POEMAS NASCIDOS EM UMA FAVELA

By Diego_Muniz

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Com poemas como "A PASSAGEM DO POEMA", "EU, O BANCO E A ÁRVORE" e "QUEM TEM RAZÃO?", a obra POEMAS NASCIDOS E... More

POEMAS NASCIDOS EM UMA FAVELA

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By Diego_Muniz


  Soneto Nº 1 

Mas o que será que somos a gente? 

Quem nos descobriu foi o tempo, o acaso?

E por que do par somos nós o outro lado?

E como nós será que alguém o amor sente?


Será que somos nós dois a união eterna?

E quem arriscaria dizer o contrário, que não?

Quem é que explica o sintoma, a paixão?

Quem foi luz pro outro no breu da caverna?


Olha, sou arriscador, e até valente,

Por isso, da vida, sou eu a gratidão,

Por eu ser objeto, o teu presente,


  Por seres tu o encanto, o meu perdão; 

Então, afinal, o que somos a gente? 

Seremos um só... ou um só coração?  


***


Tempo feliz

O meu tempo começa agora,

Quando desisto do tempo sofrer;

O meu tempo é a qualquer hora,

Pois não tem hora para se viver.


Tenho tempo de sobra, querida;

Tenho o tempo e cada instante;

Nosso tempo não cabe ferida,

Nosso tempo é o oposto de antes.


Tempo tanto quanto queria;

Tempo intenso e tempo que diz;

Tempo de paz, e tempo estadia,

Tempo só nosso: o tempo feliz.


***


Outrora

Os poetas são os mais desprezíveis homens:

outrora estão amando;

outrora estão sofrendo;

outrora,

estão,

apenas sóbrios.



Agora

Realmente eu sou diverso.

Sou um tempo de cada coisa.

O avesso do tempo mais o tempo que é a minha decisão.

Cada qual no seu caminho.

De tudo, sou eu um embaraço.

Complico-me por não saber explicar aquilo o que querem ouvir,

contudo,

Posso eu sentir e isso é muito mais que menos.

Os poetas...

Loucos como tudo que vocês são capazes de sentir.

Somos nós um tanto pouco;

somos nós um tanto menos;

somos nós um tanto da própria vida que nega ao pavoroso o pesar.

Somos nós os poetas aqueles "confundidores"

De palavras e sentidos

Que só querem saber da liberdade.


***


Amor, bom dia

Bom dia, amor.

Logo cedo resolvo escrever,

É que desde o abrir dos meus olhos,

Sinto tanta saudade d'ocê.


Alves, Rubem já disse acredito,

Que a alma também faz falar,

E se diz em forma de saudade,

Tá dizendo pra onde voltar.


Então volta amor dos meus sonhos,

Bem ligeiro venha num só pé,

Chegue logo está quente no bule,

O mais doce do amargo café.


Bom dia, amor,

Veja o sol como vem radiante,

Pr'aquecer teu mais belo jardim,

Desluzir o amargo de antes.


Já tá posto na mesa o teu bolo,

Os gominhos que tu tanto gosta,

Por favor não me deixe sozinho,

Sem perguntas pr'as minhas respostas.


Então venh'amor dos meus sonhos,

Pois sem ti já na posso ficar,

Cada segundo que tu demoras,

Mil voltas em seu eixo a terra dá.


Na roseira eu tive o cuidado,

Da mais bela rosa escolher,

Não me julgue por tantos agrados,

É que eu amo amar a você.


Bom dia, amor...


***


Palmas tuas

Nunca amanhecer foi tão cruel,

Em vasta pesagem como é agora;

Nu d'alma crua como resma de papel,

Feito fauna perdida ao largo da flora.


Nem os suspiros daquele velho calor;

Os sonhos de outrora, agora, tortura;

Eu o querer, tu o pleno valor;

Afeiçoado demais à minha própria amargura.


Calejado das andanças, dos passos em vão,

Carregando, em mim, o peso da culpa,

De certo, o sim, eu sei que é não,

Sedento, insisto, por tu'alma pura.


Onde estás tu que não mais apareces?

Prometestes que do Jardim não seria, pois, as brumas;

Sou eu! rosa azul! acho que tu se esqueces,

Das estadias minhas nas palmas tuas.


***


Enquanto existir

Brumas, não mais se aproximem!

As lembranças da Rosa,

Antes azul,

Agora são saudades.


De mim, brumas, se afastem!

Por que tanto me acinzentas?

Não poderias ser tu piedade

Em vez de ser somente dor?


Amaldiçoadas brumas!

Vós que sois falsas nas promessas;

Que sois o meu vasto medo;

Que sois todas as minhas feridas.


O meu jaz nesta terra,

Por vossa culpa, ó brumas,

Embelezará o tempo e vós sumireis.

Ela, azul, nascerá em mim e te sobreporá.


Brumas, morro agora em vida,

Mas viverei n'alma,

Enquanto em mim existir,

Por ela, o amor!


***


Inquieto Poeta

Quem somos enquanto poetas senão esquecidos?

Ou faladores?

E onde será que desaguam os amores?

O que será a liberdade a quem está perdido?


Que medo da vida!

Que medo de andar, e andar, e andar...

E por que tenho eu o medo de amar?

Será que será por que o amor também causa ferida?


Ou será que será por que o amor dói na partida?

E de quem será que será enfim o sofrimento?

De quem carrega a culpa ou de quem sente o tormento?

Será no fim, no começo, ou será no ainda?


Será, então, que por ora, tudo bastará?

E o quanto será que fala o silêncio?

E quem será que nos levará: a morte ou o tempo?

De quem será o mistério contido no (a)mar?


Quem somos enquanto poetas senão esquecidos?

Ou amadores?

Será que seremos nós escritores?

Ou será que seremos nós corações aflitos?


O que será que será...?


***


Quero

Quero eu belos seios,

Porque seio é o que há,

Seja ele seio de um rio,

Ou até mesmo que seja um mamilo,

O importante é que não pode faltar.


Seios vastos ou seios caídos,

Seios cobertos ou seios desnudos,

Seios na boca ou seios perdidos,

Seios que apontam pro prazer um futuro.


Quero eu belos seios,

E quero seios acima de tudo,

Eu quero seios em demasia,

Eu quero seios enquanto murmuro.


Que mal há em querer belos seios?

Já que Vinícius outrora queria vaginas,

Eu quero seios e quero mamilos,

Eu quero de tudo: menino e menina.


Quero os seios da mãe que amamenta,

Quero nutrir minha vida da natureza humana,

Quero ser índio, quero o cacique,

Quero da vida a parte sacana.


Quero eu belos seios,

Pois querer coisa séria é demais pra mim,

Querer seios, ou mamilos, não importa,

O que eu não quero da festa é ver o seu fim.


Querer seios numa sociedade de tradição,

Ou mamilos numa sociedade homofóbica,

É querer muito, é estar fadado a ouvir não,

Mas pra tal resposta eu me viro às costas.


Quero mesmo seios em fartura,

Quero seios até que eles me afoguem,

Seios, mamilos ou toques,

Só não quero mesmo é viver na amargura.


O que eu quero é só poder querer,

O que não significa que eu vá conseguir,

Eu só não quero mesmo é viver sem ter,

Eu só não quero de mim é ter que fugir.


***


Salva-me a morte

Salva-me da vida a morte,

Deste doloroso cruel pesar,

Dos sentidos que não podem,

Ter à ela para amar.


Jaz cá dentro aquele de outrora,

Foi-se em paz com os desamores,

Vejo olhar o choro que aflora,

Pelo monstro dos meus horrores.


Sem livramentos divinos eu morro,

Já que ela está em silêncio,

Não me ouves gritar o socorro,

Nem me cura do vasto tormento.


Sou morredor porque eu preciso;

Em partes não se vive alguém;

Morro em paz enquanto decido:

Nunca mais vou amar à ninguém.


***


Se estiver bela

Eu que cá vivo morrendo,

Pelo amor que deixei ir;

Pelos sonhos que não tenho;

Pela dor que eu não menti.


Ela lá que nem sei onde,

Mas cá dentro a viver.

Eu sozinho feito ontem,

Morto em cada amanhecer.


Amada tanto e eu pouco,

Pagando da vida o preço,

Por aí feito qualquer,

Tendo aquilo que mereço!


Não há em mim sanidade,

Tenho falta de juízo,

Mais ainda quando mandaste,

Da tua vida eu dar sumiço.


Sofrido estou de tristeza,

Mal chega o ano e eu fim,

Dou valor ao que Ela queira,

Ao contrário faço por mim.


Acabo com a morte, eu juro!

Com a vida? Despreocupado.

E se a morte estiver bela,

Morro feliz, só e entusiasmado!


***


[...] que eu

Eu amo o tempo enquanto passo,

Enquanto nasço,

Por enquanto me é permitido...


Já que logo mais à noite parto,

E rastro,

Deixarei aqui por ter vivido...


Digo que sem se entregar o amor é farsa,

E ela, a solidão, vasta,

E o poeta um alguém esvaído...


E que morrer de amor é morrer com a alma,

Então que nela eu morra e nasça,

Que eu corpo, prazer e vinho...


Que o mar me banhe e profundo,

Seja enquanto inundo,

O segredo de quem é perdido...


Que eu não tenha esquecido do enquanto,

Do encanto contido no pranto,

Do amor (por ela) que andei sentindo...


[...] que eu.


***


Mensagem ao tempo e à vida

Medo,

Tenho medo da vida,

De quem anda calado,


Tenho medo do nada,

Tenho tanto estrago.


Tenho, apesar,

Do medo a certeza,

Que o medo é estar,

E que seja também a beleza.


Tenho tempo,

Tenho tempo para o susto,

E tempo pra não ter razão,

Tenho e devo tempo ao justo,

E ao poeta: o sem profissão!


Tempo e medo: tudo o que tenho;

Juntos na mesma mala, na mesma avenida,

Juntos no mesmo tempo,

O medo e o tempo,

Juntos na vida.


***


Profunda madrugada

É profunda a madrugada,

Tal qual mata no poeta o sossego,

Este só e amargurado,

Despertado - vive o medo.


O silêncio do escuro,

O pavor da solidão,

Faz barulho a madrugada,

Pra quem morre de paixão.


Quem recorda está fadado,

A sentir, ser infeliz,

E quem sente amargurado,

Sente só, a ninguém diz.


Demorada é a manhã,

Nunca chega pra salvar,

O poeta amargurado,

Que está só a naufragar.


Seus pecados são fieis,

Fazem par à solidão,

Morre só quem é poeta,

E quem vive de paixão.


O cão ladra escuro afora,

Faz barulho à madrugada,

Morre só quem é poeta,

Sem um deus, sem uma amada.


Tem morrido ainda em vida,

O poeta amargurado,

Vive sempre uma morte,

Sente só o desgraçado.


Mora o poeta à madrugada,

Nela vive, nela morre,

Nela luta uma Cruzada,

De escrever sozinho sofre.


É poeta, é amante,

Sofredor de profissão,

Desprovido, não tem sorte,

Não tem paz, só coração.


É trancado enquanto o dia,

Se anuncia em pleno céu,

E faz jura às brancas linhas,

Se confessa ao papel.


Sem coragem admite,

Ter partido ainda enquanto,

Sua alma era triste,

Seu sorriso era pranto.


Digam tudo do poeta,

Menos que partiu de fome,

Sua ceia era repleta,

Do sofrer que nutre o homem.


***


Quem tem razão?

À vida emito questionamentos:

De onde eu nasço? Pra onde eu vou?

Se eu for humano, o que é que tenho?

Se eu posso sentir, então o que sou?


Se eu for em si o tal apanhado,

Se eu for a certeza do que eu não sei,

Estarei eu certo? Ou então errado?

Será que é mentira o que hoje é lei?


O que será então a moral?

O que será então a ciência?

O que é o bem? O que é o mal?

Quem terá sozinho a tal consciência?


Se eu sinto desejo e isso é pecado,

Serei eu o outro e não mais meu eu?

Quem são os meus eus? Por que eu sou vários?

Quem é que nos salva? Será o teu Deus?


Quem tem a coragem? E quem tem o medo?

Tem medo de quem? E coragem pra quê?

Quem tem a resposta? O que é o tudo?

O que é o nada? O que é o ser?


De algo no texto tu sentirás falta;

Serviu pra confronto então o poema;

Eu fiz da fogueira o esboço da carta;

Mas falo do quê? Será qual o tema?


***


O confidente

Mar longo de segredo, esbravejante,

Te acalme ao se achegar a terra;

Não vê tu a sinuosa amante,

Estirada em conforto, serena e bela?


Não apague n'areia os versos,

Que outrora risquei com as palmas;

Não me leve as juras, imploro, lhe peço:

Não afogue em ti o amor que deságua!


Banhe sem pressa os pés da minha vida,

Desfrute de toda beleza que é ela,

Seja tapete, aconchego, avenida,

Seja da ceia o castiçal da vela.


Minha vida, ela, admira História,

Os cantos da vida, o torpor do poema,

Seja um aluno fiel à escola,

Seja o palco pr'artista da cena.


Entenda, ó grandioso mar,

Juras de amor são votos eternos,

Pra dama esbelta sou eu o tal par,

Sou o seu súdito, seu honroso servo.


Não pense que me apeguei à loucura,

Mas não duvide que eu viva a memória.

Ela está lá! Não vê tu? Jura?

Responda, amigo. Teu amante implora!


Estou à cabeceira da morte.

Inda'sim sou leal ao passado;

Condenado, sem um pingo de sorte,

Mas feliz por não ser Jorge e ter amado.


Deixe-me respirar em paz os poucos segundos,

Só me prometa não apagar n'areia,

Tu que és raso, maestro, profundo,

Conserve meu corpo; lhe entregue à sereia.


Parto, mar, sem pavor do final;

Despejo em ti só aquilo que tenho.

Se de mim tu lembrares, me faça um sinal,

Agora sou nuvem, poeira, o vento.


***


São

Jardins inteiros de belezas;

Tantas gentes numa só.

Quando faltam? São tristeza.

Seus tamanhos? O maior!


São o alfabeto, todas as frases;

Os versos do poema de amor;

São o presente de toda fase;

São a cura pra toda dor!


São os olhares; são o conforto;

São as ondas do mar azulado;

São os céus da nossa avenida;

O nosso amigo; o nosso outro lado.


São os heróis de toda batalha;

São os cofres que nos protegem;

São quem nos ditam; quem nos ensinam;

Sej'onde for, elas nos seguem!


Dedicam o que não tem;

Transformam tudo em paz;

Completam o que faltam;

Não morrem mesmo em jaz!


São pais, tios, avôs;

São em si um família.

São meu eu; são, afinal:

As mães! Nós? Filhos e filhas.


***


Romantismo

Aqueles que colhem flores

São quem matam os jardins.

Eles inventaram

a beleza

nos buquês

apenas

para romantizar

o sofrimento alheio.


***


Eis

Eis aqui os versos de um poema,

De um texto só e inacabado.

Eis aqui, também, o problema:

Viver de gente fria, vazia, por todo lado cercado.


Eis aqui o meu maior pesar;

Eis aqui, presente, o meu sentir;

Eis aqui a busca pelo amar,

Tal qual é gratuito, não se deve pedir.


Eis aqui o meu tempo todo entregue;

Eis de mim a inteireza;

Eis meu voto, desejo e prece;

Eis a dúvida; eis ausência de certeza.


Eis cá o humilde poeta;

Eis cá o amordaçado por tradição;

Eis cá quem insiste, luta e versa;

Eis quem mata, de amor, o coração.


Eis o tempero da ceia;

O recheado de sentidos frios;

Para o gelado do pé, eis aqui a meia;

Para o curandeiro, eis aqui o ferido.


Eis aqui a minha lamúria;

Eis aqui o calejado calcanhar;

Eis aqui o oposto da fúria;

Eis a paz e o que dela restar.


Eis aqui um homem da vida;

Eis, porém, quem não se venda;

Eis o oi, o devir, o adeus da partida;

O aliado; eis alguém que entenda.


Eis aqui o tanto da coisa;

Eis tanta coisa que eis aqui o nada;

Eis o fraco, mas eis também a força;

Eis a sombra: o aconchego da estrada.


Eis, afinal, aquilo que queiras;

Eis, então, entregue o meu eu;

Eis bastando que tu recebas.

Aceitares, ou não? Compromisso teu.


***


Confissão ao mar

Conto ao mar minhas desventuras,

Pingo-lhe mais algumas gotas de sal,

Sinto nele o amargo, toda tristeza,

Da sua vivência afogado em lágrimas.


Banho-me os pés com sua secura,

Não suportaria tanta aspereza por todo corpo,

Vejo nele uma imensidão de lamúrias,

De outros desamores já em naufrágio.


Ainda assim resiste o mar,

Segue como o mais calmo confidente,

Mesmo em ressaca é todo ouvidos,

Toma sua prece e dela faz vai e vem.


Ah! saudoso mar dançarino,

Tu que bailas vestido de verde e azul,

Traga do infinito a paz que eu tanto busco,

Ponha fim na incerteza que mata a minha vida de esperança.


***


Por quê?

Vida, por que me queres,

Se em ti dignamente não posso viver?

Vida, por que tu feres,

Amarga e mata teus filhos já ao nascer?


Sou um simples homem preto,

Herança de tanta gente sofrida;

A esperança que outrora me veio,

Hoje está em luto, um caco, partida.


Tu, vida, é árdua aos bastardos,

Fácil aos detentores,

Dura aos pés descalços,

Paz e luxo aos senhores.


Sabes tu que tem gente morrendo?

Uns que nem sabem o porquê;

Outros que seguem vivendo;

Na esperança de algo um dia ter.


***


[Eu tenho tempo]

Eu tenho tempo,

Não muito;

Talvez alguns anos;

Quem sabe, segundos.


Eu tenho tempo;

Tempo suficiente;

Pra plantar e ajudar;

Tempo pra mudar gente.


Eu tenho tempo,

Posso ser outro,

Posso sonhar e escolher,

Não fazer tudo de novo.


Eu tenho tempo,

E o que mais quereria?

Já que tenho mais um tempo,

Posso ser pai, mãe, filho ou filha.


Eu tenho tempo;

Tempo até de sobra,

Pois o tempo não é ontem,

Todo tempo é agora.


Tenho pra escrever,

Tenho o tempo que diz,

Todo tempo é difícil,

Faça dele o tempo feliz.


Tenho tempo pra morrer,

Já que um tempo eu vivi;

Quero o tempo alegre;

Como o tempo em que sorri.


Tenham todos vocês o tempo,

Que julgarem necessário.

O tempo é feito de erro,

Pra que possa ser o contrário.


Tempo de tudo um pouco,

Tempo de superar,

Tempo de encontro doce;

Tempo, enfim! Tempo... de amar.


***


[Amanheci]

Amanheci.

Algumas dores rompem o tempo,

e uma delas é a dor da distância,

tão má quanto é a dor da miséria.

Ter fome é tão doloroso quanto amar,

principalmente

quando o prato custa tão caro

que dinheiro algum compraria.

Alguns nasceram para descrever os seus sonhos;

já outros, os seus prazeres;

eu,por exemplo,para descrever os pesadelos

que sempre me acompanham.


***


Pai Nosso

Pai Nosso, cadê o teu céu?

Por que tanta gente aqui morre de fome?

Por que que alguns vivem o luxo de um reino?

E por que de um direito eu nem tenho metade?

Cadê, Seu Pai Nosso, onde está o meu céu?

E por que, pra comer, nem um pão tive hoje?

Em qual crime me enquadro por cumprir tal sentença?

E por que estão matando os pobres já tão ofendidos?

Cadê, então, a tal libertação?

Onde busco ajuda contra o mal?


Peço ela, a quem?


***


Sem Adeus

Quero do sabiá o canto;

Da alma eu quero a leveza;

Do pesar eu quero o pranto;

E da vida eu quero a tristeza.


Dói demais o meu pelejo;

De caminhar sempre em vão.

Sofro muito de desejo,

De torpor e de paixão.


Ó amada que partes,

Sem adeus na despedida,

Quem sabe em outras faces,

Tenhas tu a metade perdida.


Fico eu que sou poeta,

Sofrendo de escrever.

É melhor, querida amada,

Que antes só pudesse ler.


Ao menos não morro sozinho,

Junto comigo eu levo o horror,

Este qual é o andarilho,

Como um pobre esvaído, fadado a morrer de amor.


***


Guanabara

A vastidão do amansado e escuro mar,

Ela, eu, todo mundo e coisa alguma,

Guanabara o lugar tão disposto a amar,

Um pedaço do Rio de jovial amargura.


A doçura do encanto é pecado nobre,

Carinho das palmas, minhas, na face tua,

Percorro tuas partes antes mesmo que cobre,

Meu toque enquanto se faz dama nua.


És o meu prazer do espírito ante ao próprio corpo,

Deleito-me logo que inexista o pouco tempo,

Sobrevivo do amor e por isso sou louco,

Tão louco que insisto explicar o momento.


Cobre-me o que quiseres menos a brevidade,

Sou intenso quanto são os poetas em alforria,

Sou pequeno, miúdo, ainda em tenra idade,

Caibo no mundo quanto no sábio cabe a filosofia.


Desfaço-me do pesar pela tua existência,

Sonho novamente como fiz na meninice,

Jaz aos pêsames que senti na ausência,

Abrigue-me o quanto o teu coração permite.


***


Zé Pilantra

Pendurado o paletó já não é tão branco,

Vê-se ainda mais com o despertar da amarelada estrela,

Passos enlouquecidos e pontapés ao vento,

De volta está o malandro xingando os arrumadores da feira.


Foi amado enquanto na madrugada era rei,

O monarca do salão onde esbanjava maestria,

Tinha nas mãos o segredo da não solidão,

Mais um tanto de ódio da mãe de sua filha.


Bebedor voraz não tossia em trago qualquer,

Uísque, conhaque, cerveja ou cachaça,

Moça, madame, senhorita ou mulher,


Ao redor era ele o dono da Praça,

Andarilho das esquinas e jogador esperto,

Malandro que é malandro é mais errado que certo.


A gravata vermelha vira rosa dada ao galanteio,

Este qual nunca perde para alguém,

Se ele não vai, a ele certeza que vem,

  Sempre a bailarina querendo saber teu segredo 

 

***


Dispostos

Os

dispostos

se refazem.


***


Eles...

Os poetas são o seu próprio caos;

são eles a sua própria loucura.

Os poetas são as chagas que o vestem,

como vestem os guerreiros as suas próprias armaduras.

A defesa de um poeta é a sua solidão,

esta qual é digna e completa até que lhe falte o seu pesar

que

nada mais pode ser além da sua companhia.

São os poetas alucinados

e a luz

que clareia o anoitecer

é onde vivem.

Os poetas se apagam pela manhã que,

aos amantes das letras,

torna-se escura.

Mas estes não são todos os poetas.

Estes são os poetas gentis e alegres

que aprenderam a viver em sofrimento.

Estes são os poetas que sabem que não dependem da ilusão para sorrir,

mas,

ao contrário.

Precisam estes poetas apenas da sua própria paz que é residir onde bem quiserem,

como bem entenderem,

mesmo que isso lhes custe a vida.

São tão generosos quanto é o próprio Deus

que nada cobra além da alma.

No entanto,os poetas também amam,

e amam,

e amam...

Amam tanto que perdem-se por amor;

acham-se por necessidade; e morrem porque a vida...

ah! a vida...

a vida nada mais é que o sopro de um vento que logo se vai;

logo se volta;que,logo, logo estará por aí.


***


Liberdade

Baste-se

E

Serás

L

I

V

R

E...


***


Abatida pelo tempo

Eu jovem moça menina,

Cá com minhas amarguras,

Com olhares que não se animam,

Feridas que não se curam.


Abatida pelo tempo,

D'alma opaca em pleno jaz,

Se amei já não me lembro,

E agora tanto faz.


Vestida de luto em festa,

Onde brincam de ser gente,

Onde todos se detestam,

Onde sorrisos estão doentes.


Eu flor de buquê,

Em breve adormeço,

Fui beleza, agora o quê?

Só a paz que eu mereço.


***


Carnaval de um poeta

Cessam os ventos,

Não se movem mais as brumas;

Chora o tempo,

Vai-se o sol e chega a lua.


É verão em cada aurora,

Logo mais tem temporal,

Chorará o céu por horas,

No meu morto carnaval.


Serei um folião descalço,

Sem serpentina e sem perfume,

Sem fantasia de estrago,

Este qual o véu sucumbe.


Verei os campos em letargia,

Afogando-se da mesmice,

Que causam a nostalgia,

A homens na meninice.


Minha marchinha está sem banda,

Sem bloco e sem companhia,

Morre-se pouco em coisa tanta,

Amada, dê perdão à vida minha!


Sem título e posse ando,

Esmolando o sofrimento,

Assim como o tempo é quando,

Sou eu a todo momento.


***


O amor de um poeta

Ser o amor de um poeta

é estar fadado

à eternidade.

Os poetas,

no mínimo,

amam para sempre.


***


Ida

Ele era tudo para mim,

pois tudo que eu queria era paz,

era pouco,

era amor.

Lembro ainda do seu caminhar

doce e encantador,

sempre reforçado pela ternura que tinha o seu olhar

nunca antes visto por mim.

Ele era tudo pra mim...

suas ideias sempre empolgantes e amáveis:

um tanto de conforto,

outro tanto de liberdade.

Ele era tudo pra mim...

era!

Ele era tudo pra mim até que deixou de existir.

E deixou porque quis,

porque desistiu da vida,

porque fraquejar era a sua maior virtude.

Ele era tudo até resolver mergulhar no seu verdadeiro eu

que nada mais era que uma massacrante solidão.

Ele era tudo até que eu descobri que,

na verdade, ele era apenas o que eu imaginava

e não o que propriamente era.

Ele era tudo,

mas,

se foi.

Se foi

e consigo me levou.

Assim foi a minha ida.


***


O meu tempo

O meu tempo acaba num segundo.

As vozes do meu silêncio falam;

Todos os meus gritos calam;

Onde está a paz do mundo?


O meu tempo num segundo acaba,

Sou eu a tal tempestade, o dilúvio.

Onde está a paz do mundo?

Cadê o amor que me mata?


Minha voz está muda e mudada,

Fala tanto que já nem ouço,

Prazer pelo fundo do poço,

Pelo fim da distante estrada.


Eu ajuntado do pesar,

Louco como um filósofo,

O pensante sem cessar,

Da vida nada mais posso.


Tomaram de mim o sentido,

Cadê? Cadê? Estou perdido.

Salvem-me deste esconderijo,

Onde sozinho eu ando aflito.


***


Honestidade

Acaba-me o prazo!

Logo embarco sem pressa.

Aos poucos me afasto,

Da solidez desta terra.


Aqui estava à deriva;

Teu porto era instável.

Atraquei-me nele à esquina,

Onde a estadia é inviável.


A solidão me assombrava,

Causava-me medo e espanto,

Sempre que de tudo lembrava,

Confortava-me só, morrendo aos prantos.


A paz não faz parte de um poeta,

Pois a sua vida é viver sentindo,

A sua vida que é porta aberta,

Parece feliz, mas é ele mentindo.


***

Devaneios em versos

Eu no campo da solidão,

Só um que era tanto,

Bastada da multidão,

Contida no velho pranto.


Sou o meu próprio pecado,

E um tanto de perdição,

Mais um pouco de estrago,

E a andança no amargo chão.


Sou brasileira do Brasil,

Que nunca foi pátria amada,

Que jamais foi solo gentil,

Aliás: quão gentil é ver gente humilhada?


Da vida eu sou o sopro,

Quisera eu ser poesia,

Quem dera que eu fosse louco,

Sou só: sou a nostalgia.


Ao amigo tempo desejo sorte,

Tal qual me deixa com más desventuras,

E ao injusto eu desejo a morte,

Às mentes? Claridade às escuras.


Nua e crua minha terra de gente,

De gente que mente, de gente que sofre,

De gente da gente ainda que sente,

De gente que é rica e que mata pobre.


Terra adorada,

salve! salve! tua gente,

Salve, ó terra aflorada,

Nossa paz que está indecente.


***


Pra depois

Um pedaço de amor é você...

Tanto quanto eu preciso,

Linda como se vê,

Sozinha, sempre contigo.


Um pedaço de amor...

A melhor fatia do bolo,

O paladar do torpor,

A inquietude do alvoroço.


Um pedaço...

Eu o outro,

Nu e descalço,

Sozinho e louco.


Um...

Não dois,

Apenas um:

O que fica pra depois.


***


O avesso daquilo

Ando ao avesso de propósito:

Sou ao contrário!

Sou o próprio ócio,

Até que eu saia do armário.


Em tudo sou apenas eu.

Sou o canto da vida,

Esta que rejuvenesceu,

Mas que tem muita ferida.


Querem de mim coisa outra,

Mas em fôrma eu não caibo,

Por isso me chamam de louca...

Choro as águas de Março.


Tanta coisa a se fazer por aí,

Como matar, das crianças, a fome;

Tanta coisa precisam ouvir,

Mas insistem que eu seja homem.


Quero apenas da vida a sua plenitude,

Nela eu caibo pois sou humilde,

Além do mais, tenho a virtude,

De ser eu quem sempre insiste.


Então visto a minha saia e saio,

Com meu seio de fora, seminua,

Quebro a porta do armário,

Sou louca, meu bem; sou o que quiser, mas não sou sua.


***

Gente que morre

Morre gente que é pobre,

Morre gente que é inocente,

Morre gente que não pode,

Ter de fato uma vida decente.


Morre gente que é preta,

Também morre gente branca,

Morre gente que se queixa,

Morre gente que nunca janta.


Morre gente que sofre,

Morre gente que tá presa,

Morre gente com falta de sorte,

Morre gente de segunda à sexta.


Morre gente que tá no morro,

E gente que tá na favela,

Morre gente chamada de povo,

E a desculpa é conversa velha.


Morre gente sem escola,

Morre gente gente sem hospital,

Morre gente sem segurança,

E quem mata é o capital.


Morre gente de pouca idade,

Morre gente já mais antiga,

Morre gente que nunca foi gente,

Morre o pai, a mãe e a filha.


Morre gente de todo jeito,

Só não morre quem mata essa gente,

Morre gente por uma vontade,

De poder que é causa doente.


E de mortes e mortes a vida segue,

Sem sentido pra quem tá morrendo,

Gente coitada, gente que pede

Só que a morte não chegue batendo.


***

Quando tu partes

É quando tu partes que me aperta o peito,

Cá fico em pelejo pleiteando a paz,

Se esvai o esperado sonho, não te vejo,

As manhãs me trazem o diário jaz.


O café à mesa quebra a solidão,

Não é de leite, chá, bolo e pão,

É feito de folha clara, a minha ninfeta,

Pra tecer palavras não uso caneta,

Mas lápis de madeira na cor carvão.


Quão bom é poder sentir, sem medir,

Ou mentir,

Mesmo que por isso eu não possa sorrir,

Ou pedir,

Que voltes tu logo, depressa,

Veloz feito luz, feito flecha,

Feito um raio que caia aqui...


Sobre mim, digo essas poucas coisas inúteis,

E por estar eu dizendo em forma de poema,

Palavras ajuntadas, confissões em fonemas,

Não são mais ou menos fúteis.


Ahhh! Que eu me quebre e cole,

E cubra,

E muda,

Minha voz peça por mais um gole.

E que logo mais eu entorne,

E torne,

Ao tempo, ao vento, ao momento,

Em que nossos corpos desfrutaram na cama nua...


***


Saravá

Desgastado, um caco, sem lastro, à deriva,

Rasgado ao meio feito folha de sulfite usada,

Um mundo em mim que não me serve de nada,

Doer dói qualquer dor, mas não como a da partida.


Acuado, amargo, sem tato, um rato, sou eu o meu próprio refém,

À espera da liberdade tal qual não chega,

Pois libertar-me de mim não posso antes que para isso eu seja...

Corajoso, e coragem não é para qualquer alguém...


"Amém!" Grito em silêncio ao final da prece;

Pai-Nossos e Ave-Marias para ser salvo,

Ou alvo,

Nada importa ao corpo largado do indigente que padece...


Nada importa salvo fugir, correr, sumir, se abrigar...

Nada importa salvo manter-me como um troço escondido,

Um imundo que de tão covarde que é cheira forte, está fedido...

Um refém do amor, de quem ama, e também do amar...


Um bandeirante em caravana sem bússola, cavalos, armas ou destrezas...

Sem sequer poder descobrir algo além da sua incapacidade,

Sozinho é ele o estrago do estrago do resto da cidade,

Um universo de quereres, dúvidas, medos e falsas certezas...


Mas ninguém saberá, ligará, salvará ou qualquer coisa fará...

Ninguém lá estará, falará, a palma tocará,

Ninguém poderá, ninguém amará ou mesmo julgará...

Ninguém como ele terá: tanto azar! Quem o desejará?

Afinal: Quem saravá?


***


Narrativa do retrato

"Ploc": Sobe a rolha de cortiça,

Tal qual por dentro está ferida,

Sentida,

Feito dama triste que insiste,

E resiste,

Ao peso de amor de quando menina...


Noutra mão segura a taça,

Crua, virgem,

Brilhante feito vidraça,

Transpirante, semi-pálida,

Recebe enfim o seco vinho...


Agora pecador menos sozinho,

Debruçado n'algo que lhe importa,

À tardezinha, sentado à beira porta,

Bebe, e bebe, e bebe o amargo chileno vinho...


Cof, Cof...

Fumaça cinza encobre o espaço,

Papel, caneta, medo e tempo,

As angústias do relento...

A mão tremendo a letra, o traço...


Pobre coitado!

Sente feliz, vestido de trapo,

A mesma felicidade do palhaço,

Esta que some, se esvai,

Quando chega a hora e a cortina cai...


Um artista!

Escritor de dores e angústias,

Um amante à penúria,

Vivo até que desista.


Pelo peso dos olhos e a coluna curva,

As cinco garrafas vazias,

Bebe desde o nascer do dia,

E sofre: tem alma nua.


Os lábios ressecados são provas da desidratação,

Rompe o homem o modelo, o esquema,

Faz-se assassino dentro dos versos de um poema,

Pobre coitado! De tudo – menos de coração!


Por sorte é poeta letrado,

Pode amar e morrer em sincronia,

Pode ser pai, mãe, filho ou filha...

Pode inclusive viver enganado...


E por sorte não faz mal qualquer,

Nem mesmo mente,

E mesmo doente,

Deseja a amada mulher...


Para quem sabe, na quentura do seu corpo,

Sentir em si o pulsar de uma vida plena,

Que de tanto rasgo e amasso dá pena.

É chegado o fim da descida: eis cá o fundo do poço.


***


Saudoso tempo

Saudoso é o tempo, grande, guardador de segredos.

Este que chega, e surge, e amanhece...

Este que logo mais anoitece,

Este que é coragem a quem não tem medo...


Saudoso é o tempo, que dá, que cede, que não volta;

Que de tão amável nos cobra apenas a presença,

Que é mão estendida quando o tempo é tempo de clemência...

Que nos ouve, ama, sente e toca...


Saudoso é o tempo que te trazes...

E o teu chegar são euforias, fantasias, são todo um carnaval...

São as palmas das brumas estendidas, a vasteza das avenidas, são os poetas do sarau...


E em algum tempo disseram-me as brumas,

Nas palavras trazidas pelo saudoso vento,

Sobre as andanças, os olhares, os beijos da boca tua,

Que me dão saudade agora, ontem, a todo tempo...


... Saudoso tempo.


***

O que há em mim?

Em mim há um poema,

Um poema quase morto,

Talvez um poema torto,

Quem sabe até um poema.


De belezas que não são minhas,

De estórias que me contam,

De mentiras que encantam.

O que é mesmo que eu tinha?


Ah! (lembrei) há em mim um poema,

Não sei o seu tamanho,

Não sei mesmo se conto,

E se for ele um problema?


É que há um poema em mim,

Desses que a beleza some,

Que a lágrima o olho rompe,

Pela tristeza que não tem fim.


Um poema, em mim, há...

Não que eu seja poeta,

Meu sentido, louco, tem porta aberta...

Está morrendo enquanto penso,

Só e perdido: o pleno tormento.

Esperando que o meu poema se vá.


***


Ao artista

Não te amargues, caridoso artista,

Se a plateia dispersar,

No picadeiro o palhaço brilha,

Já na boleia, põe-se a chorar.


Quem não sente é quem sofre,

Perde a chance de viver;

Sabe o riso da lua que morre?

É pro sol que está vindo nascer.


Não te mates, talentoso artista,

Dê aos que sobram o melhor que pode;

Dê tua arte em plena euforia,

Seja eterno, de glorioso porte.


Um palco calado também é falante,

Também é o artista que está sem plateia;

A arte é muda, ouvinte, andante;

A arte é divina, completa e bela.


***


Noite

Noite,

Adormece o dia,

Repouso-me no tempo,

Vivo minha tanta agonia.


Noite,

Se achega a mudez,

É frio o pensar,

É suada a tez.


Noite,

Pra uns, tão distante;

Pra outros, vazia;

Pra mim e pra morte: o bastante!


Noite,

Entregadora de amores,

Vivente o escuro brilha,

Fugaz distribui horrores.


Noite,

O canto de quem sente;

O par seguro que ouve,

Que é o fiel é confidente.


Noite,

Logo mais desperta,

E tu vai, vai, vai...

Deixa só a saudade que aperta.


Noite,

Noite que é toda minha,

Noite que é toda nossa,

Eu cá; tu aí, sozinha.


***


Carta ao pai

Segue escrito o meu pesar,

Nota ao pai do falecido,

Digo em letras o que penso,

Dou a ele o que sinto.


Bom rapaz foi o sujeito,

Homem grande, sentidor.

Encontrou-se, foi tão longe;

Sua morte? De amor!


Pedido feito, eu repasso:

"Chore pouco", disse ele;

"Seja vivo, não metade";

"Poupe-se! Não peleje".


Vê o céu que está repouso?

E as brumas a chegar?

Certo digo: Sabe o vento?

Vai o cinza espalhar!


Dor é ter saudade, sei;

Nunca cura, sangra quem ama.

Mas me disse o rapazote:

"Fale ao mundo da esperança".


São poetas os andarilhos,

De cachimbo são fumantes,

Tragam em cada fumaça,

Todo tempo do instante.


Letrado e de costume,

O rapaz, sua dama virgem;

De sangue no coração,

De lágrima a vista tinge.


Não morra, pai do finado;

Filho teve, estou certo?

Homem assim nunca que morre!

Nas palavras faz-se eterno.


***


Meio poeta, meio homem

Vertente do tempo, uma brisa,

Das que avoam a trazer,

Os suores à narina,

Como fel a entorpecer.


Envelhecedor de gente, meio amargo,

Doce enquanto o paladar,

Vive a fome de sua vida,

Do amor a esperar.


Atordoado na vazia cama,

Vivendo a dor como herói,

Se és vil? Só sei que ama!

Ama muito: chega dói.


Meio poeta, meio homem,

Meio tolo, infeliz.

Meio tanto, meio pouco,

Sempre em tudo o que diz.


Amante das sinceras damas,

Todas numa sonha o coitado,

Face sua, febre esbanja,

Dorme em paz, vive acordado.


Corpo dor de agonia,

Tudo por ter coração,

Que entregue à moça linda,

Hoje morre de paixão.


Fim honesto teve o homem,

Resta a parte da evidência,

Resta um tanto da imagem,

Resultado do amor: a sua doença.


***


A passagem do poema

Passará meu sono, passará a hora,

Quase tudo, a saber, passará;

Passará o vento no vão da porta,

E as brisas doiradas do sol a raiar...


Lá dentro em repouso sobre tecido morno branco,

A dama em coma, febril, estará a descansar,

E nela passarei as gotas do meu orvalho, dolorido pranto,

Tal qual passarei na esperança de lhe salvar...


E se for preciso para salvar-lhe morrerei num poema,

Aliás, prefiro eu morrer num poema que em mim um poema faltar,

Prefiro eu morrer calado dentro de um poema,

Do que dentro de mim um poema calado de amor se matar...


A dama, enferma de solidão, que não poderá,

Assim como eu decidir do que morrer,

Deitada sofrerá, sofrerá, sofrerá...

Para que um poema possa assim viver!


Serão injustos os poemas que insistem em falar da dor?

Ou seria injusto o amor se não deixasse o poema falar?

E quem sofre com o poema: o poeta ou o leitor?

Ou será que mais sofreria aquele que de amor nunca sofrerá?


Não importa! Tenho uma dama a salvar.

Uma dama que está morrendo e sendo do poema a semente,

Este qual se escreve, que está a brotar,

Este qual não mente quando diz que sente.


E até que não chegue, enfim, o citado dia,

Colherei os tenros florais que no chão estarão a aflorar,

A eles darei carinho; à amada em coma darei minha vida,

E só assim, na passagem do poema, ser nascido o amor poderá...


***


Jardim da perfeição

Posso ainda me lembrar de cada detalhe

do espetáculo

que foi aquele nosso encontro,

sobretudo pelo tempo frio que fazia,

assim como faz no de hoje.


Lembro-me de você chegando,

linda,

tão flor,

que os jardins corriam sempre ao teu alcance,

de modo a enfeitar todos os seus passos.


Como eram bondosas as rosas

que se sacrificavam umas entre as outras

para que todos os seus espinhos fossem lançados fora da tua rota;

as margaridas?

Ah!

as margaridas...

estas,

como sempre perfeitas

em sua harmoniosa fala

exalante de um perfume gosto de prazer,

abdicavam-se das próprias vaidades

de modo que suas pétalas

pudessem anteceder à tua chegada:

eram elas o próprio festival pirotécnico

sem barulho e estouros,

mas,

que em silêncio,

eram capazes de gritar ao mundo inteiro

o que de certo chegaria;

louváveis mesmo foram as gérberas coloridas de tantos sóis que giravam no seu entorno,

minha beldade aurífera.


Posso sentir o teu sabor

sempre que fecho os meus olhos

e tento entender o que é a perfeição dos paladares;

uma perfeição

desconhecida

por qualquer culinarista que seja,

salvo os que entendem de rosas,

margaridas,

gérberas

e jardins que se movem e vão em busca do amor.


Você,

alma de tantas purezas;

você que é capaz de invejar os querubins

pela leveza e lisura;

você,

você que tem o algodão revestindo a pele

de tão macia e sensível que é;

você,

você que vagueia

e leva todos os cantarolares das aves

em revoada

é sempre a minha obra de arte mais perfeita.

Ah...

como é bom poder viver

nas amarras que é a tua imensidão,

ó serena amada.


E,

de tudo,

peço apenas para que permaneça carregando os jardins à sua volta,

para que desta forma,

nada possa ousar ser triste ou frio

aos olhares do teu amante

que segue

sonhando

com o dia da tua volta.


***


Eu, o banco e a árvore

Eu,

o banco

e a árvore:

a árvore de pé,

rígida,

no auge da vitalidade

e da sorte

por ainda estar de pé;

de tronco experiente

pelo tempo já passado,

expressando sua mistura de cores,

de uma folhagem verde:

mais ou menos

verde escuro

e

mais ou menos

verde claro;

fincada no solo que é o passeio

da Cinelândia

incapaz de reclamar;

fazendo sombra ao banco,

de modo que o conforto seu

de longe seja sentido;

o banco de madeira,

que outrora já foi árvore,

dividindo estadia ao mesmo solo,

totalmente abarcado pelo conforto

da sombra

que faz a ingênua árvore

em sua mudez,

recebendo sobre ele

um casal que se mostra

no amor das possibilidades

e do próprio conforto;

eu só,

de longe o suficiente

para ler a poesia

que é a natureza

no encontro das árvores,

dos bancos

e dos sentimentos.

O pra lá

e pra cá

de pessoas

segue

em sua maior perfeição.

Todos com suas faces

iluminadas

pela claridade

da modernidade;

claridade

que os impedem

de sentir

a beleza

do encontro

entre a árvore,o banco

e o casal

que é só amor.

Uns puxam bolsas

de couro

engrenadas

em rodas de plástico;

uns carregam suas pastas

sempre cheias

de mistérios;

outros carregam

tanto peso

que

só carregam

o vazio.

Ninguém mais se fala,

aliás,

ninguém mais se sente,

salvo o casal,

o banco

e a árvore.

E eu?

Poderão perguntar...

Eu,

presente na modernidade,

sinto

ainda

o amor pulsando

e faço

dele

poesia.


Muito obrigado a todos e todas! <3

facebook.com/diegomunizpoesia

Instagram: diego2muniz

Email: diegomuniz@ufrj.br 

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