Semanas depois, eu parei (aparentemente) de me importar com as críticas em relação a mim. Porém, elas me machucavam por dentro.
Miguel: Cara, é legal ser filho de pastor?
Eu: Não tem nada de legal. Se vive uma vida muito limitada. A vida dos seus pais não é normal, eles devem satisfação para o bispo e os seus superiores. Não temos casa, carro, nada nos pertence. O que temos é a própria roupa e a família. Eu só queria ter uma vida normal, sabe?
Miguel: Eu quero ser pastor.
Eu: Você só pode estar louco, a vida de um pastor é um saco. As pessoas dizem que pastor vive em rios de dinheiro, e isso é mentira! (Pausa) Pastor não trabalha por dinheiro, ele trabalha para Deus. Ajudar as pessoas, salvar almas e essas coisas.
Miguel: Já estou na aula para ser pastor.
Aí descobri que ele era da mesma igreja que eu.
Eu: Não quero estragar minha vida. Ser pastor? Fala sério.
Miguel: Por que você não gosta de ser filho de pastor? A igreja tem um cuidado especial pelos filhos dos pastores.
Eu: É muito chato. Querem saber como você está, se entende a importância do trabalho do seu pai, se quer servir no Altar...
Miguel: Você deveria aproveitar... Eu não tive a mesma chance de nascer em lar cristão como você.
Eu: Ser pastor é perca de tempo.
Miguel: É a vida que eu quero pra mim, vou cumprir o meu chamado.
Eu: Boa sorte pra você. (pausa) Sabe? Meu pai não tem tempo pra mim. Na infância brincávamos um pouco, mas ultimamente... Há domingos que fica horas e horas atendendo as pessoas. Aí ele almoça e volta pra igreja.
Miguel: Ele trabalha muito, né cara? Vida de pastor é sacrifício. Dá pra perceber que você sente falta do seu pai, mas tem um jeito de estar mais próximo dele.
Eu: Qual?
Miguel: Na igreja. Ajude ele nas coisas que puder.
Eu: Eu ajudo em tudo, mas ele não reconhece meu esforço, diz que é minha obrigação. Eu canto, toco e ele não vê meu talento. Só se importa com ele mesmo.
Miguel: Pensa no lado dele. É muita responsabilidade, cuidar de almas.
Eu: Ok, Miguel. Não quero mais falar sobre isso. Não quero ser pastor mesmo.