Stolen (L.S Version)

By waslarries

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Louis é um adolescente normal esperando para pegar um voo no aeroporto de Bangkok com seus pais. Ao se afasta... More

olá
capítulo 1
capítulo 2
capítulo 3
capítulo 4
capítulo 5
capítulo 6
capítulo 7
capítulo 8
capítulo 10
capítulo 11
capítulo 12
capítulo 13

capítulo 9

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By waslarries

— Se está realmente tão desesperado, lou, então vá. Vamos ver até onde você consegue ir.

Antes mesmo de você terminar a frase, eu já tinha saído dali, apertando a chave na mão. Estava achando que você viria atrás de mim a qualquer momento e me empurraria para o chão com seus braços poderosos. Não olhei para trás. Passei correndo por uma touceira de erva-sal, cujas folhas pontiagudas arranharam minhas pernas. Um raminho grudou no meu short, mas não me dei o trabalho de retirá-lo. Eu mal o sentia. Pulei sobre um pequeno cupinzeiro.

Avistei a caminhonete estacionada ao lado do galpão de pintura, com o capô apontado para o deserto. Torci para que você tivesse deixado alguma coisa no porta-malas... água, mantimentos, combustível. Entrei no cercado da camela, que se levantou e trotou na minha direção. Mas passei por ela correndo.

— Tchau, menina — arquejei. — Sinto muito não poder levar você.

Ela correu ao meu lado por alguns metros, com passadas equivalentes a três das minhas. Tive vontade de soltá-la, mas não podia perder tempo.

Ao chegar perto da caminhonete, parei e enfiei a chave na fechadura da porta. A chave não girou. Talvez fosse dura demais. Ou talvez eu estivesse com a chave errada. Girei a chave de um lado para outro, correndo o risco de quebrá-la. Então percebi que a porta não estava trancada e a puxei. A porta se abriu emitindo um rangido alto.

Olhei para trás. Um erro.

Você estava saindo dos Separados e vindo na minha direção, balançando os braços e a cesta vermelha. Você não estava com pressa. Talvez achasse que eu não sabia dirigir, parecia convencido de que eu não poderia escapar. Mas eu sabia que poderia. Sentei no assento do motorista. Bati a porta. Enfiei a chave na ignição. Meus pés estavam longe dos pedais. A alavanca de ajuste estava entupida de areia e não consegui modificar a posição do banco. Então me sentei na beira do banco. O volante estava tão quente que não consegui segurá-lo por muito tempo. Não havia ar dentro da caminhonete. Só calor.

Tentei me lembrar do que papai me dissera: gire a chave na ignição, pé na embreagem, alavanca em ponto morto. Ou a alavanca deveria estar na primeira marcha? Olhei para trás. Você estava caminhando mais depressa, gritando alguma coisa para mim, mas não consegui entender o que era. Você tinha acabado de sair do cercado da camela. Girei a chave. A caminhonete ganhou vida e deu um grande salto para a frente. Neste momento pensei que tinha conseguido.

Estava indo embora!

Mas meu pé escorregou do pedal, a caminhonete parou de repente e meu peito bateu contra o volante.

— Vamos, vamos! — gritei, batendo com as mãos no volante.

Você estava a uns dez metros da caminhonete, provavelmente
menos.

— Comece a andar, lata velha!

Você também estava gritando alguma coisa. Apertei os pedais com o pé e sacudi o corpo, como se minha vontade pudesse fazer a caminhonete andar. Algo úmido escorria pelo meu rosto — podia ser suor, lágrimas ou sangue. Você estava estendendo os braços na minha direção, como que suplicando.

— Por quê, Louis? — você estava dizendo. — Por que isso?

Mas eu sabia por quê . Porque era minha única chance; porque eu não sabia quando teria outra chance de sair daquele lugar.

Coloquei o câmbio em ponto morto. Girei a chave. Não sei como, comecei a me lembrar de tudo. Era como se uma parte de mim tivesse assumido o controle, uma parte mais lógica e adulta que se lembrava dessas coisas.

Apertei o acelerador, mas não muito. A caminhonete não morreu; ficou apenas roncando, aguardando. Quando eu observei você, no outro dia, você tinha empurrado a alavanca devagar. Tentei fazer a mesma coisa, apertando o acelerador com o outro pé. A caminhonete roncou mais forte.

Segurei o volante e me equilibrei na beira do banco. Você estava se aproximando. De repente, você percebeu que eu de fato poderia conseguir e começou a correr na minha direção, gritando com o rosto contorcido. Então atirou a cesta vermelha contra a caminhonete. A cesta se chocou contra o teto e raminhos de plantas se espalharam pelo para-brisa. Mas a caminhonete ainda estava roncando, tensa como um cão na coleira, pronta para fugir.

Fui soltando a embreagem. Tentei ser delicado, tentei fazer como você fizera, mas arranquei, cantando os pneus, de um jeito que deixaria meus amigos orgulhosos. E gritei tão alto que não sei como os grupos de busca não me escutaram.

Mas você escutou. Seu rosto estava ao lado da janela. Suas mãos empurravam o vidro e puxavam a porta. Seu olhar era feroz. Pressionei mais o acelerador e a caminhonete deu um pulo. Senti os pneus girando. Você mergulhou sobre a caminhonete, conseguiu agarrar o espelho lateral e se segurou ali.

— Louis, não faça isso — você gritou, com voz firme e imperiosa. — Não pode fazer isso. Não me deixe. Eu estou cansando de me sentir só.

Dei uma guinada com a caminhonete, mas você não soltou o espelho. Puxou a maçaneta da porta. A porta se abriu um pouco.Estendi a mão e abaixei a tranca. Você bateu com a mão na janela, frustrado.

Pressionei o acelerador novamente e você começou a correr ao lado da caminhonete, ainda agarrado ao espelho. Você puxava o espelho como se achasse que poderia deter a caminhonete apenas com sua força. Apertei o acelerador até o fundo. Foi bastante. Com um grito, você caiu no chão, deixando o espelho lateral pendurado por alguns fios e batendo na lataria da caminhonete. Ouvi você gritar atrás de mim, com voz rouca e
desesperada.

Agora, à minha frente, só havia um espaço amplo e aberto. Girei o volante, fazendo a caminhonete derrapar, e rumei para as colinas escuras que via no horizonte. O motor gemia, lutando para vencer a areia.

— Por favor — murmurei. — Por favor, não enguice.

Aumentei a velocidade e verifiquei o espelho retrovisor. Vi você parado no lugar, ainda gritando, com os braços estendidos na minha direção. Depois começou a correr atrás da caminhonete, dando socos no ar como um maluco.

— Não! — você gritou. — Você vai se arrepender, Lou!

Você tirou o chapéu e o arremessou na direção da caminhonete; depois se abaixou, pegou algumas pedras, galhos, tudo o que pôde encontrar, e começou a arremessá-los também.

Ouvi o baque de algumas pedras sobre o porta-malas. Seus gritos eram ferozes como os de um animal selvagem... como se você tivesse perdido completamente o controle. Rangi os dentes e continuei pressionando o pedal. De repente, uma pedra acertou um dos pneus. A caminhonete guinou para o lado. Olhei pelo retrovisor. Você estava de cócoras, atirando as pedras embaixo da caminhonete, como se quisesse estourar os pneus. Mas mantive o pé no pedal e fui me afastando.

Não ia permitir que você me detivesse.

A caminhonete sacolejava, passando por cima de pedras e touceiras de triódias. De algum modo, eu conseguia mantê-la em linha reta, rumando para as sombras distantes que acreditava serem as minas. Já deveria ter mudado de marcha, mas não confiava em mim mesmo.

Precisava deixar suas construções de madeira muito, mas muito para trás, antes de tentar alguma coisa. A caminhonete pelejava e gemia. Provavelmente você ainda ouvia o barulho; cada lamento desesperado da embreagem devia cortar seu coração. O conjunto de prédios foi se tornando cada vez menor e, finalmente, eu já não conseguia divisar nem seu vulto no espelho
retrovisor. Comecei a gritar, sabe Deus o quê. Eu tinha conseguido!

Estava em campo aberto, sozinho.. sem você. Sem ninguém. Estava livre. Gritei mais ainda, enquanto zunia pela paisagem, rumando para um espaço vazio... que poderia abrigar tudo.

Os pneus às vezes revolviam areia demais e a caminhonete começava a desacelerar. Para que recuperasse a velocidade, eu pressionava mais o acelerador, como vira você fazer. A caminhonete sempre se mostrava potente o bastante para vencer o terreno.

Quando eu sentia que o motor estava esquentando muito, mudava de marcha. Era o curso de direção mais rápido do mundo. Papai teria um ataque cardíaco se estivesse ali comigo. Olhei para o medidor de combustível. Ponteiro no meio. O tanque estava cheio pela metade — vazio pela metade também. O comportamento do medidor de temperatura não parecia normal; o ponteiro pulava para cima e para baixo, mas se aproximava cada vez mais da área vermelha. Acho que era uma indicação de que o motor estava esquentando demais. De uma coisa eu tinha certeza: eu estava ferrando com a sua caminhonete.

Tentei ignorar o que se passava no painel e continuei a dirigir. Olhei para a frente, concentrando a atenção nas sombras que tremulavam no horizonte. O terreno se estendia sempre mais, parecendo infinito. Não havia estradas. Nem linhas telefônicas. Não havia nada indicando presença humana naquela área. Só havia eu. Finalmente alcancei o local onde se erguiam as sombras que eu vira no horizonte. Só que não era a mina que eu esperava, nem mesmo uma cadeia de colinas férteis.

Eram dunas de areia, extensas e elevadas. Esculpidas pelo vento e unidas por trechos de vegetação. Percebi isso antes de chegar lá, mas rumei na direção delas, de qualquer forma. Não sei por quê. Talvez tenha pensado que aquilo seria melhor que a plana monotonia das outras áreas, pensado que haveria alguma coisa no outro lado.

Quando me aproximei, as dunas se mostravam altas demais. Não havia como subir nelas com a caminhonete, que já estava chacoalhando, gemendo e ameaçando enguiçar. Teria que contornar as dunas. Esfreguei o braço no rosto, mas só o umedeci ainda mais. Sentia o corpo quente e viscoso, apesar da janela aberta. As costas da minha camiseta estavam molhadas como se eu tivesse pulado em uma piscina.

Pus a cabeça para fora da janela e me concentrei em manter a caminhonete em movimento. O chão estava ficando mais macio. Pisei mais fundo no acelerador. Os pneus jogaram areia no meu rosto. Com a areia se acumulando ao redor dos pneus, a caminhonete começou a estrebuchar. Tentei girar o volante em outra direção, esperando encontrar mais aderência, mas foi um erro. Os pneus atingiram a areia fofa nas bordas da trilha que eu mesmo fizera e pararam de avançar.

Girei o volante para o outro lado e tentei de novo. Não adiantou. Por mais que eu pressionasse o pedal do acelerador, a caminhonete não se movia. Apenas se afundava mais na areia. Continuei a pressionar o pedal até sentir cheiro de queimado. Então saí e tentei empurrar a caminhonete. Mas ela pesava mais que um elefante. Eu estava aprisionado naquele lugar.

A paisagem começou a se desfocar diante de mim, como se estivesse dentro d'água. As triódias se retorciam como algas. Fechei os olhos. Mas tive a sensação de estar rodopiando. Minha cabeça latejava, minha língua estava seca e inchada. Deitei sobre o pneu.

O calor da borracha negra fez meus braços formigarem. O sol me ressecava, me espremia. Gotas de suor escorriam pelo meu rosto e caíam sobre o pneu. Estendi a mão para o espaço escuro embaixo da caminhonete. Pensei em me arrastar até ali. Desejei ser um pequeno inseto, capaz de cavar um túnel na areia e encontrar um lugar mais fresco sob a superfície. Eu precisava de água. Então vomitei, apenas um pingo de nada que caiu ao lado do pneu. Eu queria fazer mais coisas, mas não conseguia. Tudo rodopiava sem parar.

Quando abri os olhos, o sol tinha se movido um pouco. Minha visão não estava tão turva. Fixei os olhos nas árvores perto de mim; eram três. Ouvi suas folhas secas roçando umas nas outras, e moscas zumbindo ao redor dos troncos.

Eu me arrastei até o porta-malas. Antes de abri-lo, juntei as mãos e rezei. Eu nunca tinha acreditado em Deus, realmente, mas naquele momento prometi tudo a Ele. Seria o fiel mais convicto do mundo se encontrasse água e comida dentro daquele porta-malas, e alguma coisa que me ajudasse a tirar a caminhonete da areia.

— Por favor — murmurei. — Por favor.

Achei o trinco e abri o porta-malas. Havia água lá. Uma garrafa plástica de dois litros. Peguei a garrafa, tirei a tampa e despejei o líquido na garganta. Estava quente, mas o engoli assim mesmo. Uma parte caiu sobre meu o rosto e o meu pescoço. Eu parecia uma esponja. Tive que me obrigar a parar de beber, embora quisesse mais. Já bebera quase a metade.

Não havia muitas coisas no porta-malas. Uma toalha. Uma lata cheia de gasolina, a julgar pelo cheiro. Um dos seus chapéus e algumas ferramentas. Mas não havia comida. Nem nada que pudesse me ajudar a mover a caminhonete.

Concluí que Deus não existia, afinal de contas.

Voltei para a caminhonete e liguei o motor novamente. As rodas se afundaram mais na areia. Bati com as mãos no volante. Pensei em examinar as árvores, talvez encontrasse pedaços de madeira para colocar sob os pneus. Se a caminhonete pudesse encontrar um ponto de aderência, talvez eu pudesse fazer com que ela andasse. Mas as árvores eram altas e seus galhos distantes demais do chão. Tentei arrancar partes da casca, mas só obtive pedaços pequenos.

Foi então que vi o sangue. Naquele momento, pelo menos, pensei que fosse sangue... sangue pastoso, vermelho como rubi, escorrendo pela casca da árvore ao lado. Olhei em volta rapidamente, mas não vi ninguém, nem nada fora do normal.

Era como se a árvore estivesse sangrando espontaneamente. Raspei um pouco da substância com as unhas. Era farelenta, e manchou meus dedos. Depois a cheirei. Eucalipto. Aquilo era seiva. Comecei a subir a duna. Meus pés se enterravam na areia fofa, e meus músculos se esticavam ao máximo. Criaturas se escondiam nas triódias, às pressas, quando eu passava. Parei no topo da duna, protegendo os olhos com a mão para enxergar melhor.

Não havia nada diferente no outro lado. Nenhuma mina, nenhuma pessoa. Só havia mais areia, mais pedras, mais árvores e, ao longe, outras dunas escuras. Até onde eu podia ver, eu era a única pessoa ali.

Cruzei os braços no peito e inalei profundamente. O ar ali era um pouco mais fresco. Se eu morresse naquela duna, ninguém jamais ficaria sabendo. Nem mesmo você.

Caminhei de volta para a caminhonete. Iria dormir um pouco. Não estava conseguindo pensar naquele momento, estava quente demais. A lua havia surgido quando eu acordei.

Deitado no banco traseiro, olhei para ela através da janela. Cheia e amarelada, lembrava um desses grandes queijos redondos que papai trazia do trabalho no Natal. Tracei um rosto de homem nela: dois olhos esbugalhados, um sorriso letárgico e, abaixo, as crateras que lembravam uma barba por fazer. Uma lua benévola, mas muito distante. O céu ao redor lembrava um lago profundo, de águas claras. Se houvesse um astronauta na lua, naquela hora, eu tinha certeza de que o veria. Talvez ele pudesse olhar para baixo e me ver também... era a única pessoa que poderia me ver.

Eu me cobrira com a toalha que encontrara no porta-malas, mas ainda sentia muito frio. Esfreguei os braços. O sol os deixara rosados, e a parte de cima estava descascando. Estava muito frio para que eu conseguisse dormir mais. Então passei para o banco da frente, ocupei o assento do motorista e cobri as pernas com a toalha.

Depois girei a chave na ignição e acendi os faróis. Um túnel de luz iluminou a areia à minha frente, cinzenta e fantasmagórica. Uma pessoa recém-falecida devia ter uma visão semelhante. Vi algo se mover ao lado.

Era um pequeno roedor, de orelhas longas, que escavava a terra entre as raízes de uma árvore. Ele olhou na direção da luz, momentaneamente cego, e depois se afastou aos pulos,
desaparecendo na escuridão. Virei mais a chave, até o motor roncar, e pisei no acelerador. O ronco se transformou em um rugido, que ecoou na noite silenciosa. Será que alguém, além de mim, conseguiria ouvi-lo também? Empurrei a alavanca da embreagem, tentando fazer a caminhonete andar com a pura força de vontade. E ela andou, um pouquinho. Por alguns segundos suas rodas lutaram contra a areia, e quase conseguiram aderência. Mas voltaram a cair no buraco que tinham cavado. Chutei os pedais.

— Carro idiota!

Minha voz soou tão alta, que tive um sobressalto. Deitei a cabeça no volante e cantarolei uma música que eu e meus amigos sempre costumávamos cantar.

You're too mean, I don't like you,
fuck you anyway
You make me wanna scream at the top of my lungs It hurts but I won't fight you. You suck anyway
You make me wanna die, right when I wake up, I'm afraid.

Mas ninguém me fez coro. Não sei porque escolhi aquela música pra cantar. Pensei em você quando cantei. Você realmente faz querer gritar até acabar  com meus pulmões.

O silêncio me cercava, ameaçador como um lobo à espreita. Perguntei a mim mesmo o que haveria ali, dentro daquela escuridão. Meu corpo começou a tremer e meus olhos se enevoaram. Demorei algum tempo para perceber que estava chorando.

Juntei todas as plantas que pude recolher sem ferir muito as minhas mãos, e as enfiei embaixo dos pneus. Nem assim consegui mover a caminhonete. As rodas enterraram as plantas na areia, sem obter nenhuma tração. Tentei novamente, utilizando pequenas pedras, mas foi pior. Os pneus apenas aumentaram o buraco.

Se houvesse alguém para empurrar a caminhonete enquanto eu acelerava, talvez eu tivesse conseguido movê-lo, mas sozinho era causa perdida. Sai do carro e chutei os pneus. Iniciei a caminhada quando o dia começou a clarear. Carregava a garrafa de água e usava o seu chapéu, que era um pouco largo, sua aba quase me batia nos olhos. Eu sabia que andando durante o dia o calor seria maior, mas não tinha escolha. Não poderia permanecer dentro da caminhonete; ninguém me encontraria.


De qualquer modo, era cedo. A temperatura ainda estava amena. Fui avançando pela areia, mantendo a duna à minha direita. Minhas pernas logo começaram a doer com o esforço. Tentei andar rápido, no início, para cobrir o máximo de terreno antes que o calor aumentasse. Mas o calor logo aumentou. Notei isso quando senti dificuldade para respirar fundo e minhas botas começaram a pesar a cada passo que eu dava, como se fossem feitas de chumbo.

Abaixei a cabeça e me concentrei nos meus pés... um passo à frente, depois outro. Meu suor se misturava com o suor seco do dia anterior, já rançoso, e eu comecei a feder. Tomei um gole de água. Era pouco para minha sede, mas não me permiti beber mais.

Depois de caminhar durante algum tempo, percebi que não estava vendo mais nenhuma árvore. A coisa mais elevada naquela paisagem cor de ferrugem era uma touceira de triódias. Parei, girei o corpo e contemplei a vastidão infindável ao meu redor. Não havia nada em lugar nenhum, a não ser areia. Como alguém poderia encontrar alguma coisa?

Sentei sobre a areia quente. Curvei o corpo até me transformar em uma bola minúscula e comecei a me balançar. Comecei a chorar, e odiei a mim mesmo por isso... por desperdiçar toda aquela água em lágrimas. Grãos de areia começaram a arranhar minhas bochechas. Ouvi então o barulho do vento, que mais à frente levantava nuvens de poeira. A poeira entrava na minha boca e se grudava nos meus dentes e na minha língua.

Aquela terra estava me derrotando, me esfarelando como tinha esfarelado as pedras. Eu ia morrer. Tinha sido um idiota por pensar que chegaria a algum lugar. Mas alguma coisa dentro de mim não me deixava desistir. Não ainda. Não naquele momento.

Eu me levantei e recomecei a andar. Tentei pensar na minha casa. Imaginei que Niall caminhava
ao meu lado, me incentivando a continuar. Mas sempre que eu me virava para olhar para ele, ele desaparecia. Apenas sua voz permanecia, girando à minha volta como o vento.

Bebi os últimos pingos de água. Depois lambi o bocal da garrafa, enfiando a língua nas ranhuras, e joguei a garrafa na areia. Pus um pé à frente, depois outro. Continuei a avançar. Durante algum tempo fui bem. Mas o sol se ergueu mais no céu e me atingiu de chapa. Cambaleei. Caí no chão. Consegui me levantar. Dei mais alguns passos, arrastando os pés na areia. Mantinha os braços
esticados diante de mim, agarrando o ar, tentando me puxar mais para a frente. A terra me desejava, seus braços esperavam para me acolher. Eu não poderia aguentar para sempre. Cambaleei novamente. Desta vez não consegui me levantar. Comecei a engatinhar.

De repente, rasguei a camisa e a arranquei do corpo. Precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa, para me refrescar. Em seguida tirei as botas, que larguei na areia. Tirei o short. Era melhor engatinhar apenas com a roupa de baixo.

Até consegui me pôr de pé e dar alguns passos. Mas caí de novo. Fiquei deitado na areia, com o rosto virado para o sol, tentando respirar. Tudo era branco e brilhante. Mas eu precisava continuar. Alguns metros depois, tirei minha box.

Engatinhei mais. A areia arranhava minha pele, mas eu podia suportar isto. Já não sentia tanto calor. Fui me erguendo de novo até ficar de pé. Mas foi só o que consegui fazer. Meu corpo oscilava, minha cabeça desenhava círculos no ar. Uma mosca entrou na minha narina, desesperada para encontrar umidade, e se arrastou bem para o fundo. Outras vieram. Enxamearam à minha volta e se instalaram no meu corpo como se eu já fosse uma carcaça. Ocuparam minhas orelhas, minha boca e o espaço entre as minhas coxas.

Espantá-las exigiria energia demais. Em vez disto, dei mais um passo. O mundo começou a rodopiar. Por alguns momentos, o céu se tornou vermelho e a areia, azul. Fechei os olhos. Dei outro passo. Então me concentrei na sensação dos grãos de areia sob as solas dos pés; estavam quentes, mas não me machucavam. Continuei a caminhar dessa forma, nu, cego e coberto de moscas, apenas tateando o caminho. Já não sabia para onde estava indo. Já não sabia muita coisa. Só que estava me movendo. Pouco depois, desmoronei novamente. Dessa vez, sabia que não conseguiria me levantar, independentemente do que fizesse.

Rolei na areia e enfiei o rosto nela. Queria ser um animal para cavar fundo, bem fundo. Comecei a cavar, tentando enfiar o corpo embaixo da terra, tentando alcançar a camada mais fria. Mas todas as minhas forças haviam me deixado, juntamente com o suor. Tudo se escoara de mim. A areia absorvera tudo. Fiquei deitado ali, meio enterrado na areia.

Fechei os olhos e me deixei afundar. Primeiro foram os dedos dos pés; depois as pernas, o corpo e, final-mente, a cabeça... Comecei a afundar cada vez mais. Passei através dos grãos de areia e através da terra; passei por pedras, túneis de animais, raízes de árvores e pequenos insetos.
Continuei afundando até chegar ao outro lado.

Eu estava deitado na minha cama, em casa. Meus olhos estavam fechados, mas eu conseguia ouvir as pessoas conversando. Minha tevê estava ligada. Reconheci a voz de um dos locutores do telejornal.

— E hoje Londres está sendo atingida por uma alucinante onda de calor — ele dizia. — Uma temperatura incrível.

Eu estava com o edredom puxado até o pescoço. Não conseguia tirá-lo de cima de mim. Parecia estar costurado no travesseiro, e me sufocava de calor. Eu sentia o suor se empoçando nas minhas costas e encharcando meus cabelos.

Senti um cheiro. Café. Mamãe estava em casa. Tentei escutar seus movimentos. Ela mexia em coisas na cozinha e cantarolava uma melodia boba. Eu queria ir ao encontro dela, mas não conseguia tirar as pernas de baixo do edredom. Chutei o edredom, me sentindo aprisionado. Meus olhos ainda estavam fechados, as pálpebras como que coladas. Comecei a gritar.

— Mamãe! Venha cá!

Mas ela não veio. Apenas cantarolou mais alto. Eu sabia que ela podia me ouvir. A cozinha era ao lado do quarto e as paredes eram finas. Gritei de novo.

— Mamãe! Socorro!

Por um momento ela parou de mexer nas coisas, como se estivesse me escutando. Depois ligou o rádio e uma música clássica abafou meus gritos.

Eu me debati, tentando sair da cama. Mas não conseguia encontrar um ponto de apoio. A mesa de cabeceira não estava em seu lugar habitual. Não havia nada ao lado da minha cama. Continuei a gritar para mamãe, pedindo ajuda. Mas ela apenas aumentou o volume do rádio.

De repente, entendi por que ela não vinha. Ela tinha costurado meus olhos e me costurado na cama. Ela queria me aprisionar.

Senti braços se erguerem do meu colchão. Emergiram um de cada lado e envolveram minha barriga, se juntando no meio. Eram braços fortes e morenos; braços cheios de arranhões, que me puxaram através dos lençóis e do colchão. Através da cama, do piso do quarto, das fundações de concreto e me levaram para o solo macio, escuro, que havia abaixo. Lá, apenas me abraçaram, me acalentando no seio da terra.

Quando acordei a temperatura estava mais fria. Quase fria demais. Panos encharcados de água cobriam o meu corpo. Um ventilador soprava de cada lado. Uma flanela molhada fora pousada sobre a minha testa e sua a água escorria pelo meu rosto. Eu me virei um pouco.

Meu corpo doeu com o movimento, e um dos panos molhados caiu do meu braço, revelando a pele queimada que estava por baixo, cuja cor era de um vermelho vivo. Havia bolhas em
alguns lugares. Sem o pano, meu braço esquentou imediatamente.Sua mão pegou o pano e o recolocou no meu braço; depois o comprimiu suavemente, para que a água escorresse sobre a minha pele.

— Obrigado.— sussurrei.

Minha voz mal conseguiu passar pela minha garganta inchada. Aquela palavra provocou mais dor do que você jamais poderia imaginar.

Você assentiu com a cabeça. Depois pousou a cabeça ao lado da cama, a poucos centímetros do meu braço. Dormi de novo.Quando acordei na manhã seguinte, você encostou uma
caneca nos meus lábios.

— Beba — você disse. — Você tem que beber. Seu corpo precisa disso.

Afastei a cabeça de você e tossi. Senti dores em todo o corpo.Parecia que minha pele rachava a cada movimento, e se transformava em feridas. Olhei para baixo. Um pequeno lençol me cobria. Por baixo eu estava nu, ou achava que estava.

Minha pele tinha ficado insensível demais para eu ter certeza. Mas pude perceber que os panos molhados não estavam mais sobre o meu corpo. Tentei mexer as pernas, mas elas estavam levantadas e amarradas aos balaústres da cama com panos macios. Eu as puxei.

— Você disse que não faria isso — sussurrei.

Você torceu uma flanela, que gotejou água sobre a minha testa.

— Você está com queimaduras graves — você disse. — Eu tive que levantar suas pernas para diminuir a inflamação. Eu sei que eu disse isso. — Você levantou a ponta do lençol e examinou meus pés. — Eu posso desamarrar suas pernas se você quiser. Você está se recuperando bem.

Assenti. Delicadamente, você segurou meu pé direito e o desamarrou. Depois o abaixou até o colchão. Fez o mesmo com o outro pé, e depois cobriu ambos com o lençol.

— Quer mais panos frios? — você perguntou. — Está com muita dor?

Assenti de novo. Você saiu do quarto. Seus pés descalços e úmidos grudavam no assoalho. Olhei para o teto e testei diversas partes do corpo, verificando quais doíam mais.

Tentei me lembrar de tudo. Eu estava fugindo. Eu estava me afundando na areia. Mas e depois?

Você tinha aparecido. Senti seus braços me envolvendo e me apertando contra seu corpo. Você tinha murmurado alguma coisa;eu senti sua respiração no meu pescoço, sua mão na minha testa.Você me levantou do chão; suavemente, como se eu fosse uma folha seca que você não queria esfacelar. Você me carregou até algum lugar. Eu estava aninhado em seus braços, minúsculo como um bebê. Você me borrifou com água.

Depois disso, nada. Trevas.Somente trevas.

Você voltou para o quarto, com uma vasilha cheia de panos encharcados.

— Quer fazer isso, ou quer que eu faça?

Você apertou um dos panos para escorrer a água e começou a levantar o lençol.

— Eu faço.

Arranquei o lençol da sua mão. Depois o levantei e perscrutei meu corpo. Minha pele, em grande parte, estava vermelha e brilhante. Em alguns lugares tinha descascado completamente.Toquei uma bolha no meu peito. Em torno dela, a pele parecia molhada. Coloquei os panos úmidos sobre as áreas em piores condições e o alívio foi imediato.

Parecia que minha pele respirava quando os panos a tocavam, e depois absorviam a água. Mas era difícil alcançar as queimaduras das partes mais baixas sem que você me visse nu, embora eu acredite que você já tivesse me visto nu.Estremeci ao me lembrar de você me carregando nos braços. Como você tinha me tocado? Será que eu teria coragem de perguntar?

Após algum tempo, desisti de arrumar os panos e me deitei no travesseiro.

— Há quanto tempo estou aqui? — perguntei. — Assim?

— Um dia e pouco. Você só vai ficar totalmente curado daqui a mais alguns dias. Foi uma sorte eu ter encontrado você.

— Como você me encontrou?

— Segui seus rastros. Fácil.

Você apoiou os cotovelos no colchão, perto demais de mim. Mas seria muito doloroso me afastar.Você pegou a caneca com água e a estendeu para mim.

— Fui com a camela.

— Como assim?

— Montado nela. — Você sorriu levemente. — Ela anda bem
rápido.

Havia alguma coisa seca nos cantos da minha boca. Lambia quilo. Depois deixei você despejar água na minha boca.

— Logo vai começar a se sentir melhor — você disse em voz baixa. — Com sorte, não vai ficar nem com cicatrizes.

A água me deu um formigamento na garganta. Engoli mais.Naquele momento, não era uma água marrom cheia de detritos, mas um champanhe dos melhores. Deixei o excesso se derramar sobre o meu pescoço.

Pensei na caminhonete completa-mente atolada na areia.

— Como é que nós voltamos?

— No início eu carreguei você, depois pus você em cima da camela. Andamos a noite toda. — Você acenou para a caneca. —Quer mais?Abanei a cabeça.

— E a caminhonete?

— Não sei. Você estava vindo na minha direção quando eu o encontrei.

— Na sua...?

Você assentiu.

— Então concluí que a caminhonete devia ter enguiçado, ou morrido, e você estava voltando para casa.

— Para casa?

— Sim. — Sua boca se retorceu. — De volta para mim.

=

Como você disse, comecei a me sentir melhor rapidamente.No dia seguinte, deu-me um punhado de nozes e frutinhas. As frutinhas tinham um gosto amargo; as nozes eram doces e estavam picadas, bem diferentes de como eu estava acostumada a comê-las.Mesmo assim, comi tudo. Depois apalpei o espaço entre o colchão e a base da cama. A faca ainda estava lá.

Contei os riscos na madeira.Vinte e cinco. Mas quantos dias haviam se passado desde o último?Risquei mais quatro linhas.

Eu me levantei e vesti as roupas, mas o tecido me machucava ao encostar na minha pele queimada. Cerrei os dentes e fui capengando até a varanda. O contato com o assoalho fazia meus pés doerem. E tive que segurar a camiseta à frente do peito enquanto caminhava.

— Devia ter vindo nu — você disse quando me viu. — Não ia doer tanto.

Parei de segurar a camiseta.

— Estou bem.

— Tome.

Você me estendeu o copo d'água que tinha na mão.Olhei para o líquido meio bebido.

— Vou pegar um copo para mim — eu disse.

Fui até a cozinha. Depois de me servir de um pouco de água saí pela porta do lado oposto à varanda. Mantendo meu corpo na sombra, encostei-me na parede.

De onde estava, podia ver a camela,descansando num canto do cercado. Estava de cabeça baixa, com o cabresto pendurado frouxamente. Parecia bastante dócil, como se você tivesse sugado toda a sua selvageria. Protegi os olhos com amão e perscrutei o horizonte até encontrar a silhueta sombria das dunas; as dunas que eu pensei que fizessem parte da mina.Pareciam bem distantes.

Tive que me sentar no caixote em frente à porta quando a realidade saltou aos meus olhos. Eu sempre alimentara uma pequena esperança de escapar. Mas de repente percebi uma coisa.

Aquela paisagem arenosa e infindável... era tudo o que eu tinha, e era minha vida.

A não ser que você me deixasse numa cidade, seria tudo o que eu veria pelo resto da vida. Eu não tinha mais pais,amigos ou escola. Não tinha mais Londres. Só tinha você. Só tinha o
deserto.

Passei o copo na testa. Depois lambi uma gota de água que escorreu pelo lado de fora. Deixei minha língua momentaneamente encostada no vidro frio. Talvez eu acabasse vencendo a sua resistência.

Talvez você me levasse de volta.

Não havia casos em que garotos e garotas sequestrados eram libertados anos depois? Não havia resgates também? Mas quanto tempo isso demoraria?

Ouvi um movimento à esquerda.Você estava agachado sob a janela do meu quarto de dormir,pulando para a frente e para trás com os braços estendidos. Olhei com mais atenção. Vi uma cobra. Você se esticava para tentar pegá-la e pulava para trás quando ela dava o bote. Ela estava com a cabeça levantada, desafiando você. Era como uma dança de acasalamento. Mas você foi rápido.

Numa de suas investidas você a confundiu e a agarrou pelo corpo, torcendo sua cabeça para o lado.Ela se contorceu, fez de tudo para virar a boca rosada na sua direção. Mas você a segurou com firmeza.

Então a levantou da areia e começou a conversar com ela, mantendo o rosto a centímetros das presas afiadas. Depois se afastou com ela.Você passou direto por mim e se dirigiu ao segundo galpão.Parou diante da porta, abriu-a e, com a cobra tentando se enrodilhar
no seu pulso, entrou no galpão.

Cochilei no sofá da sala e só acordei quando a luz mudou de branco brilhante para dourado fosco. Um raio de sol que banhava o assoalho dava à madeira um tom acobreado. Perambulei pela casa.Você não estava em lugar nenhum. Resolvi mudar de roupa.Encontrei uma camisa  jogada no armário da sala. Era uma preta da rolling stones.

Era larga o bastante para não se atritar muito com as queimaduras. Depois me sentei no caixote diante da porta da cozinha e aguardei.Uma fileira de formigas passou por cima dos meus tornozelos. Em algum lugar muito acima de mim, um pássaro
emitiu um grasnido estridente.

O calor fazia minha pele queimada coçar. Puxei a gola da camisa, tentando cobrir a nuca. Depois de algum tempo, andei até o galpão onde vira você entrar. Quando me aproximei, vi que você tinha deixado a porta entreaberta, com o cadeado pendurado no trinco. Tentei perscrutar a escuridão que reinava lá dentro, mas só distingui sombras difusas. Não consegui ouvir nada. Abri mais a porta e deixei o sol penetrar. O recinto estava cheio de caixas, todas cuidadosamente empilhadas. Entre as pilhas, havia um corredor.

— Harry? — chamei.

Nenhuma resposta. Fiquei escutando. Pensei ter ouvido um ligeiro ruído atrás das caixas.

— Harry? É você?

Entrei no galpão. O frescor da penumbra sobre a minha pele era agradável. Dei mais um passo à frente e li os rótulos de algumas caixas: comida (latas), comida (seca), ferramentas, fios elétricos... Tinham sido escritos a caneta, com uma letra pontuda. Sua letra, presumi.Sua ortografia era horrível. Virei a cabeça e olhei para a casa.

Tudo estava tão imóvel que mais parecia o cenário de um teatro, não avida real. Passei os dedos sobre as caixas, limpando a poeira à medida que andava: suprimento medico, cobertores, luvas... continuei a caminhar entre as caixas. Era interessante ver os suprimentos, ver o
que você achava necessário para vivermos. Cordas, equipamentos de jardinagem, costura, higiene pessoal...você tinha pensado em tudo.

Quanto mais eu avançava, mais o ruído aumentava. Era suave e
hesitante, mais parecia um animal furtivo do que você.

— Olá! — tentei novamente. — Curly?

O corredor desembocava num espaço mais amplo. O ruído se tornou mais alto, parecia ecoar ao meu redor. Eu me virei. Vi caixas por todo lado, empilhadas do chão até a altura da minha cabeça.Algumas eram de vidro, outras de metal. Percebi movimento dentro delas, um leve fru-fru. Que tipo de criaturas seriam?

Então me inclinei para olhar melhor. Minúsculos olhos me olharam de volta. Uma cobra negra que estava enrolada levantou a cabeça l igeiramente, e uma aranha tão grande quanto a minha mão atravessou rapidamente seu compartimento. Dei alguns passos para trás por precaução e verifiquei se as portas dos cubículos estavam fechadas. Um escorpião levantou a cauda e chocalhou um aviso. Minhas pernas ficaram bambas. Devia haver pelo menos vinte caixas daquelas ao meu redor. A maioria abrigava cobras e aranhas, outras continham escorpiões e algumas pareciam não ter nada dentro.

Por que aquilo estaria ali? Por que você não tinha me dito nada? Meus olhos se fixaram na cobra marrom-prateada. Era parecida com a que você tinha capturado naquela manhã. Ela agitava nervosamente o rabo enquanto me observava; sua língua entrava e saía da boca como um punhal.

Eu me forcei a respirar. As portas dos compartimentos estavam fechadas, tudo estava trancado. As criaturas não poderiam se aproximar de mim. Mas eu as ouvia se arrastar e estalar as
caudas. Estes barulhos faziam meu coração palpitar. Eu me apoiei nas caixas e voltei pelo corredor, tateando o caminho. Jardinagem,suprimentos, cobertores, álcool...

Parei nesta última, uma caixa de papelão, e me ergui na ponta dos pés. Observei a tampa. A fita que a fechava estava solta e mal se prendia nas laterais. Relanceei o olhar para a porta aberta,pronto para correr para fora, se necessário... se alguma das criaturas viesse na minha direção.

Então, puxei a caixa. Garrafas tilintaram com o movimento. Respirando fundo, enfiei a mão por baixo da tampa solta. Meus dedos estavam trêmulos. Eu estava preocupado com o que mais poderia haver ali dentro. Esperei pelo suave roçar de pernas nas costas da mão. Como nada aconteceu, segurei a primeira garrafa que encontrei e a retirei da caixa, espirrando com a
poeira que caiu em cima de mim. Bundaberg Rum. Uma garrafa de um litro.

Eu poderia fazer um estrago com aquilo. De uma forma ou de outra, aquilo poderia derrubar um de nós. Levando a garrafa comigo, saí do galpão, feliz por dar o fora dali.

Deixei a porta entreaberta, como a tinha encontrado. A meio caminho da casa, parei para procurar a camela.Ela não estava no cercado e também não estava perto dos Separados. Talvez estivesse atrás dos rochedos. O sol estava começando a se pôr, cobrindo tudo com uma luminosidade cor de pêssego.

Não faltava muito para que anoitecesse.Fui direto até o meu quarto e escondi a garrafa embaixo do travesseiro. Depois fiquei sentado por algum tempo, de ouvidos atentos. Mas só ouvi os estalidos da madeira esfriando, à medida que o calor escoava da casa.

Dei mais uma volta pelos aposentos,procurando você, depois saí para a varanda. O sol estava descendo sobre o horizonte e logo a noite caiu (caía sempre muito rápido). De olhos semicerrados, fitei a luz minguante, depois a areia que vagarosamente mudava de cor — de púrpura para cinza e de cinza para preto. Eu ainda podia discernir quase todos os vultos em voltada casa: os galpões, o trailer, os Separados. Mas o seu vulto não estava presente, nem o da camela.

Eu não sabia como ligar o gerador, portanto fui até o vestíbulo e peguei uma das lamparinas. Desatarraxei o vidro, como tinha visto você fazer, e cheirei o pavio de algodão. Parecia que você o tinha embebido em combustível recentemente, portanto o acendi e recoloquei o vidro. Luz! Fiquei um tanto orgulhoso de mim mesmo,por ter feito aquilo funcionar.

Girei o botão lateral para aumentar a chama e levei a lamparina para a sala.Sentado no sofá, fiquei brincando com uma ponta do estofamento, que tinha saído por um buraco. Meu corpo estava retesado, atento aos menores sons.

Uma pequena parte de mim começou a conjeturar se tudo estivera caminhando para aquele momento; o momento em que você, enfim, iria realizar sua suprema fantasia e me matar.

Talvez você estivesse esperando até escurecer completamente para agir. Apurei os ouvidos, tentando ouvir seus passos na varanda, sua tosse na penumbra. Se fosse um filme de
terror, um telefone tocaria naquela hora para me informar que você estava me observando no lado de fora.

Mas outra parte de mim estava preocupada com algo bem diferente.

Estava matutando se teria acontecido alguma coisa com você. Estava me perguntando se você estava bem.

— Pare de ser idiota — disse a mim mesmo em voz alta.

Após esperar pelo que me pareceu uma eternidade, voltei para o meu quarto, levando a lamparina bruxuleante. Fechei a porta e coloquei a cômoda na frente. Mantive as cortinas abertas para verse algum vulto se destacaria na penumbra. A lua ainda não havia se
levantado. Tudo estava mais escuro que o habitual. Recostei-me num travesseiro e observei os rostos sombrios que a luz da lamparina projetava na parede, recortados e deformados.

Peguei a garrafa de rum pelo gargalo e treinei alguns golpes, para me defender com ela, caso necessário.

Depois passei algum tempo abrindo e fechando a tampa, e cheirando conteúdo. Tomei um gole. Era uma bebida amarga, difícil de engolir. Mas após tantas noites no parque com meus amigos eu já estava habituado a bebidas fortes. Eu costumava ser muito bom em fingir que o gosto era tão agradável que eu iria querer mais um gole.

Dei outro gole. A bebida queimou minha garganta como os raios de sol tinham feito, só que agora por dentro. Fiz uma careta, a o estilo dos personagens de filmes, e bebi mais um gole. Olhei pela janela. O deserto estava imóvel e silencioso como sempre.Extremamente silencioso. É impressionante como o silêncio absoluto pode ser assustador, como pode afetar nossa cabeça, se bobearmos.

Em Londres, eu estava habituado a noites barulhentas, às buzinas,gritos e zumbidos de uma grande cidade. Londres tagarelava como um macaco ao cair da noite.

O deserto, por sua vez, serpenteava em torno de mim como uma cobra. Suave, silencioso e mortal... e furtivo o bastante para que eu mantivesse os olhos abertos, sempre.

Mordisquei o gargalo da garrafa. Continuei bebendo até o quarto começar a dar voltas, até eu parar de pensar que aquela poderia ser minha última noite no mundo, ou que aquele lugar seria o único lugar que eu veria pelo resto da vida.

Depois de algum tempo parei de procurar sombras na janela. Parei de me importar com a escuridão. E com o silêncio.

Então lembrei por que todos os meus amigos gostavam de se embriagar... era o esquecimento. A sedução de não pensar no futuro.O barulho de alguma coisa se arrastando me despertou.

Abri os olhos. A cômoda estava se movendo, empurrada pela porta.Alguém estava tentando entrar no quarto. Eu estava com parte do corpo fora da cama, e ainda segurando a garrafa. Ainda havia rum na garrafa, mas, a julgar pela umidade dos lençóis e o cheiro de álcool, a maior parte dele tinha se derramado. Eu me encolhi na cama e segurei a garrafa pelo gargalo, pronto para golpear.

A cômoda se virou para um lado e o seu braço arranhado passou pela porta entreaberta. Abaixei a garrafa quando você se espremeu pela abertura. Então me encolhi ao máximo, fraco demais e bêbado demais para fazer qualquer outra coisa.

Era de manhã cedo, e o quarto estava iluminado por uma claridade acinzentada.Você me olhou de alto a baixo, notou a garrafa e franziu o nariz ao sentir o cheiro. Virei o rosto para não ver seu rosto crispado.

— Tive que buscar uma coisa — você disse. — Levei mais tempo do que esperava.

Você tentou me levantar, mas eu gritei para que você me largasse e bati com a garrafa no seu peito. Então você ficou parado ao lado da cama, apenas me observando. Após alguns momentos,retirou a garrafa da minha mão e me cobriu com o lençol.

— Vou preparar seu café da manhã. E... você está usando minha camisa favorita. Ela ficou boa em você.— você disse sorrindo.

Dormi.

— Está na varanda — você disse me acordando.

Abanei a cabeça, que doeu até as têmporas. Andar aquela distância, naquela manhã, parecia tão possível quanto fugir. Mas eu sabia que precisava comer.

— Vamos, eu carrego você.

Abanei a cabeça de novo, mas seus braços me envolveram eme levantaram antes que eu pudesse fazer alguma coisa. Fechei os olhos, sentindo a cabeça rodar e um enjoo no estômago. Você me carregou como carregava os galhos que recolhia, delicadamente,com os braços bem abertos para me dar mais conforto. E eu me sentia tão leve quanto os galhos.

Você me pousou no sofá da varanda. Percebi que seus olhos estavam vermelhos e rodeados por olheiras escuras, aparentando cansaço. Mas a luz da alvorada banhava sua pele e a fazia brilhar.

Fazia tudo brilhar naquela manhã, inclusive os grãos de areia, que cintilavam como minúsculos cristais.Mas não me fez brilhar. Eu me sentia mais como se fosse apagar, como se o mundo já tivesse se esquecido de mim.

Enquanto olhava para a areia faiscante, perguntei a mim mesmo se meu desaparecimento estava sendo noticiado. Alguém ainda estaria interessado? Eu sabia que os jornais abandonam uma história quando não há nenhum fato novo. E o que poderia haver de novo na minha história, quando a única coisa que mudava era a direção do vento?

Eu estava em sua casa há mais de um mês.

Alguém ainda estaria procurando por mim? Até que ponto meus pais estavam se empenhando em me procurar? Eles sempre foram inteligentes.

"Bom negócio" eram as duas palavras mais populares no vocabulário de papai. E talvez ele estivesse perguntando a si mesmo: procurar por mim ainda seria um bom negócio? Será que eu seria um bom investimento?

Naquele momento, acho que eu mesmo não gastaria mais dinheiro na minha busca.

Você me deu um prato com frutas amarelas. Pegou uma e me mostrou como enfiar as unhas nela e comê-la, chupando o miolo.Tentei fazer isto. O gosto era amargo, no início, mas foi se tornando mais doce à medida que eu comia. As sementes se prendiam nos meus dentes e gengivas. Você chupava uma delas enquanto falava.

— Então você encontrou os caras do galpão? — você disse.

Eu me lembrei daqueles olhos me fitando; todas aquelas escamas e pernas. Estremeci.

— Para que eles servem? — perguntei.

— Para nos manter vivos.

Você estendeu a mão para pegar outra fruta amarela. Eu lhe entreguei o prato. Meu estômago estava muito enjoado para aceitar mais, embora eu quisesse mais. Você estalou os lábios e começou a retirar as sementes dos dentes.

— Eles vão me ajudar a fazer antídotos.

Abanei a cabeça.

— Você não consegue antídoto com uma cobra, você só consegue veneno.

Os cantos de sua boca se levantaram.

— Você é tão sabido quanto parece, seu sabichão — você disse.

— Eu sempre soube disso. — Você olhou para mim como se estivesse orgulhoso. — Tem razão — você disse, cuspindo sementes no chão. — Aqueles caras são venenosos. O antídoto é feito com uma reação imunológica ao veneno... É por isso também que nós precisamos da camela. Em breve vou extrair veneno daquelas criaturas, injetar o veneno na camela e recolher os
anticorpos dela; a reação imunológica. Depois eu filtro tudo e fabrico os antídotos. Pelo menos esse é o plano. Vai levar algum tempo, e eu ainda não sei se vou conseguir. Mas, de qualquer forma,vou tentar. Assim, teremos antídotos sempre que precisarmos.

Franzi a testa.

— Mas a camela não vai ficar doente?

— Não, ela é imune, como muitas coisas por aqui. Nós,humanos, é que somos as criaturas fracas. — Você retirou a casca de outra fruta e mordiscou a polpa carnuda. — Mas o que nós temos que fazer primeiro, antes de mais nada, é começar a dessensibilizar você. Se nós injetarmos um pouco do veneno dessas criaturas em você, você criará sua própria imunidade.

— Você não vai injetar nada em mim.

Você deu de ombros.

— Você mesmo poder fazer isso, não é difícil. Basta puxar apele e injetar um pouco do veneno dentro dela. Eu faço isso o tempo todo.

— E se eu não quiser fazer isso?

— Então você vai correr o risco.

— De quê?

— De morrer, ficar paralisado... veneno não é uma coisa muito divertida, sabia?

Você olhou para mim sorrindo com um dos cantos da boca.

— Mas acho que você já sabia disso... com todo o rum que bebeu ontem à noite. Aquela garrafa era o suprimento de um ano.

Evitei olhar para você. Era a primeira vez que você mencionava o rum. Eu me preparei para enfrentar sua fúria por eu ter mexido nos estoques. Mas você simplesmente deu de ombros.

— Em qualquer meio ambiente existem riscos, eu acho —você murmurou. — É sempre a mesma realidade: venenos,ferimentos, doenças... o que muda são as causas. Na cidade essas coisas são causadas por pessoas e, aqui, pela terra. Eu sei qual das duas prefiro.

Minha cabeça estava começando a girar novamente. Eu não parava de pensar naqueles bichos nos cubículos, esperando para me matar; ou me salvar com o veneno que tinham.

— Há quanto tempo eles estão lá? — perguntei. — Naqueles cubículos?

Você pousou a fruta no prato e limpou as mãos nos joelhos.

— Eu estou recolhendo esses caras desde que nós chegamos aqui. Já encontrei a maioria dos que estou procurando, mas alguns são duros de encontrar... na verdade, faltam poucos.

— São todos venenosos?

Você assentiu.

— Claro. Não me interessariam se não fossem. Nem todos são mortais, mas você não iria gostar se levasse uma picada.

— Por que você não foi mordido?

— Eu fui, mas nada sério. Acho que aprendi a conhecer o que irrita essas criaturas. Elas não são tão perigosas depois que a gente as entende.

Você me estendeu de novo o prato com frutas.

— Vamos, coma. — Você sorriu. — Senão alguém pode pensar que você está de ressaca.

=

Você foi gentil comigo depois desse incidente. Quero dizer, realmente gentil.

Continuou a trazer panos molhados e cuidou de mim de um jeito que minha mãe jamais teria sonhado. Até me preparou petiscos que achou que iriam me agradar... ou pelo menos
tentou (acho que é difícil fazer sorvete quando o congelador mais próximo está provavelmente a centenas de quilômetros).

Mas você também me vigiou; o tempo todo. Era como se estivesse sempre me avaliando, descobrindo o que era aceitável para mim; o que você poderia dizer ou fazer sem me angustiar muito. Logo comecei a usar isso. Comecei a testar até onde poderia ir com você. E você me
deixou testar.

No dia seguinte, fui dar comida às galinhas. Você foi comigo,dizendo que precisava examinar a nascente. Quando chegamos à entrada do cercado da camela, diminuí o ritmo das passadas e deixei você caminhar ao meu lado. Você me olhou como que verificando se eu não me incomodava.

— Você deve me odiar mesmo — eu disse.

— Como assim?

— Você deve me odiar tanto que não se importa que eu morra... se não me deixaria ir embora.

Você se virou para mim rapidamente, tão rapidamente que tropeçou numa pedra.

— Isso é o oposto do que eu sinto.

— Então por que não me deixa ir? Você sabe que é isso o que eu quero.

Você ficou em silêncio durante quatro ou cinco passos.

— Mas eu deixei você ir embora — você disse baixinho. — E você quase morreu.

— Isso foi porque sua caminhonete é uma droga e eu não sei andar por aqui. Mas você sabe. Se você realmente não me odiasse,você me levaria até uma cidade. Você me deixaria ir embora.

— Não comece de novo com isso, por favor.

— Mas é verdade, não é? Você poderia me deixar ir embora,se quisesse, só que não quer. Logo, isso significa que você deve me odiar.

Passei por cima de uma pequena touceira, esmagando suas folhas com as as botas. Você parou para levantá-las.

— As coisas não são tão simples.

— Mas poderiam ser.

Eu parei também. Você terminou de arrumar a planta e a contornou. Depois deu um passo hesitante na minha direção.

— Dê um pouco de tempo, Lou. Alguns meses aqui e você vai aprender a gostar de tudo isso, se não...

— Se não o quê? Se não você vai me deixar ir embora? Não acredito em você.

— Acredite em mim, por favor. Só uma vez.

Você estendeu os braços na minha direção, num gesto quase suplicante.

— O que você vai fazer?

Eu estava com as mãos nos quadris, tentando parecer mais alto do que era. Mesmo assim, minha cabeça não passava dos seu s ombros.

Você suspirou.

— Está bem — você suspirou finalmente. — Me dê seis meses. Só seis meses. Isso é tudo o que você vai precisar. Se depois desses seis meses você ainda detestar isso aqui, então eu levo você de volta. Prometo. Até deixo você em uma cidade.

— Eu ainda não acredito em você.

— Experimente.

Continuei a olhar para você. Após alguns momentos, você abaixou os olhos e pôs as mãos nos bolsos.

— Estou falando sério — você disse, com a voz um pouco embargada. — O que são seis meses para você agora? O que você tem a perder?

Você chutou a areia. A batida seca da sua bota na terra foi o único som que ouvi naquele momento. Limpei o suor da testa.

Eu ainda não estava certo de que podia confiar em você. Quer dizer,quem é que confia num sequestrador, seja lá para o que for? Você tinha feito alguma coisa que me fizesse acreditar em você?

— Mesmo que você esteja falando sério — questionei — mesmo que você me leve de volta, o que vai impedi-lo de fazer a mesma coisa com outro garoto?

Você passou a mão pelos seus cachos.

— Não existe outro garoto. Sem você, eu vou viver aqui sozinho.

— Você é asqueroso.

Você retrocedeu. Eu andei na sua direção.

— Está tentando me bajular para eu fazer o que você quer.Você não tem jeito. Sempre vai existir outro garoto. O que é mesmo que se diz dos cães? Depois que eles tomam gosto por matar...

— Eu não sou assassino.

— Mas é um cão.

Você olhou para mim de olhos arregalados. Naquele momento, você era um cachorro esperando que eu lhe atirasse um osso... esperando por alguma coisa que eu jamais daria a você.

— Eu te amo — você disse simplesmente.

Você não piscou. Ficou esperando que eu assimilasse o que tinha dito. Não assimilei. Simplesmente rechacei. E me recusei totalmente a pensar no assunto.

— Você é um miserável — eu disse.

Recomecei a caminhar, deixando você para trás. Você elevou a voz e falou atrás de mim:

— Esta terra quer você aqui. Eu quero você aqui. Você não dá nenhuma importância a isso?

Eu me virei, incrédulo.

— Você acha que eu poderia me importar com você depois do que fez? Você é tão louco assim?

— Nós precisamos de você. Eu preciso de você.

— Você não precisa de nada a não ser de ajuda.

Você ficou me olhando de boca aberta. Depois seus olhos se encheram de lágrimas. Abanei a cabeça, não me deixando influenciar.

— Isso aqui é uma droga — eu disse. Falei baixinho, mais para mim mesmo do que para você.

Você tentou dizer alguma coisa,mas eu continuei a falar, já não sentindo mais medo.

— VOCÊ É SERIAMENTE PERTURBADO  SABIA? e aqui nunca vou me ver livre de você. A não ser que você me leve para alguma cidade.

— Eu não quero fazer isso.

— É o que eu quero.

Você se encolheu ao ouvir minhas palavras, como se elas o tivessem ferido fisicamente. E evitou olhar para mim, embaraçado com a própria reação. Lágrimas caiam dos seus olhos.

— Você não está sendo tão durão agora — murmurei.

Então me virei e andei rapidamente na direção dos Separados. Senti que começava a tremer. Estava fragilizado naquele momento, tanto quanto você. Mas não queria que você visse isso.

Você não me seguiu; permaneceu parado no lugar, de cabeça baixa.Andei aos tropeções por entre as rochas, feliz por você não estar comigo. Eu quase conseguia lidar com você quando você estava sendo durão. Sabia o que esperar. Mas desse jeito? Nem sabia o que pensar.

=

Você molhou pedaços de pano para aplicar sobre as minhas queimaduras, acrescentando uma mistura de plantas com cheiro de hospital. Depois do jantar, ficou parado em frente à pia da cozinha,em silêncio, olhando a escuridão. Seu corpo estava tenso, como o de um caçador à espreita. A luz da lamparina desenhava sombras sobre sua pele.

Tirei os pratos da mesa e os levei até você. Você se virou e agarrou meu pulso, quase me fazendo largar tudo.

— Eu estava falando sério, sabia? — disse. — O que eu disse hoje... era verdade. Por favor, dê seis meses a este lugar. Você pode dar esse tempo?

Dei um passo para trás, soltando meu pulso. Pousei os pratos na bancada da pia. Uma ruga profunda tinha se formado na sua testa, sulcando sua pele como um desfiladeiro. Seus olhos verdes brilhavam abaixo dela.

— Pode?

Percebi aquela intensidade em você, já familiar, aquelas seriedade. Podia quase acreditar em você. Se você fosse outra pessoa, eu não teria hesitado.

Balancei a cabeça. Não chegava a ser um gesto de concordância, mas também não era um gesto de discordância.

— Três meses — eu disse.

— Quatro. — Seu rosto se contraiu. — E, por favor, não tente escapar de novo — você disse. — Não sozinho, não até eu poder levar você. Você ainda não conhece este lugar.

Você pegou os pratos e, antes de abrir a torneira, desenrolou a atadura que ainda envolvia sua mão direita.

— É que... para sobreviver aqui você tem que amar esta terra. Isso leva tempo. Por enquanto, você precisa de mim.

— Eu sei.

Você me encarou, tão surpreso quanto eu com minhas palavras. Mas eu precisava de você, não? Tinha tentado fugir sozinho e não conseguira.

Você suspirou e se virou para a janela escura.

— Depois de quatro meses, se ainda quiser ir, eu levo você até os arredores de uma cidade. Só não me faça entrar nela com você.

— Eu não gostaria que você viesse junto — eu disse.

Mas franzi a testa. Como se eu pudesse obrigar você a fazer alguma coisa que não quisesse.Você começou a lavar a louça, de ombros encolhidos. Seus dedos se moviam agilmente sob a água.

Notei que uma veia no seu pescoço pulsava rapidamente, uma minúscula parcela de vida abaixo de sua pele morena e curtida.

— Eu não preciso entregar você — comecei a dizer, sem realmente falar a sério. — Se você está preocupado com isso, saiba que eu não preciso entregar você. Basta me liberar e desaparecer no deserto. Eu posso dizer que não me lembro do lugar onde estava,que tive insolação, amnésia ou coisa parecida. Não vou nem me lembrar do seu nome.

Seus olhos relancearam os meus, tomados por uma tristeza prestes a vazar.

=

oi bebes 💛🌈🥝
fiquei bem triste com esse capítulo. aí, cansada de sofrer pelo meu otp.

assim que eu terminar essa fic aqui, tava pensando em fazer outra adaptação. só que dessa vez vai ser um dos livros da julia quinn.
vai ser uma fic de época. o ano vai ser 1814, eu acho. vai ter vários bailes, chá da tarde.

não esqueçam de votar e comentar bastante pra eu saber se realmente estão gostando da fic.

all the love x patrisia 🥀

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