100 Cuecas!

By FabioLinderoff

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Toda história tem um começo, meio e as vezes precisa ter um fim. Após uma década de espera, Fábio Linderoff e... More

Vem aí...
Dedicatória
Nota do autor
Prefácio
Fábio Linderoff apresenta
100 CUECAS!
Momento 1
Momento 2
Momento 3
ALMEJANDO OS HOLOFOTES
ATO I - CRAVING FOR THE SPOTLIGHTS
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
O SHOW CONTINUA
ATO II - THE SHOW GOES ON
Interlúdio 1
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Interlúdio 2
Lições de vida
100 Cuecas! Book Soundtrack

Capítulo 1

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By FabioLinderoff

1.

Telhas quebradas. Azulejos brancos e sujos. Piso vermelho. Espelhos rachados, corroídos, faltando pedaços. Pias encardidas. Cabines. Vasos sanitários imundos e entupidos. Fedor. Som de água caindo no chão. Vozes.

Dei mais uma volta em torno de mim mesmo tentando entender o que acontecera, buscando uma explicação verossímil de como fui parar naquele lugar. Voltei para o espelho e o toquei delicadamente. Como se assim pudesse ativar algum mecanismo que me levasse de volta para o meu onde e quando e me tirasse daquele estado de total alucinação que aparentemente eu estava imerso.

O cheiro do banheiro era ruim. Um misto de fossa e mofo misturados com sabonete e shampoo. As telhas eram aparentes e entre umas e outras que estavam rachadas, fachos de sol irrompiam e permitiam que partículas de poeira dançassem na luz e repousassem na fuliginosidade que atapetava o lugar. Não havia estuque. Teias de aranha revestiam os cantos. Nas paredes, os azulejos brancos estavam encardidos, uns rachados e outros simplesmente faltando. O piso de cimento queimado fora pintado de vermelho e estava lodoso e empoado.

As luzes fluorescentes eram bem fracas. Tudo naquele plano era um pouco acinzentado, um tanto azulado, meio opaco, totalmente frio, definitivamente sem vida.

Som de água caindo me chamou atenção. Estava vindo do outro lado da parede de dois metros de altura onde ficavam as pias. Talvez se eu subisse em uma delas daria para ver de onde estava vindo essa água do outro lado da parede. Eu ouvia vozes também.

Olhei para a minha direita e havia uma porta aberta, a luz que entrava por ela era bem forte, mal dava para ver o que havia além. Aquela era a porta de saída. A única saída do local pelo visto. Eu estava em dúvida se descobria de quem eram aquelas vozes ou se saía logo dali. Foi quando eu vi alguém entrando no recinto de cabeça baixa e assoviando. Rapidamente e instintivamente dei passos para trás e acabei entrando em uma das cabines sem porta e me encostei na parede tentando não emitir nenhum som. O vaso sanitário oferecia o cheiro de água podre e sopa de fezes esquecidas sem descarga.

A pessoa passou e eu pude notar que era menor que eu, aparentemente jovem pela forma que se vestia. Era um garoto e estava usando uma camiseta clara, bermuda, tênis de skatista e uma mochila a tira colo.

Ele se juntou as outras pessoas do outro lado da parede e começaram a conversar. O som era estranho naquele plano. Era como se eu estivesse com as mãos tapando os ouvidos.

Fiquei ali, imóvel, por um bom tempo. Saí de fininho da cabine e fiquei de frente para a porta de saída. As vozes me chamavam a atenção. No fundo, parecia que eu as conhecia. Eu podia ter saído correndo, mas dei meia volta e comecei a caminhar para dentro do que aparentemente era um banheiro mal cuidado. Aquele lugar não me era estranho.

A porta de entrada dava para um corredor. Havia uma parede no formato de um L. Entrando, do lado direito estavam as pias, do lado esquerdo as cabines com vasos e na parede lá na frente tinha um mictório.

Caminhei lentamente, com cuidado para que os saltos das minhas botas não fizessem barulho. Virei a direita no final do corredor e me escondi atrás da parede das pias que tinha menos de sessenta centímetros de espessura. Projetei minha cabeça lentamente para aquela outra parte do recinto e me deparei com a cena mais surreal que eu já tinha visto.

Eu me vi mais jovem, junto com o Daniel transando com o Marquinhos.

— Mas que porra... — Deixei escapar quase em um sussurro.

E essa cena do meu passado veio do fundo da minha memória e ganhou vida diante dos meus olhos como se estivesse acontecendo de fato naquele momento. Aquele era o vestiário de uma chácara que eu tinha ido há muito tempo. Ela ficava na cidade de Rio Grande da Serra e naquele dia tínhamos reunido a galera da faculdade para um churrasco. E foi naquele dia que eu tive a minha primeira experiência sexual a três.

Espiei novamente e vi de camarote a hora que a cabeça vermelhona do pau do Daniel, meu amigo, sumiu facilmente dentro do cu do Marquinhos, até então um colega da faculdade.

O meu outro eu foi até o chuveiro, lavou suaa rola e voltou para o Marquinhos Potter (Marquinhos era o clone do Daniel Radcliffe) poder chupar. Ele segurou minha cintura e começou a chupar gostoso.

"Mama vai Marquinhos, isso, bem gostoso vai". — Eu falava.

"Que cu gostoso que você tem, moleque". — Daniel completava ofegante.

"Vai, chupa que eu quero gozar, vai". — Eu disse.

"Que cuzinho gostoso." — Daniel gemia — "Está gostando da minha rola dentro do seu cu, está?"

"Hum hum, hum hum" — Marquinhos dizia antes de tirar meu pau da boca e dizer — "Mete vai, mete mais."

"Arromba o cu dele Dan. Ele está gostando, não está Marquinhos? Sua putinha, safada!"

"To. Que tesão do caralho."— Ele disse entre uma chupada e outra.

Era estranho ver o Fábio-do-passado. Cabelo bem curto, sem barba. Com aquele jeito de moleque que não sabe ainda o que lhe reserva a vida adulta. Eu era jovem, mimado, mas trabalhava para ter o meu dinheiro para fazer o que quisesse. Naquela época eu morava em uma república com outros rapazes. Daniel era um deles. E foi naquela época que eu deixei a minha orientação sexual florescer e mesmo tendo esses rompantes com outros caras, me assumir gay foi muito difícil e demorado.

Prestei atenção e me vi tendo aqueles espasmos de prazer do gozo, tirei o pau da boca do Marquinhos.

"Gozou, Fabinhu?" — Daniel perguntou.

"Pra caralho". — Resmunguei todo mole.

Marquinho ergueu o corpo, abriu a boca e mostrou uma piscina de gosma branca que era a minha porra em cima da língua dele.

"Deixa eu ver". — Disse Daniel tirando o pau do cu dele e correndo na sua frente — Passa pra mim. Daniel falou antes de por a língua pra fora.

Marquinhos fechou sua boca ao redor da língua do Daniel e passou parte da minha porra senão toda ela para a boca do Daniel e os dois, firmes, continuaram batendo punheta, cada um pra si.

"Vocês são loucos." — Eu disse lavando meu pau com sabão debaixo do chuveiro.

Os dois ficaram curvados, esfregando uma língua na outra cheia de porra. De repente eu vejo um jato branco sair da rola do Daniel e atingir em cheio o peito do Marquinhos. Daniel começou a gemer, a se curvar e Marquinhos acelerou ainda mais a bronha que estava batendo, até retribuir, jorrando porra na coxa do Daniel. Só então os dois se separaram.

"Ai caraaaalho." — Disse Marquinhos bem alto, extravasando seu prazer.

Me escondi novamente. Estava atordoado.

— O que é que eu estou fazendo aqui? — Eu perguntei para mim mesmo em voz alta. Fui baixando e sentei no chão sujo, abraçando as minhas pernas, assustado e curioso ao mesmo tempo.

Depois da transa não houve muito papo. Ouvi o Marquinhos alertando:

"Morreu aqui hein! Morreu aqui."

Meu outro eu e Daniel responderam:

"Pode deixar."

"Relaxa, Marquinhos. Caso isolado mano, foi só pra aliviar o stress do jogo." — O Fábio-do-passado completou.

Eu me lembro que tínhamos jogado uma pelada um pouco antes de irmos tomar uma ducha. O trio estava acabando de se trocar quando ouvi uma voz feminina chamar lá na porta:

"Ma?"

Era Melissa, namorada do Marquinhos.

— Caralho! — Eu disse me levantando. Se eu saísse de trás daquela parede eu seria visto ou pela Melissa de um lado ou pelos meninos do outro. Segurei a respiração sem saber o que fazer.

Foi quando o Fábio-do-passado passou por mim sem me notar, seguido pelo Daniel carregando uma mala. E por fim passou o Marquinhos. Ninguém me viu, ...

... Ou não podiam me ver.

"O Marquinhos está se trocando." — O Fábio-do-passado informou. Antes de terminar a frase, Marquinhos já estava saindo. Ainda deu tempo de vê-lo tascando um beijo na boca da mina dele depois de ela dizer "nossa, você demorou".

Melissa estudou comigo na Metodista quando comecei a minha primeira faculdade, a de jornalismo. Ela namorava o Marcos, que a gente apelidou de Marquinhos por conta de sua estatura, ele cursava o primeiro semestre de rádio e TV na Meto também na época. Melissa era uma menina ruiva (mas não era tingida não, ruiva original mesmo), branquinha e tinha umas sardinhas no rosto. Muito simpática. Ela era baixinha, do tamanho do Marquinhos, e não tinha um corpão não. Ela era magrinha, seu rosto era muito bonito.

Melissa tinha uma prima.

Um flash explodiu diante dos meus olhos e eu revi o momento em que Melissa me disse:

"Essa é a Tábata, Fab, minha prima."

Beijei a Tábata no rosto e dei meu sorriso infalível.

Aquela imagem se diluiu, numa mescla de cores e sons, montando uma outra cena do meu passado.

"Então, to ligado no que você quer fazer nesse momento." — Eu disse.

Paramos de andar.

"Ah é?" — Tábata falou com aquele tom de "vem e me beija".

Segurei seus quadris e a beijei.

No decorrer do dia fiquei com ela dentro da piscina, andamos de mãos dadas pela chácara.

Conheci a Tábata no mesmo dia que fodi com Daniel e com o Marquinhos no vestiário da chácara. Ela era do mesmo tamanho da Melissa. Morena dos olhos verdes. Cabelos compridos, lisos, pretos, tinha a pele branca feito uma folha de sulfite. Usava um piercing de argola no nariz.

Essa imagem também se desfez em um emaranhado de cores e sons. Quando aquela cortina multicolorida se dissipou, vislumbrei outra cena do meu passado.

Caminhei rápido e certeiro em direção a ela. Tábata se virou, segurei o seu rosto e a beijei. Beijei com o melhor beijo que eu sabia dar. Quando acabamos de nos beijar ela me olhou com um olhar angelical e disse:

"Se você soubesse quanto tempo eu esperei pra sentir esse beijo de novo. Desde a chácara eu senti que entre eu e você rolava um lance especial."

"Posso te fazer um pedido? "— Ela perguntou.

"Claro que pode." — Eu disse tentando esboçar um sorriso.

"Você quer namorar comigo?"

Antes que eu pudesse responder aquela pergunta, um ser surgiu diante dos meus olhos. Estava de costas. Virou repentinamente, esvoaçando a sua capa, seu rosto estava encoberto por uma máscara. Ele me olhava profundamente.

E do mesmo jeito que vieram, todas aquelas imagens e sons sumiram em um repente. Eu estava sozinho no vestiário da chácara novamente.

Nesse momento, vi o Fábio-do-passado indo embora, seguido por Daniel.

Marquinhos apagou a luz. Quando percebi que ele ia fechar a porta, comecei a correr. Eu corria em câmera lenta, por mais que eu gritasse "espere" eles não me ouviam.

A porta se fechou no mesmo momento em que eu segurei na maçaneta. Quando abri a porta, não havia mais a luz intensa do sol. Outro cenário se descortinou a minha frente.

— Mas que porra...? — Falei comigo mesmo.

Passei pelo batente e entrei em uma cozinha. Olhei para trás e vi o vestiário escuro, iluminado apenas pelos fachos de luz que entravam pelas rachaduras das telhas. Dei alguns passos tentando lembrar de onde eu conhecia aquela cozinha. Não era da minha casa, mesmo assim era familiar.

Ao largar a maçaneta, a porta rangeu e se fechou sozinha. Quase na mesma hora uma mulher com seus cinquenta e poucos anos surgiu a minha frente, com uma bolsa aberta nas mãos, retirou de dentro a chave de um carro e disse em voz alta:

"Ma, eu já estou indo. Vai querer alguma coisa do mercado?"

A resposta veio sucinta do andar de cima da casa:

"Não!"

Ela fechou a bolsa, a pendurou no ombro, pegou um biscoito que estava em cima do balcão no centro da cozinha, passou por mim – sem me notar – e ao abrir a porta (por onde eu entrei), vi além do batente ao invés do vestiário fedido o lado de fora de uma casa. A porta se fechou e um tempo depois ouvi o som de um carro ligando, manobrando e se distanciando.

Foi depois disso que ouvi sons de alguém descendo as escadas. Vi a hora em que ele cruzou a sala e entrou na cozinha. Abriu a geladeira, a luz de dentro dela iluminou seu rosto, era o Marquinhos. Cheguei mais perto e ele não me notou.

Eu era um fantasma.

Marquinhos pegou duas latas de cerveja, fechou a geladeira, abriu o armário, pegou um saco de Doritos, fechou o armário com o pé e voltou para o andar de cima. Esperei ouvir uma porta fechar. Não aconteceu.

— O que está acontecendo comigo? — Perguntei em voz alta me tocando para me certificar que eu estava... vivo.

Passei as mãos pelos meus cabelos e os segurei formando um rabo de cavalo entre os dedos. Dei uma volta em torno de mim mesmo e me apoiei na pia. Nela havia uma faca. Me distanciei massageando meu pulso esquerdo.

Comecei a ficar ofegante. Nervoso.

— Água. — Disse para mim mesmo com a boca seca.

Olhei relutante para a torneira da pia pensando se eu conseguiria abri-la ou se a minha mão passaria através dela como se de fato eu fosse um fantasma. Consegui. Abri a torneira e com as mãos em concha bebi água ali mesmo. Fechei a torneira e passei as mãos molhadas pelo meu rosto e pelos meus cabelos. Minha barba estava encharcada. Pingos caiam dela e molhavam minha roupa.

Ouvi ruídos de vidro tilintando como se alguém tivesse aberto a geladeira. Olhei para ela. Estava fechada. Mesmo assim ouvi vozes de mulheres. Estavam vindo da geladeira. Estavam vindo de dentro dela.

Engoli em seco, vozes vinham do andar de cima da casa também. Marquinhos não estava sozinho. Cerrei o cenho. Coloquei meus cabelos atrás das orelhas e relutante abri a geladeira.

Ao invés de ver prateleiras cheias de alimentos, potes e coisas de geladeira, não havia nada. No fundo havia uma outra porta semi-aberta.

— Porra, o que é isso? — Perguntei me curvando. Me assustei quando vi um vulto passando pela abertura — Que porra é essa, mano? O que está acontecendo comigo?

Olhei para os lados, me curvei um pouco, apoiei a minha perna direita dentro do refrigerador. Com a mão direita abri a porta a frente e com a esquerda eu segurei a outra atrás de mim. Havia uma outra cozinha do outro lado. A curiosidade falou mais alto. Entrei na geladeira e deixei que a porta da geladeira do Marquinhos fechasse atrás de mim ao mesmo tempo que eu pisava com a minha bota no piso de uma cozinha totalmente diferente da casa que eu estava. Saí da geladeira e a porta fechou sozinha.

Era uma cozinha que eu conhecia bem. Eu estava na casa da...

— Tábata? —Sussurei ao vê-la no fundo da cozinha enchendo um copo com água. Ela voltou com a garrafa d'água, passou por mim sem me ver, abriu a geladeira e colocou a garrafa no suporte da porta da geladeira. Antes que pudesse fecha-la, dei uma olhadela e lá estavam as prateleiras repletas de alimentos e o fundo da geladeira. Nem sinal da casa do Marquinhos. E mais uma vez eu era aquele-que-não-conseguia-ser-visto.

Tábata chorava. Pegou o copo com água e saiu da cozinha. Eu a segui. Parei no meio do cômodo e a vi saindo pela porta que dava acesso à garagem. Fui até a janela e fiquei com metade do corpo atrás da cortina. Lá estava um outro eu novamente, mais jovem do que agora. Ela entregou o copo de água para o meu outro eu e balançava a cabeça e limpava as lágrimas. Consegui me ouvir dizendo:

"Você merece alguém melhor do que eu. Alguém que esteja a altura do que você merece."

Dei as costas para a janela e as fotos sobre um aparador perto da parede na sala de estar me chamou a atenção. Caminhei até a prateleira vagarosamente. Lá fora eu ouvi o portão fechar.

Um porta retrato me chamou a atenção. Era uma foto minha e da Tábata juntos. Da época que éramos namorados.

Ouvi a porta de um carro fechando, o motor ligando, e o automóvel partindo. Olhei para trás e vi Tábata entrando em casa chorando. Bateu a porta atrás de si. Colocou o copo sobre a mesinha de centro e saiu correndo. O porta retrato com a nossa foto bambeou e caiu no chão com o estalido de vidro quebrando. Ela subiu as escadas correndo e se trancou no quarto.

Abaixei para pegar o porta retrato e ao virá-lo, cortei o dedo. Uma gota rubra caiu sobre o rosto de Tábata. Mas havia algo errado na foto. Eu já não estava com ela na fotografia. No meu lugar estava outro rapaz. Larguei o porta retrato e caí sentado no chão. Coração disparado.

Diante dos meus olhos um flash explodiu.

Novamente aquela figura mascarada e vestindo uma capa escura surgiu de repente. A capa foi puxada para trás e a máscara caiu. Um par de asas se abriram atrás da criatura. Revelação. Um anjo nu. As asas eram tão brancas que ofuscavam. Não tinha como ver sua face e nem seu sexo.

Abri os olhos e estava ainda no chão da sala da Tábata. Levantei, pisei em cima do porta retrato acabando de quebrá-lo e corri escada acima atrás da minha ex-namorada. Na metade do caminho uma pontada na cabeça me fez perder o equilíbrio. Fechei os olhos e me segurei na balaustrada para não cair.

"Amor, esse é o Fábio." — Tábata apresentou.

Ele acenou pra mim com a cabeça e me deu um sorriso que me derreteu na hora.

"Fábio, esse é Roger, meu namorado."

Meu namorado. Namorado. Morado. Rado. Do. o...

Eco. Roger. Meu namorado. Roger. O rapaz no porta retrato. Meu namorado. A figura mascarada. Roger. O anjo nu com as asas ofuscantes abertas. Meu namorado. Eu acordando. Roger. Eu completamente nu deitado e Roger em frente a cama de braços cruzados. Meu namorado.

"O que você fez?"— A voz de Roger trovoou em meus ouvidos. Foi como uma facada no peito.

— Nãão! — Gritei. Minha voz soou abafada.

Quando abri os olhos, estava agarrado a uma jaqueta de couro. Estava escuro. Claustrofobicamente escuro. Eu estava no meio de um emaranhado de roupas. Comecei a me debater.

— Me tire daqui! — Pedi forçando meu corpo contra uma parede.

Logo descobri que não era uma parede e sim uma porta. Ela se abriu e eu caí para fora de um enorme armário de madeira trazendo meia dúzia de roupas junto comigo.

Minha cabeça doía. Aquelas lembranças, aquelas vozes, tudo aquilo estava me deixando atordoado, confuso e acima de tudo extremamente triste.

Levantei com dificuldade. Parecia que eu tinha levado pauladas nas costas e na cabeça. Arrumei os cabelos com os dedos. Passei as mãos pela barba e caminhei com dificuldade em direção a porta. Me apoiei no batente e parei para respirar um pouco. Minha cabeça estava cansada. Eu já nem sabia onde estava mais. Vi um corredor estreito a minha frente e uma grade de proteção que impedia as pessoas de cairem no andar de baixo. Era uma casa. Do meu lado direito o corredor terminava em uma escadaria acarpetada. Com uma mão apoiada na parede comecei ir em direção a escada. Pretendia descê-la e achar um jeito de sair dali. Minha mão encostou em algo. Era um porta retrato. Só então percebi que a parede estava repleto deles. Inclusive na parede da escada. Em quase todos eu via um rosto familiar.

Marquinhos.

Vozes.

Lá estava eu novamente na casa do Marquinhos. Agora no andar superior. Dei meia volta e vi uma porta entreaberta no final do corredor. Comecei a caminhar com dificuldade até lá.

Marquinhos não estava sozinho. Quando eu cheguei próximo a porta, eu a empurrei e entrei dentro do quarto.

A luz estava apagada. Apenas o abajur ao lado da cama estava projetando uma luminosidade fraca nas paredes. A luz azulada emitida pela televisão banhava Marquinhos e Roger que estavam sentados lado a lado em uma cama de solteiro encostada na parede. Um pacote de Doritos estava entre eles e latinhas de cerveja estavam no chão.

"Tem certeza que sua mãe vai demorar?" — Roger perguntou.

"Tenho. Continua jogando. Eu perdi, não perdi? Vou pagar a nossa aposta."

"Eu estava zoando, Marcos. Se liga."

Roger conversava com Marquinhos sem desgrudar os olhos da televisão e sem deixar de apertar os botões do joystick que tinha nas mãos.

"É uma questão de honra, mano. Se você perder, já sabe..." — Marquinhos alertou.

"Firmeza, então." — Roger completou. Estava nervoso, tímido.

Roger levantou as mãos e sem desgrudar os olhos do jogo de vídeo game permitiu que Marquinhos desabotoasse a sua bermuda e colocasse seu pau pra fora. Marquinhos olhou para a rola grossa do amigo, tirou um pentelho que estava preso na cabeça da piroca e abocanhou aquele pedaço de carne ainda mole com desejo.

Roger respirou fundo e fechou os olhos. Ele não estava gostando. Colocou o controle remoto de lado e começou a olhar o boquete sendo feito. Suas mãos agarraram a colcha. A sua expressão era de sofrimento. Ele não estava gostando.

Meu queixo começou a tremer. Meus lábios secaram, mas em compensação meus olhos encheram de lágrimas.

Marquinhos só parou de chupar o pau de Roger para tirar a própria roupa. Tirou a camiseta, o shorts junto com a cueca e deixou tudo no chão.

"Não é melhor fechar a porta?" — Roger sugeriu segurando o pau mole na mão.

"Verdade".

Marquinhos começou a vir na minha direção e eu comecei a andar para trás. Sentindo um ódio descomunal, meus dentes rangeram, lágrimas caíam. Antes que eu pudesse ter qualquer reação a porta fechou com um baque e eu fiquei no corredor do lado de fora do quarto.

Respirei fundo e o choro veio. Comecei a babar incontrolavelmente. Eu me sentia destruído por dentro. Sentei e encostei na porta. Ainda conseguia ouvir os gemidos de Marquinhos e as obscenidades vindas ali de dentro.

— Por quê? — Eu perguntava para mim mesmo — Por quê?

Meu rosto iluminou com as luzes que surgiram na minha frente de repente. Abri os olhos e no meio do corredor havia uma bancada de madeira, com um espelho e luzes amarelas ao redor dele.

Engoli o catarro, limpei a baba com a manga da camisa, projetei meu corpo para frente e consegui me ajoelhar e com dificuldade me levantar.

Caminhei até a bancada e me olhei no espelho. Nunca me senti tão feio em toda a minha vida. Atrás de mim o som dos dois se atracando continuava. Olhei a porta do quarto através do espelho e fiquei pensativo. Olhei para mim e tentei entender se havia justificativa para eu ter chegado tão fundo no poço assim.

Senti raiva das coisas que eu tinha lembrado, das coisas que eu tinha ouvido, das coisas que eu tinha visto ali mesmo sem nunca ter de fato visto alguma coisa. Senti raiva da minha imaginação. Senti raiva de mim.

Fechei o punho e dei um murro no espelho.

Agora o meu reflexo estava melhor. Assim como o espelho, eu estava rachado por dentro. Estava deformado. No espelho a rachadura parecia uma enorme teia de aranha. E em cada caco estava uma parte de mim, do que eu ouvi, do que eu vivi, do que eu sofri até ali.

— O que você está fazendo? Olha a sua mão! — Ouvi Rael perguntar antes de colocar o copo com água que trouxera sobre a bancada e me agarrar.

Eu segurei seu rosto com o punho direito vertendo sangue e olhei ao redor. As paredes mofadas do Hello There e a mesa cheia de alimentos estavam ali dentro do pequeno camarim como antes.

— Você não está bem, Fábio. O que você tem?

Ainda segurando a cabeça do Rael com as duas mãos, eu lhe disse:

— Eu quero ele de volta.

— Quem?

Larguei ele e trôpego fui até a mesa cheia de comida e bebida. Me apoiei.

— Roger. Eu quero ele de volta. — Eu disse angustiado.

— Não dá, amigo. Você sabe que não dá.

Senti uma raiva tão grande de Rael que para não dar na cara dele, segurei firme a toalha da mesa e a puxei com toda a força que eu tinha. Toda a comida e bebida voaram nas paredes e no chão.

—Eu quero ele de volta! — Berrei.

Rael com os olhos arregalados me olhava apavorado.

"Just listen to the rhythm of a gentle bossa nova

You'll be dancing with them too before the night is over

Happy again"

Tentei andar, mas acabei caindo no chão ainda com a toalha da mesa presa em meus dedos. Comecei a chorar e a berrar desesperado:

— Eu quero ele de volta! Eu quero ele!

Rael saiu correndo porta a fora.

"The lights are much brighter there

You can forget all your troubles, forget all your cares"

Olhei para o teto e soltei um brado assustador até ficar vermelho e as veias do pescoço parecerem que iam estourar.

Fechei os olhos e clamei o nome da única pessoa que eu queria perto de mim naquele momento:

— ROGEEER!


"So go Downtown

Where all the lights are bright, Downtown

Waiting for you tonight, Downtown

You're gonna be all right now, Downtown

Downtown"


***


Música que inspirou esse capítulo:

Downtown - Petula Clark

Lyric:

When you're alone and life is making you lonely

You can always go downtown

When you've got worries all the noise and the hurry

Seems to help, I know - downtown

Just listen to the music of the traffic in the city

Linger on the sidewalk where the neon signs are pretty

How can you lose?

The lights are much brighter there

You can forget all your troubles, forget all your cares

So go Downtown

Things 'll be great when you're Downtown

No finer place for sure, Downtown

Everything's waiting for you

Downtown

Don't hang around and let your problems surround you

There are movies shows, Downtown

Maybe you know some little places to go

to where they never close, Downtown

Just listen to the rhythm of a gentle bossa nova

You'll be dancing with them too before the night is over

Happy again

The lights are much brighter there

You can forget all your troubles, forget all your cares

So go Downtown

Where all the lights are bright, Downtown

Waiting for you tonight, Downtown

You're gonna be all right now, Downtown

Downtown

Downtown

And you may find somebody kind to help and understand you

Someone who is just like you and needs a gentle hand

to guide them along

So maybe I'll see you there

We can forget all our troubles, forget all our cares

So go Downtown

Things 'll be great when you're, Downtown

Don't wait a minute more, Downtown

Everything is waiting for you

Downtown

Downtown

Downtown

Downtown

Centro da cidade


Tradução:

Quando você está sozinho e a vida o está deixando solitário

Você pode sempre ir ao centro da cidade

Quando você está preocupado todo o barulho e a pressa

Parecem ajudar, eu sei - Centro da cidade.

Apenas ouça a música do tráfego na cidade

Fique na calçada onde as placas de néon são bonitas

Como você pode perder?

As luzes são bem mais brilhantes lá

Você pode esquecer todos os seus problemas Esquecer todas as suas preocupações

Então vá ao centro da cidade

Tudo estará ótimo quando você estiver no centro da cidade

Não espere nem mais um minuto, centro da cidade

Tudo está esperando por você

Centro da cidade

"Downtown"

Não fique parado e deixe os seus problemas lhe cercarem

Há shows, centro da cidade

Talvez você saiba de alguns lugares para ir

Que nunca fecham, centro da cidade

Apenas ouça o ritmo de uma gentil bossa nova

Você estará dançando com eles antes da noite acabar

Feliz novamente.

As luzes são bem mais brilhantes lá

Você pode esquecer todos os seus problemas Esquecer todas as suas preocupações

Então vá ao centro da cidade

Onde todas as luzes são brilhantes, centro da cidade

Esperando por você hoje a noite, centro da cidade

Você estará bem agora, centro da cidade

Centro da cidade

Centro da cidade

E voce pode encontrar alguém gentil para ajudar e entende-lo

Alguém que é assim como você e precisa de uma mão gentil

Para guia-lo por aí

Então talvez eu lhe verei lá

Nós podemos esquecer todos os nossos problemas, esquecer todas as suas preocupações

Então vá ao centro da cidade

Tudo estará ótimo quando você estiver, centro da cidade

Não espere nem mais um minuto, centro da cidade

Tudo está esperando por você. Centro da cidade

Centro da cidade

Centro da cidade

Centro da cidade


***

HOMOFOBIA É CRIME SIM. DENUNCIE.

Polícia Federal: denuncia.pf.gov.br

Direito Homoafetivo: www.direitohomoafetivo.com.br

ABGLT: www.abglt.org.br

CVV | Centro de Valorização da vida: https://www.cvv.org.br/

DISQUE 100

***

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