Amar é maravilhoso em qualquer idade.
Na juventude, o amor é o fogo que nos mantêm alerta.
Na fase adulta, o amor é o vento suave que refresca e revigora.
(AutorDesconhecido)
CECÍLIA
Sexta-feira à noite
Meus olhos estão enevoados, e apesar da vontade enorme que sinto de me desfazer em lágrimas, meu esforço para escondê-las é muito maior. Como pude me deixar enganar assim?
Cecília, você merece o prêmio de melhor idiota dos últimos dois anos da sua vida.
Do condomínio Arvoredo até o ponto de ônibus mais próximo, levo cerca de dez minutos, mas hoje, o percurso fica dez minutos maior, pois a cada passo que eu dou, penso em retornar.
Você deveria parar de ser paspalha e ir até lá enfrentá-los. Vamos, volte, sua idiota!
Paro. Olho, para trás. Faço menção de retornar, mas logo desisto.
Sim, você volta e vai fazer o quê? Vai mudar em que a situação tenebrosa da sua vida?
Desisto de seguir o impulso da minha mente perturbada e completamente deteriorada. Chego ao ponto de ônibus e olho para todas aquelas pessoas, à espera do seu transporte. Algumas sérias, outras com aspecto de cansadas. Tudo indica que estão loucas para chegar ao seu destino e cair em suas camas para descansar. As demais pessoas estão sorridentes ou apressadas, e a cada minuto levam os seus olhos ao longe, tentando descobrir se o ônibus que está por vir é o seu.
Duas moças estão próximas a mim e conversam animadamente. A loira alta, com um vestido curto colado ao seu corpo, diz para a outra moça, com cabelos pintados de vermelho e vestida com uma legging preta e uma blusa comprida com estampa de onça:
— Hoje eu dou pra ele, sem peso na consciência. O cara é o maior gato, gostoso, e pelos olhares que me deu na sexta passada, ele quer me comer. Hoje, ele não me escapa.
— Você é doida! — Exclama a ruiva — O cara é casado. Com tanto homem solteiro no barzinho, você escolhe justo um que já tem dona. Eu tô fora.
— Se ele tivesse dona, não estaria em plena sexta-feira à noite em um barzinho, desacompanhado e me olhando com olhar de predador. Se ele estiver lá e me olhar daquele jeito, eu pego e dou.
Ela solta uma gargalhada e olha diretamente para mim.
— Tô errada, amiga? — Ela me pergunta, e eu dou de ombros. — Se eu não pegar, outra vem e pega no meu lugar, sou vacilona não.
Sorrio, sem jeito, e me afasto.
As duas continuam conversando animadamente, e dez minutos depois, um ônibus encosta e elas entram nele. Continuo observando a multidão à minha volta. Me encosto no poste de iluminação e fico vendo os ônibus passarem, sem perceber o adiantar das horas.
Estou perdida nos meus pensamentos, engolida pela minha tristeza, quando escuto uma buzina insistente. Saio do meu torpor e viro o rosto na direção do som.
Um táxi está parado um pouco mais adiante de onde estou. Só então eu percebo que sou a única pessoa no ponto de ônibus. Olho para o meu relógio e vejo que já passa da meia-noite. Fico assustada, pois nem percebi o quanto é tarde e a quanto perigo estou me expondo, pois não há mais ninguém na rua e também não avisto nenhum ônibus vindo na minha direção.
Corro em direção ao táxi, e a porta imediatamente é aberta para que eu entre.
— Boa noite! — digo, já me ajeitando no banco, olhando na direção da rua.
— Boa noite! — Uma voz masculina, muito grave, responde — Está esperando um táxi há muito tempo? Por que não ligou para o serviço de táxi ou mesmo para um Uber? É muito perigoso para uma moça ficar em um local como este, sozinha, a esta hora.
— Eu não percebi o quanto era tarde. — Respondo impacientemente.
— Qual o endereço? — Ele pergunta.
Grande pergunta, pois eu não sei a resposta. Todos os endereços possíveis não são apropriados para o meu momento atual.
— Apenas dirija, não se preocupe, eu tenho dinheiro para pagar a corrida.
Sinto o olhar interrogativo do taxista através do espelho retrovisor.
— Tem alguma preferência? — Ele liga o motor do carro.
— Fica ao seu critério. — Respondo, com indiferença.
O carro atinge a velocidade de cinquenta e cinco quilômetros por hora.
— Serve a orla marítima? Apesar de ser noite, só de saber que há um mar próximo, a ideia nos traz um pouco de paz.
— Tanto faz. — Continuo indiferente.
— Quer escutar uma música?
Eu sei que ele está me observando pelo espelho retrovisor, então eu saio do seu campo de visão e me sento bem atrás do seu banco.
— Não, eu prefiro sem música. — Respondo.
Ele se cala, e o silêncio toma conta do automóvel.
Tomada pelas lembranças doloridas e pelo silêncio sufocante, as lágrimas que antes estavam enclausuradas se libertam e caem soltas através da minha face. Meus soluços são sonoros e quebram o silêncio. Cubro o rosto com as mãos, em uma tentativa de conter o barulho incessante da minha dor.
— Quer que eu pare o carro um pouco? — O taxista vira o espelho na minha direção.
Fico com vontade de mandá-lo se meter com sua própria vida, mas engulo o choro e respondo.
— Não, só dirija, por favor.
Por mais que tente, eu não consigo parar de chorar, não consigo domar a dor gritante dentro de mim.
— Você não quer que eu te leve para a casa de uma amiga? Às vezes, é bom ter um ombro amigo para se encostar nos momentos difíceis.
Quem esse cara pensa que é?
— Não, no momento, o que eu menos preciso é de pessoas que sintam pena de mim ou que chorem comigo a minha dor. Amigos e parentes só vão fazer eu me sentir pior, prefiro estar sozinha.
O carro diminui a velocidade e entra em um posto de gasolina.
— Eu já volto. — Ele abre a porta do táxi e desce.
Finalmente, eu o observo. Ele é bem alto, tem cabelos escuros, ombros largos, e a calça jeans justa deixa bem visível as suas coxas musculosas.
Ele entra na loja de conveniência, e cinco minutos depois, volta com um embrulho nas mãos. Vem caminhando na direção do carro, de cabeça baixa, olhando o seu celular. Eu não consigo ver o seu rosto, entretanto, vejo que ele se veste muito bem. Camisa de mangas compridas dobradas até os cotovelos, e pelo corte e o tecido, não parece ser barata. Quando ele entra no carro, eu sinto o cheiro do seu perfume. Não é barato.
— Tome, beba isso e coma as barrinhas de cereal. — Ele me entrega o embrulho — Vai lhe fazer bem, além de distraí-la.
Fico com vontade de devolver, mas estou com a garganta queimando e a boca seca.
— Obrigada! — Foi a única coisa que pude dizer.
Abro o embrulho. Duas garrafas de água mineral, duas caixinhas de suco de pêssego, cinco barrinhas de cereal de chocolate e um ovo Kinder Joy.
— Talvez você encontre uma linda surpresa no ovo...
Sorri levemente. Ele conseguiu me fazer rir, mesmo que somente por alguns segundos.
— Obrigada!
Ele segue dirigindo.
Não sei que horas são e não sei onde estamos, só sei que a tristeza ainda me devora, então as lágrimas voltam mais poderosas do que antes. Os soluços também.
— Qual é o seu nome? — Mais uma vez ele quebra o silêncio.
— Kelly — minto. — E não precisa me dizer o seu, eu não quero saber.
— Ok. Kelly, eu não sei o que aconteceu para deixá-la assim, mas escute o que vou te dizer. Nenhum homem merece uma lágrima sua, só chore por alguém que te faça feliz. Lágrimas, meu anjo, só se for de felicidade. Seja quem for o idiota que está fazendo o seu coração sofrer, não vale a pena derramar mais nenhuma lágrima, mande-o à merda e refaça a sua vida.
Ele fica em silêncio, e eu engulo o soluço.
— Como você sabe que estou chorando por causa de um homem?
— Não preciso adivinhar, Kelly. Passo em uma rua perigosa, quase a uma hora da manhã, encontro uma moça bem-vestida, linda e triste, parada em um ponto de ônibus deserto. Ela está completamente absorta do perigo, então só pode estar passando por problemas. Acertei?
— Acertou. — Respiro fundo — Essa moça linda e triste gostaria de desaparecer da face da terra... Meu Deus! Como isso dói...
Caio no choro. O desespero toma o meu corpo. Cubro o rosto com as duas mãos.
— Eu sou uma imbecil, uma otária... Eu me odeio.
O veículo para abruptamente.
— Kelly, eu não posso continuar dirigindo a madrugada toda sem ter uma direção exata, você precisa de um amigo, da sua mãe ou de uma irmã, mas você não pode ficar sozinha. Vamos, me diga o seu endereço que eu vou levá-la para casa.
— NÃO! — respondo imediatamente. — Já disse, eu não quero um amigo, tampouco a minha família perto de mim, eles não podem me ajudar. Aliás, eles só vão piorar o meu estado. — Puxo o ar fortemente para os pulmões. — Por favor, só dirija, eu pago a gasolina, acrescento vinte por cento sobre o valor total da corrida.
— Kelly, o problema não é o dinheiro, nem a gasolina. O problema é o seu estado de tristeza, você não pode continuar assim.
— Você costuma ser sempre assim? Costuma se meter na vida dos seus passageiros?
Ele sorri, então eu o observo melhor. Ele tem um rosto bonito e olhos claros. Seus cabelos são castanhos bem claros, com alguns fios brancos, o que lhe proporciona um certo charme, e quando sorri fica muito mais bonito do que já é.
— Não é sempre que entra no meu táxi uma passageira tão triste e melancólica. E então? Tem algum lugar que eu possa levá-la? Eu estou começando a ficar preocupado com seu estado de ânimo.
— Não se preocupe, não vou cortar os pulsos no seu carro, só dirija, por favor. Se não quiser, pode parar em algum ponto de táxi que eu pego outro e o deixo ir para casa. É isso, não é, você quer ir para casa?
Ele vira para frente do volante, respira profundamente e liga o rádio. Dedilha nervosamente no painel do veículo, procurando uma música. Enfim, ele a encontra, para por alguns segundos e fica a escutando.
Ele começa a cantar a música baixinho, em um inglês perfeito. Não me importo, ele canta bem, e por alguns segundos, eu até me esqueço o motivo pelo qual estou neste táxi.
— Senhorita Kelly, não quero ir para casa, e eu jamais a deixaria em algum ponto de táxi. Se quer fazer um tour durante a madrugada inteira no meu veículo, então faremos. Ok? — Ele vira o rosto sobre o seu ombro e os seus olhos claros e brilhantes encaram o meu rosto. — Quer que eu desligue a música?
Desvio os meus olhos dos dele.
— Não, gosto da música.
— Eu também. — Ele pisca um olho e volta a sua atenção para a direção do veículo, liga o carro e o pisca alerta da esquerda, sai lentamente e começa a cantar baixinho.
O Sr. Estranho é muito bonito, posso dizer que ele tem entre 39 e 45 anos, os fios brancos o deixam com uma aparência mais velha, mas não com as feições envelhecidas. Ele é muito charmoso e extremamente sexy.
— Você já se apaixonou? — Nem sei por que fiz esta pergunta, mas fiz, agora é tarde.
— Muitas vezes. A primeira vez foi quando eu tinha dez anos de idade, por uma linda vizinha de quinze anos. Ela me deixava zonzo. A última vez foi há uns quinze dias, durou exatamente doze horas.
Ele me olha através do espelho retrovisor.
— Paixão rápida, a sua. — Digo, desviando os meus olhos do espelho e olhando para o lado contrário.
— Paixões são como tempestades, elas vêm com força, acabando com tudo à sua volta, e quando menos esperamos, elas passam e algumas vezes deixam a nossa vida uma tremenda bagunça, mas outras vezes, sequer lembramos que houve um temporal. Vá por mim, essa sua dor vai passar logo, logo.
— Falou a voz da experiência. — Ironizo.
— Sim, comparado a você, eu tenho uma centena de anos-luz à sua frente, acho que devo ter o dobro da sua idade.
— Eu tenho vinte e quatro anos, não acho que tenha o dobro da minha idade.
— Pois eu tenho, Kelly. — Ele diminui a velocidade. — Não fique triste por quem não merece, os homens em geral são idiotas, a grande maioria deles nem sabe o que quer.
— Você está nesta lista? — Ele me olha e sorri.
— E por que não? Às vezes eu sou um grande idiota, faz parte da natureza masculina.
— Eu acho que os homens só nos fazem de idiota porque permitimos que o façam. Foi o meu caso. Eu fui uma imbecil, uma tremenda imbecil.
Pronto. Bastou me lembrar para que as lágrimas brotassem outra vez. A dor da traição vem com toda força. Sinto uma vontade de sair correndo e desaparecer da face da Terra.
— Pare! — Grito.
Ele freia bruscamente. Abro a porta do carro e saio correndo. Atravesso a rua e vou de encontro à praia, entre lágrimas, que deixam a minha visão turva. Eu só quero uma coisa, que é desaparecer.
Aos poucos, sinto minhas pernas geladas, ouço o barulho de ondas indo e vindo. A água gelada da praia não me incomoda, ao contrário, ela me dá um alívio imediato, uma leveza na alma.
— Kelly.
Escuto alguém me chamando. É o motorista do táxi, mas não o quero aqui, eu quero que ele me esqueça, que ele siga o seu caminho e me deixe seguir o meu.
A água cobre a minha cabeça, e eu me deixo afundar, quero ser levada para as profundezas do mar.
Leve-me... leve-me. Que a morte me abrace, que ela acalente a minha dor, que cure o meu desespero.
Caio em mim. Percebo a besteira que estou fazendo, só que é tarde demais, já estou sendo puxada para os braços da morte. Desesperada, eu tento voltar para a superfície, mas o meu corpo está pesado e não consigo ficar por muito tempo com a cabeça acima da água, fria e salgada. Eu vou morrer.
Quando já estou aceitando o meu destino, sinto o meu corpo ser içado, e logo os meus pulmões são agraciados com o ar frio da noite.
— Menina maluca, nenhum homem merece o sacrifício de uma vida. — Braços fortes me mantém protegida, e uma voz grave ralha comigo. — Porra! Mate-o, mas não se mate. Você é linda demais para morrer, garanto que existe alguém em algum lugar esperando por você.
Ele me carrega em seus braços fortes, e minha cabeça se apoia no seu peito robusto. O cheiro dele é inebriante. Enquanto sou carregada, ele pragueja vários palavrões.
— Sua doida, como pode desejar a morte por causa de alguém tão imbecil? Estúpida... você é muito estúpida.
Ele sacode o meu corpo enquanto brada comigo.
Estou trêmula, e meu corpo dói. A vergonha me devora. Sou colocada no banco do carona do táxi. Por alguns segundos, fico sozinha, mas logo depois uma grossa toalha cobre o meu corpo.
— Me deixe em algum ponto de táxi, não vou atrapalhar mais o seu sono, acabou... Não precisa se preocupar comigo, você não me conhece e nem eu o conheço. — ralho também, não sou obrigada a ficar escutando tagarelices de um estranho.
— Além de tudo é mal-agradecida. Se antes eu não pretendia deixá-la sozinha, agora é que não vou deixar mesmo. Você precisa de um banho quente e uma cama macia.
Não consigo abrir os meus olhos, o peso do desespero e da vergonha nesse momento é maior do que a vontade de enfrentar o homem muito nervoso que está sentado ao meu lado, dirigindo o táxi completamente molhado.
Aperto os olhos e viro o rosto para o ladocontrário. O Sr. Estranho parece zangado, sendo assim, é melhor evitar umconflito. Não sei para onde ele está me levando, não sei quem é este homem quesalvou a minha vida, só sei que eu quero que ele me leve para bem longe daminha dor, que me faça esquecer a dor da traição, nem que seja por algunsminutos.