Florença, Itália século XVI
Margaretha jogou uma rosa branca sobre o túmulo feito as pressas no cemitério de San Lorenzo, na cidade espanhola de Valladolid onde a corte de seu pai Carlos V estava estabelecida. O funeral solene era mais do que seu marido merecia. Suspeitava que ele ia encontrar com uma viúva, irmã de um primo distante Lorenzino de Médici.
Fora uma armadilha a final. Um sorriso surgiu nos lábios dela e agradeceu por ter um véu negro lhe cobrindo o rosto o que a poupava de choros falsos.
Os Médice encobriram tudo. Enterraram Alexandre no meio da noite e Margaretha, que chegara de Florença pela manhã, nem viu o corpo. Não se importava, não havia o que chorar. O ano de casada não fora o mais feliz de sua vida e de certo sentia-se aliviado.
Algumas de suas damas cochichavam suspeitando ser um golpe e que talvez Alexandre nem estivesse morto. Para Margaretha não importava e sim que agora era viúva.
O sol estava quente naquele dia. Desejava voltar logo ao ducado em Florença. Para a paz de seu castelo e de suas flores.
- Está sentindo-se bem, alteza? – A jovem dama de companhia aproximou-se dela e lhe estendeu um leque.
- Estou um pouco cansada da viagem.
- Talvez queria voltar à corte de seu pai.
- Sim. Acho que não resta mais nada para mim nesse cemitério.
- Todas nós lamentamos muito a perda do duque. Se casaram a tão pouco tempo...
- Eu sei e agradeço todas as condolências.
Ele não teve mais do que mereceu...
Margaretha caminhou para longe da sepultura acompanhada de suas damas.
- Meu cocheiro espera por mim.
- Sim, milady. Sua majestade providenciou-lhe outro, uma vez que aquele que lhe trouxe de Florença está muito cansado.
Margaretha caminhou até além dos cemitério sem olhar para trás. O sol quente a fazia suar dentro do pesado vestido negro. Não via a hora de sair da frente de todos e poder livrar-se daquele circo.
Apoiado na carruagem estava um jovem cavalariço. Com cabelos castanhos na altura dos ombros, seus profundos olhos verdes estavam perdidos encarando o horizonte além dos túmulos. A aproximação da duquesa fez com que ele se virasse para encará-la. Sob o véu negro, não conseguia ver o rosto da mulher, ouvira boatos sobre a beleza herdada da mãe flamenca e nem teve o privilégio de contemplar.
- Alteza? – Ele abriu a porta da carruagem e ofereceu a mão para ajudá-la a subir.
- Obrigada. – A voz era doce.
Ela era gentil... Giovanni abriu um singelo sorriso.
- Vamos à corte de vossa majestade?
- Sim. – Catherine segurou a mão dele.
No breve instante em que sua mão protegida pela luva tocou o calor da dele. Suas pupilas dilataram, tingindo de negro as íris cor de mel. Um calafrio lhe varreu e invocou uma lembrança que ela nunca teve.
Nuca imaginou que tocar aquele simples cocheiro poderia provocar tal visão, e talvez essa fosse muito pior do que ver algo sobre uma vida dolorosa como plebeu.
Margaretha havia herdando de sua mãe um estranho dom que aprendeu a não compartilhar com ninguém. Ao toque, poderia ver passado, presente e futuro de uma pessoa. Eram imagens fragmentadas, mas que para ela sempre foram bem úteis.
Ali, segurando a mão quente e um tanto suada ela estremeceu.
Margaretha foi ainda mais pressionada contra a parede de madeira de uma local escuro. Sentiu um calafrio varrer-lhe o corpo quando seu olhar foi capturado pelos penetrantes olhos de Giovanni.
- Milady... – A respiração dele era pesada e difícil. O peito subia e descia em ritmo frenético. Ele estava suado como alguém que havia corrido no sol.
Margaretha fechou os olhos e mordeu os lábios quando as mãos firmes traçaram a lateral de seu corpo e foram parar sobre seus seios, apertando-os com força, ainda sob o tecido que os cobria.
Ele a mordiscou na base do pescoço e ela gemeu levemente. Sentiu um calor desconhecido varrer cada parte de si. E a ânsia crescer entre suas pernas.
Giovanni desamarrou as fitas que prendiam seu vestido passando as mãos pela parte de trás das costas. Enfiou os dedos por dentro do decote e libertou um dos seios, o qual ele logo envolveu com os lábios.
Ela bateu a cabeça contra a parede ao jogá-la para trás, mas a leve dor logo foi suprimida pela deliciosa sensação de ter um dos seios sugados e o outro apalpado.
As mãos do cocheiro deslizaram por sua coxa, subindo o vestido e amontoando a saia entre eles. O desejo era insano, perigoso e intenso, jamais havia sido tocada e provocada de tal forma...
Margaretha se impulsionou para fora da visão o mais rápido que pôde. Que diabos era aquilo?
Ao soltar a mão do cocheiro, ela cambaleou para trás e com suas pernas bambas, quase caiu, porém ele a segurou pela cintura. As mãos firmes quase a deixaram sem ar.
- Tome cuidado, alteza.
- Foi apenas um desequilíbrio. – Aprumou o corpo e ajeitou sua saia.
Recusou a mão e subiu na carruagem sozinha, não queria retornar àquela perversão ainda que a região entre suas pernas pulsasse com o desejo despertado ali.
Giovanni fechou a porta da carruagem assim que as damas de companhia da duquesa entraram. Ficou perguntando-se o que havia acontecido enquanto ia sentar-se em seu banco e tomava as rédeas dos cavalos.
Num instante ela era um doce, mas no seguinte havia ficado amarga. Pensava ter um olhar capaz de capturar a essência da alma humana, entretanto, talvez estivesse bastante enganado
Dentro da carruagem Margaretha levou a mão ao peito onde o coração batia descompassado. Ainda estava trêmula. A visão fora tão real.
- Está sentindo-se mal, alteza?
- Um pouco. – Ela abriu a cortina que cobria a janela da carruagem. – Acho que só preciso de um pouco de ar.
- Perder o marido não é fácil, mais saiba que vamos ajudá-la. – A dama sentada ao seu lado, Milena, tentou segurar-lhe a mão, portem Margaretha a puxou.
Não queria correr o risco de tocar a mão de alguém e ver ainda mais coisas que não desejava. Esperava ser um mero delírio. Um envolvimento carnal com o cocheiro era uma loucura.
O casamento com Alexandre não fora feliz em nenhuma forma. Os encontros sexuais com o marido eram raros e felizmente não geraram nenhum fruto. O duque, que no fundo não passava de um bastardo filho de um clérigo, mais um escândalo encoberto pelos Médice, tinha inúmeras amantes e Margaretha sempre tremeu acabar pegando alguma doença por causa dele. Sífilis constavam ser horripilante.
Agora finalmente livre, pensava mais do que deveria em homens e talvez isso tivesse despertado a visão um tanto insana com o cocheiro.
- Ele é tão lindo! – Surpirou a dama de companhia ao seu lado.
- Ele quem, Antonietta?
- Seu novo cocheiro, milady, não o viu?
- Ah, sim...
Margaretha agradeceu pelo véu ainda cobrir seu rosto, pois suas bochechas arderam em vergonha.
- Aqueles botões abertos no gibão mostrando um pouco do peito me causaram delírios... – Lêda, a dama sentada à frente da duquesa se abanou com as mãos.
A mim também... Margaretha comentou em pensamentos. Delírios, não podiam passar disso.
- Será que ele é casado? – Lêda curvou seu corpo para a frente a fim de conversar com a outra.
- Parem as duas, por favor! Esqueceram que meu marido e seu duque acaba de morrer?
- Não, alteza, não nos esquecemos. Desculpe-nos. – Antonietta se encolheu no banco.
No fundo, Margaretha pouco se incomodava em ralação aos comentários e a memória de seu falecido marido. Não dava a mínima a preservação da memória dele, pois sabia que com ela o infeliz era capaz de fazer algo ainda pior. Entretanto, o que tirava o sossego eram os tipo de reações que os comentários provocavam em seu corpo.
Podia não ter passado de um mero delírio, mas fora real o bastante para deixá-la arfando.
Quando a carruagem parou diante do castelo em Valladolid onde a corte de Carlos V o imperador da Espanha estava residindo, Margaretha deu logo um jeito de ser a primeira a descer da carruagem sem que o cocheiro nem houvesse saltado de seu banco.
Ele ficou surpreso ao vê-la parada ao lado da carruagem, mas não disse nada. Talvez fosse apenas mais uma das muitas mulheres excêntricas que já transportará desde que viera trabalhar na corte.
- Tenha um bom dia, miladies. – Ele se curvou perante a ela, mas logo se arrependeu ao fitar o vestido negro da duquesa. Não seria um bom dia.
As damas de companhia saíram acenando para ele e o cocheiro acenou de volta. Eram bonitas, entretanto o que gostaria de ver era o rosto por debaixo do céu nego. Mas tentou livrar-se dessa fixação. Era um reles plebeu e nem possuía o direito de sonhar com uma mulher como aquela. Ainda que filha bastarda de Carlos V, Margaretha havia recebido todo o cuidado e boa criação de uma princesa e casara-se com um duque.
Ela seguiu até o interior do castelo sem olhar para trás. O distanciamento do cocheiro a deixou um tanto aliviada. Tudo o que não precisava era de algo para tornar-se a paz.
- Margaretha eu sinto muitíssimo.
A primeira pessoa a trombar no corredor fora uma condessa cujo nome nem se recordava. Apenas sorriu e agradeceu os pêsames. Era educada e sabia bem manter as aparências.
- Peçam para prepararem para mim um banho. – Virou-se para suas damas. – Tudo que preciso agora é tirar essa essência de cemitério de mim.
- Sim, alteza. – Ela se curvaram se sumiram pelo corredor.
Margaretha continuou andando, virou em alguns corredores até chegar à sala do trono onde se reuniam nobres e seu pai.
- Sua alteza, a duquesa Margaretha de Florença.- Foi anunciada ao passar pela porta.
- Majestade. – Curvou-se diante do trono.
- Minha estimada filha. – O rei entregou sua taça de vinho a um criado ao lado do trono. – Lamento a perda tão precoce de seu marido. Foi apenas um ano de casamento.
Ela removeu o véu, jogando-o para trás sobre a cabeça, para encarar melhor o rei.
- Deus sempre sabe quais decisões tomar. - Manteve-se fria e distante. Tratar com o rei, ainda que esse fosse seu pai, exigia sempre uma lista de formalidades.
- Sim, mas não se preocupe, logo lhe encontrarei outro bom noivo.
- Outro noivo? – Ela engoliu em seco.
- Sim ainda é muito jovem e podemos fazer várias alianças oferecendo-lhe.
O estômago de Margaretha revirou em nojo ao se lembrar de para que serviam as filhas do rei. Sempre para fazer alianças.
Ninguém ouvia os desejos de seu coração.
- Perdoe-me, majestade. Vou retirar-me para meus aposentos, estou exausta de viagem e muito triste pela perda de meu marido.
- Sim, pode ir. – Ele fez um gesto com a mão.
Ela se curvou e deixou a sala do trono. Mal chegará a Espanha e já estava irritada. Voltaria a Florença o mais breve possível, nem que precisasse inventar uma desculpa qualquer. Longe dos olhos do imperador, talvez pudesse fazê-lo esquecer de que pretendia metê-la em mais um casamento infeliz.
Ela apoiou a cabeça na porta assim que a fechou. Cerrou os olhos e respirou fundo. Na manhã seguinte voltaria um plano para voltar ao castelo do antigo marido do qual poderia usufruir até que botassem outro duque no lugar.
- Milady, seu banho já está pronto.
- Obrigada, Antonietta. – Margaretha Tenório o véu do rosto e jogou longe o chapéu.
Estava assando viva dentro daquele pesado vestido preto. Não via a hora de passar logo esse maldito período de luto.
- Jane, ajude-me a tirar esse vestido.
- Sim, alteza. – A dama de companhia parou de olhar pela janela e foi até sua senhora.
Um banho era tudo o que precisava... Margaretha pensava que todas as suas dores e frustrações pudessem ser lavadas com água.
Ao entrar na tina, o que tanto evitava pensar acabou vindo-lhe a mente. O cocheiro, o homem que despertou a erótica visão era bonito como bem observado por suas damas de companhia. Mas não era o primeiro plebeu bonito com quem teve de tratar. Lembrava-se do bem apessoado jardineiro de onde viveu na infância. Na rara vez em que tocou a mão dele, não viu nada além da felicidade por ser pai de um menino. Algo que veio ocorrer meses depois.
Embora visse muitas coisas toda vez que segurava a mão de alguém, um ato erótico envolvendo a si própria era a primeira vez. Fora tão obsceno, todavia pareceu tão delicioso...
Margaretha se encolheu e abraçou o próprio corpo.
- Está tudo bem, alteza?
- Sim, Antonietta. Foi apenas um calafrio.
Ah, ficar pensando no tal sujeito não lhe ajudaria em nada.
Giovanni olhou para a tinta a óleo no canto das unhas assim que parou ao lado da baía após dar água aos cavalos. Esperava logo terminar o quadro e vendê-lo para comparar mais matérias de pintura. Por hora precisava manter seu trabalho como cocheiro na corte de Carlos V.
Após deixar seus pensamentos vagarem olhando para o horizonte alaranjado além do estábulo. Acabou pensando na duquesa e a repentina mudança no comportamento dela. Era como se a mão de Giovanni de alguma forma tivesse a espetado ou beliscando. Que mulher mais estranha! Ele tinha certeza não ter feito nada para gerar tal comportamento.
Apesar de muitas vezes conseguir captar a alma e a essência das coisas em suas pinturas, ela lhe pareceu uma grande incógnita. Talvez porque não pôde ver o rosto da duquesa, seus olhos e sua alma.
Isso o deixava ainda mais curioso é fazia crescer a estúpida vontade de aproximar-se outra vez dela. Não deveria insistir nisso, pois perder o emprego era a menor das consequências. Entretanto algo inquietante se movia dentro dele. Apenas ver o rosto, só isso, talvez memorizá-lo para uma pintura que guardaria escondida para si.