Contos de Pixies

Per L-S-Souza

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Contos de Pixies é um livro composto por um conjunto de mini contos LGBT, contando histórias tristes e felize... Més

Sombras Além do Poço

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Per L-S-Souza


Kalel entrou no maior quarto da casa, o qual pertencia aos seus pais, antes da morte de sua mãe, é claro. Agora, a única coisa que restava ali, era um cômodo imerso em escuridão e trevas, que revelava um passado sombrio e não resolvido.

O corpo dopado sob as cobertas e almofadas, descrevia a atual situação de um ser que um dia fora um homem bem sucedido e descente, que agora, como demonstrava a cômoda, ao lado de sua cama, dominada por potes de remédios vazios, vinha a ser algo deprimente e deplorável.

Conhecendo bem o quarto, o jovem caminhou, no escuro, em direção à cama, desviando dos objetos que provavelmente continuavam jogados sobre o chão. O odor de azedo fuzilava suas narinas a cada passo que dava. Seus olhos lacrimejavam, não pelo odor, e sim, pela situação em que estava o homem que um dia havia sido seu herói.

Seu braço esticado balançou o homem de um lado para outro na cama, mas não obteve resposta. Em uma segunda tentativa, agora mais violenta, o corpo sobre a cama mudou-se apenas de posição, novamente sem resposta.

Dopado como sempre. Nem sei ainda porque tento. Raciocinou Kalel, parado ao lado da cama, secando os olhos lacrimejados com as costas do braço.

Com o cartão do banco em mãos e a mochila nas costas, Kalel se aproximou do caixa eletrônico. Colocou o cartão para ser lido e enquanto esperava, puxou seu celular e se olhou através da câmera frontal.

Seus cabelos pretos, ajeitados em um topete meio caído, combinavam perfeitamente com suas grandes olheiras, deixando claro suas noites mal dormidas, e o cansaço dos seus olhos castanhos.

Ele devolveu o aparelho ao bolso assim que as opções surgiram à sua frente. Com toques rápidos, fez o saldo de sua conta aparecer no monitor rapidamente, e ao ver aquele número, um tanto pequeno, sentiu uma leve onda de desespero tomar conta de sua mente.

Novecentos reais... Não acredito. Isso não vai durar muito, esclareceu para si mesmo com medo.

Kalel tirou o cartão do leitor e saiu ás pressas. No fundo, uma criança chorava por ajuda.

Com passos rápidos e largos, Kalel invadiu a sala de aula e se sentou na cadeira, atrás de seu amigo Lito, ignorando o "Olá", dito pela professora loira de vestido azul, que arrumava alguns papéis sobre a mesa maior que ficava à frente do quadro branco.

- Por que se atrasou tanto hoje? – perguntou Lito, encarando Kalel com seus belos olhos verdes.

- Tive que conferir uma coisa antes. – respondeu Kalel ajeitando sua mochila nas costas da cadeira.

- Tem haver com dinheiro?

Lito esperou alguns minutos, mas Kalel continuou a tirar o material de dentro de sua mochila, ignorando-o.

- Kalel...

- Não se preocupe. Não tem haver com dinheiro. – respondeu Kalel analisando os cabelos castanhos claros e bem arrumados de Lito.

- Se tiver, não precisa mentir para mim. Sabe que pode me p...

- Não tem! Ok? – cochichou Kalel de forma agressiva.

Lito desviou seu olhar de Kalel, encarando a mesa do amigo por algum tempo, enquanto a atmosfera que os circulava, permanecia em silêncio. Notando o incômodo do amigo, Kalel respirou fundo e disse:

- Desculpa. Mas, sabe que nesses últimos seis meses minha vida tem sido uma bagunça. – Lito voltou a olhar para Kalel, agora com um olhar de tristeza pela situação em que o amigo se encontrava. - A morte da minha mãe, a depressão e a auto dopagem do meu pai, o dinheiro do fundo de emergência acabando aos poucos... – Kalel respirou fundo, evitando chorar naquele local público, mesmo sentindo as gotas brotarem em seus olhos. – Eu... Me desculpa por descontar tudo em você.

Lito engoliu um seco, evitando deixar as gotas que brotavam em seus olhos caírem. Ele abriu um pequeno sorriso para Kalel.

- Não se preocupa com isso. Sou seu melhor amigo. – Lito recebeu o olhar mais raro de Kalel naqueles seis últimos meses, o olhar que mostrava o pouco resquício de felicidade que ainda lhe restava. – Se tentasse fazer com que parasse de descontar todas essas frustrações em mim, não poderia ter esse título.

- Valeu. – disse Kalel soltando uma lufada de felicidade contida.

A professora anunciou o início da aula. Lito se virou, para dar sua atenção a mulher, enquanto Kalel permaneceu encarando seu melhor amigo de costas, parecendo estar encantado pelas coisas que ele havia dito.

Os alunos abandonaram a sala de aula as presas, como se tivessem um compromisso importante. Kalel continuou guardando seus materiais dentro da mochila lentamente, até que a voz da professora quase o fez parar.

- Kalel. Posso falar com você? – perguntou a professora.

Lito, que estava quase do lado de fora da sala, parou à porta, esperando por Kalel, ao ouvir a pergunta da professora. A professora lançou um olhar na direção do jovem, mostrando implicitamente que o queria fora da sala.

- Pode ir, Lito. – disse Kalel encarando o amigo. – Eu te acompanho.

Lito confirmou com um movimento de cabeça e se foi.

A professora se movimentou com um suspiro, parecendo estar aliviada, e se apoiou na mesa.

- Sabe. – começou ela. – Não consigo entender muito bem a relação entre vocês dois. Não parece nor...

- Não há o que entender. – respondeu Kalel de forma rápida, impedindo que ela terminasse a última palavra. – Somos melhores amigos. Um gosta de proteger o outro. Sabe, esse é um dos deveres de um melhor amigo.

- Certo... – respondeu a mulher um tanto sem jeito, deixando uma careta entortar seu rosto por alguns segundos.

- Foi para isso que me pediu para esperar? – desafiou Kalel seguro.

- Não. – a professora cruzou os braços sobre o busto e encarou o jovem nos olhos. – O assunto é muito mais sério. É sobre sua mensalidade. – ela notou a expressão segura se desfazer no rosto do pobre rapaz, mas tentou fingir não enxergar. – O pagamento ainda não foi feito e o vencimento está próximo. Sabe que se não pagar, será expulso dez dias depois, não sabe?

- Sei sim.

Kalel respondeu tentando pensar em outra coisa para dizer, mas nada que vinha em sua mente fazia sentido. Ela o tinha pegado de surpresa, agora sua mente tinha se tornado uma bagunça.

- Sei que não queria ouvir isso mas...

- Não, não... Tudo bem. – Kalel encaixou sua mochila no ombro. – Sei que é seu trabalho. Não precisa se preocupar com isso, vou falar com meu pai ainda hoje.

- Kalel sabe que se precisar de aju...

- Não preciso. – o jovem abriu um sorriso simpático. – Estou bem, não precisa se preocupar. Bem se era só isso, eu vou indo. Ainda preciso terminar um trabalho junto com o Lito.

Kalel abandonou a sala mais rápido do que quando entrara mais cedo, deixando a professora sozinha, com uma expressão sentida e preocupada, que agora encarava o nada através da moldura da porta.

A música ecoava pela sala, inundada de estantes que suportavam o peso de diversos papéis catalogados, se misturando com o som das risadas dos dois garotos, que se divertiam bebendo e fumando sobre um sofá de dois lugares, roxo desbotado.

Kalel esfregou seu tênis no grande tapete bege esverdeado, que ficava sob o sofá e continuava até um pouco depois da metade da sala, em um ataque de riso motivado por uma das piadas de Lito.

Os dois pararam de rir aos poucos, até que ambos passassem a encarar a parede verde do cômodo de forma melancólica.

A melancolia de Kalel vinha dos pensamentos que não conseguia tirar da cabeça, em relação ao seu pai depressivo, em como sua vida era antes da morte de sua mãe, e no que se tornara depois. Era uma mudança tão drástica, que ele não podia acreditar no rumo em que ela estava tomando.

Já a melancolia de Lito, vinha da impotência que sentia por não conseguir fazer seu melhor amigo se sentir melhor. Era tanta tristeza e desastres que rodeavam Kalel, que o jovem não sabia o que dizer ou o que fazer. Aquilo o corrompia a cada olhar desviado na direção do melhor amigo.

- O que acha de fugirmos?

Perguntou Lito de repente, quebrando o triste silêncio e atraindo o olhar curioso de Kalel para si.

- É. – disse Lito animado. – Vamos pegar a moto do meu pai e fugir. Esquecermos que um dia moramos aqui, esquecer que estudamos, temos amigos. Esquecer... Esquecer tudo. Começar do zero.

- E qual sua sugestão de moradia? – perguntou Kalel rindo.

- Vamos para uma floresta, construir uma casa na árvore. Ou, roubamos uma grana do meu pai e compramos uma casa no interior, em um lugar bem tranquilo. – Lito desviou seu olhar para a fumaça que emergia da ponta do cigarro entre seus dedos. – Nossos vizinhos farão amizade conosco assim que chegarmos. Arranjaremos empregos comuns. Eu como um marceneiro e você como padeiro. Construo alguns móveis para a casa, o resto compramos. Então, nos fins de semana ficaremos juntos maratonando ou jogando, e uma vez por mês daremos uma festa. – ele abriu um grande sorriso, maior que o de Kalel, como se estivesse se divertindo imaginando o futuro. – E quando ficarmos velhos, gritaremos para os filhos de Márcio e Andréia, nossos vizinhos e grandes amigos, saírem de nosso jardim. Será fantástico...

Lito desviou seu olhar e sorriso para Kalel, que o observava com enorme compaixão. Parecia que seus olhos agradeciam o melhor amigo por criar tudo aquilo apenas para vê-lo feliz, mesmo que fosse por poucos minutos.

Ambos permaneceram se observando por um bom tempo. Kalel ajeitou os fios de cabelo, caídos sobre a testa de Lito, e sem perceber se aproximou lentamente, encarando seu lindo sorriso.

Kalel o beijou lentamente, monstrando que queria fazer aquilo há tempos. O beijo não foi retribuído. O jovem se afastou mais rápido do que quando se aproximou, com diversas perguntas e pensamentos loucos passando por sua mente perdida. Ele tentou se estabelecer, mas não conseguiu.

Lito não conseguia parar de olhar para o melhor amigo, com uma expressão um tanto assustada.

Sem saber o que fazer Kalel se levantou, um tanto tímido, e se foi. Lito tentou chama-lo de volta, mas não conseguiu. Parecia que estava paralisado. Quando finalmente conseguiu pronunciar algo, o jovem já havia ido.

Kalel entrou em casa batendo a porta o mais forte que pôde. Se sentou no sofá e levou as mãos à cabeça, como se implorasse para que sua mente parasse com aqueles pensamentos.

Seus olhos lacrimejavam, sua garganta estava seca, sua respiração estava acelerada, assim como seu coração, que lhe dava a impressão de que poderia explodir a qualquer segundo.

Sem saber o que fazer, foi até a cozinha e encheu um copo de vidro com água gelada.

Encheu um. Encheu dois. Encheu três. Mas não importava o quanto bebesse, parecia que sua garganta seca nunca iria se saciar.

Ele sentiu as lágrimas descerem, junto com a vontade de gritar loucamente, que escalava aos poucos sua garganta. Sua mão apertou o copo com força, e mais força, até sua mão começar a formigar e seus dedos ficarem vermelhos por completo.

Perdido e sem saber o que fazer, Kalel soltou um alto e prolongado grito, acompanhando o som do copo indo contra o vento e se quebrando contra a porta do quarto de seu pai.

Ele permaneceu alguns minutos parado, deixando as lágrimas desceram por seu rosto e seus olhos inundados observarem a pequena muralha que mantinha seu pai longe.

Nada... Como esperava. Pensou Kalel arrastando seus pés até seu quarto.

Os dias se passaram. Kalel não fora para escola, nem ao menos saía de sua cama, mantinha-se apenas deitado. Havia se tornado o que tanto odiava, o seu super herói fracassado.

Seu celular tocava por diversas vezes ao dia, com mensagens, ligações e até mesmo vídeo chamadas de Lito. Mas Kalel não queria ter que lidar com aquilo. Lito não havia retribuído o beijo, aquilo bastava para o jovem ter certeza de que não era reciproco.

Pensamentos suicidas invadiam sua mente todos os dias há todo o momento. Não por causa do que tinha acontecido, mas por causa do que tinha trazido. A única pessoa que não o fazia se sentir sozinho, agora o fazia se sentir com ódio de si mesmo, pelo o que havia feito.

Durante a noite, Kalel tentava se manter longe de pensamentos como esses, mas não era sempre que conseguia, muitas das vezes, acabava indo até a cozinha, segurava firme o cabo de uma faca, mas sempre acabava desistindo antes que pudesse fazer uma besteira. Por quê? Nem mesmo ele sabia.

Quando se completaram dez dias desde o ocorrido, Kalel ouviu uma batida na porta. Não queria se levantar para atender, sabia que podia ser Lito, mas ainda tinha esperança de que podia ser algum policial para falar do caso de sua mãe.

Ele se levantou forçado, exibindo seu moletom cinza e branco na luz do sol, para qualquer um que olhasse para dentro de sua casa.

Sua mão empurrou a maçaneta, e antes que pudesse ver quem estava por trás da porta, a pessoa a empurrou brutalmente, fazendo com que ela batesse contra a parede e fizesse um enorme barulho.

Lito entrou na casa, eufórico, como se estivesse furioso com algo. Kalel fechou a porta rapidamente e o seguiu para a cozinha.

- Lito o que foi? – perguntou Kalel preocupado.

- Cadê ele? – perguntou o jovem, olhando ao seu redor neuroticamente.

- Quem?

- Cadê ele?! – gritou sem olhar para Kalel.

- De quem você está falando?! – gritou Kalel de volta, segurando os braços de Lito, tentando acalmá-lo.

Lito encarou a porta do quarto do pai de Kalel. O jovem observava o rosto do amigo, e quando notou para onde ele olhava ficou ainda mais preocupado.

- Lito, não. – disse Kalel enquanto tentava controlar o amigo que se movimentava como um touro, para se livrar de suas mãos. – Por favor, não!

Empurrando Kalel brutalmente para o lado, Lito avançou contra a porta, a arrombando de forma furiosa e acordando o pai do amigo.

O jovem ligou a luz, caminhou até a cama do homem, que demonstrava estar confuso perguntando o que estava acontecendo a todo o momento. Lito subiu na cama do homem e começou a soca-lo com toda a força que podia.

- Por que não cuidou dele?! – gritava Lito. – Por que o largou?! Por que achou que só você estava sofrendo com isso?! Por quê?! Por quê?! Por queeeee?!

Kalel correu o mais rápido que pôde até Lito. Tirou o jovem, de mãos e roupas ensanguentadas, de cima de seu pai e o levando para o canto do quarto. Tentando não se importar com seu pai machucado, ainda mais ensanguentado sobre os lençóis e almofadas beges.

Lito sentou no chão chorando, enquanto Kalel tentava acalmá-lo.

- Não aguentava mais. – disse Lito aos soluços. – Não podia mais aguentar ele fazendo isso com você... Te... Te destroçando. Não posso ver quem eu mais amo sofrer assim.

Kalel tentou esconder o sorriso de felicidade, mas não conseguiu. Aquilo era o que mais queria ouvir naquele momento, e não podia deixar de comemorar.

- Está tudo bem... Est... Está tudo ótimo. – disse Kalel levantando o rosto de Lito e o olhando nos olhos, ambos com os olhos inundados.

- Estou com a moto lá embaixo... - disse Lito receoso.

- Então o que estamos fazendo aqui?

Lito acelerou o veículo o mais rápido que pôde, sentindo os braços quentes de Kalel circularem fortemente sua cintura e suas mãos apertarem sua barriga, mostrando que tudo aquilo, toda aquela felicidade, não era apenas um sonho, era tudo real e fantástico.

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