Floresta do Sul

By InTheClows

117K 9.3K 1.5K

• Livro I • Segundo livro já disponível: Colina do Sul. Chloe Lidell. Desde a barriga foi destinada a algo gr... More

Prólogo
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Capítulo XXV
Capítulo XXVI
Capítulo XXVII
Capítulo XXVIII
Capítulo XXIX
Capítulo XXX
Capítulo XXXI
Capítulo XXXIII
Agradecimentos
Informações sobre o livro II
Curiosidades FS
Aviso extremamente importante
NOVIDADES DO LIVRO EM PAPEL
Aviso (leiam todos, inclusive os que ainda nao terminaram de ler, por favor)
Atualização Completa e Colina do Sul
Ainda há alguém aqui?
Por todos vocês

Capítulo XV

2K 273 28
By InTheClows

— Devíamos fazer uma sopa, as noites estão cada vez mais frias. — Sugere Selena. Sorri e assenti.

Selena e Laurien eram as cozinheiras daquele grupo e, após perceber que eu tinha muito tempo livre depois dos treinos, resolvi que precisava de algo para me ocupar e então comecei a ajuda-las. Após três dias pegando dicas sobre temperos e tempo de cozimento, eu quase fazia uma comida tão boa quanto a delas, e criamos uma amizade que fluía melhor a cada dia.

Assim como com Rhys ou Patrick ou Peter. Amigos. Eu criara amizades ali naquele acampamento e me questionava se eu sentiria falta quando partisse, seja lá quando isso fosse acontecer. E por mais que eu negasse a mim mesma, havia dias em que eu não queria ir embora ou pensar em voltar. Havia dias como a véspera, onde Selena e eu fomos colher folhas na horta que mantinham ali perto, e conversamos sobre livros e poesias e melodias, e falamos tanto que já escurecia quando nos lembramos que tínhamos de voltar. Rimos durante boa parte do caminho pelo nosso descuido, e rimos ainda mais quando ambas soltamos um grito alto ao ouvir um barulho e correr, para só então perceber que era um inofensivo esquilo.

E quando o jantar estava pronto e as pessoas vieram comer, elogiando o assado que eu havia feito, não pude esconder o orgulho e a satisfação que me invadira. Ou até mesmo depois disso, quando alguns de nós sentamos ao redor de uma fogueira e contamos histórias, depois falamos sobre espadas e as melhores formas de aplicar golpes, e Patrick e Rhys fizeram demonstrações ao vivo, que rendeu não só conhecimento sobre táticas como muitas risadas.

E naqueles dias... Naqueles dias eu não pensava no Reino. Não pensava no castelo ou no orfanato, porque isso me faria questionar a mim mesma se eu ainda queria desesperadamente voltar para ficar presa no orfanato ou ser a esposa perfeita e dócil do príncipe.

E se eu pensasse, se me questionasse, talvez eu me assustasse com a resposta.

— Vamos para Nevra no fim dessa semana. — Comentou Laurien. — Ainda não conhecemos também, mas Patrick disse que a cozinha é grande e espaçosa, bem diferente dessa, e a horta fica bem atrás. — Ela riu. — Assim vocês duas não precisam se preocupar em fugir de esquilos assassinos quando forem colher alguma coisa.

Revirei os olhos sorrindo enquanto Selena jogou um pedaço de cenoura nela, que agarrou e comeu rindo também.

— Da próxima vez — Disse Selena enquanto cortava alguns legumes. —, você irá sozinha.

Eu ri enquanto pegava os pratos no armário e colocava em pilhas em cima da mesa.

***

Já era quase noite quando Rhys e eu paramos o treino. Meus braços e pernas latejavam, e me abaixei sobre meu próprio corpo para tomar fôlego. Embora eu estivesse suada cabeça aos pés, não arrisquei receber o vento cada vez mais frios ao decorrer dos dias; e permaneci de casaco. Estávamos no Rio Escondido, uma forma de despedir daquele lugar já que no dia seguinte estaríamos indo para Nevra. Respirei fundo, endireitando o corpo, e acompanhei Rhys ao me abaixar perto do rio e lavar o rosto. A água estava bem mais gelada do que quando pulamos ali, há quase um mês atrás.

— Quanto tempo de caminhada até Nevra? — Eu perguntei depois de lhe entregar a espada que usava nos treinos. Rhys molhou os cabelos antes de se levantar e me responder:

— Duas horas e meia, talvez.

Arqueei as sobrancelhas.

— Acho que dispensarei o treino amanhã, então.

— É, acho que posso te dar uma folga. — Disse ele e eu sorri. Nos sentamos em uma das rochas, admirando a água correr enquanto recuperávamos alguma força. — Desmontaremos as barracas pela manhã.

— Você disse que há casas de verdade em Nevra, que foram abandonadas, por quê?

– Na época dos Bombardeios, quando o Reino estava em guerra com os estados próximos. Não é à toa que esse Reino seja o único neste estado. Os antigos estados ao nosso redor também são abandonados. Só há outras civilizações a mais de quatro mil quilômetros daqui, tanto ao norte quanto ao sul, leste e oeste.

– Como sabe tanto? Eles nunca falam muito da história dos estados antigos, ou sobre qualquer coisa antes da Nova era.

– Livros. – Ele dá de ombros. – Antes de rei Gregory e George, bem antes desses reis, aqui não era um Reino. Não era uma cidade murada e fechada onde ao redor há quilômetros e quilômetros de floresta onde nós vivemos. Eram cidades, haviam estados colados uns em outros, alguns eram divididos apenas por uma rua, era... bem diferente disso aqui. Haviam cidades muito bem iluminadas, prédios enormes... Não era apenas aquele castelo e casas pequenas como se tivéssemos voltado séculos atrás. Era algo evoluído e então, de repente, todas as coisas retrocederam e pouca modernidade que havia antes restou.

– Por que houve essa mudança?

– Muitas guerras, sede por tecnologia que se tornaram armas. — Ele guardou a espada na bainha. — O Bombardeio aconteceu há duzentos e quinze anos, e quatro anos depois dele foram divididos Reinos cercados por muros, como o que você conhece. Então os anos começaram a serem contados novamente a partir daí, por isso dizemos que estamos no ano duzentos e onze da Nova Era. Além de milhões de vidas, foram perdidas muitas das tecnologias que antes existiam, e coisas que já haviam sido extintas em muitos lugares como a hierarquia de reis e coisas do tipo, voltaram. Se passaram dois séculos desde o Bombardeio, e quem sobreviveu a ele já não está mais aqui para contar nada sobre. As coisas que existiam foram esquecidas e refizemos nosso estilo de vida, governo e todo o resto. As pessoas preferiram esquecer e não falar sobre o Bombardeio ou o tempo antes disso, decidiram que não ficariam mais lamentando o que perderam, o mundo que antes havia aqui, e as novas gerações sequer viveram antes da Nova Era, então o assunto foi ficando cada vez mais esquecido para que as pessoas pudessem viver sem ter de pensar que há dois séculos isso aqui onde estamos hoje era uma cidade cheia de pessoas e modernidade e vida. Tudo que devemos saber é que houve o Bombardeio e por isso os Reinos passaram a existir. Algumas tecnologias foram recuperadas, e vivemos com elas como podemos.

— Como, exatamente, aconteceu o Bombardeio?

— Não sei detalhes, mas foi uma guerra que durou dois anos. Bombas de proporções inimagináveis foram instaladas em todas as partes do mundo, e então foram acionadas ao mesmo tempo, matando milhões e destruindo tudo ao redor.

— Você sabe mais sobre o tipo de tecnologias que existiam antes do Bombardeio?

– A energia, por exemplo. Hoje em dia é algo difícil. Poucas pessoas possuem aparelhos como televisão, chuveiros, enfim. Se possuem não podem usar muito se não quiserem que o preço final venha um valor que apenas o rei poderia pagar, certo?

Assinto.

– As únicas coisas que não há problema em usar são telefones e lâmpadas. Antes da Nova Era não era assim, era fácil usar todas as coisas. As contas não eram tão caras, os aparelhos eram mais sofisticados e diferentes. Televisores estavam em quase todas as casas e as pessoas passavam até mesmo o dia inteiro assistindo seus programas favoritos.

Penso por um minuto, digerindo tudo que Rhys me contara, tudo que as pessoas decidiram esquecer.

— Parece que estamos falando de um futuro e não de um passado... — Murmuro.

— Sim. — Ele suspirou. — Lá dentro eles não falam sobre isso, não é?

— Não. — Balanço a cabeça. — Não, não falam. — Quando eu perguntava algo sobre a Miranda, ela apenas contava o básico que eu já sabia, e afirmava que era tudo que sabia também. — E como surgiram os Legionários?

— Acho que existimos desde que o Reino foi construído. Pelo que sei, nossos ancestrais não aceitava a tática do Reino de vivermos isolados por muros, esquecendo o passado e o que ele deveria nos ensinar. Então fugiram, e começaram a viver ao redor dos muros para buscar suprimentos lá dentro quando necessário. Não existia a divisão de territórios e grupos, éramos apenas um. Vivendo em cidades abandonadas e não muradas, sem hierarquia, sem líderes. Mas após alguns anos as coisas foram ficando muito desorganizadas e alguns agiam como se fossem donos das cidades em que estavam morando, a ganância de uns e a rebeldia de outros fez meus ancestrais verem que precisavam separar aqueles que não combinavam uns com os outros. Foram divididos os territórios e os grupos, e as regras foram criadas. Elegeram um líder para cada grupo para que esse assinasse as regras por seu povo e fosse o representante em caso de negociações e afins. O Norte ficou com o grupo mais rebelde, mas a tática deu certo durante muitos anos. Até que os Legionários do Norte começaram seus ataques aos demais grupos, porque foi o que menos progrediu, e não aceitavam isso. Queriam mais território e queriam que os outros grupos fossem tão improdutíveis quanto eles. Leste, Oeste e Sul tiveram então de fazer o que não queríamos desde o início: muros.

— Por que vocês e os outros grupos não se juntam para acharem uma solução? Afinal, você mesmo disse que o Norte quebrou muitas regras, deve haver alguma punição para isso.

— Ultimamente todos nós estamos quebrando regras, Chloe, todos os grupos deveriam enfrentar algum tipo de punição, sim. Mas nós não temos contato com Leste ou Oeste há muito tempo, e agora estamos enfrentando um problema muito maior que os ataques do Norte ou sua obsessão. Algo que poderia acabar com tudo, inclusive o Reino. — Enrijeci o corpo por instinto. Rhys balançou a cabeça, soltando um suspiro. — Não posso mais falar sobre isso, desculpe.

Assenti, embora eu ainda tivesse muitas perguntas. Mas estava grata por ele ter me dado algumas respostas e me contado coisas que eu não fazia ideia.

— Como é dividido os territórios? — Indaguei, não tão disposta a sair totalmente do assunto. Rhys se levantou, pegou um graveto e voltou a se sentar do meu lado, desenhando na areia. Ele fez um esboço de uma massa de terra e então a dividiu em quatro partes, deixando o meio, totalizando cinco. Dentro desse meio ele desenhou um círculo.

— Norte, Sul, Leste e Oeste. — Apontou ele com o graveto. — Chamamos o meio de Terras Neutras, que não pertence a nenhum grupo, e nessas Terras está o Reino. Como pode ver ele também toma um pedaço do Leste e do Sul. As fronteiras dos territórios acabam nas marcações, e chamamos aquelas terras depois delas de Selva e Além, nenhum território tem poder sobre elas também, nem mesmo o rei teria, elas estão fora dos limites dessa região.

— E para que lado fica os portões do Reino?

— Leste. — Rhys respondeu e se levantou. — Chega de perguntas por hoje, precisamos dormir para fazer uma mudança amanhã. — Ele me ofereceu a mão. Aceitei e não insisti mais na conversa.

***

Rhys e eu acordamos quase ao mesmo tempo com o barulho das pessoas que já desmontavam suas barracas. Nos sentamos e nos entreolhamos por um minuto inteiro, tentando realmente despertar. Ele sorriu de leve e afastou uma mecha de meu rosto, colocando atrás da orelha. Após semanas dormindo e acordando ao lado dele, minha vergonha de ser vista logo nos meus primeiros minutos após acordar foi se dissipando e eu já não me importava mais. Mas, bem, era tremendamente injusto que ele já acordasse tão lindo. Eu não podia negar que Rhys era a pessoa mais bonita que eu já tinha visto.

Nos levantamos e comemos no Pântano. Selena e Laurien me fizeram despedir da cozinha com elas jogando folhas secas nos balcões e no fogão a lenha.

— Essa cozinha não merece flores. — Selena respondera quando perguntei o motivo de jogar folha seca.

Então Rhys e eu voltamos a barraca prontos para desmontá-la.

No momento em que ele entrou para dobrar os cobertores meu coração ameaçou sair pela boca quando me lembrei de seu álbum de fotos que ainda estava ali. Com todos os treinos, informações, trabalho na cozinha e exaustão eu havia esquecido completamente dele. Tentei chamar Rhys para que deixasse que eu dobrasse tudo e assim pudesse tentar esconder o livro, mas já era tarde.

Ele agora saía da barraca segurando o álbum, foleando, a expressão... A mesma expressão que eu não via desde que tivemos uma longa trégua. E eu sabia que havia estragado tudo antes de ele falar:

— Por que roubou isso? — Sua voz estava pesada e o meu pulso acelerado. Eu não fazia ideia de como me desculpar por ter invadido sua privacidade daquela forma, mas eu sabia que precisava de alguma coisa porque eu não queria perder sua amizade.

— Eu não roubei...

— Então por que está nas coisas? — Ele olhou para mim, finalmente. Não pude evitar encolher o corpo diante daquele olhar de fúria e decepção.

— Eu não quis... — Não consegui continuar, porque eu não sabia o que dizer. — Me desculpe.

Rhys não disse nada por alguns longos e torturantes segundos, então ele apenas fechou o livro e os olhos, respirando fundo.

— Saia daqui. — Ordenou. Eu pensei em retrucar, em ficar e tentar explicar, mas eu assenti e comecei a me afastar.

— Me desculpe. — Murmurei de novo, antes de me afastar.

Eu conversaria com ele mais tarde e tentaria explicar de qualquer forma que fosse, mas eu daria o tempo que ele precisasse para pensar. Pela forma como ele olhou para as fotos estava claro que ele não as via já havia algum tempo, e talvez não quisesse voltar a ver tão cedo. E eu havia me metido nisso, em coisas dele, em coisas que obviamente não eram da minha conta, e eu estava errada, e pediria desculpas de novo quando estivéssemos em Nevra. Esperava que a caminhada até lá o fizesse espairecer.

— Chloe? — Me viro a tempo de ver Patrick vindo na minha direção. — Você está bem? — Perguntou quando me alcançou, parecendo realmente preocupado e eu sorri fraco enquanto seguíamos a trilha que nos levaria para Nevra.

— Sim. Sim, estou bem. Estou animada para conhecer o lugar. — Forcei um sorriso convincente e ele assentiu, sorrindo também.

— Você vai gostar, garanto que as casas são bem mais confortáveis que as barracas.

— Suponho que sim. — Rimos um pouco.

— Tenho que andar mais adiante para cobrir os outros. Meu irmão deve estar por aqui logo, não se preocupe. Tome. — Ele me ofereceu uma bolsa de couro em que havia frutas e água. Sorri.

— Obrigada.

— São pouco mais de duas horas de caminhada. Continue seguindo a fila — Ele apontou a fileira enorme de pessoas a nossa frente. Era impossível ver onde aquela fila começava. — e não irá se perder.

Assenti e observei enquanto ele se afastava, e então voltei a me afundar nos pensamentos sobre Rhys.

Ele teria de me perdoar, decidi. Ele havia feito muito pior comigo, ele me sequestrara, e ainda assim eu o perdoara.

Após um mês naquela floresta eu confessava que perdoara Rhys totalmente pelo que fizera.

E por mais insano que parecesse, havia dias que eu quase agradecia mentalmente por ele ter me tirado daquele castelo.

***

Meu casaco estava preso a cintura e meu corpo inteiro suava quando finalmente chegamos aos portões de Nevra. Toda a área era murada pelo que parecia telhas de alumínio, tábuas de madeira espessa e até mesmo pedras de ardósia, além de outros materiais do tipo. Os portões eram feitos também de madeira espessa que parecia muito pesada. O muro era alto e possuía alguns carros empilhados para ajudar no seu tamanho e segurança.

Entrei atrás da fileira de pessoas vendo a rua asfaltada, porém esburacada e velha. Haviam várias casas. Eram velhas e abandonadas, como Rhys dissera. As janelas de vidro quebradas e poeira no chão de cada uma, mas dava para ver que tentaram organizar o máximo que puderam para nos receber.

As casas de Nevra não eram como hoje, no Reino: quadradas, com paredes em um tom marrom lama ou laranja, e janelas com grade. Não. Essas eram de diversas cores, tinham um formato um quadricular com o telhado triangular e até mesmo as portas eram diferentes. Haviam varandas com escadinhas de entrada. Eram bem mais agradáveis do que as atuais, mesmo que com tantos sinais do tempo.

– Chloe. – Peter chama, acenando perto do final de uma das ruas, enquanto mais pessoas chegavam e admiravam e se dispersavam. Enrolei os cabelos em um coque improvisado e me aproximei dele. – São quatro quarteirões, todos com casas desocupadas e boas para morar com nossa ajuda técnica. – Ele pisca e eu sorrio. – Rhys separou uma só para você. Venha, vou te levar.

O sigo sem dizer uma palavra. Não quando o ouvi dizer que Rhys havia separado uma casa para mim.

Peter e eu fomos até a última rua e andamos até o meio dessa. As ruas se seguiam uma atrás das outras, e enquanto o terreno onde estava o portão era plano, à medida que seguíamos até a extremidade contrária a ele as ruas iam se tornando um morro.

O gêmeo apontou para uma casa cinza de porta branca. Havia uma pequena varanda de madeira e escadinha antes da entrada. Os vidros da janela estavam trincados, mas já era uma tremenda surpresa que estivessem ali. A casa possuía dois andares e era extremamente conservada pela idade.

— E então? — Instigou Peter e eu olhei para ele, sorrindo.

— É linda. Nunca tinha visto casas assim. — Voltei a olhar para a construção. Ela, de fato, não se parecia com nada que eu já tivesse visto no Reino.

— Deduzi que não. — Peter sorriu e então gesticulou para a casa bege em frente à minha. Eram quase idênticas. — Rhys ficou com aquela. — Contou, e eu apenas assenti uma vez. Me perguntei se Rhys acabaria se mudando para uma rua mais longe depois da nossa discussão. – A comida será servida na última casa da rua de entrada todos os dias, mesmo horário.

— Tudo bem.

— Dentro da sua casa estão algumas caixas com roupas que agora são totalmente suas e outras coisas mais para que organize como quiser. Está um pouco bagunçada, mas você pode ocupar o tempo arrumando do seu jeito, e mais tarde vamos deixar mais caixas na sua porta. Há um chuveiro no banheiro. Ele não funciona para esquentar a água, mas você já deve estar acostumada com a água fria. — Arqueio as sobrancelhas, surpresa por haver um chuveiro com água ali.

— Sim, não é um problema. — Sorrio e ele assente.

– Tenho que ir, espero que goste da casa e pode procurar á mim ou meu irmão se precisar de alguma coisa.

— Obrigada, Peter. — Sorrio e observo ele se afastar.

Então volto a encarar a casa, mais empolgada do que achei que estaria, e subi as escadas da varandinha. A madeira velha rangeu com o peso e me perguntei se ela não acabaria quebrando, mas então notei pela diferença de padrões que eles haviam trocado as que estavam mais desgastadas. Agora eu entendia por que levamos tanto tempo para nos mudarmos.

Abro a porta branca olhando atentamente ao redor. Havia móveis velhos, porém bem conservados e até mesmo um sofá na sala espaçosa. As paredes eram em tom de creme, mas estavam desgastadas e manchadas. Na cozinha havia apenas uma pia e uma bancada e imaginei que, de fato, não precisava de mais nada já que não faríamos as refeições em nossas próprias casas. O banheiro era comum com azulejos azuis e brancos, embora a maioria estivesse quebrado ou rachado. Subindo os degraus da escada de madeira — assim como todos os pisos da casa — encontrei um pequeno corredor com três portas. Uma delas dava para outro banheiro, mas sem chuveiro dessa vez. A outra era a entrada de um cômodo completamente vazio, e decidi deixar aquela porta fechada já que o pequeno quarto tinha mal cheiro, como se estivesse fechado há tantos anos que as próprias paredes começavam a se decompor. Bom, havia grandes chances de eu estar certa.

E a última porta dava em meu novo quarto. Não pude evitar soltar um suspiro aliviado ao ver um colchão sobre a cama de casal. Fazia um mês que não me deitava em um e não podia negar que sentia falta. Uma estante com alguns livros ocupava uma das paredes rosada. Um rosa tão claro que quase chegava ao branco, e com manchas amarelas em todas os cantos. Um guarda roupa grande de madeira ocupava metade da outra parede de frente para cama. Algumas caixas estavam no chão e me abaixei para conferir o conteúdo delas.

Exceto por um lindo casaco alongado até o joelho azul marinho e duas regatas brancas; todas as outras roupas eram pretas. Aproveitei para arrumá-las no guarda roupa para ocupar meu tempo, como Peter sugerira. Na outra caixa encontrei meias de lá e crochê, além de três botas. Uma delas era marrom e chegava abaixo do joelho, idêntica à que eu agora usava; a outra era preta do mesmo tamanho e a última era um pouco mais curta, chegando apenas até o tornozelo, também preta.

Na última caixa encontrei bainhas de espadas, cinto de couro para acomodar adagas e coldres de perna. Eu treinava com Rhys e os gêmeos, mas nunca ficava com nenhum tipo de arma após os treinos, então supus que deixaram aquela caixa ali por engano e não a desfiz, deixando ao pé da cama para me lembrar de devolver depois.

Desamarrei o casaco da cintura e o vesti quando um vento frio passou pela janela, agitando as cortinas brancas que pareciam as coisas mais novas do lugar. Escolhi um livro na estante e tirei as botas, me deitando na cama e puxando os cobertores. Disse à mim mesma que ficaria atenta a qualquer barulho na casa da frente enquanto lia.

Mas... acabei perdendo a noção do tempo.

Quando dei por mim já escurecia, embora um brilho viesse do lado de fora, como lâmpadas estivessem acesas. Fechei o livro e me levantei, indo até o interruptor ao lado da porta, apenas para testar se a lâmpada se acenderia. E, para minha verdadeira surpresa, ela acendeu. Deduzi que eles haviam encontrado uma forma de conciliar energia solar para aquele lugar.

Apertei o casaco ao redor do corpo quando um vento frio invadiu o quarto e fui até a janela com intenção de fechá-la, mas me detenho quando encontro as luzes da casa de Rhys acesas do outro lado da rua.

Não ia esperar mais, decidi enquanto calçava as botas depressa, eu falaria e me desculparia com ele naquele momento.

Desço as escadas correndo e saio batendo em uma montanha de caixas deixadas na porta de casa. Praguejo baixo enquanto avanço, atravessando a rua e parando em frente a porta. Bato forte algumas vezes, mas não ouço nenhuma movimentação vinda do lado de dentro. Espio pela janela da sala que também possui um vidro rachado; mas tudo parece quieto demais.

Ele já teria saído novamente e eu não escutara nada?

Decidida a não adiar mais aquela conversa me sento em frente a porta, apertando ainda mais o casaco diante dos ventos frios do outono, e recosto minha cabeça na madeira atrás de mim. Rhys deveria voltar logo, e dessa vez eu conseguiria não só ouvir como também ver o momento que ele chegasse, e não perderia tempo correndo da minha casa até a dele. Tempo esse que ele poderia usar para trancar a porta e se recusar a falar comigo. Eu não duvidava que ele faria algo do tipo.

Mas a exaustão da semana de treinos pesados, as horas de caminhada e leitura se chocam contra meu corpo e olhos à medida que os minutos vão passando. Perco a batalha contra o sono e adormeço ainda encostada na porta.

***

— Ficou maluca?

Abro os olhos com dificuldade enquanto sinto meu corpo ser levemente balançado. Olho para Rhys confusa. Ele estava agachado na minha frente, retirando seu casaco e envolvendo meus ombros com o mesmo, esfregando meus braços em um vai-e-vem. Apenas quando senti o calor daquele gesto percebi que eu estava tremendo de frio.

— O que estava pensando? Você estava quase congelando, Chloe! — Ele estava nervoso, mas havia preocupação em sua expressão. Só então percebi que ainda estava sentada no chão de sua varanda. Não havia notado que tinha adormecido ali mesmo.

— E-estava te esperando. — Murmurei com os dentes se chocando pelo frio.

Um vento gelado por nós e Rhys estremeceu levemente agora que estava sem casaco. Comecei a puxar o casaco para lhe devolver, mas ele foi mais rápido, o apertando ao redor do meu corpo e me envolvendo para me levantar no colo. Não protestei. Não quando eu sentia falta de seu toque ou quando seu calor me aqueceu. Ele atravessou a rua depressa, chutando a minha porta para que esta se abrisse, e fechando-a com outro chute quando já estávamos do lado de dentro. A casa estava quente e confortável. Rhys não falou nada enquanto subia as escadas e me colocava sentada na cama, se afastando logo em seguida para fechar a janela. Puxei seu casaco e lhe entreguei quando ele terminou de fechar as cortinas.

— Poderia ter tido uma hipotermia. — Falou ele com o tom seco, mas ainda assim preocupado, enquanto vestia seu casaco. Ele se aproximou e colocou as costas da mão na minha testa, como se medindo a temperatura, e meu corpo inteiro se arrepiou com seu toque. Eu estava quieta, ainda pensando no que dizer. — Deite-se e se cubra. As garotas fizeram sopa, vou buscar uma tigela para você.

Ele se afastou e começou a caminhar para a porta, parecendo desesperado para sair de perto de mim.

— Rhys. — Chamei e ele parou. Minha voz não passava de um sussurro baixo. Ele não se virou quando falei: — Eu ia devolver.

— Eu sei.

— Não quis te chatear.

— Eu sei. — Repetiu em um sussurro, voltando a se aproximar de mim e se agachando na minha frente novamente. Ele pegou minha mão gelada e a segurou por um segundo, dividindo seu calor. Ele então levantou o olhar, me encarando, e senti todo meu corpo se arrepiar e meu estômago flutuar.

— Me desculpe. — Murmurei, ainda presa em seus olhos.

Ele não disse nada, apenas voltou a se levantar e depositou um beijo suave em minha testa. Meu corpo parecia prestes a entrar em combustão quando seus lábios tocaram minha pele.

— Deite-se. — Ordenou ele quando se afastou e voltou a caminhar até a porta. — Vou deixar a tigela de sopa na cozinha.

E saiu.

Continue Reading

You'll Also Like

70.7K 7.6K 21
*VENCEDOR DO WATTYS 2021* Olívia nunca esperava ser diagnosticada com uma doença cardíaca aos 17 anos, muito menos que seu namorado pudesse salvar a...
817 79 38
Olá! Caro(a) leitor ,escrevo esse livro para demonstrar o tão grande amor que sinto pela a poesia e os versos. E te convido a dar uma olhadinha nos t...
93.2K 3.4K 43
𝑆𝑛 𝑛𝑜 𝑚𝑢𝑛𝑑𝑜 𝑑𝑒 𝑱𝑱𝑲, 𝐵𝑜𝑎 𝑙𝑒𝑖𝑡𝑢𝑟𝑎ఌ︎ 𝑷𝒆𝒅𝒊𝒅𝒐𝒔 𝒂𝒃𝒆𝒓𝒕𝒐𝒔 (✓) _ _ 𝑇𝑒𝑟𝑎́ 𝑣𝑒𝑧 𝑒 𝑜𝑢𝑡𝑟𝑎 𝐻𝑜𝑡 𝑜𝑢 𝑚𝑖𝑛𝑖 ℎ...
1.8K 364 26
Uma data uma história uma vida e um passado. Será que amor é capaz de durar mesmo após a morte? capa feita por :@SarahStaichok