POV Ana Clara
O meu plano era simples: acordar meio dia, comer alguma besteira, tomar banho e esperar Vitória, sei que não marcamos um horário específico, mas normalmente as pessoas vão para a casa das outras após o almoço.
Vitória não estava entre essas pessoas.
Era exatamente 10:30 da madrugada quando escuto a campainha tocar, espero alguém ir abrir a porta mas lembrei que as meninas tinham falado que iriam viajar logo após a festa. E assim, com muito custo eu consegui levantar e ir até a porta.
Bem, eu não me considero uma pessoa plena de beleza, sou ajeitadinha e tal, mas eu acordando em um domingo de manhã depois de ir dormir tarde na noite anterior é de se assustar. Meu cabelo que normalmente é comportado estava mais armado que o de Vitória combinando com meus olhos inchados e meu baby doll nada sexy de cachorrinhos desenhados.
- Vitória? – Quase gritei quando abri a porta e vi aquele monumento paradinho ali.
- Oi Ana, te acordei? – ela me perguntou enquanto me analisava e eu só pensava em como sumir dali.
- Na... na verdade não! É que eu costumo ficar assim até tomar banho e hoje tá tão frio – nem tava, menti descaradamente me enrolando com as palavras.
- Certo, posso entrar?
- Claro! – abri passagem para a menina.
- Te mandei mensagem antes de sair, você não viu? – ela estava tão linda, o cabelo formando um coque solto, o macaquinho frouxo... Meu Deus como ela estava tão simples e linda assim? Ana Clara para de pensar nessas coisas, me repreendi mentalmente.
- Não costumo usar celular durante a manhã – menti mais uma vez.
– Fiz mal?
- Não, tudo bem. Seu Joaquim que te passou o número do ap?
- Sim, você sabia que a filha dele também chama Vitória? – Seu Joaquim era o porteiro do meu prédio.
- Claro, ele fala isso para todo mundo... Tu se importa de esperar um pouquinho enquanto eu visto uma roupa mais apresentável?
- Não, vou ficar aqui quietinha sentada no sofá. – Eu ri e voltei para o meu quarto sem nenhuma vontade de voltar para a sala de novo.
Mas mesmo assim eu nunca escolhi uma roupa tão rápido na minha quase duas décadas de vida, meu banho então, nem pode ser considerado banho e quando vi já estava saindo do quarto pegando Vitória olhando algumas polaroides que estava na parede da minha sala.
- No meu quarto tem muito mais. – Falei e ela imediatamente me olhou – Digo, tem mais polaroides no meu quarto, se você quiser ver, só se você quiser. Isso não é um convite para conhecer meu quarto... ai meu Deus, diz que me entendeu por favor!
Ela abriu o sorriso.
- Entendi sim, quem sabe mais tarde né? – ela me lançou a pergunta e eu sei que não deveria corar com isso mas senti as minhas bochechas esquentando em questão de milésimos de segundos.
- Tu já tomou café da manhã? – perguntei na tentativa de mudar de assunto.
- Já sim, mas posso te acompanhar.
- Então vem, só vou fazer um nescau rápido.
- Tu tá aqui sozinha? – ela perguntou enquanto eu pegava o leite da geladeira.
- Hoje sim, normalmente não fico mas hoje todas resolveram me abandonar.
- Conheço Bianca, não sabia que ela morava contigo.
- Sério? De onde?
- A gente estudou juntas na minha cidade.
- Mas Bianca é da minha cidade... Ai meu Deus vai dizer que tu também é do meu país Araguaina?
- Eu sabia que teu sotaque não negava a origem – eu olhei para ela cerrando os olhos.
- Então eu sou a única lesa aqui mesmo? – Vitória gargalhou.
- Não Ninha, eu demorei um pouquinho para ligar os pontos – ela torceu o nariz e eu achei a coisinha mais linda do mundo. Espera Ninha? Que Ninha?
- Ninha? Já tá confundindo meu nome com o das outras? Olha que eu fico chateada viu.
- Não! – ela gargalhou, ficava tão linda assim. Vamos parar né Ana Clara? – Minha irmã também chama Ana, ela é Aninha, tu ficou com Ninha.
- Eu nunca tive um apelido tão esquisito e fofo ao mesmo tempo.
- Melhor que menina do pulso.
- An? – Perguntei sem entender.
- Teu contato tá salvo como menina do pulso, desculpa – ela torceu o nariz mais uma vez.
- Meu nome é tão simples: A N A – falei pausadamente – como você esquece?
- Não esqueci, só precisava de um tempo para encontrar um apelido melhor pra você.
- Humm, sei.
Ficamos em silêncio até o termino do meu nescau, a vergonha me atingiu mais uma vez e quase me engasguei com o líquido, deixei o copo na pia e chamei Vitória para a sala novamente.
- Quer dizer que você não gosta de Grey's? – tentei puxar assunto.
- Não é que eu não goste... Não sou muito ligada em séries, eu começo e logo não quero mais saber – ela tentava me explicar gesticulando com as mãos, ela gesticulava muito... E incrivelmente com o corpo todo.
- Então esse programa que eu planejei pra gente foi mó mancada né?
- Meu foco não era bem o programa... – ela deixou no ar.
- Então o que você quer fazer?
- Ninha a gente precisa conversar. – ela falava calma, eu estremeci.
- A gente já tá conversando.
Ela riu e balançou a cabeça em negação.
- Eu não quero um clima estranho entre a gente.
- Mas não existe clima estranho.
- Certo.
- Quando você viaja? – perguntei depois de um tempo em silêncio total, Vitória olhava para o céu através da minha janela.
- Sexta vou para Araguaína, segunda para Sampa – ela ainda olhava para a mesma direção.
- Massa – e o silencio se instaurou mais uma vez, eu já não sabia o que falar – Quer ir ver meu quarto... Digo, as polaroides do meu quarto?
Eu pude ver o sorriso no canto dos lábios dela.
- Claro!
Segurei na mão dela e a puxei até meu quarto, abri a porta e pude ver os olhinhos dela correndo por todo o ambiente.
- Seu quarto é bem universitário.
- Espero que seja um elogio, vem – a chamei para a parede onde as polaroides estava organizada de acordo com datas. – essa é minha família – apontei para uma foto.
- Eu amo esse lago, dá uma paz né? – ela ignorou totalmente o que eu falei e olhou fixamente para a foto do lago de Araguaína.
- É meu lugar preferido no mundo.
Ela se voltou pra mim com o olho sorrindo acompanhando o desenho dos lábios.
- Tu toca?
- An? – perguntei ainda embriagada pelo sorriso daquela mulher.
- O violão – apontou para a foto de tinho encostado na parede.
- Há sim... toco sim.
- Eu canto.