Virou-se de lado a fim de ficar mais confortável, quando percebeu que tinha pegado no sono. Espreguiçou-se com cansaço. Por uma fração de segundos ela tinha esquecido. Mas assim que fitou o celular, lembrou-se de tudo. Arrasada por ter que encarar esse destino, pegou o chuveirinho e deixou a água levar o restante de espuma que escondia partes do seu corpo. Enxaguou o cabelo e abriu a tampa da banheira.
(Vamos lá Allie, seja firme.) Pensou ela se enrolando na toalha de banho.
Juntou o celular do chão e esse por sua vez, tocou. Era seu pai. Sabia que não haveria como evitar mais ainda aquela conversa, então deslizou para aceitar a chamada. Não deu tempo de pensar no que diria, pois Felix já falou apreensivo:
- Querida, era seu irmão? - Perguntou com esperança o senhor do outro lado da linha.
-Sim pai, era o Finn. O DNA dele bateu com o meu no banco de sangue do laboratório. Sinto muito. - Respondeu por fim.
Allie não sabia como reagir aquilo e ter que dizer isso aos seus pais era muito doloroso. Seu pai não se conteve e acabou chorando baixinho. Ela segurou a dor, precisava ser forte. Se chorasse ao telefone seria mais difícil ainda para eles suportar. Dolores tomou o telefone do marido e soltou tudo que estava guardado há muito tempo em seu coração em relação à filha:
- Isso é tudo culpa sua Allie! Foi você que deixou que ele ficasse na cadeia. Finn estava mudando e você tirou as chances dele melhorar na vida. Ficar preso deixou-lhe agressivo e com raiva. Você sabe muito bem que apesar da carapaça durona, ele era só um menino desorientado.
-Dolores, você não pode me culpar por... - Tentou amenizar a briga, mas foi em vão, pois sua mãe não lhe deixou falar.
-Cale-se e ouça! Você conseguiu tudo que queria na vida não é mesmo? E ficava esfregando na cara do coitado o quanto você se deu bem. Eu sei que você está se fazendo, pois deve estar muito feliz dele ter morrido. Você é uma pessoa horrível Allie. Sempre se dedicou mais ao trabalho do que a família. E agora, o meu menino se foi. Só tenho o meu marido bobão e uma filha ingrata! Oh meu Deus, como és injusto senhor! - A senhora de idade começou a chorar após o ataque de fúria. E concluiu:
- Não se atreva a vir no velório de Finn está me ouvindo?! Eu não vou deixar você vê-lo! Uma boa vida para você, detetive Decker. - Disse a mãe de Allie desligando a chamada.
- Como ela pode dizer isso?! - Falou a moça chocada com o que acabara de ouvir. Enrolada na toalha estava sentada na beirada da cama.
Querendo ou não as lágrimas vieram em seguida. Não quis conter. Chorou pela perda de seu irmão, pela dor que sentia ao não ter se entendido com ele em vida. Chorou pela sua mãe ser tão ignorante para com ela, e também por outras feridas da alma que voltou a machucar. Subiu na cama, agarrando-se a coberta e encolhendo-se entre os travesseiros. As lágrimas corriam iguais uma criança abandonada quando via fantasmas de madrugada. Em sua mente, pensamentos aleatórios a bombardearam:
(Eu nunca quis que ele morresse! A culpa não era minha se ele preferiu largar os estudos e fazer do modo fácil para ganhar dinheiro! O que ela queria que eu fizesse? Que soltasse ele sendo que foi pego em flagrante a mão armada?! E pior ainda, em uma joalheria de shopping cheio de seguranças. O que meu chefe e meus colegas diriam? Que ajudei meu irmão bandido a sair ileso de outra?! Eu sinto muito Finn, eu deveria ter tentado mais com você. Eu podia...) seus pensamentos pareciam átomos inquietantes que disparavam bala para todo lado.
Em luto, a moça saiu da cama de cabisbaixo e foi até o guarda-roupa. Pegou uma calça jeans preta, uma camiseta confortável de cor preta e lingerie da mesma cor. Vestiu-se entre sussurros e choro. Não podia evitar a dor. Depois de deixar o cabelo uniformemente penteado, pegou as toalhas e seguiu ao banheiro. Lavou o rosto em água corrente e tentou imaginar que a água levaria com ela aquela sensação de mal estar. Então voltou com as toalhas e foi para o quintal dos fundos. Deixou as toalhas penduradas no varal de roupas.
De volta à cozinha, deu uma última olhada no celular verificando as horas e tirou do modo silencioso, que geralmente deixa quando está a trabalho. Colocou o celular no bolso traseiro da calça e foi em direção à sala, ligou a televisão na programação Investigação Discovery. Estava passando um dos programas que ela gostava "amor assassino", mas estava no começo.
(Estou faminta! O que tem para comer mesmo?) Pensou Allie indo para a cozinha.
Chegando à geladeira, viu que estava cheia de potes com comida pronta que ela geralmente fazia no fim de semana, e ia descongelando conforme tinha fome. Ontem tinha feito lasanha, panquecas e comprou um balde daquele frango frito do Burger King. Colocou seis potes de lasanha no congelador, e deixou um para esquentar.
Levou até o micro-ondas e deixou lá para aquecer em sete minutos. Olhou para a panqueca e o frango, pegou o prato com a última panqueca de carne moída e alguns pedaços do balde de frango. Abriu um pack de Pepsi das vinte e quatro latas que tinha na geladeira e voltou para o sofá com o prato e a lata.
O caso estava quase acabando, tratava-se de uma senhora idosa que usava nome de solteira para conquistar idosos e casar novamente. E então, os matava por envenenamento. Então, pegou sua agenda no bidê do lado do sofá. A agenda era só para isso. Allie anotava os programas do canal, os casos, fazia análise de perfil psicológico das vítimas, dos assassinos e estudava a cena do crime. Fez algumas anotações sobre o caso enquanto comia sua panqueca e bebia sua Pepsi:
- Senhora idosa (Solteira a procura).
- Sempre usa remédios;
- Os mesmos remédios e doses;
- Não se importa se a vítima tem família;
*Aparenta ser sociopata, pois:
-Ela elabora o crime,
- A dosagem
-Manipula a vítima e quem está ao redor;
-Tenta limpar os rastros.
-Repetição dos mesmos feitos;
- Sem emoção ou arrependimento. Porém sabe o que está fazendo é crime.
- 12 anos de prisão fechada.
PS: " Será o suficiente para alguém calculista que repete os mesmos feitos? "
A programação do Amor Assassino tinha acabado quando o micro-ondas apitou. (Opa!) pensou ela colocando o prato de lado no sofá, pegando duas asinhas de frango, comendo enquanto ia buscar o prato. Voltou com o prato quente, em baixo de uma tábua de madeira que amenizava o calor da comida. Colocou os restantes de pedaços de frango no prato com lasanha. Voltou para a cozinha acabando de beber sua Pepsi. Deixou o prato na pia e pegou outra lata de refrigerante na geladeira. Abriu a lata* E deu um gole grande.
De volta ao sofá, a imagem de seu irmão voltou à mente. Triste, se aquietou comendo a lasanha. Outro programa começou: Segredos do Pântano. Preferiu comer, pois ainda tinha fome (Eu preciso comer direito no trabalho!). Pensou ela deliciando se dá lasanha que fez do jeitinho que gostava: Cebola, alho, pimentão, tomate e muitas ervas frescas.
Chorou ao lembrar o quanto Finn adorava sua lasanha. Na adolescência ela cozinhava para eles quando os pais viajavam para cidades vizinhas em feriados. Ele implorava para que ela cozinhasse, pois a mãe deles era uma péssima cozinheira. E não comiam o que ela deixava, geralmente dava para os cães, Jujuba, Mingau e Caramelo. Uma dor cresceu em seu peito e as lágrimas não paravam de rolar.
(Por que Finn?! porque você mudou tanto hein?! Teria sido tão mais fácil se você tivesse mudado aquela vez...) Pensou ela comendo sem parar os pedaços de frango frito. Chorando, ela ouviu um barulho de mensagem apitar. Pegou o Smartphone do bidê, desbloqueou a tela e abriu a mensagem. Era do seu pai:
"Não à leve a sério Allie, sua mãe está muito perturbada pelo luto. Sabe que te amo. Velório às 16h00 no cemitério onde nossa família está sepultada. "
Largou o celular de volta no bidê. Continuou comendo o último pedaço da lasanha, enquanto bebia refrigerante. Entre soluços, o choro foi parando, mas a dor no peito latejava forte. Sabia que iria superar e que precisava ser forte para voltar ao trabalho, e ainda por cima descobrir quem era o assassino do seu irmão. A noite já tinha chegado, e o dia seguinte seria difícil. Mas apesar de tudo, Allie estava acostumada a transparecer segurança e ser firme.
(Será como outro dia de trabalho.) Pensou ela tentando se convencer a isso.