Floresta do Sul

By InTheClows

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• Livro I • Segundo livro já disponível: Colina do Sul. Chloe Lidell. Desde a barriga foi destinada a algo gr... More

Prólogo
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Capítulo XXV
Capítulo XXVI
Capítulo XXVII
Capítulo XXVIII
Capítulo XXIX
Capítulo XXX
Capítulo XXXI
Capítulo XXXIII
Agradecimentos
Informações sobre o livro II
Curiosidades FS
Aviso extremamente importante
NOVIDADES DO LIVRO EM PAPEL
Aviso (leiam todos, inclusive os que ainda nao terminaram de ler, por favor)
Atualização Completa e Colina do Sul
Ainda há alguém aqui?
Por todos vocês

Capítulo XVII

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By InTheClows

Vez ou outra eu me pegava pensando em como teria sido se o casamento tivesse acabado, se eu não tivesse sido traga para a floresta. Eu teria me tornando princesa e então estaria lidando com minhas responsabilidades como tal. Certa vez Caleb dissera que algumas responsabilidades sobre Legionários iriam ser minhas também, e eu me perguntava se eu teria conhecido Rhys. Se em algum momento eu saberia quem ele era, e o veria como inimigo do Reino, de mim. E até mesmo se eu chegasse a vê-lo quando fosse haver alguma negociação. Eu seria a esposa que fica sentada em uma poltrona confortável no fundo do escritório, isso se eu tivesse permissão para ficar lá. Eu teria sentido alguma coisa ao ver seus olhos cinzentos? Ao me intrigar com seus cabelos esbranquiçados? Ao encará-lo?

Ele teria me odiado por eu governar o Reino que ele despreza?

E minha vida lá dentro... Eu teria me acostumado a todas as regras e elas se tornariam tão naturais para mim quanto se tornaram para a rainha? Eu teria sempre a mesma rotina e faria tudo de modo automático, vivendo em uma vida que não pertencia, me matando mais a cada dia para me encaixar e convencendo a mim mesma que eu tinha de fazer aquilo? Que era meu dever?

Porque foi isso que eu fiz. A cada dia, a cada semana, eu me abandonei para me tornar o que esperavam que eu fosse, esmagando a voz que gritava que eu seria completamente infeliz se eu continuasse a fazer aquilo, e que quando percebesse, já estaria tarde.

Eu fiquei magoada quando Rhys dissera sobre me matar, mas o perdoei, e talvez eu estivesse sendo patética ao me convencer com algumas palavras, mas eu estava bem com isso, estava bem perdoando-o.

No entanto, a ideia de fugir ainda não havia escapado totalmente de minha cabeça, embora eu não estivesse mais tão focada.

Eu não podia ficar para experimentar se Rhys de fato não me machucaria, ou qualquer um ali. Aquela história inteira ainda me era muito estranha, como os guardas que nunca me buscaram, ou o jeito mortal que as pessoas olhavam para mim quando cheguei. Eu precisava de respostas, e eu iria atrás delas quando fugisse.

Talvez depois de descobrir o que estava acontecendo de verdade eu voltasse para Nevra, para Rhys, mas agora eu tinha certeza que jamais voltaria ao castelo. Porque, mesmo que tivessem um motivo excelente para não terem mandado os guardas, eu sentia algo estranho no ar desde que encontrara aquela seringa na sala do rei, embora tivesse a ignorado. Porque eu não queria ser a boneca linda e perfeita de Caleb, aceitando suas desculpas quando me dissesse coisas ruins simplesmente porque era meu dever.

Eu aceitara as desculpas de Rhys, mas porque me importava, porque ele era alguém importante, porque ele me fez me apaixonar, me treinou, me ensinou coisas, e não me forçou um casamento, não disse que eu era inútil e sem benefícios.

E mesmo que ele estivesse me mantendo relativamente presa neste lugar, eu não tinha outro para ir, de qualquer forma.

Não sabia onde era minha casa agora, mas eu encontraria uma.

Respirei fundo e me levantei, enfrentando a água gelada do banho e vestindo um casaco sobre o suéter depois dele. Calcei as botas negras, descendo as escadas logo em seguida e indo direto para a cozinha. Selena e Laurien não estavam lá, mas comecei separando os pratos sem elas.

Minutos depois a porta se abriu e ambas entraram.

— Desculpe o atraso, Chloe, estávamos colhendo flores perto da colina, batemos em sua porta para te convidar, mas acho que estava dormindo.

De fato meu sono havia sido mais pesado na última noite, talvez porque eu mal tenha fechado os olhos na última semana.

— Tudo bem. — Sorri e elas logo se apressaram em me ajudar.

Tentei não pensar muito no quanto significou a consideração de irem até minha porta para me convidar a sair com elas. Porque eu iria fugir e não devia pensar nas amizades que deixaria para trás.

Rhys não apareceu para o café, e após a limpeza, enquanto subia o morro para minha casa, fiquei tentada a bater em sua porta para saber se estava tudo bem. Mas não precisei me dar o trabalho de decidir se o faria ou não porque o encontrei sentado na cadeira de minha varanda.

Ele me vê aproximando e sorri. Todo meu corpo enrijece. Aquilo seria tão, tão difícil. Me reaproximar e depois ir embora. Mas eu ficaria por mais uma semana, pelo menos, até criar um plano concreto; e aproveitaria como pudesse.

– Pensei em chamá-la para um passeio amanhã.

– Para onde?

– Um passeio na floresta. – Dá de ombros. – Você não saiu de dentro destes muros desde que chegou. Imagino que deva estar se sentindo meio presa.

Na verdade, eu não havia pensado muito nisso. Estava concentrada em meu plano de fugir. Ao redor dos muros, várias estacas estavam cravadas ao chão, era impossível pular sem acabar com uma delas lhe atravessando o corpo. E naquele momento então, comecei a me perguntar se aquelas estacas eram para nos proteger dos de fora ou me manter aqui dentro. Sair seria bom para estudar o terreno lá fora quando eu fosse fugir.

– Tudo bem. Quando vamos?

– Sairemos ao alvorecer.

Assenti enquanto ele se levantava e descia as escadas de madeira que rangeram alto com seu peso.

– Te vejo no almoço, então. – Falou ele e eu assenti novamente enquanto o observava descer a rua.

Não nos falamos novamente naquele dia.

E não voltei a trancar as portas.

***

O sol ainda nem havia nascido sobre as montanhas, mas o céu já estava claro o suficiente quando atravessamos os portões. Observei como eram as trancas, as dobradiças, tudo de modo sutil para que Rhys não percebesse. Embora eu ainda não tivesse um plano de fuga concreto, sabia que não dava para saltar os muros, então o único jeito era pelo portão.

O frio estava mais forte do que há semanas atrás. O inverno estava cada vez mais perto. Me pergunto como eu iria sobreviver na floresta durante o inverno, mas não deixo isso me preocupar muito para não me fazer desistir. Porque eu não podia desistir. Eu precisava de respostas e de me manter a salvo.

Andamos em silêncio por um tempo, mas ele parecia inquieto andando um passo na minha frente. Ele havia me dado uma máscara que encontrou em um dos armários de sua casa, para proteger o rosto do vento, embora eu desconfiasse que houvesse outros motivos também. Ela cobria dos meus olhos para baixo.

– Você está cansada? – Pergunta Rhys, depois de mais de dez minutos de caminhada em silêncio.

– Bom, acabamos de sair, mal andamos, ainda não estou cansada.

– Estou planejando um passeio meio longo. Vou te mostrar alguns lugares da floresta. – Ele olha para mim por um momento, ajeitando a mochila nas costas.

Uma culpa me invade quando percebo que ao mesmo tempo que estou feliz de conhecer lugares que Rhys queira me mostrar, também estou pensando na minha fuga, pensando em como, talvez, eu possa usar estes lugares. Eu devia manter meu plano longe agora, neste momento com Rhys.

– Tudo bem. – Minha voz sai abafada pela máscara que tem um cheiro não muito atrativo, como se estivesse há muito tempo guardada.

– Peter e Patrick estão falando que você anda meio distante.

E eu estava. Estava tentando me afastar para não sofrer tanto quando fosse embora. Mas não achei que eles também sentiriam minha falta.

– Acho que só estou me adaptando a mudança ainda. – Minto, dando de ombros tentando passar mais confiança.

– Vai ter a festa de inverno. Daqui a três dias. Vai ser dentro dos muros porque no antigo acampamento pode haver ataque do Norte, mas vai ser muito boa também.

– O que é exatamente a festa de inverno?

Pensando bem agora, sempre por essa época do ano as meninas do orfanato saíam e só ficávamos Miranda e eu. Ela dizia que elas estavam indo a algum desfile que eu odiaria, ou coisas assim.
Mas ela só estava protegendo a futura princesa de um possível mal intencionado, talvez um acidente com uma faca de um mercador, ou talvez um tropeção que me rendesse uma cicatriz eterna. Eu tinha que estar perfeita quando a família real fosse me reivindicar. Perfeita e inteira. Balanço a cabeça quando a decepção me entristece, tentando afastar os pensamentos ruins.

– Como é o inverno é rigoroso aqui e no Reino, é quando comemoram os últimos dias sem o frio incessante. Então reúnem o Reino inteiro no Centro de Comércios e fazem uma festa com bebidas à vontade, comida, danças, esse tipo de coisa. É bem famosa já que é a última festa do ano.

— Eu diria que já poderiam ter comemorado antes, porque o frio já está incessante. — Comentei apertando o casaco e Rhys riu de leve.

— De fato.

– E aqui? Como vocês comemoram?

– Da mesma forma. Dançamos, cantamos, comemos, bebemos. Só muda o lugar.

– Você apreciando festas? E dançando nelas? – Pergunto com tom incrédulo. Ele ri, e tenho que confessar que sua risada aquecera meu coração mais que uma fogueira faria.

– Costumo ficar sentado, não bebo muito para não perder o juízo e o controle. Como as outras festas eram no acampamento aberto eu ficava atento a sinais de inimigos. Mas mesmo que não tivesse nenhuma ameaça eu continuaria lá, sentado. Eu gosto de ver meu povo se divertir, para mim está tudo bem em só assistir a todos eles rindo, cantando e dançando. Não temos muito tempo para essas coisas, é uma das poucas comemorações do ano que podemos apreciar.

E ali estava novamente, o líder dedicado que amava seu povo. Eu admirava isso.

— Você devia comemorar esse ano também, você merece um pouco de diversão também. — Comentei e Rhys não olhou para mim quando respondeu, mas podia jurar que um sorriso sutil cruzou seus lábios:

— Talvez.

***

O sol agora já estava nascendo por entre as árvores. Era agradável ouvir todos os pássaros acordando e cantando. Em algum momento da caminhada avistando uma linda corsa se alimentando da casca de uma árvore, e fomos cuidadosos para continuar a caminhada e não fazer barulho, para não assustá-la.

Eu conseguia ouvir ao longe o som de água caindo e correndo, devíamos estar perto de onde quer que Rhys estivesse me levando, porque ele começou a sorrir.

Andamos por mais uns dois minutos, então Rhys parou e me lançou um sorriso que me fez errar uma batida, levantou alguns galhos caídos para que eu passasse, e quando o fiz, perdi o fôlego.

A cachoeira se estendia até uma curva grande no fim daquela área da floresta, o ar era tão puro que meus pulmões quase agradeceram em voz alta quando abaixo a máscara, deixando-a em meu pescoço. Os galhos das árvores caíam em uma cortina folhosa verde, vermelha, amarela e laranja, e um pouco de marrom seco também. As pedras estavam perfeitamente bem posicionadas de modo que a água da correnteza batesse e a natureza fizesse seu próprio irrigador. Onde eu estava pisando era uma rocha grande e larga que tomava bastante espaço da área, formando uma espécie de ruela ao lado do rio com correnteza forte.

Rhys parou ao meu lado, admirando o lugar também. Eu simplesmente não conseguia parar de sorrir.

– E então?

– Eu... não tenho palavras. Não sabia que existiam lugares assim. — Soltei, ainda correndo os olhos pelos detalhes maravilhosos da natureza. Ele sorri de novo, caminhando pela rocha.

— Nessa floresta existe. — Falou ele, orgulhoso. — Venha, vamos tomar nosso café da manhã.

Assinto e nos sentamos na borda da rocha. A correnteza passava pouco abaixo dos nossos pés, respingando em nossas botas. A cachoeira majestosa, um pouco mais a frente, lançava, vez ou outra, alguns pingos gelados de água também. A luz do sol refletia no topo das rochas, no alto da cachoeira, mas por todas as árvores perfeitamente escondendo o lugar, aqui não recebia luz alguma. Era refrescante e a luz do céu azul acima já bastava.

– Muita gente vem aqui? – Pergunto.

Rhys tira da mochila algumas frutas e coloca sobre uma tigela pequena. Sorrio pelo gesto. Ele parecia ter planejado toda a nossa excursão, e eu... iria embora em breve por não saber lidar com ele, por ter medo do que irão fazer comigo aqui.

– Acredito que poucas pessoas conhecem este lugar. A própria natureza esconde ele com tantas árvores ao redor. Mas o barulho da cachoeira denuncia, então creio que outros conheçam.

Pego uma maçã e mordisco um pedaço.

– E como você encontrou este lugar?

Ele pega uma maçã também e joga o corpo para trás, o apoiando em uma das mãos. Encara o céu por um segundo, e então volta a falar:

– Essa área da floresta não é muito visitada. Eu estava... em um dia ruim. Saí por aí, sem ver onde estava indo. Ouvi a cachoeira e encontrei a entrada.

Fico em silêncio, sem saber o que dizer, então permaneço encarando a água cair enquanto como. Os únicos sons eram o da cachoeira, da água correndo, as mordidas das maçãs...

– Como era? No orfanato? – Rhys pergunta, me surpreendendo. Ele nunca abordava assuntos sobre minha vida no Reino.

– Eu não sei dizer. Era tudo muito... Eu não saía, Miranda não deixava. Então o ar livre que eu tinha era o terraço, nunca vi muito do Reino. Eu tinha uma melhor amiga, Gina, éramos muito próximas e fingíamos que éramos irmãs. Quando alguém aparecia querendo adotar, ela sempre ficava escondida ouvindo quem procuravam, e se escolhiam ela, Gina dizia que tinham de me levar junto. Mas depois de um tempo ela parou, talvez porque... quando ela dizia isso ninguém nunca a levava. E eu me sentia mal, pensando que não me queriam, que tinha algum problema comigo. Mas era Miranda que não deixava, descobri isso depois. Ela foi adotada há alguns, porém ainda somos amigas. Quer dizer... hum... Eu a telefonava. Ela foi no... bom, o... quase casamento.

Rhys – surpreendente – ri de leve, jogando o miolo de sua maçã no meio das árvores atrás de nós.

– Ouvi você falar com elas na escada do castelo. – Arqueio um pouco as sobrancelhas quando assinto. Em parte, por ele se lembrar, e em outra por estar falando comigo assuntos delicados, tranquilamente.

– Não achei que lembrasse daquele dia. – Confesso baixinho.

– Lembro de todos os dias desde que te vi.

Tento não pensar muito no que aquilo significava e obrigo meu coração a voltar ao ritmo normal, pegando outra maçã e não rendendo o assunto.

***

Não ficamos muito mais nas rochas em frente a cachoeira. Voltamos a andar, em um silêncio amigável, vez ou outra mostrando uma coruja majestosa, ou uma corsa bonita, mas de resto era um silêncio pleno e confortável, interrompido apenas pelos sons da floresta e pelo barulho dos nossos próprios pés pisando em folhas, galhos e outros.

— Acho que não preciso mais da máscara. — Comentei, a afastando do meu rosto.

— Não está mais com frio? — Ele parou, se virando para mim.

— Estamos andando há quase uma hora, estou praticamente sufocada. — Arqueei as sobrancelhas.

— Tudo bem, mas qualquer sinal de um inimigo, cubra seu rosto depressa. — Ele pede e eu assinto.

— Então... Os outros grupos não sabem que estou com vocês? — Pergunto enquanto voltamos a caminhar.

— Não, e se souberem podem tentar tomá-la.

— Por isso invadiram o castelo de cinza e não preto, não é? Para que não soubessem que foram vocês. — Ele assentiu uma vez, parecendo não querer render assunto. Mesmo assim continuei: — Mas eu não precisava usar máscaras no acampamento aberto.

— Porque tínhamos uma Frente, um grupo para cobrir e proteger as áreas mais próximas do acampamento, depois do ataque. — Me lembrei então quando Joseph falou algo sobre aquilo, algumas manhãs atrás. — E ainda temos, mas não tão longe de Nevra.

— Teriam de fazer um grande se quisessem me tomar. — Falei, e embora não fosse uma pergunta, Rhys confirmou. Pensei por um instante. — Está arriscando seu povo me deixando com vocês. — Parei no lugar. Rhys se virou e ficou de frente para mim.

— Não sabem que você está aqui, e não vão saber. — Abri a boca para dizer mais alguma coisa, mas ele me interrompeu: — Podemos esquecer isso por hoje?

Pensei em insistir, mas não o fiz. Não quando aquela era, provavelmente, minha última semana ali. Não quando ele preparou todo aquele passeio e esse assunto estragaria. Então assenti.

***

Meus pensamentos ruins foram varridos quando avistei a Grande Árvore, cercada de borboletas que ainda estavam ali, mesmo diante do frio.

Sorri largamente ao ver Chessie. Ela pousou no meu ombro quando me sentei com Rhys entre as raízes, sobre a grama. Eu adorava aquele lugar, me causava sensação de paz e felicidade.

— Gosto de te ver assim. — Comentou ele. — Você parece feliz aqui.

Continuei brincando com as borboletas que voavam ao meu redor quando respondi:

— Talvez essa floresta tenha me trago mais felicidade do que pensa. — E eu não estava mentindo. Não me lembrava de me sentir tão bem no Reino.

Não me lembrava a última vez que senti falta de lá.

***


O tempo que ficamos ali, na Grande Árvore, foi maravilhoso. Brinquei com as borboletas enquanto Rhys assistia tudo com um sorriso enorme. Conversamos um pouco sobre coisas como os muros de Nevra, ou o asfalto velho de lá. Comemos um verdadeiro banquete que ele havia levado e, quando acabamos e fomos embora, Chessie nos acompanhou até quase o meio do caminho.

Rhys parecia conhecer cada canto daquela floresta, dos mais belos aos mais perigosos. Fomos a mais três lugares que jamais pensei que poderiam existir.

Um deles era um penhasco enorme, assustador, confesso, mas não deixava de ser lindo do seu jeito. Nossas vozes ecoavam nos confins daquele lugar. Uma névoa branca e gélida cobria quase todas as rochas, deixando ainda mais fantasmagórica. Rhys contou que estávamos relativamente próximos do limite do território, perto da Selva e Além, e cuidei de guardar aquela informação.

Depois fomos ao, segundo Rhys, Canto das Árvores Coloridas. Havia uma variedade de árvores com folhas em tons de verde, vermelho, amarelo e marrom em um corredor. Elas nasceram perfeitamente alinhadas, formando a passarela pequena, porém deslumbrante. As folhas caíam em uma chuva colorida.

Era quase surreal que naquela floresta que tanto julguei ser assustadora quando cheguei; tivesse tantos encantos. Rhys sorria satisfeito e orgulhoso a cada reação – ou falta dela – que eu tinha.

E o último lugar estávamos indo agora. Comemos mais algumas frutas no caminho. Pela primeira vez experimentei amora. Rhys havia achado um pé delas e não acreditou que eu nunca houvesse comido antes. Bom, era realmente deliciosa.

O sol já estava baixo, iria se pôr em uma hora, talvez. Eu já estava cansada, mas não queria ir embora. Não queria ter que me despedir daquele momento, daquele dia inteiro que tive com Rhys.

Subimos uma colina alta, e Rhys teve que me ajudar pois era um pouco íngreme demais. Quando chegamos ao topo perdi o fôlego, não só pela caminhada, mas pela vista.

Achei que Rhys não poderia me surpreender mais, mas eu estava completamente errada.

A vista era perfeita. Os montes se estendiam, as árvores altas e majestosas estavam abaixo de nós, lagos e correntezas se destacavam entre elas, verde e vermelho se misturavam entre as folhas e o sol que se preparava para se pôr no fundo daquela paisagem.

Rhys se sentou ofegante e eu fiz o mesmo, apreciando o breve silêncio enquanto admiramos a natureza. E era só aquilo: natureza. Nenhum Reino, nenhum muro, nenhum casebre, nenhum palácio. Era uma natureza vasta e libertadora.

– Ali que as garotas colhem flores? – Pergunto apontado o meio da colina a minha esquerda. Ele sorri.

– Não, estamos um pouco longe de lá. Estamos bem ao sul agora. Tem uma outra colina, nada comparada a esta, mais perto. Elas colhem lá.

Assinto devagar me revezando em admirar as flores de diversos tipos e o horizonte.

— Lugares como esse que te fizeram perceber que, de fato, era melhor viver fora do Reino? — Pergunto depois de algum tempo em silêncio. Rhys suspirou.

– O Reino não é aquilo que você conhece, não é aquilo que disseram para você. Algum dia aquele lugar pode ter sido bom e seguro, onde os muros também só serviam para nos proteger, mas não é mais assim, há anos. Eu não posso lhe contar as coisas terríveis que existe ali dentro, não agora. Não são agradáveis. – Ele suspira encarando com pesar o horizonte a nossa frente. – Nós não podemos fazer nada, mas tentamos salvar algumas pessoas de lá de dentro. Nós ainda tentamos planejar algo, mas é perigoso e arriscado demais. O Reino, o mundo inteiro pode ter andando para trás em algumas questões tecnológicas depois da Nova Era, mas não foi em tudo. Eles avançaram em tecnologia lá dentro, no palácio, mas não é nada para nos ajudar, eles querem fazer algo com todos nós, algo muito ruim. Acho que os Legionários do Norte estão envolvidos, mas não tenho como confirmar. Não sei como está a situação depois que alguns planos do rei foram interrompidos.

Eu não respondi nada, em parte, porque não sabia o que dizer, em parte, porque criava teorias, tentando ter alguma vaga ideia do que eles estariam tramando. Algo me dizia que aquela seringa poderia ter alguma coisa a ver com o assunto.

— Vi algo diferente na sala do rei uma vez, uma espécie de seringa com quatro agulhas na ponta. — Falei e Rhys olhou para mim.

— Eles falaram sobre o assunto alguma vez.

— Não. Caleb apenas disse uma vez que eu teria minhas responsabilidades como princesa, foi o mais longe que chegaram. — Não necessitava adicionar que ele também dissera que os Legionários agiam como animais selvagens, contando que, claramente, não era verdade.

— Ainda é cedo para falarmos disso tudo, vamos aproveitar o resto do dia. — Ele pede, voltando a olhar o horizonte e eu assinto.

O sol ainda iria levar mais alguns minutos até começar a se pôr, e o cheiro das flores ao nosso lado era convidativo demais, com certeza seria ótimo ter um pouco desse cheiro em casa também, inclusive para me ajudar a pensar ou aliviar o odor de alguns cômodos.

– Vou colher algumas flores, tudo bem?

– Tudo bem, espero aqui, te chamo se sol começar a se pôr.

Assinto e desço até o meio da colina, onde estavam as flores. Os cheiros se fundiam, o aroma era puro, abelhas e borboletas se misturavam. Era estranho como haviam tantas flores no meio de uma colina tão íngreme. As flores se escondiam nas plantas que eram altas, e batiam quase em minha cintura. Andei em círculos, escolhendo, colhendo, sorrindo, distraída em algo tão simples e prazeroso.

O som de chutes me chamou atenção quando eu estava atrás de todas as plantas, olhei para o alto da colina. Meu coração falhou mais batidas do que pude contar quando notei que Rhys estava sendo atacado por quatro homens de vermelho. Legionários do Norte. Me abaixei depressa em meio as plantas, puxando a máscara para cobrir metade do rosto. Rhys provavelmente fora pego em algum momento de distração.

Dois dos mascarados o seguravam por trás, enquanto os outros dois riam, dizendo algumas coisas que não conseguia ouvir. Fui andando abaixada por entre as flores, devagar e sorrateira como um felino, exatamente como Rhys me ensinara. Quando cheguei perto do limite das flores, observei o espaço. Eu teria que subir o resto da colina, totalmente exposta, me veriam assim que eu saísse de trás das plantas.

Mas quando um dos que estavam rindo em frente Rhys tirou uma espada da cintura, não pude deixar de agir. Eu tinha um vago plano, mas não sabia iria funcionar. Todo aquele árduo treinamento das madrugadas serias colocado em prova agora. Joguei os cabelos para dentro do casaco preto.

Saí de trás das plantas que me escondiam devagar, mas fiz de tudo para que voltassem a atenção para mim imediatamente, antes de machucarem o líder dos Legionários do Sul. Rhys olhou para mim com horror, ficou pálido e sua boca secara, seus olhos estavam quase gritando para que eu corresse, fugisse. Mas eu não iria. Não havia ninguém por perto, ninguém que chegaria a tempo para salvá-lo. Ele iria morrer nas mãos daqueles homens, e eu não podia deixar isso acontecer. Jamais. Todas aquelas horas sem dormir, treinando, tinham de servir para algo.

Eu era forte o bastante.

– Por favor. – Peço, com a voz miúda, subindo a colina devagar, com as mãos para o alto, em rendição. — Não machuquem ele.

O cara com a espada sorriu debochado, enquanto os outros que seguravam Rhys sorriram com o olhar cheio de malícia para mim.

– Olha só o que temos aqui. – O careca volta a guardar a espada, enquanto os outros que prendiam Rhys relaxaram um pouco. Estava tudo indo bem, por enquanto.

O menino ao lado do careca parecia assustado, devia ser a primeira vez que fazia algo daquele tipo. Do tipo matar. Pois, com certeza, Rhys já estaria morto se eu não tivesse feito algo. Não quis subestimar o menino, mas o deixei como baixa prioridade em meu plano. Eu não olhava para Rhys enquanto subia a colina devagar, fingindo tremer, encarando as armas de cada um sutilmente.

Eu já estava bem perto agora. Eles olhavam para mim com sorrisos debochados e maliciosos. Não me deixei chegar perto o suficiente do careca para que ele me pegasse, fiquei a uma distância segura, que me daria espaço, e rezei para que Rhys agisse na hora certa, para que entendesse meu plano.

– Se aproxime mais, menina. – O careca faz um gesto e eu me encolho, envolvendo os braços ao redor do corpo, fazendo uma expressão assustada enquanto toda a adrenalina fervia em meu sangue. O careca suspira entediado. – Tudo bem.

Começa a descer em minha direção, com as mãos longe da espada embainhada, Rhys começou a se debater, tentando se soltar. Gostaria de dizer que estava tudo bem, mas não podia. Continuei com a postura frágil até o careca estar a poucos centímetros de mim.

Então, lancei meu elemento surpresa.

Me abaixei passando para as costas do homem enquanto forcei todo meu corpo e minha força braçal para lhe dar um soco no estômago. Vi quando os homens que seguravam o líder vacilaram e foi o suficiente para Rhys se soltar e começar a luta contra eles. Voltei a me concentrar no careca, que estava furioso, agora com a espada em mãos. Me afastei alguns metros, pensando no que fazer.

– Chloe! – Rhys grita e me joga duas adagas grandes.

As pego no ar, quase cortando a mão na lâmina afiada, enquanto o careca se prepara para um golpe com a espada, que consigo bloquear juntando as duas adagas a minha frente. Preciso usar todo meu corpo para empurrar a espada fazendo ele soltar um grunhido furioso.

Deixei todo meu treinamento, tudo que Rhys me ensinou, tudo que aprendi no orfanato, inundar minha mente me fazendo ter capacidade o suficiente para enfrentá-lo. Ele me lançou vários golpes, e eu desviava de todos, mas eu iria cansar. Ele estava me cansando, me deixando frágil para o ataque fatal. Tentei desferir alguns golpes, mas ele também era rápido e sua espada era longa, delimitando meu campo de ataque.

Eu não podia morrer ali, não daquele jeito. Não podia deixar que Rhys se distraísse ao me ver morta e acabasse morrendo também. Ou que matasse todos e tivesse de levar meu corpo inerte para Nevra. Que tivesse que dar a notícia para Peter e Patrick e Selena e Laurien. Enchi minha mente com aqueles pensamentos, fontes da minha esperança, raiva e ódio.

Então, antes que cansasse e perdesse as forças, fiz algo arriscado.

Esperei que ele desse um golpe e desviei largando uma adaga enquanto segurava sua mão que embainhava a espada. Chutei com força seu ponto fraco, ele cambaleou para trás urrando enquanto eu rapidamente pegava minha adaga do chão. Não esperei que ele recuperasse as forças e fui desferindo golpes, atrás de golpes, ele desviava com destreza, mas estava com dor, estava cansando. Eu estava o cansando.

Quando ele juntou todas as forças para me dar um golpe por cima com a espada, me joguei para o lado, rolando, e passei por cima dele agarrando seu pescoço e colocando a adaga ali, enquanto segurava a outra rente ao seu ombro.

– Larga a espada. – Ordenei. Minha voz estava ríspida, brutal, fria e cruel como nunca antes havia estado.

Ele me obedeceu erguendo as mãos, respirando ofegante. Olhei para Rhys no pico da colina, ele ainda lutava com os dois homens enquanto o outro garoto parecia petrificado.

– Anda! Rápido! – Obriguei o careca a andar e subimos até perto o suficiente para que nos ouvissem. – Manda eles pararem. – Ele hesitou, vendo que Rhys já estava cansado e não tinha arma alguma. – Rápido, ou eu mato você aqui e agora mesmo.

– Parem! Agora! – Ele grita contrariado.

Os dois hesitam e é o suficiente para Rhys desarma-los e passar por trás de ambos, as espadas rente a suas costas, mirando os corações. Eles paralisaram. Fiquei um minuto prestando atenção neles, deixei o garoto em meu campo de visão. Ele parecia congelado, mas eu também parecia uma garota indefesa quando subi a colina.

No entanto eu não era mais uma garota que precisava que a salvassem, como era quando cheguei aqui.

– O que estavam fazendo aqui? – Minha voz sai ameaçadora, grossa. A adrenalina estava pulsando e saindo de cada poro do meu corpo. Forcei mais a adaga afiada em seu pescoço quando ele permaneceu calado.

– A floresta também é nossa.

– Não o território do sul. Vou perguntar só mais uma vez; o que estavam fazendo aqui? – Ele hesita por um segundo, mas suspira derrotado quando a lâmina em minha outra mão começa a descer devagar pelo seu ombro, rasgando a camisa.

– Caçando a princesa. – Não preciso olhar para Rhys para saber que seu corpo se enrijecera. Segundo ele, os Legionários do Norte não são organizados, não atacam um alvo fixo.

Não deixo a tensão tomar meu corpo. Não quando a máscara que Rhys me dera ainda escondia minha identidade e eles não desconfiavam de nada.

– Por quê? – A cada palavra minha voz ficava ainda mais ameaçadora. Evitei olhar para os outros homens para não arriscar que me reconhecessem.

– Fomos mandados. Ele é anônimo, apenas manda o serviço por meio de um mensageiro e paga muito, muito bem. Não sabemos quem ele é, eu juro.

– Quem é o mensageiro?

– O nome dele é Manson, não sabemos muito sobre ele, apenas aparece em nosso território para passar o serviço e o pagamento. Não perguntamos muito porque ele disse que quebraria o acordo se fizéssemos alguma coisa.

– Que acordo? — Ele fica em silêncio e eu afundo um pouco mais a adaga em seu ombro, cortando um pouco da carne, ele urra de dor enquanto Rhys olha para mim tão petrificado quanto os outros homens. Volto a abaixar o olhar. – Que acordo?

– E-eu não sei, eu juro, por favor! O nosso líder não fala sobre essas coisas com os Caçadores porque pode acontecer de sermos pegos, como agora. – Cada palavra jorrava medo, pavor, desespero e sinceridade forçada.

— Se estavam atrás da princesa, por que atacar meu líder? — Senti o olhar intenso de Rhys sobre mim.

— Para usar de refém. — Penso por um segundo.

– O que sabe sobre o castelo?

– Eles estão planejando algo.

– Conte o que sabe.

– E-eu não sei muito. Sei que é algo grande e estão planejando há mais de cinquenta anos.

Aquela informação de nada ajudaria, não era mais do que Rhys já havia me contado.

— Quantos de vocês estão em nosso território?

— Nosso líder dividiu grupos de quatro Caçadores para todos os territórios, inclusive as Terras Neutras.

— Alguma pista da princesa?

— Não.

Assinto devagar, mais para mim mesma, e encaro Rhys com uma pergunta silenciosa se ele queria fazer seu próprio interrogatório, mas ele apenas balança a cabeça devagar, negando. Abro e fecho a mão ao redor da adaga no pescoço do careca. Ele estremece ainda mais.

– Coloquem todas as suas armas no chão. – Ordeno para os outros homens e o garoto. Eles obedecem sem hesitar. – Se afastem.

Eles saem da mira de Rhys devagar, enquanto andam para trás, vacilantes, as mãos para cima. Quando estão há alguns metros de distância, solto o careca, o empurrando. Ele cambaleia transtornado até eles.

– Você. – Aponto para o garoto. – Venha até aqui.

O garoto obedece tremendo da cabeça aos pés e quando está a poucos centímetros, puxo uma espada da mão de Rhys. O garoto e os outros três atrás dele empalidecem e me olham com horror.

– Calma. – Digo baixinho, para que só ele ouvisse: – Não precisa fazer essas coisas, você não precisa ser como eles se não quiser, você deve ser quem você é de verdade. Confio em você.

Sussurro só para ele, que ganha um pouco de cor quando viro a lâmina da espada, lhe entregando o lado do cabo, mas ainda apertando uma adaga em minha mão. Ele hesita e pega a espada receoso, mas quando solto a lâmina, ele olha para mim assentindo firme e eu volto a baixar os olhos.

– Obrigado. – Sussurra, pensa por um segundo e então se aproxima mais. – O nome dele não é Manson, é Kion.

Ele diz tão baixo que por pouco não ouço. Assinto firme com um olhar agradecido, ele assente de volta, e vai para perto dos outros três.

— Diga a Shane que não volte a mandar Caçadores para meu território. — Rhys finalmente abre a boca. — Minha parceira e eu estaremos vigiando.

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