Depois de uma semana, Gabi, Vini e eu estávamos indo para o auditório, felizes e com sorrisos nitidamente estampados em nossos rostos.
— Ansiosos para o primeiro dia de teatro de vocês? — perguntei enquanto passávamos pelo corredor principal.
— E você ainda pergunta? — Gabi zombou — eu nasci pronta meu bem!
Vinicius riu.
Entrando no auditório, logo de cara notamos a bagunça que estava o palco, com muitos objetos de cena espalhados, figurinos pendurados em cabides e pessoas não parando de subir e descer do palco.
— Eu não acredito que o ar condicionado desse lugar quebrou justo agora! Eu estou morrendo de calor! — Alice, a líder do clube e aluna do terceiro ano gritou enquanto limpava o suor de sua testa.
— Caramba — eu ri.
— Ei você! — Alice disse me avistando de longe enquanto apontava em minha direção, — você não faz parte do clube! Vá embora!
— Eu queria perguntar se eu podia...
— Eu não quero ouvir mais nenhuma palavra! Ou você vai embora ou...
— Deixa ele ficar Alice... — pediu Gustavo, o sublíder do clube, — você sabe como os perdedores das audições ficam com vontade de assistir a um ensaio... deixe ele ter o gostinho só desta vez...
Alice olhou para ele e gritou de raiva. Ela certamente estava nervosa.
— Eu vou tomar água! — ela concluiu saindo depressa.
E então ela esbarrou em nós enquanto passava.
— Desculpe Nick, — disse Vinicius — eu sei que ele te chamou de perdedor, mas esse Gustavo é dos meus...
— Quer o Antoine pra você também Vinicius?
Antes que ele pudesse dizer alguma coisa, Vini acabou arregalando os olhos ao perceber que Gustavo caminhava em nossa direção.
— Desculpe por ter te chamado de perdedor é... qual seu nome?
— Nicholas.
— Nicholas, desculpe por ter te chamado de perdedor... a Alice às vezes tem que se dizer certas coisas pra ela nos ouvir. Sou o Gustavo como já deve saber! — ele disse enquanto estendia a mão para me cumprimentar.
Apertei sua mão que no momento estavam suadas. Vinicius não se cansava em olhar para os braços com veias aparentes de Gustavo. Por um momento encarei os olhos verdes do sublíder e me dei conta que ele era bem bonito, algo que não foi possível notar de longe no dia das audições.
— Por que você não se apresentou no dia das audições Nicholas?
— É, bem... — olhei para Gabi e sorri simpaticamente — eu tive que resolver uns probleminhas...
— Ah sim. Bem, de qualquer jeito tenho que lhe pedir para não comparecer muito em nossos ensaios. Eles são fechados e Alice é EX-TRE-MA-MEN-TE chata com questões deste tipo, então se quiser cuidar de sua saúde mental é melhor não arrumar briga com ela... suas palavras são um tanto quanto... afiadas.
— Eu sei bem o que é ser ferido por palavras afiadas... — Eu disse.
Graças a minha famosa visão periférica, percebi que Vini ficou cabisbaixo, assim como Gabi também.
— Bem, deixa eu voltar lá pro palco arrumar algumas coisas para que quando Alice voltar eu não seja morto...
— Vou com você! — Gabi disse, saindo da roda e acompanhando Gustavo.
Agora Vini e eu estávamos ainda na porta sozinhos.
— Ele é tãaaaaaaaaaao lindo! — Vini admitiu.
— Eu shippo vocês juntos hein! — Eu ri.
Ele também riu, e antes que pudesse dizer alguma coisa acabamos sendo interrompidos por Alice, que passou se esbarrando novamente na gente.
— Ei você! — disse apontando para Vinicius — vá até o palco e senta em roda com o resto do pessoal, vamos fazer algumas dinâmicas hoje, e perdedor — disse apontando para mim, — senta na plateia e eu juro por Deus que se você abrir a sua boca, eu arranco suas cordas vocais e te faço engoli-las para ver se elas voltam pro lugar.
Fui, sem contestar, até uma poltrona na segunda fileira da plateia e Vini foi até o palco. Todo o elenco sentou em roda e Alice foi até o centro dar algumas instruções.
— Bem pessoal, — disse Alice — Vamos começar com a dinâmica das apresentações com os olhos fechados. E como ela funciona? Bem seus idiotas eu vou explicar. Vão TODOS fechar os olhos e começar em ordem aleatória a se apresentar, sem dizer o nome, apenas vão dizer coisas que gostam de fazer e tudo mais o que quiserem falar. O legal dessa dinâmica é que saberemos como é a personalidade de nossos colegas de elenco sem saber exatamente quem são, ou seja, sem julgamentos. Se eu ver alguém espiando vocês não imaginam o que eu sou capaz de fazer! Vamos começar...
Alice não tinha dito nada sobre eu ter que fechar meus olhos também, então não hesitei em deixa-los abertos durante toda a dinâmica.
Algumas pessoas disseram coisas sobre si até chegar em Ethan, que me fez lembrar que ele fazia parte do clube, algo que eu havia esquecido logo quando perdi a vontade de entrar para o teatro.
— Bem, meu nome é... ah, é mesmo, eu não posso dizer... — ele disse.
Todos riram.
— Continuando... gosto de escrever músicas e gosto de ler livros de ficção. Minha saga favorita é a de Harry Potter. Sempre que eu posso ajudo minha mãe na cozinha e meu pai na padaria que ele é dono.
"Caramba, Ethan Marquês é o homem sonho de todo gay no ensino médio", pensei.
— Já tentei aprender a andar de skate, mas me conformei com o fato de não levar jeito pra isso, — algumas pessoas riram, — e bem... o que mais? Ah, e nada contra vocês todos aqui serem do teatro e tals, mas eu sou hétero...
Algumas pessoas riram.
Claro que estava tudo perfeito demais para ser verdade. Eu havia acabado de perder todas as minhas esperanças de ficar com Ethan. O meu crush de ensino médio tinha acabado de assassinar todas as chances que eu tinha de ficar com ele.
Enquanto não chegava a hora de nenhum outro conhecido meu se apresentar, eu fiquei pensando sobre o dia que fui no shopping, o dia que caí no banheiro. Comecei a relembrar onde todo o meu crush por Ethan Marquês tinha começado. Confesso que fiquei triste e desapontado, mas com certeza de que com o passar dos dias, estes sentimentos passariam.
E então chegou a vez de Gabi.
— Para mim é algo muito importante poder fazer parte do teatro!
Por instinto olhei para Alice, que logo depois do que Gabi havia dito fez cara de deboche. E então Gabi continuou.
— Recentemente eu descobri o que é ter amigos de verdade e sou muito grata por tudo que aconteceu nestas duas semanas de aula que passei com eles.
Eu sorri e não pude notar que Vinicius fez o mesmo. Vinicius... tão fofinho...
— E eu também tenho um segredo que não costumo muito dizer para o mundo inteiro ouvir, mas eu gosto de meninas...
Era claro no rosto de Gabriela que ela estava feliz por poder ter dito aquilo e não ser julgada por causa da dinâmica de olhos fechados. Logo quando ela terminou a frase, notei que Alice abriu os olhos e viu que era Gabriela quem tinha dito gostar de meninas, e então ela deu um sorrisinho e fechou seus olhos novamente. Ela acabara de desrespeitar uma exigência da qual ela mesma tinha proposto.
E então Alice quem quis ser a próxima.
— Bem... eu atuo desde meus quatro anos. Minha cor preferida é roxo. Gosto de melão e odeio melancia. Meu número da sorte é 16, odeio cachorros e amo gatos.
"Nossa Alice, mas que informações úteis sobre você hein...", pensei.
E então Gustavo quem quis dar continuidade.
— Gosto de andar de skate em meus tempos livres, o que é bem raro, e pelo fato de ser algo raro, quando eu consigo subir no meu skate, consigo aproveitar muito mais o passeio. Gosto de cachorros, inclusive tenho um labrador beije chamado Max, um nome bem clichê para cachorros, sim concordo! — algumas pessoas riram, — e eu amo muito ele. Não procuro me classificar em nenhum padrão sobre gostar de meninos ou meninas, apenas digo que gosto de pessoas e não de gêneros...
Percebi que Vini quis muito abrir os olhos, mas Alice era tão intimidadora que ele teve receio de desrespeitar a regra principal. E então foi ele quem decidiu continuar.
— Recentemente conheci duas pessoas maravilhosas em minha vida, — eu e Gabi sorrimos, — estas pessoas com certeza são as melhores que já conheci na vida. Eu gosto da cor azul e eu já dei em cima de uma garota lésbica, — ele riu, assim como Gabriela e o resto do grupo, — atualmente tenho uma queda por dois caras e... Alice, caramba, você é MUITO chata!
— Quem foi que disse isso? — ela perguntou nervosa, mas sem abrir seus olhos.
Todos riram. Ela não resistiu e deixou escapar uma risada.
Mais algumas pessoas falaram sobre si e no final da dinâmica, Alice realizou algumas outras, mas desta vez envolvendo atuação.
Da plateia eu pude notar o quanto Vinicius olhava admirado para Gustavo e algo que não foi deixado passar despercebido foi o quanto Alice implicava com Gabriela.
— Vá pegar um pano! — ordenava ela uma hora, — vá guardar estas caixas na coxia! — dizia outra hora.
Sempre que podia mandava Gabi fazer alguma coisa, e ela não podia discutir porque aquele havia sido o único modo que tinha encontrado de fazer parte do clube.
— Gustavo! Pode me ajudar aqui, por favor? — Vini pediu.
— Claro!
De longe eu podia perceber nitidamente que Vinicius forçava dúvidas sobre coisas relacionadas ao teatro só para que Gustavo o desse atenção. Eu não conseguia parar de achar graça da situação, assim como eu também não conseguia parar de olhar para Ethan. Ele era tão lindo... mas também agora tão hétero...
Algum tempo se passou e Alice pediu para que todos se reunissem no centro do palco em roda novamente, mas desta vez sem precisar sentar no chão.
— No próximo mês terá uma festa do clube na minha casa e todos estão convidados! Podem convidar algumas pessoas se quiserem, mas sejam bem seletivos, pois as festas do clube de teatro são as melhores e não são todos que podem ter direito a participar dela. Ah, e vai ter bebida! Agora dispensados! Sumam daqui todos! — Ela disse balançando as mãos indicando para que todos fossem embora, em seguida encarando Gabi, — menos você! Limpe toda essa bagunça. Se conseguir, está convidada para a festa também.
— Mas eu também faço parte do clube, tenho direito tanto como qualquer outro integrante de ir à festa! — Gabriela debateu.
Alice caminhou até Gabriela até que ambas as garotas ficassem uma de frente para a outra.
— Se eu não quiser que você ponha seus pés dentro da festa, você não põe. A casa é minha e eu tenho todo o direito de fazer isso.
Gabriela ficou em silêncio.
Alice saiu com Gustavo, deixando eu, Vini e finalmente Gabi para trás.
— Ela não disse nada sobre ninguém poder te ajudar! — Vini disse sorrindo pegando uma vassoura que estava caída no chão.
— Concordo! — eu levantei e caminhei em direção ao palco. — Por onde começamos?
Gabriela deu algumas instruções e Vini e eu as executamos. Quando terminamos toda a limpeza, todos nós sentamos em algumas poltronas da plateia para descansarmos.
— Gabi. — Eu disse respirando profundamente para recuperar o fôlego por causa do cansaço. — Tenho que dizer uma coisa.
— O que Nick?
— Quando você disse que gostava de meninas, Alice abriu os olhos e pareceu contente com o que havia dito.
— Certamente para poder usar isso contra mim depois... pera aí? Você disse que ela abriu os olhos? Ah eu vou matar ela!
— Acho mais fácil ela fazer isso com você primeiro... — Vini disse em tom de brincadeira.
Gabi revirou os olhos.
— Ah e Vinicius... adivinha quem disse que tinha um labrador e que gostava de pessoas e não de gêneros?
— Nick não brinca comigo!
— Ele mesmo! O Gustavo!
— Puta merda! Caralho, porra! Não estou acreditando.
Gabi e eu rimos, enquanto tudo que Vini conseguia fazer era ficar espantado.
— É agora que eu me faço mais de burro ainda para ele! — Ele concluiu, se juntando conosco nas risadas.
— Agora vamos embora — eu disse — já são cinco e meia da tarde.
— Vamos! — Ambos disseram juntos.
Nós levantamos, pegamos nossas mochilas, apagamos as luzes do auditório e fomos até a calçada. Depois de nos despedirmos cada um foi para um lado diferente.
Tudo no que eu conseguia pensar era na festa do teatro que aconteceria no próximo mês, o que ainda estava meio longe. A festa iria ter bebida, então só Deus sabia o que poderia acontecer.