(...)
Estremeci onde estava sentada. A forma calma com que ele disse o nome do que tinha assustou-me. É daqueles genuinos momentos em que nos apercebemos que estamos definitivamente perante o proibido.
-Eu uso isto quando quero «viver» a sério. – Ele sorriu. -Alinhas faltar o dia todo às aulas comigo?
Eu sorri enquanto ele fazia duas linhas finas em cima da prateleira. Enrolou um papel em cilindro e deu-me para a mão.
-Suponho que saibas o que tens de fazer... Só aproximares-te um bocadinho e inspirares com força.
Aproximei-me com medo. O meu coração estava muito acelerado. Conseguia sentir o seu batimento como se me fosse saltar pela boca. Fiz exatamente como ele me explicou e não senti nada. Só desconforto nas minhas narizas e vontade de tossir. Ele fez exatamente o mesmo e encostou-se de novo à prateleira. Fechou os olhos e puxou-me para o peito dele. Aconcheguei-me nos braços dele e não demorou muito até que começasse a sentir espasmos na minha perna direita. Mudei de posição mas nada fazia os espasmos pararem. Concentrei-me no batimento cardíaco dele e aos poucos e poucos apercebi-me do quanto acelerava, mas o corpo dele permanecia estranhamente calmo. Quanto mais me concentrava mais o batimento cardíaco dele parecia aumentar, era a única coisa que conseguia ouvir. E aí começou.... Comecei a sentir os meus braços ficarem pesados, ter espasmos nos músculos. Não conseguia ficar quieta e estes espasmos tornaram-se de tal forma violentos que me levantei de um pulo dos braços dele. O meu coração acelerou muito...Sentia a minha respiração muito profunda.
-Temos de ir correr.
Ele riu-se às gargalhadas do que disse mas limitou-se a agarrar o casaco e fugimos da escola a correr pelo portão principal. Corri como se estivesse a tentar salvar-me de alguma coisa, e ele corria à minha frente de mão dada a mim. Eu via o mundo bastante distorcido, isto é, como se tudo à minha volta estivesse demasiado lento, parado, enquanto eu estava a funcionar a uma velocidade absurda. Só paramos de correr quando entramos na primeira camioneta que vimos. Estava quase de partida quando Tate travou a porta com a perna e me empurrou lá para dentro. Puxou-me para os últimos lugares. Estavamos sozinhos na camioneta , ria-me alto com ele e apercebia-me de vez em quando nos olhares do condutor que nos julgava em pensamento. Mas rapidamente se esquecia de nós e regressava ao seu mundinho.
Olhei Tate nos olhos. Tinha as pulpilas muito dilatadas, como se um abismo se tivesse aberto nos seus olhos. Tinha um sorriso estampado. O mesmo sorriso perigoso que me fascinava.
-O que é que sentes?
-Adrenalina. Muita adrenalina. Não consigo estar quieta porra... – Ele riu-se e fez-me deitar no banco, inclinando-se sobre mim. Tive a breve impressão naquele momento de que o meu coração ia explodir dentro da minha caixa torácica. Beijou-me o pescoço e fez a sua mão escorregar por debaixo da minha blusa. Todos os possíveis pensamentos que deveriam ter-me atingido naquele momento desapareceram. Não estava preocupada em ser apanhada, nem com o que iria acontecer dali para a frente. Só sentia uma necessidade absurda de esgotar a minha adrenalina de alguma maneira. Mordi o seu lábio e reparei de corou enquanto me agarrou a cintura com força. Empurrei-o para onde estava e sentei-me no seu colo, de frente para ele. Concentrei-me na sua boca e vi como mordia o próprio lábio e ria bem alto. Beijei-o de uma maneira incontrolável, o desejo que sentia naquele momento era algo que desconhecia em mim. Mexi a cintura ligeiramente e apercebi-me de que gemeu ao meu ouvido. Repeti e ele gemeu novamente mas desta vez acompanhado com uma frase que me pareceu «não faças isso». Ri-me e beijei-o de novo. Desta vez ele abraçou-me com força, mas não com força como que num abraço carinhoso, mas sim força de quem está louco de desejo. Puxou do bolso do casaco de ganga uns auriculares e o nosso mp3 quase no fim da bateria e ficamos a ouvir "Heart Shaped Box" dos Nirvana enquanto nos beijavamos de uma forma estranhamente intensa e magnetisante. De tal forma de quando nos apercebemos já tinham entrado imensas pessoas para a camioneta e olhavam-nos com desdém. Corei e sentei-me ao lado dele tentando parecer mais discreta enquanto me forçva para não rebentar a rir. Ele em contrapartida rebentou a rir com a cabeça inclinada para trás.
-Como eu gostava que se fossem foder. Todos. Eles e os seus olhares de reprovação.
Rebentámos os dois a rir e ele entrelassou a sua mão na minha. Não demorou muito até que a camionta fizesse a sua última paragem. Fomos os primeiros a sair num correria louca.
-Para onde vamos? -Questionei alto no meio da corrida.
-Eu não sei... Tu sabes? – Ele continuava a correr e olhou-me a sorrir.
Corremos até à linha de comboio e só aí ele largou a minha mão. Correu sozinho para a bilheteira nquanto eu fiquei parada a observar-me na vidraça de um cafézinho vazio. «O que raio é que eu estou a fazer?» O meu cérebro não processava muito mais para além dessa questão. Apenas conseguia raciocinar no quanto os meus olhos estavam estranhos e com as pupilas dilatadas e no quanto eu precisava de expulsar aquela adrenalina presa em mim. Mas à parte disso, nunca me tinha sentido tão fantástica. Tinha uma energia absurda, inesgotável, sentia o sangue a ferver a correr-me nas veias. Pela primeira vez eu não me sentia preocupada com oque as pessoas poderiam estar a pensar de mim.
Não demorou muito até que ele viesse para perto de mim com dois bilhetes de comboio.
-Para onde é que vamos? -Questionei.
-Para a baixa. Vou-te levar ao lado perigoso da cidade. Quero que vejas o que te fizeram perder. -Sorriu. -Sentes-te bem?
-Muito bem... Sinto-me elétrica.
Ele riu-se. Entretanto o comboio chegou. A viagem pareceu bastante mais longa do que tinha sido na realidade. Enquanto que estava sentada naquele banco amarelo velho e extremamente desconfortável, a sensação de adrenalina foi-se perdendo aos poucos e poucos para dar lugar a uma sensação de paranoia absurda. Tinha a sensação de que toda a gente me olhava. Questionei-me vezes sem conta sobre o que estariam a pensar a meu respeito, questionava-me se me estariama julgar. Eles sabiam o estado em que eu estava... Senti-me a suar, com uns arrepios que me percorriam a espinha. Mudei de posição vezes sem conta, tentei concentrar-me com as paisagens que iam aparecendo na vidraça mas nada servia para me distrair. Creio que por muito que tenha tentado disfarçar, não fora o suficiente. Apercebi-me disto quando dei com ele a olhar para mim muito sério, sem expressão. Aproximou-se e sussurrou:
-Eu sei como é que te sentes... Estás a entrar na fase da paranóia, mas é tudo da tua cabeça prometo-te. Ninguém está a olhar para ti e acima de tudo, ninguém sabe que estás sobre o efeito seja do que for. -Encostou a cabeça ao meu ombro e acomodou-se perto de mim enquanto eu permaneci imóvel. – Por exemplo, aquela senhora que está ali, porque é que achas que está neste comboio?
Olhei-a disfarçadamente. Estava encostada a um dos varões do comboio e olhava pela janela. Tinha uma aparência cansada, com o seu casaco verde garrafa desbotado, um saquinho de papel aconchegado no seu braço e os olhos baços.
-Não sei. Talvez esteja a ir para casa e o cansaço é por causa do dia de trabalho que teve.
-Sim, certo, mas isso é o mais básico que consegues retirar da imagem dela. Como é que achas que ela vive? Qual é que achas que é a vida dela? Tenta defini-la por detrás da máscara.
-Está certo... Acho que o marido a anda a trair e é por isso que ela está tão triste de regressar a casa. Ou então está a a ir para a baixa porque tem um segundo emprego que a ajuda a sustentar a casa já que ele gasta fortunas no jogo e em mulheres. E aposto que tem um gato, está cheia de arranhões pequeninos nas mãos.
Deparei-me com ele a olhar-me ligeiramente surpreendido.
-Que vida maravilhosa que lhe arranjaste... – A sua expresão de sarcásmo notória deu-me uma imensa vontade de rir.
E quase instantaneamente no meio de tanta conversa em que tentavamos adivinhar a vida de todos os que se encontravam à nossa volta, esqueci-me completamente da paranóia em que estava.
Quando chegamos à baixa, já era quase meio-dia. Estava um dia soalheio, um pouco fresco. A estação era muito movimentada mas muito sem graça. Quase tudo ao seu redor estava abandonado e praticamente todas as pessoa que ali se encontravam tinham um aspeto muito cansado, um aspeto doente. Refletir sobre isso tornava-se incomodativo... Todos ali presentes com o objetivo de retomar aos seus trabalhos, presos às suas rotinas enfadonhas, concentrados nos seus telemóveis e afins. Tate puxou-me para fora do comboio e aconchegou-me debaixo do seu braço.
-Onde vamos? -Questionei, embora sem resposta. Apenas sorriu e serviu de meu guia. Notei como conhecia bem a baixa, entrou por becos estranhos e escuros sem nunca me dirigir a palavra. Eventualmente vi-o apontar para uma grande grade de ferro ao fundo de uma avenida: um parque de diversões, aparentemente vazio.
- Já não entro ali à anos. A ultima vez que aqui pus os pés era bem mais novinho, ainda com os meus verdadeiros pais. Foi a última vez que tenho memória de os ver sorrir. Estavam tão felizes, mas como não tinham muito dinheiro não andei em quase nada. E agora, tu vais ser a minha companhia.
-Só um pequeno pormenor, nós também não temos dinheiro. Tu gastaste os últimos trocos com um maço de tabaco e nos bilhetes do comboio.
Ele riu-se e começou a andar em direção ao parque deixando-me para trás.
-Em que momento da conversa é que eu disse que ia pagar?
E assim foi. Entramos em quase todas as diversões sem pagar. Numas contavamos uma mentirinha mas na grande maioria apenas entravamos sem que os revisores se apercebessem. A cada duas ou três diversões, consumiamos mais uma linha numa das casas de banho públicas. E aí a euforia regressava. Tenho a certeza que desde a morte dos meus avós era a primeira vez que m sentia tão viva, tão cheia de fôlego, tão feliz. Nada me parecia uma preocupação naquele momento.
(...)
A nossa tarde foi terminada na estação de comboios, no cimo de uma torre conhecida como a Torre do Relógio. Tate conhecia uma passagem para o interior do relógio que levava a uma eespécie de varanda que era usada pontualmente para limpar a vidraça do grande relógio. E a vista dali de cima era de tirar o ar. Ficamos a fumar um cigarro enquanto matávamos as réstias de efeito das linhas de coca.
-Não me apetece voltar para casa. Queria poder ficar aqui... Obrigada Tate.
-De que é que estás a agradecer?
-Disto. De me teres trazido aqui. Já não me sentia assim feliz faz muito tempo.
-Não agradeças. -Ele sorriu envergonhado. -Pensa nisto como uma troca de favores. Eu fiz-te feliz e tu fizeste-me feliz, os dois recordamos como é bom estar vivo.
Aconchegou-me do seu braço e depositou-me um beijo na testa.
TATE LANGDON
-Tate, Tate, Tate... Já sabia que não ias resistir muito tempo.
Ali estava ele, do lado de dentro da porta. Estava a olhar para mim, no fundo dos meus olhos. Perdi o ar quando o vi ali.
-Não tinhas dito que te ias afastar disso? Ainda por cima deixaste a menina toda minada. -Riu-se em tom de desprezo. – És patético, igualzinho a quem te criou. Tu sabes o que queres fazer com ela... Confia em ti como um anjinho. Olha para ela Tate está à tua mercê. Ainda fica mais deliciosa assim...
-Cala a boca caralho! Desaparece! – O meu primeiro instinto foi esconder a Violet por detrás de mim, depois de me levantar de um pulo. Só queria que ele desaparecesse, queria que ele me deixasse em paz.
-Desaparecer? Como é que vais fazer com que tu próprio desapareças? Não te esuqeças que eu sou tu!
(...)