos longos e pretos de costas para mim. Ele procurava algo na geladeira, enquanto assobiava uma canção arranhada e desafinada.

— Oh, meu Deus... — tapei minha boca imediatamente, com os olhos arregalados diante daquela figura estranha.

Não parecia com ninguém que eu havia visto em minha vida.

Pensei que deveria ser algo de minha imaginação, então fechei os olhos e comecei a pensar em qualquer coisa que não fosse aquele estranho virando em minha direção, com um sorriso medonho nos lábios.

Então a cozinha ficou em silencio total.

Parecia seguro.

Mas quando abri os olhos, quase não fui capaz de conter o grito amargo de medo que arranhou minha garganta; ele estava na minha frente, cara a cara comigo.

— Bu! — sorriu, e depois desapareceu como o gato de Cheshire², deixando apenas a sombra e memória de seus olhos acinzentados diante de mim.

Caí no chão e abracei meus joelhos.

Naquela noite, não consegui mais dormir.

06 DE JUNHO DE 2014, Terça-Feira

O calendário marcava o dia seis de Junho de dois mil e quatorze, meu aniversário de quinze anos. Hoseok havia me feito pular a janela de meu quarto, pois havia roubado a moto de seu pai naquela noite e queria me levar em um lugar divertido para comemorarmos. Para isso, amarrei várias blusas minhas umas nas outras, o que acabou resultando em uma grande corda resistente.

Amarrei-a no pé de minha cama, no lado que se escorava na parede, e comecei a descer, nervoso e suando, por que aquilo tinha tudo para dar errado.

— Vem logo, Jimin! — ele sussurrou, fazendo uma careta amedrontada, olhando ao redor.

Havia estacionado sua moto atrás de uma árvore que ficava ao lado de minha casa, e me esperava vestido em uma jaqueta de couro descolada.

— Onde conseguiu essa jaqueta? — indaguei, arrumando a gola de meu suéter quando me aproximei o suficiente para ver o brilho animado em seus olhos. — Ainda acho que estamos fazendo algo muito errado...

Ele revirou os olhos e me entregou um capacete cinza, com adesivos de raios colados em todos os cantos.

— Nós falamos sobre esse passeio há um ano, Jimin. Não iremos dar para trás agora.

Fiz uma careta pelo uso de suas palavras baixas, mas concordei e coloquei o capacete para subir na moto. Dei uma última olhada na direção de minha casa — para ser mais específico, para o quarto de minha mãe — e suspirei, me segurando na cintura de Hoseok quando ele deu partida e o motor fez barulho, nos tirando de minha rua em questão de segundos.

Andar de moto era uma experiência nova para mim, uma vez que meus pais não me permitiam andar em qualquer coisa que não fossem meus próprios pés. Para eles, era pecado.

Tudo era.

Assim como ir para uma escola. Nunca fui. Nunca irei, e fim de conversa — dizia ela.

Eu olhava tudo ao redor passando como vultos. As luzes, as casas, os prédios... tudo era colorido e magnífico, assim como o vento ricocheteando contra minha pele, deixando a palma de minhas mãos geladas e difíceis de mover. Estavam quase dormentes, como a neve que eu capturava quando ousava abrir minha janela no inverno — minha mãe não gostava quando eu saía de casa, muito menos abrir a janela.

— Para onde estamos indo? — perguntei quando paramos em um sinal vermelho.

Era meio difícil falar com o capacete, mas eu estava achando tudo fascinante.

— Você vai ver — ele riu, depois acelerou com tudo quando o sinal abriu.

Pensei que estávamos indo para um restaurante, ou até mesmo uma pracinha para tomar o "famoso sorvete" do qual ele tanto falava, entretanto, fiquei confuso ao perceber que havíamos acabado de passar de uma entrada de ferro, com o letreiro "Circo dos Horrores" feito de metal, com pisca-piscas no interior de cada letra.

Era bonito e assustador, ao mesmo tempo.

— Eu não estou entendendo... — comentei baixinho assim que saí da moto e removi o capacete com cuidado.

Meu corpo ainda estava gelado.

— Pensei em fazermos uma coisa diferente, e olha... — apontou para um homem arrastando um carrinho na entrada da grande tenda do circo. —... ali tem sorvete!

— Eu não sei se quero ficar aqui... — murmurei, chutando uma pedrinha na grama. — Minha mãe disse...

— Sua mãe diz coisas demais — ele fez uma careta, pondo o capacete no suporte do retrovisor da moto. — Vamos aproveitar e conhecer coisas novas hoje, Jimin.

— Eu não sei... não acho que seja uma boa ideia... — divaguei.

Hoseok pegou o capacete de minhas mãos e o colocou no outro suporte do retrovisor livre, depois pôs as mãos em meus ombros e pediu para eu o olhasse. Ele sorria, e parecia alegre.

— Vamos ficar por meia hora, por favor. Depois, podemos ir na pracinha do centro... o que acha? — sua voz era mansa ao pedir.

E como sempre, não conseguia negar um pedido para ele, mesmo que estivesse com uma sensação ruim em meu âmago.

Hoseok havia me feito conhecer um palhaço que tinha os dentes lixados e afiados. Ele era velho e sujo, e me assustou desde o segundo em que o olhei. Depois, me fez conhecer uma mulher que havia costurado uma cabeça de gato em seu pescoço, depois uma que não tinha um braço. Eu não aguentava mais estar tão assustado. Quando pedi para irmos, ele disse que queria me mostrar uma última coisa.

— Essas pessoas servem para nos mostrar que vivemos em uma realidade privilegiada, e que eles são vistos como aberrações apenas por serem diferentes, ou deficientes em algo. Você não devia estar com medo, você devia estar triste por isso.

— Eu pensei que você iria me alegrar em meu aniversário, não querer me deixar triste... — argumentei, seguindo-o em um caminho lamacento em direção a uma pequena tenda acabada, a mais afastada de toda a atração.

Bem na entrada, havia uma placa onde estava escrito "Venha descobrir seu futuro com Madame Victória, a cartomante".

— Cartomancia? — arregalei os olhos, tentando apressar o passo para conseguir segui-lo. — Isso não é coisa do diabo?

Hoseok riu, dando singelas batidinhas em meu ombro.

— Você ainda precisa conhecer muita coisa, amigo.

Segui seus passos apressados, mesmo receoso. Uma fina neblina começava a cair, deixando a terra ainda mais lamacenta e pegajosa, mas assim que adentramos na tenda de Madame Victória, a lona que cobria o chão já foi um alívio para mim; não gostava de me sujar.

Para ser sincero, nunca havia me sujado assim. Mamãe dizia que era pecado sair de casa, logo nunca brinquei com nenhuma criancinha na rua, ou tomei banho de chuva, ou conversei com outra criança além de mim.

Nenhuma criança, além de mim.

Madame Victória, ao nos perceber em sua tenda, se virou em nossa direção e bateu palmas animadas. Carregava um olhar negro e misterioso, vestida em um vestido roxo cheio de miçangas, com um característico turbante feito do mesmo material na cabeça. Roxo combinava com sua pele negra, e ela era realmente bonita.

Por mais assustadora que fosse.

— Madame Victória alegra-se em vê-los! — ela sorriu, mostrando todos os dentes que ouro brilhantes que possuía. — Vieram ver o que o futuro os aguarda com Madame Victória, sim?

— Por favor, Madame — Hoseok fez uma pequena reverência em sua direção, e parecia que já se conheciam. — Quanto cobra pela leitura do futuro de meu querido amigo?

Pisquei atento quando seus olhos se voltaram em minha direção, e por um segundo, pude jurar que seus olhos estavam tão cinzentos quanto um céu nublado. Cerrei os olhos, tentando observá-los mais uma vez, porém eles já estavam tão negros quanto antes.

Aquilo havia sido estranho, mas talvez fosse só um jogo mental de minha mente medrosa.

Eu adoro me pregar peças...

— Para esse jovem aniversariante... — me encarou com um sorrisinho de canto nos lábios. — Madame Victória não irá cobrar nada.

— Como sabe que hoje é meu aniversário? — questionei, de braços cruzados.

— Madame Victória sabe de tudo! — argumentou, batendo as mãos rapidamente.

Ela me indicou a cadeira em frente a dela e pediu para que eu me sentasse. Olhei para Hoseok, negando com a cabeça, mas ele apenas respondeu com um aceno alegre e pediu para que eu a obedecesse.

— Muito bem, sim — disse ela, assim que me sentei.

Ela pôs três cartas grandes em cima da mesa e pediu para que escolhesse apenas uma, com seu olhar misterioso e as sobrancelhas erguidas em antecipação.

— Basta escolher uma... — sussurrou, passando a ponta das unhas por cada uma das cartas.

Esfreguei minhas mãos suadas em meu suéter e apontei com o indicador em direção a carta do extremo esquerdo. Assim que percebeu minha escolha, Madame Victória sorriu em minha direção, com seus dentes de ouro estranhos, e pegou a carta com a ponta dos dedos.

— Ah... — seu sorriso aumentou. — O mágico³... você deve ter cuidado com certas coisas... certas pessoas, meu pequeno Jimin...

Como ela sabia meu nome?

—... e deverá saber lidar com certas situações...

— Isso é bom, Jimin. Não percebe? — perguntou Hoseok ao ver minha careta medrosa.

— Escolha mais outra... — Madame Victória sorriu, tilintando suas unhas na madeira velha da mesa coberta por um pano cigano. —... não tenha medo.

Olhei para Hoseok mais uma vez, em uma pergunta silenciosa se eu deveria ou não fazê-lo, e quando recebi um aceno em concordância, tudo o que pude fazer foi engolir em seco e mover meu indicador para escolher outra carta.

— A do meio? — Madame perguntou, e seus olhos haviam adquirido um brilho estranho e assustador.

— Sim — balbuciei, colocando minhas mãos em meu colo rapidamente. — A do meio.

Ela concordou e puxou a carta com a ponta do indicador. Quando olhos se arregalaram, seu sorriso se abriu medonho e por segundos jurei ver seus olhos adquirindo o mesmo tom acinzentado de antes, mas quando tentei enxergar melhor e ver se não estava enlouquecendo, franzi o cenho ao perceber que eles continuavam negros como a noite.

Eu estava enlouquecendo?

— Sim... — ela murmurou, virando a carta em minha direção.

Tremi ao ver um esqueleto de longos e tortos chifres, segurando uma longa foice em meio a um céu estrelado.

— A morte...

— Eu não quero mais ficar aqui, Hoseok! — choraminguei, me virando para olhá-lo nos olhos. — Estou com medo!

— Diga adeus a tudo o que conhece, Jimin... — Madame voltou a falar, e sua voz parecia mais rouca do que antes.

Ela pegou a última carta e sorriu brilhante, pondo-a alinhada junto das outras sobre a mesa. Era uma criança, de cabelos loiros encaracolados, pendurada de cabeça para baixo.

— O Dependurado... — ela pegou agarrou minha mão abruptamente, me fazendo gritar de susto. — Sim, Jimin! — ela gritou, gargalhando em seguida.

— Por que os olhos dela estão cinzentos? — perguntei desesperado, tentando me soltar. — Hope, me ajude!

Hoseok segurou em meus ombros e me puxou para longe, contudo, acabei me desequilibrando e caí em meus joelhos sobre a lona que cobria o chão. Quando olhei para trás, Madame Victória sorria com seus dentes de ouro e seus olhos negros horripilantes. Levantei e agarrei nas mãos de Hoseok, nos puxando para fora daquela tenda amaldiçoada.

Entretanto, antes de nos afastarmos o suficiente, escutei o grito animado de Madame Victória:

Prepare-se para seu sacrifício, Jimin!

— Vamos embora, agora! — gritei para Hope, pegando meu capacete apressado.

Naquele momento, tudo o que eu queria de presente de aniversário era sair daquele circo de horrores.

06 DE JUNHO DE 2017

Quando vi o dia seis de Junho no calendário em minha parede, levantei de minha cama com um pulo animado e abri as cortinas que cobriam as janelas. O dia estava ensolarado e radiante, onde o verde das árvores e arbustos do bairro davam ainda mais vida para meus olhos.

— Feliz aniversário para mim... — sussurrei, agarrando meu crucifixo de olhos fechados.

Desejei que tudo fosse diferente, a partir daquele dia.

Entretanto, assim que desci as escadas em direção a cozinha e vi meus vizinhos sentados no sofá da sala, percebi que aquele poderia ser um dos piores aniversários de minha vida.

— Venha cá, Jimin — minha mãe comandou, apontando o dedo para o assento ao seu lado.

— Sim, senhora — respondi na mesma hora, pois mamãe não gostava de atrasos.

Senti minha espinha gelar quando vi a filha de Morgana, a vizinha carrasca. Era uma menina pálida e assustada, de cabelos pretos e olhos apagados. Vivia vestida em saias longas e blusas de mangas, carregando seu crucifixo no pescoço, quase tão pesado quanto o meu.

— Feliz aniversário de dezoito anos, Jimin — disse ela, brincando com os dedos.

Ela era tão medrosa, que mal conseguia me encarar por cerca de segundos.

— Obrigado, Marta. Bom dia, senhora Morgana.

Morgana acenou em minha direção e depois voltou a olhar minha mãe com os olhos brilhantes.

— Eu conto, ou você conta? — indagou.

— Eu conto — disse minha mãe, resoluta. Ela olhou para mim e depois apontou o indicador em minha cara, silabando: — Você irá se casar.

Arregalei os olhos, olhando para Marta com uma expressão surpresa e totalmente confusa.

— Mas... — comecei, mas fui interrompido por minha mãe.

— Não tem, "mas", menino. Já está tudo certo. Pastor Namjoon já nos deu a benção e...

— Mas, mãe... — tentei novamente, sentindo que minhas mãos já estavam começando a suar. — Eu não...

Eu estava assustado; minha mãe nunca havia falado sobre casamento comigo. Na verdade, minha mãe nunca havia falado nada que não fossem ordens ou xingamentos para mim, o que limitava nossos diálogos a mínimos nadas, uma vez que somente ela tinha direito a ter uma voz em casa. Meu pai apenas concordava e depois subia para o quarto.

— Marta está tão emocionada, quanto você. Não é mesmo, filha? — Morgana comentou com um sorriso quase raivoso, pondo a mão sobre o ombro coberto da filha.

Marta tremeu e concordou, incapaz de me olhar.

— Eu... — gaguejei. —... eu não quero me casar e...

Minha mãe beliscou meu quadril e me roubou a respiração. Havia aprendido a segurar minhas exclamações dolorosas, por que ela as odiava.

— Do que está falando, moleque? Você irá sim, e ponto final.

Naquela mesma noite, minha mãe me espancou por horas com seu cinturão de couro doloroso, gritando que eu não passava de um nada e que o que era meu estava guardado. Naquela noite, ela só deixou meu quarto — trancando a porta e as janelas com cadeados, uma vez que havia descoberto que eu havia fugido com Hoseok no passado — quando terminou de me amarrar no canto do quarto, de joelhos.

Nunca esqueci a cruz que ela havia desenhado com sua adaga em meu peito. Ela havia desenhado de uma maneira em que a cruz ficasse em pé para mim, mas deitada para qualquer um que a visse. Como uma cruz invertida.

Não casei, mas nunca esqueci o que minha mãe fez quando fugi da igreja no dia do casamento.

Eu quase morri.

[...]

Acordei lentamente, demorando para conseguir abrir meus olhos doloridos. Havia passado por uma reminiscência pesada, que ainda girava e girava em minha mente latejante. Minha cabeça doía, assim como meu corpo inteiro, mas... diferente de antes, conseguia mover os dedos de minhas mãos novamente.

Minha cabeça, também.

Gemi baixinho, inclinando a cabeça para olhar para o que pesava tanto em meu abdômen, ficando confuso ao ver um braço desnudo envolvendo minha cintura. Pisquei rapidamente e olhei para o lado, prendendo a respiração ao ver Jungkook dormindo ao meu lado, ressonando baixinho com a respiração acelerada e a língua presa entre os dentes.

Pisquei letárgico, observando seu rosto calmo; parecia que estava perdido em um mundo de sonhos. Sonhos, não... pesadelos. Sua respiração nunca esteve tão acelerada, nem seu corpo esteve tão suado. Quando baixei o olhar para seu corpo, percebi que ele vestia apenas a calça de antes, mais surrada do que nunca.

Não tive reação; não tinha forças para sequer me mover direito.

— Jimin, não... — ele sussurrou, começando a se remexer ao meu lado.

Ele estava sonhando comigo? Arregalei os olhos, sentindo uma dor latente em minhas têmporas.

— Meu Jimin, não... — choramingou, me apertando ainda mais em seu braço forte.

Gemi dolorido, tentando me livrar do aperto que fazia minhas costelas arderem.

— Jungkook... — murmurei, testando minha voz. — Ouch... — reclamei, por que parecia haver vidro em minha garganta.

Mas ele não queria acordar: — Eu... matar... Você, Chamuel... — murmurava entredentes, com suas unhas fincadas em minha pele.

— Jungkook! — exclamei, dessa vez um pouco mais alto, tentando me remexer, mesmo que o mínimo possível, para tentar acordá-lo.

E consegui.

Quando ele abriu os olhos, me assustei ao vê-los inteiramente vermelhos — igual quando estavam em sua forma demoníaca —, mas após ele piscar uma vez e voltar a abri-los, apenas suas írises estavam pintadas no mais intenso vermelho que já havia sido capaz de admirar. Um vermelho vivo e brilhante... atônito.

— Jimin? — perguntou, levando sua mão ao meu rosto para analisá-lo minunciosamente. — Está acordado mesmo?

Concordei, sentindo meu rosto esquentar com seu toque.

— Oi — sussurrei, incapaz de desviar o olhar de seu rosto de semblante preocupado. — Estou... eu acho.

Percebi quando seu peito engatou em uma respiração mais pesada, como se ele estivesse prendendo a respiração durante todo esse tempo. Ele esfregou o polegar em minha bochecha e, pela primeira vez, desviou o olhar para olhar para o teto, voltando a me fitar em questão de segundos.

Eu achei que tivesse morrido... — comentou baixinho. — Você... você não acordava.

Tremi, observando-o franzir o cenho em uma expressão quase desolada, e por mais estranho que parecesse, tive vontade de chorar ao vê-lo parecendo tão... vulnerável.

Jungkook havia temido minha morte?

— Você me... você me parece preocupado... — gaguejei, cerrando os olhos para observá-lo melhor.

Ele negou e mordeu o lábio.

— Eu nunca fico preocupado.

Convencido.

Mas parecia que ele estava mentindo.

— Você está machucado! — constatei, observando alguns cortes e arranhados em seu rosto, seu ombro e peito nu. Alguns cortes pareciam profundos e doloridos, mas ele parecia imparcial quanto a isso.

— Isso? — apontou para um corte inflamado em seu peito esquerdo, negando com a cabeça. — Não é nada, não se preocupe...

Incapaz de me conter em minha preocupação, arrastei uma de minhas mãos até seu peito, sentindo o quão quente seu corpo estava. Arrastei meu indicador ao redor da ferida e tremi ao notar sua respiração ficando um pouco mais pesada com meu toque.

Quando olhei para seu rosto de novo, quase sucumbi diante de seus olhos, agora escuros e sérios.

— Eu... eu dormi por quanto tempo? — perguntei com um sopro de respiração quase tímido.

— Quatro dias — respondeu, descendo o polegar para acariciar meu queixo. — Você dormiu por quatro miseráveis dias, porra.

Fiz uma careta espantada, olhando ao redor para ver que estávamos em outro quarto com decoração semelhante ao que estávamos anteriormente. Me fez pensar em quantos quartos Jungkook possuía no Hotel Mortal, ao mesmo tempo em que comecei a relembrar todas as memórias que se passaram em meu coma parcial de quatro dias.

Lembranças dolorosas.

— Meu corpo inteiro está dolorido... — revelei, fungando, depois arregalei os olhos ao lembrar de algo. — Onde está o arcanjo Chamuel?

— Morto — Jungkook deu de ombros, lambendo os lábios vermelhos. Às vezes eu ainda me impressionava com seu descaso ao falar sobre mortes, mas...

Naquele caso, eu estava aliviado.

Oh, meu Deus... eu estava aliviado pela morte de um anjo. Não um simples anjo... um dos que mais admirava... no que eu estava me tornando? Estava começando a não reconhecer minhas próprias vontades e pensamentos; e aquilo era aterrorizante.

— Oh... — respondi, sentindo calafrios. — Por que ele achava que eu era Hades?

Jungkook ficou calado, depois suspirou.

— Ele estava errado. Aquele monstro foi morto há anos...

Eu estava com medo, mas não era um medo comum; estava começando a me temer.

Passamos um tempo calados, apenas solhando um para o rosto do outro; nos analisando, nos estudando. Eu, ao menos, gosto de pensar que decorei cada traço de seu rosto perfeito. Logo, Jungkook avisou que precisávamos descer, uma vez que os pecados também estavam hospedados no Hotel, esperando pelo chefe. Disse que precisávamos voltar o mais rápido possível, pois havia recebido um corvo-correio de Ruda.

— Ruda? — questionei, com os olhos arregalados.

Ruda era a gárgula-secretária que estava responsável pelos papéis de minha redenção.

— Sobre o que falava a carta? — voltei a perguntar quando não obtive resposta alguma. — É sobre minha redenção?

Jungkook demorou para responder, mas depois apenas negou com um balançar de cabeça. Como eu estava praticamente incapacitado demais para andar, ele estava me carregando e já descia as escadas rapidamente quando percebi que não iria obter resposta alguma para minhas perguntas confusas.

Todos os pecados estavam reunidos no salão, com Mortícia e suas duas gárgulas anciãs sentadas em seu ombro.

— Meu antídoto funcionou, afinal... — disse ela, cruzando os braços com um sorrisinho convencido nos lábios.

Eles estavam reunidos ao redor de uma grande mesa, e quando Jungkook se aproximou um pouco mais, soltei uma exclamação surpresa ao ver o corpo de Chamuel destruído sobre ela, completamente morto e quase irreconhecível.

Em minha mente, a imagem de Jungkook em sua forma demoníaca surgiu como flashes de luz, o que me fez agarrar ainda mais forte em seu pescoço e me encolher em seus braços.

Jungkook era poderoso e mortal, afinal... era Lúcifer, o querubim.

— Você está um pânico, Jimin! — Mino exclamou, batendo palminhas animadas ao me ver.

Eu queria dizer que estava feliz por não ter morrido com aquele líquido que Chamuel havia me forçado a tomar, mas minha garganta ainda estava borbulhando em cacos de vidro.

— Vamos logo, estou cansado... — Dong Han rosnou, mexendo as pernas lentamente. Estava nos braços de Wonho, que bufou ao ver a expressão de descaso do pecado da preguiça.

Mortana voou em minha direção e deu uma batidinha com seu cetro em minha testa, quase levando um peteleco bravo de Jungkook — se não tivesse sido rápida o suficiente para desviar.

— Tome cuidado, humano... o mal se aproxima — sussurrou, depois se afastou com rapidez.

Franzi o cenho, experimentando o gosto da confusão em minha boca. Olhei para Jungkook, buscando por alguma explicação, mas ele apenas negou com um bufar e se virou para falar cara a cara com a morte sobre a bagunça que haviam feito em seu hotel.

E enquanto eles discutiam preços, foquei minha visão no ponto onde as duas grandes escadas se encontravam no grande salão, arregalando os olhos ao constatar uma coisa tenebrosamente assustadora. Tentei chamar a atenção de Jungkook, para tentar avisá-lo sobre, mas ele havia decidido me ignorar.

Quando terminou seu acordo com Mortícia, foi o primeiro a se virar em direção a saída, sendo seguido pelos outros pecados.

E mesmo com toda a dor em meu corpo; os cortes, as feridas e o sangue... tudo o que eu conseguia pensar era no grande quadro que ficava na parede atrás das escadas...

Por que ele havia desaparecido.

¹2006: na história, Jimin nasceu no dia 06, do mês de Junho (06), de 1999, mas ele contou que só teve uma festa de aniversário, que ocorreu em 2006. Somando tudo, temos 06/06/06, ou 666, o número e (reconhecida mundialmente) data da besta.

²o gato de cheshire: personagem do livro Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho, conhecido por seu sorriso único, semelhante ao formato de uma lua minguante.

³o mágico: no tarot, essa carta representa a capacidade de uma pessoa de lidar com uma situação. Significa cuidado, de certa forma. Também se refere a ilusão, ao poder de mudar uma coisa.


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