Floresta do Sul

By InTheClows

117K 9.3K 1.5K

• Livro I • Segundo livro já disponível: Colina do Sul. Chloe Lidell. Desde a barriga foi destinada a algo gr... More

Prólogo
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Capítulo XXV
Capítulo XXVI
Capítulo XXVII
Capítulo XXVIII
Capítulo XXIX
Capítulo XXX
Capítulo XXXIII
Agradecimentos
Informações sobre o livro II
Curiosidades FS
Aviso extremamente importante
NOVIDADES DO LIVRO EM PAPEL
Aviso (leiam todos, inclusive os que ainda nao terminaram de ler, por favor)
Atualização Completa e Colina do Sul
Ainda há alguém aqui?
Por todos vocês

Capítulo XXXI

1.6K 210 40
By InTheClows

Já faziam duas semanas.

Me virei bem. Talvez eu devesse me estabelecer aqui.

Depois do dia da minha fuga, quando decidi ir para o Leste, andei mais. Mas não o suficiente para chegar até lá. Achei uma caverna, um lago. Um bom lugar. Não tinha cabeça para continuar, não queria mais tanto assim descobrir o que havia no Leste. Eu não queria mais nada. Perdi todas as minhas vontades. Achei que superaria o que aconteceu bem, mas...

A comida que Bill mandara durou seis dias. Bem racionada. E depois disso cacei, pesquei, sobrevivi. E não fiz mais nada.

Mas encontrei alguma paz em brincar em um balanço improvisado que havia montado com a rede de corda, quando não a usava para armadilhas.

E contei cada dia na parede de pedra da caverna, riscando com alguma outra pedra.

Me levantei e fiz minha rotina de sempre. Guardei a manta na mochila, comi frutas que achei pela floresta, saí e tomei um banho no lago. Poucos foram os dias que nevou, mas por sorte não congeara as águas.

Depois de vestir a roupa peguei a espada colocando no suporte atrás das costas e a adaga entre o tornozelo e a bota. Joguei os cabelos molhados para trás e comecei a seguir o caminho de dez minutos de volta.

Estava perto da entrada quando ouvi.

Passos. Passos calculados, humanos.

Meu corpo enrijeceu imediatamente, e prendi a respiração enquanto subia em uma árvore próxima, tão silenciosa, tensa e em alerta quanto um felino. Do alto consegui ver a entrada da caverna, e entre as árvores, um homem observava atentamente o lugar. Meu sangue gelou enquanto me abaixei, com cuidado, entre os galhos, para ficar completamente camuflada daquele ângulo. Eu nunca o vira antes. Tinha os cabelos castanhos lisos repartidos ao meio. Bigode e barba do mesmo tom das mechas. Suas roupas eram marrons. Roupas neutras, nenhum território denunciado.

Ele ficou mais alguns segundos parado enquanto eu não ousava, sequer, respirar profundamente. O homem então saiu de detrás das árvores, uma das mãos apoiadas no cabo da espada empunhada. Fiquei completamente imóvel enquanto o observava caminhar lenta e cautelosamente, para a entrada da caverna. Esperei no completo silêncio, a adrenalina correndo nas veias enquanto ele se aproximava, mais e mais.

E então, um barulho alto soou quando os galhos das árvores se agitaram, derrubando o tronco e fazendo a rede que o homem pisara subir, levando ele junto. Pulei depressa dos galhos da árvore em que estava, esfolando o braço no caminho. O homem grunhiu e sacou a espada para cortar as cordas, mas quando entrei em seu campo de visão ele hesitou, me dando tempo de apontar a espada rente ao seu peito. Ele olhou para mim por entre o bolsão de corda em que agora estava enjaulado.

E ali, eu cumpri a mim mesma o que eu me prometera: Eu não seria fraca novamente.

— Quem é você? — Faziam duas semanas que eu não dizia uma palavra em voz alta, e por um momento tive de experimentar a sensação de ouvi-la, me ouvir, por um momento. O homem me ainda me encarava, quase estupefato. — Quem é você? — Repeti com o tom mais carregado.

— Kion. — Respondeu ele com a voz fraca. Eu conhecia aquele nome, e levei menos de dez segundos para me lembrar que o garoto do Norte me confidenciara aquela informação, no dia em que estava na colina com Rhys.

— Mensageiro dos Legionários do Norte... — Sibilei e Kion grunhiu.

— Parece que aqueles idiotas se esqueceram de usar "Manson" quando fossem abrir a boca por aí. — Sorri sarcástica não revelando minha real fonte.

— Jogue a espada no chão. — Ordenei. Kion hesitou apenas até o momento em que subi minha lâmina ao seu pescoço, então sibilou e deixou que a arma caísse por entre as cordas. — Faça o mesmo com a adaga em sua cintura e na perna.

Ele não hesitou, e verifiquei atentamente cada centímetro de seu corpo, a procura de mais armas, antes de guardar minha espada nas costas e chutar suas armas para longe.

— Quem manda você para o Norte? — Perguntei mantendo uma distância segura, enquanto me puxava um tronco caído e me sentava.

— Não sou seu inimigo, princesa. — Falou ele, calmamente. Meu olhar continuou impassível. — Estava a sua procura, para leva-la de volta ao castelo em segurança.

— Não me interessa. — Cortei com o tom sério. — Você vai responder a minhas perguntas.

— Você vai estar segura no castelo, ninguém vai te machucar.

Não me interessa. Quem manda você como mensageiro para o Norte?

O homem inclina a cabeça, olhando para mim, me avaliando.

— O rei havia dito que você era fácil de se enganar, estou surpreso que seja eu quem esteja em uma armadilha. — Diz ele e eu rio com escárnio.

— De fato, Kion, há seis meses atrás eu teria me convencido com poucas palavras, e estaria tão indefesa quanto você está agora. — Ele semicerra os olhos. — Mas eu não sou mais aquela garota, e sugiro que comece a responder minhas perguntas antes que eu te mostre o quanto eu não sou mais indefesa. — Pego a adaga em minha bota e a tamborilo entre os dedos. — Parece então que o rei era o seu mandante. Por que ele mandou os Legionários do Norte atrás de mim?

— Por que acha que seu parceiro não lhe contou? — Ele desafia, e permaneço impassível, mesmo quando meu coração vacila ao falar de Rhys. — Se eu te contar, sua cabeça também estará em jogo, assim como a minha, a de seu líder, e todos que souberem.

— Acredite, eu já ouvi isso muitas vezes, e não se preocupe com minha cabeça porque eu posso defende-la. — Me levanto. — Mas sugiro que comece a falar, ou a sua vai rolar.

— É perigoso...

— Eu decido o que é perigoso para mim. — Lancei um olhar fulminante em sua direção. — Não aceito mais que me escondam a verdade.

O homem hesitou por longos segundos antes de, finalmente, começar a falar:

— Há vinte e um anos o rei testou uma Vacina em dez cobaias, que morreram no processo, e a verdade foi escondida do Reino, embora a desconfiasse entre o povo não se dissipasse. Enquanto trabalhava em uma nova Vacina que funcionasse, Gregory tinha de se preocupar em como recuperaria a confiança de seu povo, porque caso alcançasse os resultados que ele almejava com a Vacina, as pessoas em que aplicaria precisavam aceitar de boa vontade para que a substância fizesse efeito, mesmo que não soubessem as reais finalidades do produto. Ele sabia que, depois do episódio com as dez cobaias, eles nunca aceitariam mesmo que ele dissesse que era a imortalidade que estava oferecendo. Então, sabendo que levaria anos para alcançar os resultados que queria com a Vacina e pensando em um plano para recuperar a confiança do povo, você caiu dos céus como a solução diante dele.

"Seu pai era um devedor do Reino, que sofria ameaças como todos os devedores, já que todo aquele dinheiro era encaminhado para o avanço da Vacina. Marcus, seu pai, te ofereceu como pagamento quando você ainda nem era nascida. Foi o plano perfeito. Gregory iria te colocar em um orfanato e quando chegasse a hora, revelaria para todo o Reino sua generosidade ao escolher você, uma pobre e solitária garota órfã para se casar com seu único filho e ter uma vida digna. Isso, de fato, aconteceu, e quando você foi levada ao castelo, as pessoas comentaram, Chloe. Comentaram muito. Alguma generosidade no rei foi vista pelas pessoas, assim como o rei planejara."

Em algum momento de sua narração eu me sentei de volta no tronco, respirando com dificuldade.

— No entanto — Continuou Kion, alheio a minha expressão estupefata. —, um grupo inconveniente de Legionários invadem o Reino e você é levada, para ninguém sabe onde. Você precisava ser encontrada. Se Gregory recrutasse outra garota em seu lugar, de nada adiantaria já que as pessoas voltaram a desconfiar dele com seu sequestro, e um novo burburinho começou pelo Reino, o sequestro da princesa, e as pessoas passaram a se questionar o por que de tantas pessoas sumirem no palácio. Mais desconfiança era tudo que Gregory não precisava, e não podendo tirar guardas do castelo ou dos Laboratórios para irem atrás de você nas florestas fora dos muros, ele contratou seu próprio inimigo: Os Legionários do Norte, embora esses não saibam que fora o rei quem os contratara, porque eu mantenho a identidade dele no anonimato.

"Então, as buscas começaram. Não faziam ideia de que grupo poderia ter te sequestrado já que usaram roupas neutras, e foram meses até rastrearem cada canto de cada território a sua procura, viva ou morta, o rei precisava de algo para esclarecer ao povo que, pelo menos dessa vez, ele não fora o culpado. Uma certa desconfiança de que o Sul fora o responsável surgiu quando eles sumiram de seu habitual acampamento, e ninguém rastreava o novo lugar onde estavam abrigados. E, adivinhe só, meses depois você foi encontrada em uma colina, defendendo o Legionário que te sequestrara. Os homens não lhe reconheceram na hora, mas quando chegaram ao Norte, falando sobre aquilo, eu mostrei uma foto de seus olhos, e eles confirmaram. De fato, seus olhos são inconfundíveis, Chloe." — Ele deu um sorriso amargo.

— Continue. — Grunhi.

— Passei a notícia para o rei. Imagine só... Gregory adora jogos, e ao descobrir que você e o líder do Sul haviam se tornado parceiros decidiu que iria se divertir um pouco com a situação depois de todo aquele tempo em agonia constante por não encontrar seu peão mais importante naquele jogo arquitetado durante vinte anos. Não comandou ataques, mas descobriram onde vocês estavam se alojando, e esperou... Esperou até que a Vacina estivesse, de fato, pronta, e você pudesse ser solicitada novamente.

"Suponho que você saiba que a Vacina não é beneficente como Gregory afirma. Não. É uma substância poderosa, aplicada diretamente no cérebro com uma seringa de quatro agulhas, e ela não nos previne de doenças como dizem por aí, mas apaga nossas memórias, todas elas, levando junto as emoções, e nos tornamos suscetíveis a comandos daquele que primeiro entrar em nosso campo de visão, após recebermos nossa dose. Obviamente, Gregory seria tal pessoa, e formaria um exército inteiro com todo o Reino, tendo assim poder suficiente para invadir os reinos vizinhos e então expandir para onde quisesse. Ele, de fato, seria invencível. E era isso que ele queria, que sempre quis: Poder. E então, com a Vacina agora pronta, ele aplicou a jogada final e mais prazerosa: Ele acabou com os Legionários do Sul, atacou e destruiu o lugar onde viviam, como um lembrete à você, princesa, de que você pertence ao palácio e que jamais deveria se virar contra ele ou se juntar aos seus inimigos."

Meu coração afundou dentro do peito. Todas as mentiras jogadas na minha frente, todas as respostas que procurei e que pareciam impossíveis de encontrar. Cada resposta mais cruel que a pergunta.

— O rei foi generoso com você enquanto esteve no castelo, princesa. Eu sei. Ele trabalhou em interesse próprio para ganhar a sua confiança, e foi fácil porque você jamais tinha saído do orfanato, então jamais ouvira os rumores ruins que o Reino diz sobre ele.

Meu peito se encolheu novamente enquanto cada informação se assentava em meu cérebro. Todas as ideias embaralhadas demais em minha mente, turvando meus pensamentos.

— Ele mandou que me deixassem presa no orfanato até que me solicitasse. — Não era uma pergunta, a compreensão se espalhando depressa, respondendo cada pergunta de toda minha vida.

— Sim. Sim, de fato. Ele planejou os mínimos detalhes desde que soube que você estava no jogo, antes mesmo de nascer.

— Mas ele me deixou sair enquanto estava no castelo.

— Apenas para o orfanato, não é mesmo? Você nunca pediu para ir em outro lugar, ele teria arrumado um jeito de negar sem quebrar sua confiança.

Não, eu não pedira. Eu havia transformado aquilo em um jogo fácil demais para ele.

— Você seria a imediata dele. — Continuou Kion, cruzando os braços. Meus olhos se fixaram em um ponto no chão. — Ele te convenceria que era uma Vacina contra doença, e você espalharia isso para o povo. Ele não podia aplicar em você porque precisava que estivesse completamente sã quando fosse falar nos pronunciamentos, precisaria que você falasse de seu período solitário no orfanato e como ele te salvou disso. Gregory ia te contar da Vacina beneficente logo depois do casamento. Quando você foi trazida para cá, ele não cancelou tudo ou se desanimou nem mesmo por um minuto, pelo contrário, jurava que você agora teria mais o que falar para o Reino, que foi salva das mãos dos temíveis Legionários. Bom, mas levou mais tempo do que ele esperava para te achar em meio a esses territórios gigantes, e percebeu que você não estava mais disposta a falar por ele. Então planejou o ataque ao... acampamento murado em que vocês estavam, e sequestraria o líder para usar contra você. Ele torturaria e mataria Rhydian na sua frente se você se recusasse a cooperar. — Todo meu sangue gelou como há alguns dias não acontecia. Um medo se espalhou por meu corpo, um medo que eu não sentia desde a última vez que estivera em Nevra.

— Então ele realmente atacou e destruiu todos os Legionários do Sul? — Minha voz sai rouca e pesada. Kion estala a língua.

— Gregory jamais imaginou que você acabaria se apaixonando pelo líder desse povo, foi algo realmente impressionante. Quando relatei a ele o que os Legionários do Norte me contaram; a forma como lutou por Rhydian naquela colina, ele não só esperou para atacar para te fazer sofrer, mas também para juntar mais homens de seu Exército pessoal, que antes estavam ocupados vigiando o laboratório e o castelo, para então fazer uma destruição de grande porte. — Meu coração se despedaçou, como se todos os cacos tivessem se reunido e então foram espalhados novamente, em um único segundo. Kion continuou: — Mas nem mesmo Gregory pode negar que o líder do Sul é, de fato, muito esperto. Eu não estava junto dos Caçadores do Norte no dia em que se encontraram com Rhydian, sozinho. Ele sabia que haveria um ataque ao seu povo, e sabia que o Norte tinha mais informações. Fez um acordo com eles para descobrir a data exata, e eu, obviamente, não fiquei sabendo disso, ou poderia ter avisado ao rei que nosso inimigo estava ciente de nossos planos. E então, sim, respondendo a sua pergunta, o acampamento do Sul fora destruído, mas você não estava lá para ser pega e levada de volta ao rei. E eu me pergunto: Se estava tão disposta a lutar com ele naquela colina, o que Rhydian teria dito para você para que fugisse para longe e não olhasse para trás?

Se eu não estivesse sentada, provavelmente teria caído naquele momento. Se Kion não estivesse na minha frente, eu provavelmente teria gritado e chorado. Ele não notou meu torpor e continuou falando:

— Foi bem corajoso, na verdade. Ele poderia simplesmente ter lhe matado quando te levou do castelo. Os planos do rei sofreriam um atraso, e assim eles teriam mais tempo para localizar os Laboratórios e tentar destruí-lo. Mas parece que seu coração o traiu... — Kion então olhou para mim e riu com escárnio. — Você, de fato, não sabia de nada. Sugiro que coma alguma coisa, princesa, está extremamente pálida. — Ele deitou a cabeça na rede de corda. — Não culpe seu líder por não ter contado. Como eu disse, no início, quem sabe dessas coisas tem a cabeça em jogo, são informações muito importantes e perigosas. Quando encontrar o rei, sugiro que finja que não sabe de nada, e caso não o faça, sugiro que meu nome não escape de seus lábios. Para todos os efeitos, essa conversa nunca existiu.

— Quando aconteceu o ataque? — Minha voz sai em um sussurro embora eu já esteja de pé.

— Não adianta mais, princesa. Foi há quatro dias, e você vai levar cinco horas para chegar até lá. — Não o ouço. Já estou entrando na caverna e guardando as coisas na mochila. Paro do lado de fora para vestir o casaco e colocar a adaga entre a bota e a panturrilha.

— Onde ficam os Laboratórios?

— Vai morrer se pisar naquele lugar.

— Onde? — Grunhi, chegando perto da armadilha.

— Entre as montanhas do Território do Leste.

Não disse nada enquanto colocava frutas dentro da mochila. Frutas que eu havia colhido e deixado em um tronco cortado perto da entrada da caverna. Me perguntava se Rhys sabia, se tinha descoberto onde eram os Laboratórios quando viajou para o Leste, quase três semanas atrás.

— Não adianta ir ao acampamento agora, não há o que salvar. — Kion sibilou. Continuei guardando as frutas e não respondi.

Não respondi porque minha cabeça girava enquanto meu coração reunia cada pedaço novamente, e batia com uma esperança forte, agarrado a uma promessa.

Rhys prometera que ficaria bem.

Não me permiti chorar enquanto pegava a manta dentro da caverna e dobrava depressa. As respostas se instalando e acalmando cada parte enfurecida e magoada que gritava em mim. Rhys sabia que eu jamais fugiria, mesmo que me contasse a verdade. Ele sabia que não importava os riscos, eu lutaria ao seu lado. Ele soube disso quando lutei na colina ou quando avancei sobre os Caminhantes da Floresta. Então, ele pensou em algo que me faria ter medo dele, que me faria odiar Nevra e não pensar em voltar. Todas aquelas sombras em seu olhar durante todos aqueles dias em que se aproximava de seu plano perfeito. Todo o árduo treinamento e teste. Todas as frases soltas no ar entre nossas conversas.

A vida aqui é complicada, nunca sabemos o que virá depois.

Seria bom se você aprendesse a caçar.

Você precisará das espadas algum dia.

Precisa se virar bem lá.

Todos aqueles dias cuidando de mim, até o momento em que eu tivesse que me cuidar completamente sozinha, e ainda assim, ele estava me protegendo.

Ele jamais teria me matado naquele dia. Se eu tivesse me rendido, ele provavelmente não teria feito nada. Rhys jamais me machucaria.

Mas não havia tempo para lágrimas ou lamentações. Eu voltaria, o encontraria, vivo, e então pediria perdão por, em algum momento, acreditar que ele realmente fosse capaz de me machucar.

— Você não vai encontrar nada lá. — Continuava Kion enquanto passava a mochila pelas costas.

Não respondi de novo. Já haviam se passado quatro dias desde o ataque, eles já deviam ter voltado e reconstruído a área danificada do muro, algum Legionário do Sul deveria estar por perto e eu o encontraria, e pediria desculpas. Por não poder lutar com eles. Então encontraríamos os outros...

— Não vai encontrar ele. — Não dei ouvidos e passei a mochila pelas costas. — Bom, talvez ele tenha deixado uma carta de despedida, pelo menos, já que ele sabia do ataque...

Parei. Congelei no lugar por um minuto inteiro.

E como uma cortina de lembranças, voltei a noite em que Rhys me contara que sua mãe deixara uma carta. Kion me olhou curioso enquanto tateei cada pedaço do casaco, mas não encontrei nada. Então me lembrei da mochila. Bill havia me dado aquela mochila, mas jamais teria se lembrado de pôr a máscara ou o relógio. Tirei todas as coisas que havia acabado de jogar dentro da mochila e procurei, rasgando as costuras de dentro até o fundo, encontrando um papel bem dobrado. Meus olhos ficaram marejados e o pingente pareceu pesar em meu pescoço. Kion riu quando me sentei, segurando a carta em minhas mãos, mas não dirigi o olhar para ele.

Li atentamente o primeiro parágrafo, que relatava apenas o que Kion já havia contado sobre o que realmente estava por trás da Vacina e sobre como o rei me usaria para convencer o povo.

Então, veio a caligrafia de Rhydian, e segurei meu pingente enquanto lia:

Minha mãe descobriu, informações tão sigilosas quanto perigosas. E quando eu e ela fomos pegos, eles me torturaram até ter certeza que eu não sabia de nada. Mataram minha mãe na minha frente porque ela sabia. E então pensaram que mais nenhum espião tinha aquela informação.

Mas minha mãe deixou uma carta, contando tudo, contando sobre você. E naquele momento, jurei que te mataria em honra dela. Apenas meus Caçadores sabiam a verdade, e os outros acreditaram que você era minha missão e que eu deveria matá-la. Mas não consegui.

Não quando você despertou algo em mim desde o primeiro momento.

E com o passar dos dias, Chloe, eu entendi que você nunca fora a culpada de verdade. Que eu estava cego de ódio e vingança.

E você, de fato, foi minha Killermont.

Os guardas que foram até o acampamento quando você chegou não eram guardas de verdade, apenas roubamos os uniformes e fizemos aquilo para que você tivesse algo para fazê-la odiar o rei, contando que os "guardas" dele jamais voltaram.

Aqui estão todas as respostas que prometi.

Se encontrar essa carta antes de três semanas terem se passado, não volte.

Nunca quis te machucar, eu apenas precisava que se afastasse de Nevra para que estivesse segura enquanto as coisas se resolviam. Foi a única forma que consegui pensar. Eu sinto muito.

Vou encontrar você de novo.

Eu prometo.

Amo você.

Permito que um sorriso ínfimo cruze meus lábios e engulo todas a lágrimas que ameaçavam cair. Todas elas. Me levanto depressa, guardando as coisas de volta na mochila e deixando a carta no bolso fundo do meu casaco.

— O que ele disse? — Pergunta Kion, me lembrando que ele ainda está ali.

— Não é da sua conta. — Arrasto suas armas no chão com os pés e deixo debaixo de seu corpo suspenso. — A rede vai descer devagar, e em umas quatro horas você vai conseguir alcançar as armas no chão e cortar a corda.

Começo a andar para tentar alcançar a trilha.

— Garota esperta. — Comentou ele. — Não se esqueça de que nós jamais tivemos essa conversa. — Falou ele. Continuei andando quando respondi, ajeitando a mochila nas costas:

— Não se esqueça que eu poderia ter te matado assim que a conversa acabou.

E antes que ele dissesse mais alguma coisa, comecei a correr em direção a Nevra.

Continue Reading

You'll Also Like

54.8K 6.3K 50
Harry Potter ( Hadrian Black ) recebe sua carta para Escola de Magia e bruxaria de Hogwarts , mas as dores e abusos de seu passado o tornam diferente...
74.9K 8.1K 45
𝐖𝐈𝐍𝐆𝐒 | Conta a história de Alyssa Targaryen, sua emancipação, erros, atos de rebeldia e fidelidade. Como lutou pelos seus ideais, por sua honr...
26.8K 1.7K 23
O Amor é uma substância. Uma substância que, de acordo com minha tutora, apenas fortalece. Tanto o Amor quanto o Ódio são extremamente fortes. Ambos...
125K 12.6K 62
Esqueça tudo que você já leu de Chapeuzinho Vermelho e venha conhecer uma história completamente diferente das outras versões desse conto que conquis...