Entre Perdas e Ganhos | LIVRO...

By lettiautora

1.1M 37.7K 8.2K

DEGUSTAÇÃO | DISPONÍVEL NA AMAZON | Série: Entre Amores: Família Volkiov. LIVRO 1 - Entre Perdas e Ganhos (Iv... More

• NOTAS INICIAIS
• SINOPSE
CAPÍTULO • 02 (Degustação)
CAPÍTULO • 03 (Degustação)
CAPÍTULO • 04 (Degustação)
CAPÍTULO • 05 (Degustação)
CAPÍTULO • 06 (Degustação)
CAPÍTULO • 07 (Degustação)
CAPÍTULO • 08 (Degustação)
CAPÍTULO • 09 (Degustação)
CAPÍTULO • 10 (Degustação)
DISPONÍVEL NA AMAZON

CAPÍTULO • 01 (Degustação)

44.5K 3.6K 1.1K
By lettiautora

CAPÍTULO 01

IVAN

CINCO ANOS JÁ haviam se passado desde o acidente — tempo demais esperando que algum milagre divino se apiedasse da minha alma destroçada, ou que as lembranças daquele tempo fossem arrancadas do meu coração com a ponta afiada de uma lâmina. Assim eu teria paz e deixaria de transformar tudo ao meu redor em cinzas.

Acabar com a minha vida foi a primeira ideia que permeou meus pensamentos depois do fatídico dia. Junto com a vontade de não existir mais, contudo, vinham sempre as memórias vagas do sorriso dela, os olhos brilhantes como duas amêndoas, sempre grandes demais no rosto pequeno e delicado. Hoje em dia é difícil consolidar uma imagem perfeita, mas a sensação continua aqui. A vergonha de imaginar o que ela pensaria da minha fraqueza é a única coisa que me impediu de cometer uma loucura naquela época.

De qualquer forma, aquela filosofia barata sobre o universo conspirar a favor do ser humano nunca se provou tão inverídica. O universo nunca esquece aqueles que merecem o seu rancor. Depois do que aconteceu, afastei-me de tudo e todos, trabalhei dia e noite sem parar e me afundei nas noites badaladas de Nova Iorque, só para tentar esquecer. Como fui idiota! É impossível, no fundo sempre soube, mas gozava dos esforços vãos. Só se vive um amor como aquele uma vez na vida, e ele marca a gente como brasa na carne.

Agora, após tantos anos de isolamento, estou de volta.

Sair do Sheremetyevo não demora mais do que trinta minutos. Um tempo bom, considerando o fluxo de pessoas que usufruem diariamente dos serviços oferecidos pelo maior aeroporto de Moscou. Na área externa, encaro por um momento o céu da Rússia, inspiro o ar do meu país e quase sinto algum prazer por retornar às minhas origens. Quase. Se as circunstâncias fossem outras, se o mundo não fosse tão cruel, eu poderia ter sido feliz aqui, ao lado da mulher mais preciosa que já pisou sobre o planeta.

Caminho até um táxi qualquer. Não avisei ninguém que chegaria hoje, caso contrário viriam todos ao meu encontro. A última coisa que desejo agora é lidar com meus irmãos todos de uma só vez e escutar os lamentos da minha mãe sobre como sou um péssimo filho.

Indico o caminho para o motorista. É um pouco estranho voltar a conversar utilizando minha língua nativa. Na sucursal de Nova Iorque, lidava somente com investidores americanos, não havia sentido me comunicar em russo. Fora que, na maior parte do tempo, simplesmente ficava sozinho no escritório sem falar com ninguém.

Era ótimo.

Eventualmente, alguns dos arranha-céus das Sete Irmãs me acompanham com seus olhos de vidro e torres pontiagudas. O Kotelnicheskaya — talvez o meu preferido, um símbolo visual que reafirma o sangue a correr pelas minhas veias — se agiganta sobre nós, totalmente banhado com as cores quentes que espelham os padrões climáticos da época do ano em que estamos. No auge do verão, a quantidade de pessoas que se arriscam a expor um pouco de pele supera qualquer outra estação.

O percurso até a empresa matriz da família Volkiov é longo, marcado por edifícios elevados e monumentos históricos. Calculando os minutos, resta muito tempo até alcançarmos a sede, o período perfeito para refletir sobre o que farei em seguida. Vladimir não tem o direito de prosseguir com tamanha insanidade, o acordo chegou ao fim junto com a morte da minha noiva.

Não pretendíamos nos casar por causa dos interesses financeiros de ambas as famílias. Crescemos juntos, como crianças normais descobrindo o mundo aos poucos. É verdade que nossos pais incentivaram a relação, mas essa era a menor das minhas preocupações naquele tempo. Enquanto estivéssemos juntos, poderiam fazer o que bem entendessem com os efeitos colaterais da união. O casamento entre dois herdeiros das famílias mais poderosas da Rússia podia acontecer, pois a nossa felicidade contagiava, era plena e a única coisa que me importava.

Mas ela se foi. Eu estou aqui.

E, aparentemente, os interesses familiares também sobreviveram.

O carro para na frente da empresa. Pago uma quantia bem maior ao taxista, sem querer perder mais dos meus escassos minutos. O plano é conversar com Vladimir, resolver o problema e voltar para as terras americanas no último voo da noite.

O centro da capital continua o caos de turistas escandalosos e da frigidez estereotipada nos semblantes russos. Nossa história é marcada por sofrimentos, escrita com o sangue de inocentes, assim como o mundo de maneira geral. No fim das contas, se observarmos os nossos arredores com um olhar crítico, é fácil chegar à conclusão universal de que somos despojos inconsistentes do nosso passado: tiramos fotos sorridentes na frente de esculturas e prédios antigos, que remetem à épocas sombrias e cruéis, enquanto ainda cultivamos o ódio dentro de nós.

Embora muitos detalhes inéditos me saltem aos olhos, não me dedico em analisar o frontispício da empresa e as modificações simplórias investidas durante a minha ausência. Subo a escadaria a passos rápidos. As pessoas me olham com alguma curiosidade, uma reação que julgo adequada considerando que a maioria dos funcionários antigos não trabalha mais aqui ou foi remanejada. Quase ninguém me reconhece.

Não dura muito, é claro, pois passo direto sem me anunciar na recepção e sigo até o elevador presidencial. Quando as portas estão quase se fechando, o burburinho já é tão grande que Vladimir saberá da minha presença antes que eu alcance o último andar.

Minha preocupação real, contudo, é o que farei com toda essa vontade de socar alguma coisa. Tenho me controlado desde quando embarquei no avião, mas agora a história é outra. A porcaria é muito diferente!

Como previsto, meu irmão mais velho aparece diante de mim quando o elevador apita no ponto mais alto do prédio.

Encaramos um ao outro, reconhecendo aos poucos as mudanças que a distância impediu que acompanhássemos gradualmente um no outro. Dou um passo em sua direção, incerto sobre como proceder. Ele tem sido o chefe da família por muito tempo, presidente da empresa e responsável pelos bens que meu pai costumava nominar como nosso império.

Vladimir é o primeiro a tomar a iniciativa. Abraça-me em silêncio, eu retribuo, a saudade enfim sendo saciada. A falta da minha família foi o mais difícil de suportar, mas o tempo é um velho preguiçoso que esconde todas as feridas debaixo de um tapete puído.

— Eu imaginei que viria — diz enquanto nos soltamos.

Claro que imaginou.

Em silêncio, direciono-me para a cadeira de clientes na frente da mesa. Uma placa dourada com o nome do presidente Vladimir Nicolaevitch Volkiov brilha em cima de alguns papéis. A sala ocupa todo o último andar, é fechada e claustrofóbica. As janelas estão trancadas e longas cortinas azuis escondem a vista da capital. É muito diferente de quando meu pai comandava os negócios. Nicolai sempre foi muito alegre e expansivo, enquanto Vladimir carrega seus próprios demônios e segredos a sete chaves.

Um copo com cheiro de bebida forte é depositado na minha frente, logo depois meu irmão também se senta, servindo-se com uma garrafa de vodca.

— Mamãe sabe que chegou? — questiona. Deposita a garrafa sobre a mesa e bebe um pouco do líquido transparente.

— Não, e não quero que saiba. Já comprei uma passagem para voltar ainda hoje.

— Bem, não deveria ter vindo. — Seu tom formal e incisivo revira alguma anomalia emocional dentro de mim.

— E o que você esperava que eu fizesse, Vlad? — pergunto com a voz calma, mesmo que a raiva consuma cada centímetro do meu corpo. — Como pensou que eu reagiria após uma notícia daquelas?

— É uma questão profissional, Ivan — responde com a mesma tranquilidade velada. — A família de Petrova veio diretamente a mim, mas isso envolve toda a nossa família. Chamei Roman e Andrei para discutirmos a proposta que nos fizeram.

Petrova.

Seu nome é a maldita gota d'água que faltava. Em um piscar de olhos, o copo que ele segura se espatifa do outro lado da sala. Agarro Vladimir pelo colarinho da camisa, mas ele ostenta uma força física superior. Caímos em um amontoado de palavrões, como adolescentes que não controlam os impulsos.

— Proposta? — retruco. A palavra é quase tóxica na minha boca. — Querem sacrificar a vida de um de vocês em troca do quê? Dinheiro?

Tento ficar de pé, mas meu irmão é mais rápido e puxa minha perna, fazendo com que minhas costelas batam na lateral da cadeira; a dor me deixa impotente por um instante. Aproveitando a oportunidade, Vladimir sobe em mim e acerta um golpe de punho fechado muito bem dado na lateral do meu rosto, uma dormência imediata se estende desde a minha orelha até a ponta do meu queixo. Não é o suficiente para deixar um hematoma, mas nem por isso deixa de doer.

— Não é só por dinheiro! — vocifera. — Você não tem ideia do que aconteceu nos últimos anos, do inferno que tivemos que viver depois do acidente! — Ele me chacoalha, irado. — Você foi embora e deixou todos os cacos para eu colar, e é isso o que estou fazendo. Bem, irmãozinho, falta uma peça, e odeio serviços feitos pela metade.

O peso de Vladimir se levantando me deixa inseguro. Ele cambaleia de volta para a cadeira, sem nenhum arranhão, nenhum fio de cabelo fora do lugar, e engole toda a bebida do meu copo de uma vez.

Maldito.

Devido à nula coragem para levantar, apenas escondo o rosto com o braço e continuo ali como um covarde. São palavras verdadeiras e a verdade muitas vezes não simpatiza com os homens. Eu fugi e deixei a merda para ele limpar. Depois de tanto tempo sem escutar o nome de Petrova, não me lembrava como era a dor de uma ferida aberta.

— Mikhail Ihascov veio com a esposa há dois dias, e disse que se não aceitarmos eles se unirão com outra empresa. Caso aconteça algo do tipo, nossas ações despencarão no mesmo dia. — Uma pausa, ouço o som do vidro da garrafa encostando em um copo. — O mais sensato é que eu aceite. Bem, nossos pais também se casaram por interesse, e não precisa ser definitivo, apenas por tempo o suficiente para garantirmos a estabilidade dos investidores. No máximo um ano, não será preciso nem dividir a mesma casa com ela. Aparecer em alguns eventos vai ser o suficiente.

— Você disse que não era pelo dinheiro — murmuro ceticamente.

— E não é.

Com dificuldade, arrasto-me de volta até a cadeira. Pego a garrafa de aspecto caro em cima da mesa e admiro o design elaborado e retorcido, depois bebo dali mesmo. O líquido queima a minha garganta, o gosto faz os meus pensamentos voltarem para o lugar.

— Tenho a impressão de que não pretende me contar o verdadeiro motivo. — Puxo o nó da minha gravata e desabotoo o primeiro botão da camisa.

— Você não quer que Lara faça parte da nossa família — acusa, cruzando um caminho perigoso de palavras. — Atravessou o oceano para impedir que um de nós aceite se casar com ela, mesmo um casamento de fachada.

— Ela matou a minha mulher. — Espalmo a mesa, enraivecido pela cegueira da presidência que desvirtuou Vladimir. — Por culpa dela, Petrova está morta.

— Eu entendo o seu ponto, Ivan, mas não posso concordar com ele. Lara era irmã de Petrova. Você, mais do que ninguém, sabe como aquelas duas se amavam. — Ele suspira e esfrega as têmporas com os dedos. — É por isso que você não entenderia todos os motivos que me fizeram aceitar a proposta. O que está em jogo agora é qual irmão vai se casar com ela. Exceto por Andrei, somos todos solteiros, sem compromissos em vista e nenhum plano de casar tão cedo. Qualquer um pode aceitar e estou disposto a fazer isso.

Se não fosse por Lara, o amor da minha vida ainda estaria aqui e disso eles estão cientes. Bastava que ela tivesse me escutado naquele dia e as coisas seriam diferentes hoje. Mas não. Lara sempre foi uma menina teimosa, do tipo que batia o pé para conseguir seus objetivos. Petrova, com o coração mole, costumava fazer as vontades da irmã caçula, enquanto eu apenas admirava as duas por conseguirem amar uma à outra mesmo com personalidades tão diferentes.

Lara sempre foi tempestade, gargalhada e agitação. Mas Petrova não, ela era garoa, sorriso manso e calmaria.

Nunca vou permitir que algum dos meus irmãos se case com aquela menina.

Nunca.

— Quando foi que voltamos no tempo? Achei que casamentos arranjados tivessem ficado no século passado — desdenho, meus argumentos se esgotando devagar.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade. Herdeiros ao redor do mundo se unem em matrimônio o tempo todo. Algumas vezes não é intencional, de vez em quando as pessoas conseguem a proeza de unir o útil ao agradável e encontrar o amor; mas outras vezes, não. Desde que os envolvidos concordem, não vejo problema. E, como já falei, é um acordo, um negócio, não um casamento de verdade.

Fico pensando se Vladimir escuta as próprias palavras, se é capaz de passar por cima da hipocrisia e aceitar o quanto esse posicionamento é soberbo e hipócrita. Meu irmão se transformou em um homem ambicioso, sua vida é o trabalho. Temo que nunca conheça a verdadeira felicidade, mas rogo também para que jamais descubra como dói quando ela é arrancada de nós.

— O que nossos irmãos acham disso? Já contou para eles?

— Roman ainda não sabe da proposta, ele está cuidando de alguns assuntos na sucursal da Itália. Tivemos problemas com certos investidores e foi preciso que um de nós resolvesse a questão pessoalmente. Nós conversamos mais cedo, rápido, e ele disse que chegaria ainda hoje. Adiantei o assunto sobre Mikhail ter uma proposta para unificação das empresas, claro, mas não entrei em detalhes. Andrei estava comigo no dia em que vieram aqui. No começo ficou um pouco perturbado, você sabe como ele e Lara eram amigos.

Uma coisa que eu não posso negar é como aquela garota sempre esteve ligada à minha família. Houve um tempo em que ela costumava acompanhar Petrova toda vez que íamos a algum evento. Lara gostava de se cercar com pessoas e cativá-las com a sua falação desenfreada. Petrova, preocupada o tempo todo, não sabia como agir, especialmente quando a irmã mais nova decidia se aventurar por baladas e festas.

Muitas vezes eu tive que ir atrás dela para garantir que não fizesse nenhuma besteira, e já quebrei alguns dentes também. Bastava Petrova me olhar com aquele rosto cheio de expectativa que eu me derretia como qualquer homem apaixonado, realizando cada um dos seus benditos desejos.

Andrei e Lara têm a mesma idade e se tornaram amigos quando crianças, com o tempo qualquer um podia confundi-los como irmãos. Duvido muito que o caçula se voluntariaria para esse casamento se pudesse, mas não sei como ficou a relação deles depois de tudo o que aconteceu.

Eu não sei de muitas coisas pelo visto.

— Não concordo com isso — determino. — É impossível para mim.

— Eu falei para Mikhail que íamos pensar no assunto, mas ele tem pressa. No último ano a empresa dele cresceu muito, o homem está apostando tudo o que pode. Nós sabemos que o plano dele sempre foi utilizar Petrova para aumentar o próprio negócio, a única diferença era que vocês deram a sorte de se apaixonarem.

— Não quero falar sobre Petrova. Não compare o meu noivado com esse circo. — Minha voz ecoa de forma distante, mas percebo que o ódio se evidencia em cada palavra.

— Certo. — Vladimir suspira. — Ivan, marquei de me reunir daqui a dois dias com Mikhail. Tenho certeza que Andrei e Roman irão comigo, mas gostaria que fosse também. Ainda não falei com Lara sobre isso, aliás, eu a vi poucas vezes desde que você foi embora.

Antes que eu tenha tempo para negar, contudo, escutamos o ruído do elevador, indicando alguém a caminho. Olho para Vladimir em busca de uma explicação, mas ele parece tão perdido quanto eu. Meu irmão encara o relógio e depois fica de pé, arrumando os botões do paletó. Em seguida, nossa mãe irrompe sala adentro, um furacão de joias e saltos altos.

Era só o que me faltava.

— Nove meses! — grita seu discurso corriqueiro com o dedo apontado na minha direção. — Por nove meses eu carreguei você dentro da minha barriga. Somando os meus quatro filhos, são trinta e seis meses parecendo uma melancia enorme, com dores nas costas, vômitos, estrias e muita fome. Tudo isso para quê? Para morrer sozinha naquela mansão. Ninguém se importa comigo. Vocês vêm e vão de um país ao outro, não se preocupam em telefonar, em enviar uma mensagem de texto. Nada! Roman não me liga desde quando foi para a Itália, e isso já faz dois meses! Mas você, Ivan, cinco anos! Cinco anos que não vejo o meu filho. Agora está de volta e nem se deu ao trabalho de avisar sobre a sua vinda?

— Mãe... — Tento dizer, mas Vladimir faz um sinal negativo pelas costas de Tatiana. De fato, o melhor é deixá-la descarregar toda a raiva ou correrei o risco de sofrer uma agressão com suas unhas de leoa.

— Mas tudo bem, com o Roman eu me entendo, aquele marginal descarado! Daqui a pouco o motorista vai trazê-lo. Vocês sabiam que o ingrato andou brigando na Itália? Aquele idiota ainda vai parar em um hospital algum dia e ficaremos sabendo só quando a conta do funeral chegar.

Ela anda de um lado para o outro, os colares no pescoço tilintam cada vez que muda a direção. Atrás dela, Vladimir não parece nada contente com a notícia. É bem provável que Roman tenha trocado socos com algum investidor ou cliente, é a cara dele fazer esse tipo de coisa. Mas, para minha sorte, a fúria de dona Tatiana foi diluída entre os dois filhos graças à imprudência de Roman, e agora ela não sabe qual de nós merece mais xingamentos.

— Ivan, como pôde fazer isso com sua própria mãe? — Os olhos azuis brilham atrás de uma película de lágrimas, ela passa as mãos sobre os cabelos vermelhos.

Nossa mãe não é ruiva de verdade. Nas fotos de seu casamento, escondidas em um cômodo antigo na mansão, ela tinha um cabelo castanho-claro muito parecido com o meu, mas vejo que continua com o hábito de mudar a aparência de mês em mês.

— Minha viagem não foi programada, mãe — digo com cautela. — Eu já ia passar na mansão — minto.

Vladimir esconde um sorriso cúmplice com a mão.

Tatiana se endireita, limpando os olhos para não borrar a maquiagem. Mesmo que a idade a esteja assaltando aos poucos, ainda é uma mulher bela. Sua vaidade e comportamento tempestuoso não impactam o caráter digno e seu coração benevolente. Assisto enquanto vira seu olhar para o meu irmão por um segundo e, quando volta para mim, já exibe um sorriso brilhante e emocionado. Com os braços abertos, ela me chama para um abraço.

— Senti tanto a sua falta, meu filho, todos os dias — sussurra no meu ouvido assim que nos envolvemos.

— Bem, acho que vou encerrar o dia por hoje na empresa e vamos todos para a mansão, o que acham? — meu irmão propõe, dando a volta na mesa para recolher papéis e anotações para trabalhar em casa. Ele nunca para.

Parece que meu plano de voltar para Nova Iorque não vai se concretizar. Eu já deveria ter previsto que eles arrumariam alguma coisa para me prender aqui. Desço com minha mãe e Vladimir. O prédio é um dos mais altos do centro de Moscou e só quando chegamos ao movimento das ruas é que me dou conta de como a cidade está diferente da última vez que estive aqui. Há muitos comércios novos e prédios que se perdem de vista.

Não demora mais que um minuto até que uma limusine estacione diante de nós, esse é o preço a se pagar quando uma mulher como Tatiana Volkiova é a sua mãe. Ela gosta das extravagâncias da vida, de usufruir dos bens materiais e do conforto que o dinheiro proporciona.

Durante o caminho, ela vai fofocando sobre amigos e parentes, sem nunca me dar a chance de interromper ou opinar. Acho muito bom, pois assim não preciso confessar como tenho vivido pateticamente nos últimos anos. Do seu longo monólogo, faço uma lista mental das informações mais importantes. Aparentemente, ela não anda nada feliz com o filho mais novo, que arrumou uma namorada cujos atrativos não parecem agradá-la. Andrei sempre foi um cavalheiro, o homem perfeito e charmoso que conquista qualquer mulher — agora que é um homem feito, nada mais natural do que aproveitar a vida.

Quando chegamos à mansão, minha cabeça dói tanto que só quero me esconder em um quarto escuro. Como é possível que uma pessoa consiga falar tanto em menos de uma hora? Está aí uma coisa da qual havia me esquecido.

— Ivan, por que você não vai descansar um pouco? Parece que o Roman foi para um hotel e só vem amanhã — Vladimir diz com os olhos pregados no celular.

No mesmo instante, minha mãe se transforma de volta para o modo assassino e arranca o aparelho das mãos dele. Tenho certeza de que foi preciso desembolsar uma boa quantia em dinheiro para o motorista se desviar do destino, mas não vou desperdiçar a chance de fugir. Agradeço meu irmão rapidamente e subo as escadas correndo, sem nenhuma bagagem.

Não trouxe nada além de um celular e a roupa do corpo, convicto de que minha estadia seria breve e imperceptível.

Meu quarto continua no mesmo lugar, limpo como se uma promessa de estar sempre pronto para mim pairasse no ar. Vasculho os armários e gavetas, reencontrando as mesmas roupas que abandonei cinco anos antes. Sigo direto para o chuveiro, tudo o que eu preciso é de água quente e uma hora de sono. Não preguei os olhos desde que Vladimir me enviou uma mensagem explicando a proposta de unificar nossa empresa com a de Mikhail Ihascov — meu antigo sogro — por meio de um matrimônio com a herdeira mais nova.

Lara.

Só o nome faz meu estômago revirar. Lembrar daquela noite ainda causa muita agitação no meu peito. Pensei que havia superado o rancor, mas meu coração ainda bate forte de raiva ao recordar que tudo poderia ter sido evitado se não fosse pelos caprichos de Lara Ihascova.

Saio do banho e me jogo na cama, ainda de toalha. Quero saber quais são os seus planos, porque concordou com essa imbecilidade. Ambição? Será possível que essa sempre foi a sua intenção? Eu preciso descobrir.

O cansaço chega devagar. O dia marcado para o encontro com Mikhail está próximo, preciso entender toda a história direito. Os verdadeiros motivos por trás desse malabarismo comercial. Antes de me entregar ao sono, envio uma mensagem para Vladimir, dizendo que eu irei ao encontro.

Eu preciso ir, é o que Petrova gostaria que eu fizesse se ainda estivesse aqui. É o que ela me pediria para fazer.

Continue Reading

You'll Also Like

145K 16.2K 26
Essa obra contém HARÉM REVERSO, incluindo gatilhos. Aurora Delaney sempre foi uma garota invisível para a sociedade. Vinda de mais uma das milhares...
304K 23.1K 45
"𝖠𝗆𝗈𝗋, 𝗏𝗈𝖼ê 𝗇ã𝗈 é 𝖻𝗈𝗆 𝗉𝗋𝖺 𝗆𝗂𝗆, 𝗆𝖺𝗌 𝖾𝗎 𝗊𝗎𝖾𝗋𝗈 𝗏𝗈𝖼ê." Stella Asthen sente uma raiva inexplicável por Heydan Williams, o m...
485K 18.2K 67
Imagines com os personagens de House Of The Dragon ☆ ᵃˢ ʰᶦˢᵗᵒʳᶦᵃˢ ˢᵃ̃ᵒ ᵈᵒ ᵗᵘᵐᵇˡʳ
181K 15.5K 35
Amberly corre atrás dos seus sonhos em outro país deixando o passado pra atrás e ainda frustada com o término e a traição do ex que ficou no Brasil...