Patronus

By louisaturn

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Em latim, Expecto significa ter esperança de algo acontecer, esperar, e Patronum significa proteção. Louis es... More

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By louisaturn

1981. October, 31. London, England.

"EXPECTO PATRONUM!"

Ele corria como se os passos apressados pudessem salvar a sua vida. Aparatar estava fora de cogitação quando três Dementadores o perseguiam por todos os becos, farejando a determinação que se esvaía através de cada ofego que soltava. Não era fácil respirar quando ele começava a pensar que não valia mais a pena sequer continuar lutando. Era forte, mais forte do que qualquer coisa que já enfrentou, mas ele teria que usar a coragem que fez dele um Gryffindor para lutar contra, porque se ele já pode, um dia, conjurar um Patrono corpóreo, isso queria dizer que ele tinha sim uma razão pela qual deveria superá-los.

O pálido fiapo de fumaça que surgiu de sua varinha foi o suficiente para confundir os seres encapuzados que colecionavam almas e transbordavam desesperança através das bocas secas e ocas, mas não o bastante para espantá-los de uma vez por todas. Eles ainda estavam ali, rodeando o Auror em treinamento como se, mesmo ficando desorientados por alguns instantes, o feitiço que lançara não tivesse efeito algum neles.

O protetor que Louis esperava surgir no lugar da bagunça de luz que apareceu na ponta de sua varinha era um veado, com galhas enormes e olhos amendoados; mas o animal não exigia a habilidade que o eterno defensor das cores vermelho e dourado possuía em verbalizar os nomes complexos dos feitiços que ele fez questão de decorar, nem mesmo a facilidade em movimentar a varinha de determinada maneira para que ele conseguisse conjurar outros.

O segredo, afinal, era a felicidade.

"Me diga, senhor Tomlinson, qual é a sua memória mais feliz?!"

E... talvez a felicidade fosse aquela coisa estranha mesmo, porque algo viera de surpresa, sem que ele sequer pensasse nisso antes. Talvez a memória pudesse ser o que vinha de súbito, que estava sempre em mutação, com diferentes níveis de importância. Talvez nunca fosse a mesma coisa, porque ele pensou, inicialmente, naquela memória que o auxiliou a conjurar o veado poderosamente alguns meses antes, mas que dessa vez não tivera tanto êxito. Talvez a memória mais feliz não precisasse ser, necessariamente, uma memória.

Talvez ela pudesse ser alguém.

"Me chamo Harry."

Olhos verdes, cachos grossos enrolando ao redor de um par de orelhas pequenas e covinhas em ambas bochechas moldando um sorriso brilhante de repente tomou toda sua visão. Louis não havia perguntado seu nome, mas isso não pareceu incomodar ou intimidar o garoto que praticamente invadiu o vagão que havia escolhido. Tinha planejado de antemão uma viagem silenciosa na companhia de seu exemplar de Trato de Criaturas Mágicas, mas Harry parecia ter outros planos para os dois.

"Eu sou novo aqui, sabe, nessa coisa de magia. Eu não sabia que era um bruxo até o Professor Dumbledore mandar uma correspondência para nós. Ela dizia que eu tinha uma vaga em Hogwarts desde que eu nasci! Louco, não é? Eu achava que as magias acidentais tivessem algo a ver com a minha sorte. Eu não tenho muita. Sorte. Procurei um vagão vazio por todo trem, mas quando a quinta pessoa me expulsou, meio que desisti. Esse era o próximo. Eu pensei mesmo que não tinha ninguém aqui. Mas... Você acharia ruim se eu ficasse com você?! Você parece ser mais velho, mas um mais velho legal. Um não tão mais velho. Poderíamos ser colegas?! Você pode me apresentar a escola e eu posso te ensinar a transformar suco em refrigerante quando seus pais não estiverem olhando. O que você acha?"

Harry não era o tipo de pessoa que parava para respirar enquanto falava, mas, ainda assim, sua fala ainda era lenta, preguiçosa. Mesmo anos depois daquele primeiro dia de conversa, Louis não conseguia entender como ele conseguia fazer aquilo. Aquilo de falar tanto e tão devagar, aquilo de entrar na sua vida sem permissão. Porque antes mesmo de ele perguntar se podia permanecer por ali, o estudante do terceiro ano percebeu que jamais conseguiria negar o que quer que fosse ao então calouro.

E ele, é claro, estava certo em suas previsões, porque, dois anos depois, um Harry ofegante com a gravata colorida em amarelo e preto pendurada em seu pescoço percorria os corredores das masmorras segurando a sua mão com firmeza. Ele tinha um plano, mas Louis não fazia ideia do que poderia ser. Para ser honesto, o estudante da Gryffindor nunca gostou de andar por aqueles lugares, abrindo pequenas exceções apenas para as inevitáveis aulas de Poções com o professor Slughorn.

"H, me desculpa, mas eu não vou entrar aí."

Harry, ignorando seu protesto como se fosse apenas um Pirraça o irritando, abanou a mão direita no ar ao que resmungava a senha que abria o portal para a sala comunal da Slytherin, empurrando o outro rapaz consigo. Nem parecia que ele tinha apenas treze anos, ou que aquele não era algum lugar seguro para ele, seu ar confiante transformando-o no que ele bem entendesse.

"Você não saberá qual é a surpresa se não entrar, Lou. São só alguns minutos, ninguém vai te arrancar pedaço!"

Louis não acreditava muito em Harry, pois aqueles olhares de soslaio diziam exatamente o contrário. Caretas desgostosas tomaram as feições que ele não tinha certeza se podiam sorrir ou expressar algum sentimento que não fosse de pleno desagrado, todos direcionados para ele. O fato de Harry ser um nascido trouxa tinha sido ofuscado pelas cores vibrantes de seu uniforme na véspera da final do campeonato entre casas. Muita coisa, no entanto, deixou de importar quando a porta do dormitório que Harry escolheu invadir se fechou atrás dele, porque havia um cachorro espalhado pela cama, que dormia como se sua existência naquele lugar não fosse, no mínimo, advertida.

"Ele se chama Orion. Como a constelação. Eu não sei, acho que combina com ele."

A vontade que Louis tinha naquele momento era de revirar os olhos exageradamente e bater bem forte na cabeça de Harry. Forte o suficiente para que seu cérebro funcionasse e ele desse conta do quão arriscado era ter um animal proibido naquele lugar; não somente pelas regras regidas pelo diretor Dumbledore, mas, principalmente, por conta da guerra que ecoava através dos olhares receosos dos estudantes e preocupados de cada funcionário, mostrando-se poderosa e assustadora. Mas... Sendo muito honesto, quem resistia àquelas bochechas coradas com covinhas e olhos verdes espremidos demonstrando uma felicidade genuína quando o focinho úmido do animal de pelo negro tentava ganhar um carinho dele?!

Louis quem não era.

"Hum. Eu acho que ele pode me arrancar um pedaço, se ele quiser, sim."

Louis não entendeu o motivo. O motivo da risada aliviada e exagerada de Harry, tampouco a razão pela qual seu coração pareceu derreter entre suas costelas e chegar numa velocidade impressionante até seu estômago; morno e gelado ao mesmo tempo, fazendo sua barriga doer. Também não entendeu o porquê de aquilo não sair da sua cabeça, pois, por muito tempo, aquela confusão em seu interior era a única coisa que ele conseguia se concentrar.

Ele acabou ficando sem entender por um ano inteiro, experimentando sensações estranhas e engraçadas, as reações de seus órgãos, mãos e fala que pareciam operar involuntariamente quando ele estava na presença de Harry. Era engraçado, estranho, inconveniente, frustrante. Louis achou que nunca fosse entender, até que, em seu sexto ano, em uma aula bem dinâmica do Professor Slughorn, ele teve sua primeira lição sobre a poção do amor mais poderosa já preparada.

E tudo ficou óbvio demais, porque, quando o caldeirão que carregava a Amortentia foi aberto, seus sentidos foram tomados pelo cheiro de cachos marrons macios, uniforme amarelo e preto largados e pele repleta de estrelas que precisavam ser ligadas por seus dedos para formarem as inúmeras constelações que ele imaginava nela.

"Eu não acredito que eu tenho mais dois anos aqui sem você."

Louis via saudade e nostalgia em cada detalhe de Hogwarts. Desde as paredes erguidas com tijolos rústicos até os olhos verdes úmidos que o encaravam como se ele fosse desaparecer intencionalmente a qualquer momento. Era seu último dia como um estudante, e ele odiava despedidas. Principalmente quando essas despedidas envolviam não ver mais Harry com tanta frequência.

"Eu prometo te mandar uma coruja todas as semanas. E ir até Hogsmeade em todas as suas visitas. Vai passar tão rápido que você nem vai perceber. Eu não vou sumir, H."

E como ele poderia? Se Harry ao menos soubesse que aquele nó que se formava em sua garganta não se dava apenas pelas lágrimas que ele tentava impedir de escapar, mas também pela vontade bravamente reprimida de dizer a Harry que jamais se sentiria em casa novamente, porque era ele quem lhe trazia essa sensação. Louis balançou a cabeça tentando não pensar em como viveria a partir dali, porque tudo parecia, honestamente, assustador e meio solitário.

Harry o impediu de permanecer com aqueles pensamentos, revirando os olhos depois do que pareceu uma brava luta interna, diminuindo totalmente o espaço entre os dois corpos e fazendo as mãos de Louis suarem instantaneamente numa antecipação quase desnecessária. Era como se o dono dos cachos enrolados em torno, sob e sobre um lenço nas cores amarela e vermelha soubesse que era aquilo que ele precisava: de um abraço apertado e cheio de carinho, saudades antecipadas, promessas ditas e não ditas, antigas, recentes e que ainda estavam por vir.

Hogsmeade era um aglomerado de neve suja, roupas de inverno e risos cheios de vida quando Louis procurava por algum lugar que pudesse lhe servir uma caneca de Cerveja Amanteigada sem que ele fosse obrigado a esperar por horas pelo pedido. Era essa a desculpa que ele dava a si mesmo, pelo menos, quando sua atenção era atraída por um ou outro rapaz que ele pensava ser alguns centímetros mais alto do que ele, ou que tinha cachecóis bordados em marrom ou amarelo, ao invés das fachadas que ele realmente deveria olhar.

Muitos de seus planos e expectativas sobre seu futuro fora de Hogwarts foram adiados quando ele se candidatou para se tornar um Auror. Tomando muito mais tempo do que o pretendido, as cartas semanais e visitas constantes prometidas a Harry não foram possíveis. Quase um ano e meio depois de se despedir, o recém-formado sentia tanta falta do melhor amigo que lhe causava dor física. Dor que crescia em seu peito, que se encolhia cada vez que ele relia as linhas que julgava ser pouco demais para espantar aquele sentimento que ele jamais queria sequer considerar. Sentimento de que estava se afastando. E de que não havia nada a fazer, além de permitir.

"Louis?!"

Uma voz mais grave do que ele se lembrava ter ouvido da última vez que se viram o fez exclamar em surpresa, virando-se tão rápido quanto pode, sorrindo como se estivesse conhecendo o mar pela primeira vez, ou fazendo qualquer coisa importante demais para ser ignorada, como assistir o pôr do sol no verão, ou os últimos resquícios de neve antes da primavera.

"Merlin, Harry!"

Murmurou sufocado pelos braços ao redor de seus ombros, fios encaracolados soltos em seu rosto e o perfume fraco de roupa limpa e senti tanto sua falta! Suas mãos pareciam conhecer o caminho que seguiam, como se nunca tivesse passado um dia sequer distante do ainda estudante da Hufflepuff, segurando o moletom alheio no meio de suas costas com medo de aquilo ser somente um sonho, que os levaria de volta a qualquer instante.

Ele estava mais alto, com traços mais duros do que infantis, entrando naquela fase em que se deixa de ser um pouco adolescente para se tornar mais adulto. Ele já era maior de idade, por Morgana! Sua voz reverberava perguntando sobre tudo ao mesmo tempo naquela lentidão que não era tão diferente, como todas as outras coisas que havia notado antes. E não havia tanta dissemelhança, se Louis prestasse atenção, pois o sorriso moldado pelo par de covinhas e olhos verdes grandes e curiosos permaneciam ali, assim como os cachos ao redor das orelhas pequenas e aquele olhar que ele sabia que só era direcionado a si.

Que estúpido ele era. Como ele poderia se afastar de alguém, quando essa pessoa era sua definição de casa há tanto tempo?

Era incomparável. A quantidade de caixas espalhadas por toda sala, quarto e cozinha o fazia se lembrar de quando ele próprio se mudou para o pequeno apartamento parcialmente mobiliado, mas que aparentava ser frio e vazio. Mesmo que nenhuma caixa ainda tivesse desembalada – por todos os bruxos poderosos, desde quando Harry havia lhe enviado aquela carta em sua última semana em Hogwarts dizendo que moraria com ele –, Louis conseguia ver cor, vida e um lar ali.

"Você não entende, Lou. Eu queria poder fazer alguma coisa, como você e os aurores."

Era estranho ver um bruxo movendo as caixas de lugar sem o uso de magia. O esforço fazia suas bochechas corarem e algumas mechas de seus cabelos cacheados grudarem na testa e na nuca. Louis se aproximou, ajudando Harry a tirar mais uma caixa com objetos pesados de cima do sofá, sentando-se nele em seguida.

"Mas você já faz, H. Você estar vivo, aqui, hoje, é uma prova e tanto de bravura e resistência. Isso não vai durar muito tempo, você sabe que não. Tenho ouvido algumas coisas no Ministério, e eles estão confiantes. Você não vai mais precisar se esconder, então vai poder ser o que quiser, como quiser. Onde quiser."

O mais velho esperava pelo menos um sinal tímido de uma das covinhas do melhor amigo, evidenciando um fantasma de sorriso que fosse, mas Louis realmente não entendia. Enquanto ele saía para atender os chamados do QG, Harry precisava lançar feitiços ao redor do prédio que morava para confundir inimigos. Enquanto entrava em contato com sua família, Harry precisava se privar da sua para protegê-los. Enquanto Louis estava livre para caminhar pelas ruas sem ser perseguido ou capturado, Harry tinha medo de olhar através das janelas e ser reconhecido por alguém que não deveria.

"Yeah, eu realmente não entendo... E-eu sinto muito, H. Se eu pudesse-"

Harry balançou a cabeça, exibindo a deformidade genética que Louis buscava instantes atrás, sentando-se mais próximo dele somente para deitar a cabeça cheia de cachos – agora mais compridos – nas pernas alheias em um pedido mudo de afago, que foi obedecido instantaneamente.

"Nah. É só por um tempo, não é? Está acabando?"

"Yeah, yeah, yeah. Quando menos esperarmos, eu estarei em frente do maior e melhor Hit Wizard que esse mundo mágico já viu."

As bochechas de Harry ainda estavam coradas, mas seus olhos, que antes exibiam um brilho melancólico – porque não importava a situação, eles sempre brilhavam –, agora demonstravam contentamento e esperança. Louis, sem conseguir se reprimir, passou a ponta dos dígitos entre as sobrancelhas num carinho sutil e delicado. Se pudesse, faria qualquer coisa para realizar o sonho do melhor amigo que acabou fechando os olhos, esquecendo-se mais uma vez da arrumação que estava sendo adiada por dias.

............

"Expecto Patronum!"

Eles estavam mais próximos, e Louis nunca tinha sentido tanto medo na vida. Era um medo grande, intenso, que fazia sua varinha escorregar entre os dedos frios e suados. Um medo que o fazia parar no tempo e não ter noção de espaço. Um medo que o obrigou fechar os olhos para não encarar o Patrono que tinha grandes chances de falhar novamente. Medo que o fazia se imaginar tendo a alma roubada através de um beijo do ser das trevas cuja respiração rasa estava perto demais da sua nuca.

Não sabia de onde vinha a força que o fez erguer o braço novamente na direção dos ladrões de almas, a determinação em se concentrar em tudo o que passou por sua cabeça em segundos, mas que pareceu ser o tempo correspondente aos anos que conhecia e convivia com Harry, a voz que soou através de sua garganta, cheia de uma bravura que, àquela altura, ele não sabia se realmente possuía.

"Expecto Patronum! Expecto Patronum!"

Mesmo com os olhos fechados, percebia as luzes fortes sobre as pálpebras, resultado da força do feitiço. Ao invés de procurar pela postura imponente do animal que representava seu protetor, Louis concentrou-se em sorrisos com covinhas, risadas exageradas, olhos verdes brilhantes e cabelos encaracolados ao redor de orelhas pequenas.

Estava cansado, fraco, mas sabia que havia conseguido, porque a intensidade do clarão diminuiu e tudo ficou silencioso de repente. Mal conseguia respirar, colocando as duas mãos sobre a garganta buscando pelo ar que desperdiçou durante a fuga. Ousou abrir os olhos somente para encarar o veado observando-o, como se esperasse mais algum comando. Um riso engasgado raspou sua garganta, seus dedos ansiando por acariciar o pelo do animal que sequer possuía matéria física.

"Acho que está na hora de irmos para casa, amigo."

Nem mesmo o enjoo costumeiro após aparatar parecia diminuir o alívio de Louis. Como poderia reclamar de um mal-estar quando ficou frente a frente com uma das mais temidas e tenebrosas criaturas que ele tinha conhecimento, enfrentado sozinho e vencido? Como ficar chateado, quando estava na porta de casa procurando suas chaves ansiosamente, prestes a entrar e se encontrar com a pessoa que, mesmo indiretamente, o salvou de ter sua alma surrupiada de maneira injusta e cruel?

Louis não se envergonharia se seu sorriso estivesse muito largo, porque ele sentia a diferença entre a temperatura do corredor do prédio e o feitiço de aquecimento que Harry havia conjurado para enfrentar aquele inverno rigoroso, dando uma sensação ainda mais aconchegante a sua casa. Retirou a capa grossa e suja de terra, e rua, e lembranças ruins, passando a mão pelo rosto e pelos fios desorganizados em sua cabeça, caminhando direto até o quarto que ele planejava, inicialmente, ser somente para visitas.

Harry dormia, o corpo encolhido em um canto da cama e a varinha presa firmemente em uma das mãos. Era assim que as coisas eram, o cenho franzido e lábios crispados, a preocupação estampada em seu rosto que já não tinha mais nenhum traço do que ele era quando tinha onze, treze ou quinze anos. A guerra realmente envelhecia, amadurecia.

"Hey, Harry, estou de volta."

Era assim todas as noites, um aviso de que estava bem, que estava vivo, que não foi dessa vez, nem seria da próxima. Os olhos verdes se entreabriram e observaram o Auror através das pequenas fendas, as pálpebras inchadas e desacostumadas. A expressão suavizou imediatamente e um suspiro foi ouvido quando ele se sentou, mesmo quando não precisava.

"O que foi dessa vez?"

A voz grossa perguntou, tossindo um pouco depois devido a falta de uso. Era a mesma conversa de sempre.

"Dementadores."

Harry assentiu em compreensão, apertando os lábios e enrugando a testa novamente. Dementadores, os monstros que correram atrás de Louis insistentemente, eram, possivelmente, uma das criaturas mais temidas pelos bruxos. Sendo usado como uma ferramenta de segurança em Azkaban, eles não tinham qualquer noção de sentimento ou lealdade, servindo a qualquer coisa que pudesse lhes alimentar da melhor forma. Aparentemente, escolheram um lado conveniente para trabalharem. Eles se alimentavam de almas, sugando toda a vida de quem estivesse em sua frente e deixando somente uma carcaça para trás.

"Estou aqui, Harry, não pense demais. Deu tudo certo."

Balançou a cabeça novamente, dessa vez, em negativa, os olhos escuros moldados pelas olheiras que tatuavam a pele clara desde que Louis começou a ser chamado para atender pequenas missões sozinho, Zayn, seu antigo companheiro, sendo transferido para outro setor e região.

"Como você não quer que eu pense demais quando pensar é a única coisa que sou autorizado a fazer sem que um bando de Comensais invada esse apartamento atrás de mim? Você tem ideia do que se passa pela minha cabeça quando você está fora? Você tem noção de como tudo é muito pior quando eu estou preso aqui dentro sem poder saber ou fazer nada?"

"Harry, me escuta-"

"Eu sei que é temporário, Louis, sei também que está acabando. Eu sei que você sabe se cuidar, mas eu sei também que eles estão desesperados. Sei que, a cada dia, o índice de mortos aumenta catastroficamente! E há muitos poderosos entre eles. Ouviu falar sobre os Bones? Os McKinnon? Ou os Prewett? Eu não quero acordar numa manhã e encontrar sua foto no Profeta como aconteceu com eles. Imagina se esses tivessem sucesso? Eu não queria, mas minha cabeça já criou todo maldito cenário possível."

Havia muita coisa. Havia muita coisa reprimida no peito de Harry, que só quando eram postas para fora podiam ser compreendidas. Os olhos úmidos de lágrimas involuntárias e as mãos inquietas gesticulando ansiosamente falavam tanto quanto as palavras engasgadas, comprimindo o peito cansado de Louis e o fazendo segurar as mãos alheias a fim de acalmá-lo. Não havia nada a se fazer, os dois sabiam disso, mas a frustração, o perigo constante e o medo de perder mais alguém jamais abandonava seus pensamentos.

"Me perdoa, H. Eu não posso comparar, mas não me perdoaria se algo acontecesse com você, mesmo que isso não estivesse em minhas mãos. Eu- eu não vou pedir mais tempo, ou mais paciência, você pode fazer o que você quiser. A vida é sua e eu não posso te manter preso até essa guerra acabar, quando não sabemos quando isso vai acontecer... Eu só queria que tudo fosse diferente. Queria ter poder suficiente para te proteger e também te fazer feliz. Me perdoa, porque eu acho que baguncei tudo, e sempre que eu chego aqui eu vejo seus olhos cada vez mais tristes e temerosos, e-..."

Louis não esperava.

Não esperava que seu monólogo fosse interrompido abruptamente pela boca de Harry, que acabou chocando-se contra a sua numa tentativa de beijo que, inicialmente, não foi bem-sucedida. Os lábios só se encostaram, e Louis se perguntou o que estava acontecendo, porque se tudo aquilo que ocorreu depois que os Dementadores surrupiaram a sua alma, a última coisa que ele deveria estar sentindo era aquela sensação boa na boca do seu estômago e, bem, os lábios de Harry começando a se mover sobre os seus.

Harry tinha o sabor de suas memórias. Era doce, como os feijõezinhos de todos os sabores, seus lábios tão macios quanto o pelo do cachorrinho que ele encontrou tanto tempo atrás na Floresta Proibida, era realizador como a descoberta da sua paixão, ainda na adolescência, numa aula de Poções, e era certo, adequado, como se os dois tivessem precisado esperar por todo aquele tempo para, enfim, externar todo sentimento.

Seu beijo era lento como sua fala, receoso e curioso, e as suas mãos se separaram apenas para conhecer o corpo de Louis, dígitos explorando o rosto, os braços, cabelos e nuca com a mesma delicadeza dos cílios que batiam em sua bochecha.

A cabeça de Louis estava em branco, e seus pulmões estavam protestando pela segunda vez naquela noite, pelo motivo certo, mas ele não queria se livrar do toque dos lábios de Harry, porque tudo aquilo era a melhor coisa que ele já havia provado. O sabor que ficaria gravado para sempre em seu paladar, a sensação de que todo aquele sentimento que lutava para explodir dentro de si era correspondido e o toque das pontas dos dedos receosos que queimavam a sua pele era tudo, e a única coisa que ele ansiava sentir pelo resto da vida.

Sua felicidade tinha um novo significado. Ainda era o rapaz novo demais, e vivido demais que finalizava o beijo que durou poucos minutos, alguns segundos e um milhão de anos, para olha-lo com aqueles olhos verdes lacrimosos e brilhantes, com as maçãs do rosto tingidas em vermelho, mas também era aquele sentimento esmagador que lutava para fazê-lo entender que ele era muito, e tudo, e não importava onde ele estivesse, ou a guerra, ou o perigo que o perseguia a todo instante fazendo ele se manter escondido, porque Louis faria mesmo qualquer coisa para mantê-lo protegido.

"Me desculpe."

Isso, Louis já esperava. Os olhos agora desviando dos seus, dando atenção para as mãos sobre as ainda pernas cobertas pelo edredom, e uma expressão que o Auror não conseguia decifrar.

"Eu simplesmente explodi e derramei tudo em cima de você, mas eu não deveria ter feito isso, porque você está fazendo o seu trabalho, e ele é muito bom. Se não fosse, você não estaria aqui. Não é justo pensar que, só porque eu não posso sair porque preciso me manter seguro, você também não pode pelo mesmo motivo. Você está mantendo todo mundo seguro, afinal. Eu só me preocupo tanto. Por Merlin, Dementadores, Louis! Você consegue entender? Eu não sei o que estava pensando quando fiz isso, só vamos esquecer e- você deve estar cansado. Deveria estar tomando um banho ao invés de ficar aqui me ouvindo chorar e brigar-"

Os olhos do ex-Hufflepuff ainda estavam em qualquer lugar, menos nos seus, mas se Harry o olhasse, veria o sorriso que brotava no canto dos lábios inchados de Louis, porque ele não se desculpou pelo beijo. O Auror chamou a atenção do outro rapaz, encostando receosamente em seu ombro e inclinando-se em sua direção.

"Harry, você não tem a menor noção, tem?"

Talvez ele tivesse, mas quisesse uma confirmação para qualquer dúvida que permanecesse em sua mente – porque, Merlin, Louis era tão óbvio –, dando de ombros ao que mordia o lábio inferior e dirigia os olhos brilhantes até seu rosto esperando qualquer coisa que deveria ter sido dita sem o uso de palavras.

"Você salvou a minha vida hoje, H."

Não era isso o que Harry esperava ouvir, visto que suas sobrancelhas franziram expressando a possível confusão em que sua mente havia entrado. 

"Eu me lembrei do meu primeiro dia em Hogwarts, do momento em que o Chapéu Seletor gritou que eu seria um Gryffindor, das noites que minha mãe me colocava para dormir nas férias, nos Natais que eu ganhei todos os presentes que eu queria, quando eu consegui transfigurar aquela coruja na aula da Professora McGonagall, até quando a Gryffindor ganhou da Slytherin na final do campeonato de quadribol. Eu pensei em tanta coisa, mas nada surtia efeito. Porque enquanto eu me concentrava em todas essas memórias, você aparecia, me distraia e me fazia focar em você."

"Eu não entendo, Louis..."

"Eu só consegui conjurar meu Patrono quando me deixei pensar em você."

E foi. Óbvio, evidente, transparente, sem deixar dúvidas. O sabor de Harry ainda dançava em seus lábios quando ele passava a língua entre eles, um gesto de nervosismo, mas que também o fazia se lembrar de que o que estava acontecendo não era fruto de um sonho ou imaginação. Nem de alguma tortura deturpada de algum Death Eater buscando diversão. Harry piscou, o pomo de Adão se movimentando ao que ele engolia em seco.

"O que- Louis, eu-- Desde quando?"

Louis soltou um riso baixo, fraco, porque eles estavam mesmo tendo essa conversa, e seus lábios ainda estavam formigando, necessitados, nunca satisfeitos, mas sorridentes, porque as coisas estavam acontecendo tão rápido que ele não tinha o menor controle.

"É difícil definir uma data quando eu sinto isso há tanto tempo."

Harry sorriu pela primeira vez na noite, mostrando a expressão favorita de Louis, sua mão direita erguendo até os cabelos lisos do melhor amigo, enroscando-se entre os fios num afago muito familiar para os dois. Tudo estava acontecendo realmente muito rápido, mas Louis não imaginava tempo ou hora mais apropriados para isso.

"Eu também."

E tudo fez muito mais sentido quando, dessa vez, Louis buscou os lábios de Harry, provando novamente da boca que não conseguia parar de sorrir. Dentes dessa vez se chocando, porque ele percebeu que seu sorriso também não havia sido desmanchado em momento nenhum.

A guerra ainda estava fazendo barulho através da proteção das paredes e feitiços postos em torno do apartamento, mas Louis se deixou imaginar, enquanto o sorriso se desmanchava e o gesto entre os dois se tornava um beijo de verdade, que eles podiam qualquer coisa desde que estivessem juntos.

...

OIE! Alguém por aqui? Como estamos? Jesus amado, escrever essa oneshot foi um PARTO. Felizmente, muito bem sucedido. Fiquei muito satisfeita com o desfecho dela, porque era exatamente o que eu queria desde o início. O que vocês acharam de Gryffindor!Louis? A internet em peso é muito team dele na Slytherin, mas apesar de eu achar que ele é o melhor amigo para sempre do Draco, da Pansy e do Blaise, ate a respiração do meu bichinho vibra vermelho e dourado. Hufflepuff!Harry, no entanto, é muito controverso, porque ele é evidentemente Slytherin, mas aqui não encaixou. :( Não foi por falta de tentativa, ok? Enfim! Diga o que acharam!! Faltou alguma coisa? Teve coisa demais? Considerem isso como um presente de Halloween um pouquinho atrasado. Tentei postar antes, mas como eu disse, foi um parto. Espero que tenham curtido a leitura, porque eu amei escrever. xxxxxx

P. S.: Toda minha gratidão à Bori (@larryfissure), que deu uma bisolhada em Patronus antes de eu publicar e me ajudou com muitas dicas e sugestões. 🐝🍯🌻💫

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