A marcha para o Forte estava sendo mais intensa do que tudo que Xi Zhang e seus companheiros da Academia Militar Imperial tinham experimentado desde que se conheciam como pessoas.
O Teste de Sangue, as aulas externas ou as aventuras que tiveram em suas férias, nada daquilo se comparava ao que eles estavam passando naquele momento.
Eles tinham saído de uma longa marcha para um confronto que durou quase o dia inteiro contra uma força inimiga, depois, quando pensaram que teriam um descanso, foram atacados e perderam o acampamento deles assim como boa parte de seus companheiros.
Eles passaram então um dia inteiro fugindo, sendo caçados e sendo consumidos pela constante chuva enquanto voltavam a marchar, assim como tinha começado a jornada deles para o Vale.
O sol ainda nem tinha nascido quando os dois Mush convocaram seus homens para partirem. Eles se aproveitaram da escuridão da madrugada para deixar o Vale e a proteção das altas ondas.
Durante um dia inteiro eles marcharam por um vasto terreno pedregoso sem trilhas, caminhos ou passagens que facilitasse a viajem deles.
Muitas vezes a coluna de soldados era forçada a tomar pequenos desvios para evitar profundas piscinas d'águas formadas pela chuva, o que fava a coluna de soldados a apareciam de uma cobra serpenteando pelo chão.
No horizonte, em qualquer direção que se olhasse além da que estava o Vale do Mar de Pedra, era possível ver formas escuras e indistintas de montanhas. Muitas delas escondidas não só pela distância como também pela chuva.
Quando o primeiro dia chegou ao fim, os soldados conseguiram encontrar uma depressão relativamente seca, o que naquele caso queria dizer que não tinha sido enchida com a água da chuva e se tornado uma piscina, e lá eles ergueram o acampamento deles.
O acampamento era frágil e vulnerável, se é que poderia ser chamado de acampamento já que não possuía tendas ou qualquer outra coisa para abrigar os soldados além dos dois andadores apinhados de soldados feridos.
Alguns soldados foram colocados para vigiar os arredores enquanto um grupo menor de soldados mais bem-dispostos foi mandado para patrulhar os arredores e quem sabe encontrar algo que poderia ser útil para eles.
Antes do sol raiar no segundo dia, os dois Mush já tinham colocado todos de pé para voltarem a marchar, eles sabiam desde o início que não teriam muitas chances para descansar, que seria uma corrida contra o tempo para chegar em um lugar defensível antes de serem cercados pelos inimigos.
Foi durante os preparativos para levantar o acampamento que eles descobriram que sete soldados tinham perecido durante a noite. Quatro deles morreram devido as feridas que eles tinham recebido durante o ataque ao acampamento deles enquanto os outros três morreram por causa da chuva.
Suas roupas constantemente molhadas e o frio da noite nas montanhas altas junto com a situação estressante e desesperadora pela qual eles estavam passando cobrou seu preço fazendo com que três pobres almas não acordassem quando seus companheiros os chamaram na hora de partir.
Deilong Hul balançou a cabeça com tristeza quando ouviu o relatório e o velho Mush ao seu lado suspirou cansado. Os dois trocaram algumas palavras e depois ordenaram que alguns soldados removessem os pertences dos falecidos e arrumassem um lugar na depressão para deixar os corpos.
Infelizmente eles não tinham onde enterrar os soldados e dar as devidas homenagens aos falecidos, e para piorar, eles estavam sendo forçados a remover qualquer coisa que fosse útil para a sobrevivência dos vivos nos dias que estavam por vim.
O segundo dia de viajem deles os levou para uma passagem entre duas pequenas montanhas. Já estava na metade daquele dia quando a chuva finalmente parou, deixando o céu cinzento com nuvens carregadas que prometiam mais chuvas a qualquer momento.
Os dois Mush aproveitaram dessa breve pausa da chuva para dar um tempo de descanso para os cansados soldados que aceitaram a parada de bom grado. Ração foi dividida em poções minúsculas para todos os soldados que devoraram vorazmente aquilo que recebiam assim que recebiam algo em mãos.
Xi Zhang que comia em meio aos seus subordinados ficou um pouco alarmado ao ouvir vários soldados em volta dele tossindo e espirrando repetidas vezes. Ele pensou em ir comentar o fato com os Mush, mas olhando em volta e vendo que por todo o acampamento provisório deles era possível ver e ouvir pessoas tossindo violentamente fez com que ele desistisse da ideia, conformado que não havia nada que pudesse ser feito até que chegassem no Forte.
Quando a noite chegou eles acamparam entre as montanhas, o caminho em volta deles tinha mudado completamente sendo compostos por montanhas e subidas e descidas que conectavam uma pequena cordilheira.
Dessa vez o acampamento foi erguido contra a encosta de uma montanha e com um pequeno e estreito precipício a esquerda deles, dando assim bons pontos defensíveis caso houvesse um ataque inimigo.
Mas por alguma sorte eles tinham passado os dois últimos dias sem nenhum sinal das forças inimigas, o que fazia até com que alguns soldados acreditassem que estavam seguros.
Mas os oficiais e os veteranos presentes naquele grupo de sobreviventes não se deixavam enganar. Só porque não deram de cara com o inimigo durante os últimos dois dias de fuga e chuva, não queria dizer que o inimigo não estava mais atrás deles.
E nenhum dos oficiais esquecia que o caminho mais a frente os levaria diretamente para o território inimigo. Logo eles estariam se preocupando não só com inimigos vindo atrás deles, como também surgindo diante deles para bloquear o caminho que estavam tomando.
Quando o terceiro dia raiou, mais oito soldados não tinham deixado o lugar no qual dormiram. Seis deles faziam parte dos feridos enfurnados dentro dos andadores que infelizmente não possuíam os devidos cuidados nem o tempo para se recuperarem.
Os outros dois tinham perecido para a tosse e a febre que estava assolando pelo menos metade dos soldados em gruas diferentes.
Os soldados voltaram a marchar, deixando seus mortos para trás e tentando encontrar diante deles o caminho que os levariam para um lugar seguro.
A marcha se seguia no melhor ritmo que os soldados cansados e começando a ficar adoentados conseguiam manter, o que infelizmente não era o melhor que os Mush esperavam conseguir na situação deles, mas tudo mudou no meado do terceiro dia quando um som grave e longo se ergueu no ar fazendo com que todos parassem de marchar e olhassem apreensivos para trás.
Xi Zhang se virou confuso e aqueles em volta dele fizeram o mesmo, esperando em um silencio receosos, se perguntando se tinham mesmo escutado aquele som.
O jovem já estava quase se virando e voltando a marchar quando o som se ergueu mais uma vez. Grave, poderoso e longo. Um som que levou arrepios aos corações de todos os soldados ali. O som não parecia estar próximo, na verdade parecia bem distante, mas mesmo a presença daquele som era um sinal claro dos maiores temores de todos os sobreviventes do Flanco Direito.
- Chifres de Guerra. – Ovo sussurrou perto de Xi Zhang estremecendo com suas próprias palavras. – Então os malditos Exilados vieram atrás da gente.
Xi Zhang olhou do veterano para o caminho atrás deles quase como se esperasse ver o inimigo surgindo a qualquer momento, mas as montanhas, as subidas e as descidas do terreno em volta deles impossibilitava que vissem muita coisa.
A ordem veio para que voltassem a marchar e os soldados avançaram em um ritmo mais rápido que o anterior, como se a lembrança de que estavam sendo seguidos fosse um ótimo incentivo para que eles gastassem os restos de suas forças.
Ao anoitecer os soldados acamparam em uma depressão na encosta de uma montanha em forma de U que dava muralhas naturais para as pobres e cansadas almas do Flanco Direito em pelo menos três direções.
O ar naquela noite parecia mais frio do que os anteriores e dava a impressão de que a qualquer momento voltaria a chover. Os soldados já se preparavam para voltar a marchar sob a chuva no dia seguinte ou para dormir encharcados nessa noite, mas felizmente a noite foi tranquila, se tirassem a ansiedade de um ataque inimigo do coração dos soldados e o ar gelado que os cercava, aquilo poderia ter sido considerada como uma noite normal de acampamento a céu aberto.
O quarto dia chegou trazendo mais dez mortes para os soldados em fuga. Quatro deles eram dos feridos, o que já tinha esvaziado completamente um dos andadores, deixando somente alguns com ferimentos não tão mortais ainda vivos nos veículos.
Os outros seis pereceram para o frio e para a tosse e isso estava minando rapidamente a moral dos soldados, principalmente daqueles que sofriam com febre e com fortes ataques de tosse.
Durante o quarto dia eles seguiram por trilhas secas e rochosas por entre montanhas que não tinham sido atingidas pela última chuva que tinha afligido tanto a marcha dos soldados.
As trilhas que eles pegavam passavam pelas montanhas daquela região, muitas vezes fazendo com que a coluna de soldados se esticasse para atravessar alguns cainhos nas bordas de precipícios, e algumas vezes eles tiveram que tomar desvios para que os andadores pudessem seguir com eles.
Já era início de tarde quando os primeiros sinais dos Exilados começaram a surgir. O primeiro sinal de problemas foi quando uma patrulha de três soldados não retornou para relatar ao seu superior e houveram rápidos ataques de arqueiros nos flancos da coluna logo em seguida.
Os Exilados surgiam em pequenos grupos de cinco ou dez homens. Eles ficavam de tocaia e então quando os soldados passavam, eles disparavam as flechas aleatoriamente contra os imperiais antes de darem as costas e saírem correndo.
Por cinco vezes os soldados foram pegos desprevenidos e dois homens morreram enquanto outros ficaram feridos. Foi somente no sexto ataque dos Exilados que os atiradores do exército conseguiram contra-atacar.
Os Mush tinham ordenado que os atiradores se misturassem com os soldados nos flancos e assim que vissem qualquer sinal de inimigos deveriam lidar com esses bastardos.
E foi assim que um grupo de sete Exilados foi afastado sem conseguir lançar nenhuma flecha sobre os cansados soldados que mandaram em seguida um pequeno grupo para verificar os Exilados abatidos.
Três Exilados tinham sido acertados pelos dardos, dois estavam mortos e um terceiro gemia com um dardo cravado no estomago. Ele foi arrastado pelos soldados para as fileiras da coluna de soldados e largado diante dos dois Mush.
- Tão jovem. – O velho Mush comentou com pesar alisando sua barba enquanto olhava para o Exilado aos pés deles.
Era um jovem um pouco mais novo que Xi Zhang e seus companheiros, devendo ter uns quatorze ou quinze anos de idade, não mais do que isso.
- Todos eles eram, senhor. – Um dos soldados relatou.
Deilong Hul balançou a cabeça e disse.
- Viramos teste de coragens para esses jovens. – O Mush olhou em volta para o caminho pedregoso em volta deles. – Eles estão nos usando para se testarem, para praticarem tiro ao alvo e se provarem como guerreiros. Tão primitivos.
- Não devemos subestimar esse instinto primitivo deles. – O velho Mush comentou se virando para o outro Mush. – Agora que lidamos com essas emboscadas, eles devem se preparar para um ataque de verdade.
Quase que como que para concordar com o velho Mush, os Chifres de Guerra soaram no caminho atrás deles, mas desta vez um pouco mais próximos.
De repente um segundo Chifre de Guerra soou, vindo de uma direção totalmente diferente, mas também não tão próximo ainda para indicar um ataque iminente, mas também não estava muito longe para que os soldados se sentissem seguros.
- Precisamos nos apressar. – Deilong Hul falou com os olhos arregalados enquanto olhava em volta. O tempo deles estava acabando.
Como prometido, trazendo mais um capitulo do quinto arco de As cônicas de Maya. Não deixem de curtir e comentar o que estão achando desse arco e do livro como um todo.
E só lembrando, Noite Eterna, um de meus outros livros, já está chegando em sua reta final e assim que eu acabar com ele irei voltar a escrever a trilogia Sombras Ocultas, trazendo assim o terceiro e ultimo livro para quem acompanha a saga. Se vocês ainda não leram, então passem no meu perfil e confiram essas grandes sagas :D