Viagens e Destinos

By JCMarangoni

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Quantas vezes nos entregamos totalmente a alguém por amor e deixamos de lado nossas vontades? Realmente preci... More

Capítulo único - Viagens e Destinos

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By JCMarangoni

              O sol cobria o céu com seus raios iluminando a cidade, sua temperatura fazendo com que as gotas de suor caíssem pela face das pessoas que andavam pela rua. Entrar nas lojas e sentir o frescor do ar condicionado era o desejo de qualquer um na pequena cidade de Olímpia, interior de São Paulo.

              Clara seguia para casa depois de mais uma manhã de aula no seu curso de Administração. Desceu do carro e caminhou o resto do trajeto. Mochila nas costas, dois livros na mão, o suor escorrendo pelo seu corpo e água na mochila para se hidratar. Abriu a porta da sua casa, tomou um banho gelado e se vestiu com peças leves. Esquentou seu almoço no micro-ondas e, após a refeição, ligou o notebook para se aventurar no universo online.

              Apaixonada por jogos, passava a tarde toda em frente ao computador, conhecendo pessoas novas. Amanhã já seriam outros jogadores, não mantinha um laço com ninguém. Alguns duravam algumas semanas, logo desapareciam. Era o quarto ano de sua vida rotineira, que começou logo que entrou na faculdade. Não tinha amigos reais. Morava no Km 26 da Rodovia Vicinal Natal Breda, cercada de pousadas, estrada de terra, plantações de eucalipto e muito verde.

              Apesar de toda a rotina, os últimos quatro meses tinham uma diferença: mantinha contato com um rapaz durante todo esse período, um recorde. Nunca havia visto uma foto, ele também não via nada além do avatar utilizado. Ela era ClaraOlimpia01; ele, esbanjando criatividade, era VenonExtreme. Nem o nome real ela sabia. Mas através das palavras conhecia muito além de características físicas. Conhecia a essência dele.

VenonExtreme diz: “Tanto tempo teclando e jogando, será que não mereço seu telefone princesa? ”

ClaraOlimpia01 diz: “Confesso que nunca mantive tanto contato com alguém. Mas para que quer meu telefone? ”

VenonExtreme diz: “Porque falar com você, princesa, me faz bem”

              Gostava do modo carinhoso como a tratava. Estava apegada àquela amizade e tinha medo de que, após conhecerem a forma física um do outro, haveria desinteresse e parariam de conversar. Aquilo a preocupava. Ao mesmo tempo sentia que era necessário. Trocaram contatos e agora a conversa iria muito além de um jogo.

              Descobriu que seu nome era Carlos. Trocaram fotos e diferente do que ela pensou aquilo só os aproximou mais. Clara não era como as modelos da Victoria's Secret: não era gorda, mas também não era magra; era apenas uma menina normal, de altura mediana, peso dentro dos parâmetros consideráveis saudáveis, pele morena, cabelo na altura dos ombros e olhos de jabuticaba. Carlos não era nenhum deus grego; tinha cabelos curto, olhos castanhos, pele branca e bem magrelo.

              Fizeram vídeo chamadas, passaram noites jogando papo fora, trocando fotos e ideias. Conhecia um Carlos além de um jogo. Além de um VenonExtreme. Estavam viciados em estarem juntos, e os aparelhos digitais eram as ferramentas para essa conexão. Após três meses, Clara concluiu a faculdade e seus pais, que sempre estiveram ausentes, nem se deram conta do quão envolvida sua filha estava no universo online.

              Sem emprego em vista, por morar em uma região do interior com poucas oportunidades para sua área, avisou aos pais que tentaria a vida na grande São Paulo. Pensou que a questionariam e que não iriam concordar, mas, para sua surpresa, apoiaram-na e disseram que a ajudariam com o dinheiro que precisasse. Os pais a amavam muito e estariam ali para dar todo o apoio, mas, por conta do trabalho, não viam a solidão da filha, muito menos sua carência por carinho.

              O real motivo da mudança era para que pudesse estar próxima de Carlos. Sentia-se culpada por estar ocultando isso de seus pais, que acreditavam no que havia contado. Tinha medo de estar se envolvendo em uma cilada, sentia embrulho no estômago e outras tantas emoções juntas e misturadas que não sabia o que fazer com elas.
Desembarcou na rodoviária do Tietê depois de seis horas de viagem. Sua primeira vez na grande Metrópole. Alojou-se em uma república somente para meninas e ali recebeu seu quarto individual. Era desafio atrás de desafio e cada segundo de tempo que passava, rotinas e paradigmas eram quebrados. Sua vida não era mais a mesma.

              O grande dia chegou. Conhecê-lo-ia, o amor da sua vida. Carlos vinha em sua direção enquanto ela estava sentada na praça de alimentação de um movimentado shopping. Ele era igualzinho a foto. Mexia com a sua cabeça e sentimentos. Foram ao cinema assistir Capitão América. O gosto geek ajudava na química do casal.

              Ele a pediu em namoro no segundo encontro. Era romântico, tinha bom papo e boas intenções, tudo o que uma mulher queria. Clara achava que era muito cedo, mas não queria dar um fora. Oficialmente estavam namorando.

              Sua vida se estabeleceu em São Paulo. Conseguiu seu emprego em uma grande companhia, iniciou sua pós e seu relacionamento se aproximava de seis meses. Durante a semana era a profissional invejada por toda a empresa por sua excelência e a aluna destaque de seu curso; aos finais de semana era a namorada que passava o tempo com Carlos, seja na casa dos seus sogros ou em um teatro ou cinema.

              No entanto, o tempo fez com que Carlos mudasse ou que talvez ela conhecesse quem de fato ele era.

              Suas atitudes deixaram o homem romântico de lado e deram lugar a uma personalidade forte, grosseira e bipolar. Aquilo apagou o brilho no olhar de Clara, já que aquele não era o cara por quem se apaixonou, não era seu VenonExtreme. Ele queria ir para baladas, algo que ela realmente não gostava de fazer. Concordou em deixá-lo ir, não queria ser empecilho. A princípio funcionou, mas poucas semanas depois ele exigiu que ela fosse junto.

              Contra sua vontade, ela foi para a tal balada. Não sabia dançar e se sentia um peixe fora d’água ao ver que nem a sua roupa era apropriada para aquele local. O barulho da música fazia sua cabeça doer, o cheiro de cigarro a incomodava e Carlos misturava diversas bebidas como se não houvesse amanhã. Irritado com a cara amarrada da companheira, o rapaz colocou as mãos sobre as bochechas dela e puxou para formar um sorriso. Pela brutalidade, o gesto machucou o rosto de Clara, que tirou a mão de Carlos abruptamente. Reprovando essa atitude a empurrou, fazendo com que a moça caísse no chão.

              Humilhada, se levantou e foi embora. Era madrugada, em sua cabeça não estavam os perigos de andar sozinha à noite. Queria fugir, estava cansada disso tudo. Saiu correndo e tropeçou em um rapaz que vinha em sua direção.

              —Desculpe-me. Você se machucou?

              Antes de responder olhou bem nos olhos avermelhados do rapaz. Não sabia distinguir se a vermelhidão era por conta de uma droga ilícita ou se ele estivera chorando.

              —Está tudo bem? – Ele perguntou novamente.

              —Desculpe-me, está sim. Estava tão afoita que nem vi você na minha frente. Sinto muito pelo incidente.

              Vendo que ela tremia muito, tirou seu casaco e colocou sobre os ombros dela. Em seguida disse que uma dama não poderia andar sozinha pelas ruas da cidade naquela hora. Tirou o smartphone do bolso, chamou um táxi e o aguardou chegar.

              Ela tentou recusar a oferta, mas ele insistiu. Aos poucos ia recuperando a razão e concordou que andar sozinha não seria uma boa escolha. Quando o táxi chegou, entrou no carro e pela janela ele lhe entregou um cartão.

              —Me ligue quando chegar para eu saber que está bem.

              Entrando em seu quarto, Clara tirou apenas as botas e se jogou na cama, as lagrimas borrando a maquiagem do seu rosto. Enfiou a cara no travesseiro para abafar o choro e não incomodar as colegas do quarto ao lado. Pegou no sono. Acordou horas depois com o toque do celular, que ela não atendeu quando viu o nome de Carlos na tela.

              Os dias que sucederam foram um pesadelo. Suas manhãs já não tinham vida, tudo era realizado no automático. Terminou seu relacionamento de vez, o que foi um alívio. Estava sozinha em uma cidade sem a família por perto, mesmo não sendo tão próximos. Queria desabafar, mas não sabia com quem. Lembrou do rapaz que lhe ajudara tanto aquele dia e que ela nunca tinha agradecido. Decidiu ligar.

              Ele se surpreendeu ao atender a ligação. Por ter passado alguns dias, pensou que ela jamais retornaria. A ligação durou pouco tempo, mas agora Jorge tinha o seu contato. Em seguida uma notificação no aparelho, era uma mensagem de texto dele. Começaram a manter contato e combinaram de se encontrar, ela precisava desabafar.

              Jorge contou também que seus olhos estavam vermelhos naquele dia porque também terminara com a namorada minutos antes de trombar com Clara. Ele também precisava desabafar.

              Agora ela não estava tão sozinha.

              Aproveitou o feriado prolongado para visitar os pais em Olímpia, espairecer a mente. Ter contato com o verde, receber aquele abraço que tanto lhe fazia falta. Voltou renovada. Estava preparada para viver sua vida sem resquícios do passado.

              Depois de uma amizade douradora, começou a namorar com Jorge. Ele conheceu seus pais e passou a fazer parte da sua vida. O tempo em São Paulo fez com que criassem vínculos e amizades sinceras. Seu sonho de menina começava a criar forma: casou e se tornou mãe de duas lindas crianças: Pedro e Daniel.

              Optou por um trabalho em que não consumisse todo seu tempo, queria exercer seu papel de mãe e estar presente na vida dos seus filhos. Jamais permitiria que eles sentissem algum dia o que ela sentiu na adolescência. Agora estava completa.

              Por um tempo conforme os anos passaram se martirizou por ter sido ingênua e ocultado dos pais o motivo de mudar de cidade para se envolver com Carlos. Hoje jogava o jogo do contente. Conseguia enxergar o lado bom dos coisas ruins da vida. Se não tivesse conhecido Carlos, talvez não se interessasse por viver em São Paulo. Se não fosse aquela balada e a forma grosseira com que ele a tratou, não teria conhecido Jorge. Talvez tivesse casado com Carlos e sido infeliz.

              Agora entendia que existiam pessoas que eram a viagem, não o destino.

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