Não me TOC [COMPLETO]

By MadduNyah

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Adams Sales é um renomado modelo da grande São Paulo, filho de um dos principais nomes da indústria da moda... More

Aviso de Gatilho - CVV [Importante]
Capítulo 1 - Não me VEJA
Capítulo 2 - Não me LEMBRE
Capítulo 3 - Não me DESCUBRA
Capítulo 4 - Não me ESQUEÇA
Capítulo 5 - Não me AME
Capítulo 6 - Não me CONTE
I - Divórcio (Especial de 5k)
Capítulo 7 - Não me DEIXE
Capítulo 8 - Não me ABANDONE
Capítulo 9 - Não me CHAME
Capítulo 10 - Não me QUESTIONE
Capítulo 11 - Não me SALVE
Capítulo 13 - Não me PROTEJA
II - Matrimônio
Capítulo 14 - Não me ESCONDA
Capítulo 15 - Não me OLHE
Capítulo 16 - Não me JULGUE
Capítulo 17 - Não me PARABENIZE
Capítulo 18 - Não me ASSOMBRE
Capítulo 19 - Não me DIGA
Capítulo 20 (Parte 1) - Não me CULPE
Capítulo 20 (Parte 2) - Não nos CULPE
Extra de 11K!
Capítulo 21 (FINAL) - Não me TOQUE
Agradecimentos
LIVRO FÍSICO - Apenas viva sem Mim + DESCONTO
Olá, eu sou a Madu! + FÍSICO

Capítulo 12 - Não me ALEGRE

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By MadduNyah

AVISO DE GATILHO.
O capítulo a seguir conta com cenas passadas em hospitais, após o acontecimento do passado, podendo gerar crises.
Por favor, leiam com cuidado e tenham consciência de seus limites.

Obrigada pela atenção,
Boa Leitura!

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Ele é meu único filho!

Uma voz feminina gritou e, embora Adams tenha escutado, não foi capaz de reconhecer a importância daquelas palavras inicialmente. A vida o fez esquecer o que elas queriam dizer, o que elas procuravam expressar. É claro que buscou em sua memória o significado de cada uma delas, como se fosse o próprio dicionário, porém, logo chegou à conclusão que, se realmente fosse um dicionário, estaria em branco, ou então teria derramado vinho por cima de suas páginas, porque tudo que enxergava era um borrão negro.

Sua mente estava vazia, deslocada, pichada.

Suja.

Você não tem o direito de pedir para que eu vá embora.

Permaneceu escutando a conversa, mesmo que um pouco tonto. Em seguida, reparou que não era a mulher que estava gritando e sim o ambiente que estava extremamente silencioso, o seu cérebro também já não recebia mais os fluxos apressados de ideias e a combinação dos fatores acima o permitia focar no exterior.

Piscou, porque a luz incomodava.

As memórias eram desconexas entre si, vinham e partiam de maneira não-linear, deixando-o confuso.

Primeiro, via o rosto estável de uma mulher uns vinte anos mais velha. A imagem parecia fotográfica: o cabelo desarrumado, a face cansada e as linhas de expressão marcadas. Poderia ver essas coisas como se fosse uma capa de revista, sem ser capaz de enxergar mudança ou movimento.

Após, foi atingido por uma onda composta por algo que arranhava cada parte do interior de sua garganta, a sua boca tentava desesperadamente soltar algum som, contudo nada acontecia — a não ser um espasmo que percorria cada milímetro de sua existência. Aquela terrível sensação retornou como se fosse um choque, quis tocar em seu pescoço, na tentativa de conferir se ele ainda estava intacto, todavia não conseguia levantar a mão.

— Acalme-se, rapaz. — A mulher agia como se fosse um procedimento comum. Sua boca não se movia, ou ele não a via se mover. — Não está doendo tanto, é só impressão.

A impressão parecia muito real naquele exato momento.

Coçava, incomodava, e o moreno conhecia bem a sensação. Podia sentir ainda no presente. Como se retornasse no tempo, sentiu seu corpo ser inundado por chamas, o momento que chegou no hospital em um carro que também não conseguia enxergar. Tentou, de forma fracassada, definir como tinha andado até a recepção — assim como o carro, o rosto de quem havia o levado era apenas um borrão.

Tudo podia ser definido como um misto de toques e vibrações.

A sua boca coçava, estava desesperadamente tentando puxar oxigênio e este parecia inexistente, pois nada chegava ao seu pulmão de forma suficiente para minimizar a angústia e por mais que tossisse desesperadamente, a sensação de ser incapaz começava a dominar cada parte dele. Não conseguia ao menos definir suas roupas no momento, tudo que via era o vazio. Eram memórias de dentro, sentimentos, impressões, cores aleatórias — vermelho, marrom, preto e cor de sujeira.

Recordou uma cadeira de rodas, mas não conseguiu determinar em que tempo foi isso — ainda estava pensando no hoje, ou voltou para o ontem? Presente ou passado? Primeira ou última vez? Os tempos mesclavam, criando um universo em que a palavra relógio era inutilizável.

Não existia nada, além do cheiro de hospital, pairando em sua consciência.

Uma parte de si achava injusto que estivesse em um local em que as pessoas imploram para viver. Era injusto que ele não implorasse para viver — que não quisesse viver.

Buscou alguma coisa, qualquer coisa, que preenchesse as lacunas. Uma parte do percurso, um rosto familiar ou uma voz, não conseguiu. As imagens chegavam distorcidas, cansadas, arrastadas, assim como os seus passos.

Frias, como sua pele.

Sonolentas, como seu estado.

Pelo excesso de vezes que piscava, comparou as luzes aos flashes das câmeras, como se estivesse em um ensaio — a vida era os fotógrafos —, assim como em seu trabalho, o resultado final parecia manipulado, sem sentido, sem veracidade. Como se tudo fosse o cenário de uma peça. Seus olhos ardiam bastante e estavam quase que fechados por conta da irritação, porém ambos continuavam se esforçando para manter o corpo que habitavam acordado — sabiam que se fechassem, apenas por alguns segundos, o dono voltaria a dormir.

Até que não aguentaram mais.

Sua cabeça, mesmo que encostada na maca, pesava como se estivesse sendo empurrada contra um chão de concreto. A saliva se concentrava no fundo de seu pescoço e, quando a engoliu, foi como se o ácido estivesse ali novamente, corroendo. Como se sua garganta fosse fina demais para suportar a passagem de qualquer coisa.

Escutou a mulher falar de novo e de novo, voltou a procurar alguma coisa que o fizesse relembrar porque estava tão preocupado com o que ela dizia — ou com quem era. Não conseguia entender porque estava prestando tanta atenção naquelas palavras, em vez de apenas compreender o que passava consigo.

Por favor, me deixa ficar com a minha criança.

Então, como se entrasse em um túnel, voltou aos nove anos e tudo ficou mais claro. Estava internado, havia pegado uma virose forte ao brincar na chuva, sua mãe estava ao seu lado, dizendo que tudo iria ficar bem. Aquela mulher o levava de volta a uma memória feliz, por isso, se apegou tanto a ela.

Porque ela era uma mãe.

Porque todos que estavam ali deveriam ter uma mãe — ou, já tiveram.

É claro, ele também teve uma. Todavia fazia tanto tempo e foi um choque tão grande quando a perdeu, que simplesmente preferiu esquecer da existência e do significado daquela palavra — e de todas que se interligavam a ela.

Quando abriu os olhos novamente, já não se recordava da voz da mulher ou de suas palavras, embora soubesse que alguma coisa estava faltando. Parecia que estava acordando de um sono e as memórias anteriores eram um sonho, no entanto ainda se encontrava na maca, ainda se encontrava sentindo o que deveria ser a sonda nasogástrica e, é claro, ainda se encontrava em problemas com o que era realidade ou não.

No entanto, ao olhar para o lado, não encontrou ninguém.

Porque ainda se encontrava sozinho.

(...)

Não conseguia dizer quanto tempo se passava entre o abrir e o fechar de seus olhos, às vezes, sentia que apenas tinha piscado, mas, quando os abria, não se lembrava do que tinha pensado ao fechar. Em uma dessas vezes, olhou para o lado e viu a figura masculina o observando, sentado em um banco e encostando as costas na divisória de PVC — visivelmente desconfortável.

A pele negra, o cabelo curto indo em estilo degradê até a nuca — que mesmo comum combinava com os traços fortes — e a expressão corporal leve. A primeira coisa que pensou foi uma palavra feia, a segunda também. De todos, o agente era quem o modelo menos queria ver, era quem menos queria que o visse dessa forma.

— Ei — sussurrou, a sensação da garganta inchada ainda incomodava um pouco, junto com a dormência na boca, parecia que a sonda estava lá, e talvez estivesse. Não tinha certeza de como ocorreu na última vez que acabou sendo internado, não era o tipo de memória que costumava guardar.

Apesar do desconforto, conseguiu falar, mesmo que quase nada. Mesmo que apenas um sussurro.

— Olá de novo.

— De novo?

Falava com o canto direito da boca, deixando o ar e as palavras saírem junto com os sons. Uma sílaba por vez, pronunciar o que pensava já não parecia um pesadelo como em suas lembranças anteriores — não estava em chamas e nada o corroía —, contudo ainda não era tão simples quanto deveria. De certo modo, o ambiente pareceu menos perturbador quando escutou sua própria voz, como se isso fosse uma vitória — e era.

— Você já me disse oi cinco vezes, Adams. Não lembra?

Fez que não com a cabeça, ou tentou, porque não tinha muito controle sobre seu corpo — estava meio que anestesiado. Metade do seu corpo estava dolorida e a outra metade, entorpecida.

— Ah, você é um garoto muito mal-agradecido, que ingrato — reclamou, virando o rosto.

Adams soltou um olhar de confusão, tentando juntar a figura do homem a suas lembranças, tinha certeza que estava sozinho na última vez que abriu os olhos. Todavia, também tinha certeza que essa era a primeira vez que falava, então, não poderia confirmar nada. Por alguns instantes, lembrou da cor preta em sua casa, assim como a blusa que o rapaz vestia. Não foi como um tiro, as coisas não foram rápidas, estava tudo nublado e lento ainda.

Pelo menos, agora sabia quem o tinha levado.

— Foi mal.

E o agente riu, incrédulo.

— Eu estava brincando, garoto — declarou, como se aquilo fosse óbvio. Talvez, em uma situação normal, o menino conseguisse distinguir a brincadeira da realidade, mas estava tonto demais para isso. Soltou um ah, como se tudo fizesse mais sentido, embora não fizesse. — Quer saber? Vamos tentar de novo, volte a dormir e acorde novamente.

Agora sim, era uma brincadeira.

Estava em um hospital, em uma maca, morrendo de medo de receber uma internação involuntária e tinha certeza que, no mínimo, ficaria preso em consultas com psicólogos e psiquiatras novamente, ficaria preso em receitas de caligrafias feias e medicamentos que acabavam com seu corpo. Só uma pessoa de muito bom humor conseguiria pensar em fazer uma piada em uma situação como essa, por isso, tentou soltar um leve riso de agrado. O agente estava se esforçando, precisava se esforçar também.

Fechou os olhos por alguns segundos, o que não era uma tarefa difícil, quando o abriu — e isso foi difícil —, sussurrou da mesma forma uma monossílaba qualquer, dado que não se recordava mais qual a que tinha usado anteriormente.

Oi, sua voz soltou, dessa vez, com mais facilidade. Lucas sorriu, como se não acreditasse que tinha feito mesmo aquilo.

De novo? Forçou o tom, não era uma boa ideia ter uma crise de risos em um ambiente como aquele, certamente o expulsariam. Não se deve sorrir quando as pessoas estão internadas por tentar suicídio, principalmente se a pessoa em questão for um cliente e pagar o suficiente para não precisar de outros. Para ser realista, Lucas não conhecia muito bem os pensamentos do mais novo. Trabalhavam juntos há anos, se fossem contar, entretanto, descobririam que conversaram por um período de dias.

Ambos sorriram de forma agradável, Adams fechou os olhos. Algo disse ao mais velho que ele não iria abrir tão breve. Observou os traços finos, contrastantes quando colocados ao lado dos seus e de outros da sua idade. Parecia uma criança, apesar de ter quase 25 anos, essa era mais uma das múltiplas coisas que não entendia.

Sabia de diversas coisas superficiais sobre Adams, sabia que não gostava de beber, fumar, usar drogas, se envolver em escândalos amorosos — embora tivesse suspeita que namorasse escondido — ou qualquer outra coisa que prejudicasse sua imagem. Ao mesmo tempo, não era capaz de explicar a razão para nenhuma dessas proibições — imaginava que fosse algo relacionado a um contrato, mas nunca teve coragem de perguntar.

Igualmente, conhecia os horários rígidos do menino. Não se atrasava, raramente adiava ensaios, em termos profissionais, Adams era um modelo ideal. Tinha nome, uma carreira estável, um bom portfólio e um ótimo relacionamento com as câmeras. Os rumores que circulavam em volta de sua carreira não eram suficientes para ocasionar prejuízos — o que importava a opinião de alguns fotógrafos sobre o filho do dono de uma das maiores indústrias de moda do país?

Não, era tão adaptável quanto a moda, todo escândalo — todo problema — que surgia em seu meio, dava um jeito de contornar e se sair como melhor. Colocava uma cara bonita, tirava algumas fotos, fazia um texto com palavras de superação — se não fosse tão antissocial, poderia perfeitamente virar ator.

Também, não fazia sentido um príncipe sair de seu palácio, certo? A indústria Sales era praticamente um império, surgiu do nada, se transformou rapidamente e foi passando de geração em geração. Começou com uma pequena boutique, conquistando os ricos da cidade e vendendo algumas peças de roupas que confeccionavam, nada de anormal. Depois, como em um raio, passou a revender nomes famosos, focando-se mais em repassar artigos de luxo à classe alta do que em criar as próprias peças. Quando Henrique — o pai de Adams — começou a administrar, as coisas se misturaram. O homem realizou diversas mudanças em sua gestão e uma delas foi a contratação de alguns estilistas mais jovens, na esperança de reafirmar as origens da loja e criar uma identidade própria à marca — também poder crescer e lucrar, obviamente. Voltou do exterior com novas ideias, com novos projetos, queria fazer algo diferente e aumentar os negócios. Queria chegar ao topo.

Por que deveriam focar apenas em vender o que os outros fazem, quando podiam produzir? Por que focar em apenas uma área, quando existem várias?

Para muitos — isso incluía Lucas, em determinado momento do passado —, Henrique era uma pessoa exemplar, um revolucionário naquele meio, alguém com coragem e inteligência para não apenas manter o que recebeu, como também transformar e expandir. Ainda assim, todas as vezes que mencionava o nome na frente de Adams, suas convicções se abalavam.

Existia orgulho no olhar do modelo, é claro.

Apesar disso, sempre vinha misturado com algo estranho, algo que Lucas odiava admitir que era nítido. O orgulho era uma gota em um oceano de medo, um pingo de tinta branca dissipada em um quadro pintado de preto. A pessoa que muitos levavam como exemplo parecia diferente na voz do filho dela, era como se fosse distante, incoerente. Como alguém que administrou uma empresa tão bem, criou uma criança tão falha?

Inicialmente, não entendia o problema do jovem que estava sempre fugindo das festas, escapando do conjunto de pessoas e não gostava de sair socialmente — Lucas acabou por começar a acreditar nos rumores de que era apenas um garoto mimado, boçal, grosso e prepotente que conhecia o seu lugar no topo.

Até que notou que o comportamento não era algo com ele ou com os outros, Adams se portava da mesma maneira com todos, como se tivesse criado uma bolha e se fechado, sozinho. Mesmo com as frequentes atualizações nas redes sociais, mesmo com os elogios de todos, mesmo com todo o dinheiro e beleza que alguém poderia pedir...

Mesmo com tudo aquilo, Adams permanecia sozinho. Não conseguiu odiar o modelo depois de perceber isso — a vida dele já não parecia tão resplendorosa.

É claro, ninguém obrigou o negro a ficar preso com ninguém. Poderia abandonar o emprego e seguir sua carreira com modelos novos, aceitando empregos em agências que vez ou outra o chamava, já tinha criado ligações e contatos o suficiente para isso, só que algo o impedia. Procurou ser o agente de Adams por Henrique, contudo tinha se ligado ao filho dele. Obviamente, não chegou ao ponto de ter a escolha de trabalhar com apenas uma pessoa rapidamente, a indústria da moda não gostava de pessoas negras, claro que ele era obrigado a contornar isso com bom humor, sabia que nunca seria um modelo — nunca quis ser, também —, todavia todos pareciam querer sempre relembrar que aquele não era o seu lugar.

Apenas tire as fotos, disse uma vez quando um fotógrafo brincou com maldade sobre o seu novo corte de cabelo, por mais que depois de um tempo, acabe se acostumando com a dor para que ela pare de arder, o ferimento ainda continua lá, exposto. No dia, imaginou que seria demitido, mas Adams não ligou para o que estava acontecendo — aparentemente, não gostava do fotógrafo de qualquer modo.

Uma parte de si quis acreditar que aquela criança era indiferente a tudo e a todos, só que a outra não conseguia entender nenhum dos comportamentos expressados a todo momento.

Procurou agenciar Adams porque queria conhecer um pouco da pessoa brilhante que Henrique parecia ser e porque enxergava no filho, o pai. Henrique não estava mais naquele mundo, a indústria Sales era regida por investidores e outros administradores, não demorou muito para entender que o garoto não era capaz de direcionar a empresa como Lucas imaginou que seria, mesmo assim, algo o pediu para que ficasse. Era um trabalho bom, as pessoas — pouco a pouco — pararam de fazer piada com a cor de sua pele e lhe pagavam bem, não existia motivos para fugir.

Em qualquer profissão, encontraria o racismo. Pelo menos, naquela, as pessoas estavam sendo obrigadas — por algum motivo — a esconderem o seu. A ideia do amem o seu corpo começava a se expandir, só que na prática, os brancos, magros e jovens ainda eram os mais cotados, na prática, poderia ser diferente em uma coisa — se fosse igual em todo o resto.

Quando Adams foi internado pela primeira vez desde que começaram a trabalhar juntos, o desespero realmente invadiu o seu corpo. Um modelo cometendo suicídio enquanto estava sob sua responsabilidade seria algo péssimo — tanto para sua carreira, quanto para seu emocional. Chegando no hospital, estava em um misto de medo e raiva, culpa e rancor, não entendia o que tinha dado errado na relação entre os dois. Foi nesse dia que conheceu — pessoalmente — Marina. Sapatos rosa combinando com a blusa florida, o cabelo abaixo do ombro em degradê, não era extremamente bonita como os olhos de Adams a fazia parecer, seu nariz era um pouco desigual e as pontas rosas estavam ressecadas, além de que, para uma estilista, o gosto para moda também era bem monótono.

Admitia que tinha se decepcionado de primeira, até então, tudo que escutava sobre a menina era alguns comentários sobre um possível relacionamento com o seu cliente, sendo ela casada, imaginou que deveria ter alguma coisa muito especial para fazer que Adams arriscasse sua imagem para ficar junto dela. A situação ficou ainda mais estranha quando percebeu que o acompanhava de maneira singela — e o rapaz de luvas parecia tão natural, que o agente não entendeu o que estava se passando. Por que uma mulher, casada, estava ao lado do ex-namorado em um hospital? A estilista explicou por cima o que aconteceu — enquanto se embolava um pouco com o que deveria ou não falar —, quando Lucas a perguntou o que tinha levado o menino a fazer algo como aquilo, a maneira que os olhos dela se fecharam e o nome Henrique sendo citado o fez compreender muita coisa — e nada, ao mesmo instante.

De alguma forma, tudo que conhecia era falso.

Marina o disse que talvez devesse perguntar a Adams sobre seus motivos, contudo ele apenas usou termos genéricos e fugiu da questão paterna. Em seguida, como se estivesse profundamente ofendida pela forma que ele pronunciou a palavra família para falar do pai, a garota saiu da sala e não retornou. Existia um segredo compartilhado entre um pequeno grupo de pessoas, Lucas desejou fazer parte dele — porque, por algum motivo, sentiu que muita coisa que imaginava era uma grande mentira.

Desse dia em diante, algumas vezes, Marina o ligava perguntando sobre o modelo — o agente perguntou uma vez se eles tinham algum relacionamento e ela negou firmemente, mostrando a aliança e afirmando que não entendia qual o problema em ser amiga do rapaz, principalmente quando se conheciam há tanto tempo e trabalhavam juntos.

O problema, ele queria explicar, é que você parece mais preocupada com Adams do que o próprio Adams. Completaria, se isso não custasse seu emprego. Outras vezes, a menina do Rosa apenas pedia que pegasse leve e reclamava sobre o peso instável do amigo, perguntando se Lucas estava ao menos obrigando-o a ir às consultas de rotina.

Obviamente, não estava. Tentava explicar que era impossível obrigar uma pessoa como Adams a fazer qualquer coisa. Além de tudo, por mais que o garoto fosse, não podia dizer com certeza se estava ou não seguindo as ordens médicas. Escutava apenas um bufo do outro lado da linha, seguido de uma crítica sobre sua irresponsabilidade.

Mesmo assim, sempre finalizava a ligação da mesma forma.

De toda forma, sei o quanto Adams é difícil de lidar. Obrigada por cuidar dele.

Em uma coisa não discordavam: Adams, definitivamente, era difícil de lidar.

Depois de um tempo, foi Sofia que passou a ligar mais frequentemente — diferente de Marina, essa ele não poderia ignorar e tratar os assuntos por mensagens.

Sofia era uma das mais antigas na agência, foi responsável por diversas linhas famosas que eles lançaram no mercado e ao contrário de muitos, tinha um contrato aberto — Lucas era proibido de agenciar outros modelos, ao contrário da mulher, que trabalhava quando queria e com quem desejava —, uma vez perguntou sobre Henrique à mais velha e sua reação foi a mesma que os outros dois.

Palavras fugitivas, como se também participasse da organização secreta — pelo menos, foi sincera. Disse que alguns segredos não eram do interesse dele e que, assim como todos daquela indústria, não gostava de intrometidos.

Seu trabalho é cuidar de Adams, por favor, foque-se nisso. Respondia sempre, era visível o carinho que nutria pelo menino — e como era próxima dele. Era uma das poucas que ele via conversando abertamente com o mais novo, até mesmo o abraçando — então, Adams reclamaria e faria uma cara de susto, ela o mandaria deixar de ser chato e procurar um médico. Ele a diria que ela é dura demais. Ambos pareciam ter uma boa relação, até um pouco invejável.

Foi Sofia que o ligou na tarde do dia 23, desesperada, implorando para que fosse à casa do modelo. Havia feito isso antes, quando não conseguia contato ou apenas queria informações extras, pedia para que passasse de surpresa na vila e fizesse uma visita, garantindo que não perderia seu emprego — Lucas não admitiria em voz alta, porque isso custaria caro, mas gostava da forma como o garoto parecia menos artificial e ficava irritado, quase sempre o expulsando no final.

Sem luvas, sem gentileza forçada, sem permitir que adentre em seu lugar.

Em algum momento, por alguma razão, Sofia o entregou uma chave reserva do apartamento branco — ele não ousou perguntar como conseguiu aquela cópia —, informando que era para emergências.

Hoje, seu tom era claramente de emergência.

O desespero na voz da mais velha era visto, sentido, mesmo que não fosse material, era concreto. Pensava na reação que o mais novo teria ao perceber que ele não abriu o portão para ninguém — certamente, não seria boa — e tentava nutrir esperanças de que nada iria acontecer com a sua carreira. Caso contrário, Sofia o estaria devendo uma para o resto da vida — pensava se, ao menos, poderia descobrir mais sobre Adams caso fosse demitido.

Ficou parado, porque não entendia o que o fazia estar ali, naquele hospital.

— Eu não te vi quando acordei antes. — Seu tom era puxado, arrastado, pausado. Como se perdesse o ar pouco a pouco e tivesse que subir à superfície para respirar.

Uma parte de seu coração bateu mais rápido que o normal, como se tivesse levado um susto — e levou —, imaginou que Adams havia voltado a dormir assim que ele fechou os olhos e foi surpreendido pelo par de orbes verdes o fitando, junto com os fonemas sendo ditos de forma devagar. Voltou à realidade, fugindo de seus pensamentos.

— Eu que te trouxe aqui, como pode não ter me visto? Você é realmente uma criança ingrata, estou aqui há pelo menos nove horas te esperando voltar a consciência.

Por mais que Adams respondesse, a verdade é que ele só entendia metade das frases, pegava as palavras soltas e as juntava, no final, deixava escapar alguma resposta.

— Nove...

Pensou em que horas eram, não conseguia se lembrar com exatidão o momento que consumiu o líquido, recordava que havia passado um tempo depois do almoço, só que não o suficiente para estar perto do jantar. Deveria ser cinco horas da tarde? Ou quatro?

Sua cabeça doía demais para somar os números.

— Sinto muito.

Não importava a hora que fosse, era tarde — alguém brigaria com ele por estar fazendo seu agente trabalhar fora do horário. Na verdade, diversas pessoas brigariam com ele por ter feito o que fez.

— Feche os olhos! — O modelo não compreendeu, porém obedeceu, não estava em posição de debate — Agora, abra-os de novo e diga oi. Faremos isso até você parar de pedir desculpas.

Adams soltou um leve riso — dessa vez, realmente achou um pouco de graça naquele comportamento. Quando parava para pensar, relacionava Lucas com aqueles colegas de turma com quem se costuma dividir a sala há anos, mas só trocam as palavras necessárias para o bom funcionamento da equipe nos trabalhos em grupo. A típica pessoa que passaria o ano querendo ser amiga e nunca se torna, porque algo impede.

Esse algo, no caso de Adams, tinha nome e sigla.

De pouco em pouco, quando comparava-se com os outros, a ideia de ser doente não parecia tão distante — talvez, existisse alguma verdade nas palavras das psicólogas por qual passou. Infelizmente, o pensamento logo seria esquecido, assim como as vezes que disse oi.

— Eu não quis... dessa vez... eu realmente não quis... — Não conseguia completar, algo o travava, não era o incômodo dos procedimentos e sim a angústia formada pela culpa.

— Não importa.

— Não, eu realmente não queria... eu não queria estar aqui.

— Não importa, Adams. — Um suspiro profundo. — Vai ficar tudo bem, garoto. Vai ficar tudo bem...

O modelo sentiu os olhos arderem, ou por causa da situação ou por causa da irritação, desejou urgentemente chorar. Tentava puxar a memória do pai e de suas palavras para encontrar forças, o passado parecia tão distante. Nesse momento, tudo parecia distante. Sua fala estava cansada e meio rouca, sua visão não focava, era questão de segundos para ter uma crise de choro — culparia a situação.

Há três meses, tudo estava indo bem. Havia desfilado no São Paulo Fashion Week, alguns planos para eventos maiores estavam borbulhando na mídia, tinha fechado alguns contratos importantes para a temporada inverno do ano que vem. Tudo estava indo bem na medida do possível.

Então, Marina veio. Angélica veio. Seu TOC veio.

E ele tinha partido.

Partido em partes diferentes. Em múltiplas facetas.

Partido para longe de si, dos outros, da Terra.

Agora, estava no hospital e com o seu histórico, não importava quantas vezes repetisse que não queria se matar, as pessoas não o escutariam. Tinham razão até certo ponto, não era seguro escutar.

— Já é véspera de Natal?

— Sim, já passou da meia noite.

— Você não pode ir para casa?

— Ei, escuta, uma coisa é você me expulsar da sua varanda. Outra é querer me expulsar do hospital, ainda sou seu acompanhante.

Ninguém expressou nenhuma reação positiva. Existia muita culpa no corpo de Adams para ele se animar no momento — e de toda forma, não parecia merecedor de soltar qualquer tipo de som animado.

— Eu não quero ir, garoto. Você fica bonitinho dormindo, sabia?

O rosto do mais novo queimou, dessa vez não era como se algo estivesse corroendo cada célula e sim esquentando suas bochechas. A naturalidade daquela expressão, a forma como o observava, não parecia existir resquícios de vergonha ou maldade, talvez fosse apenas um comentário aleatório. Um comentário aleatório que ele não estava acostumado.

Não estava acostumado a muita coisa.

Pessoas eram a primeira delas.

— Eu não vou desfilar de pijama — declarou, constrangido demais para pensar em qualquer outro comentário.

— Eu não acho que exista uma categoria que agregue pijamas de hospital na Fashion Week, Adams. Mas se te anima, você certamente seria cotado. Eu até tirei fotos para te chantagear no futuro. — E também não conseguiu diferenciar se era brincadeira ou não, pois pelo pouco que conhecia o outro, acreditava perfeitamente na possibilidade de ser verdade.

— Eu te odeio.

— Você odeia todo mundo.

— E todos me odeiam de volta.

Ambos silenciaram.

Não era verdade.

Adams não sentia ódio pelas pessoas — só as vezes, mesmo assim, não era ódio. Era inveja, rancor, uma mistura de tudo isso junto com ciúmes. Ciúmes por elas serem tão normais quanto ele não lembrava de ter sido, embora tivesse sido. De toda forma, ninguém o odiava de volta. Talvez Luan não fosse seu melhor amigo, entretanto ódio sempre foi uma palavra forte. Forte demais para ser usada contra uma pessoa psicologicamente fraca.

— Eu não te odeio.

— Obrigado.

— Só quando você me faz passar horas sentado em um banco, começa a falar comigo e logo em seguida dorme. Nesses casos, eu te odeio. Muito.

E pela primeira vez, a brincadeira realmente pareceu brincadeira — porque ambos forçaram uma cara de surpresos e olharam para o lado, como se tudo aquilo fosse inacreditável.

— Oh, então eu deveria fazer isso mais vezes. Sabe... para você começar a me odiar logo e se demitir.

— Isso tudo é para não pagar direito trabalhista? Você ainda lembra que é rico?

E riram. Não porque estavam constrangidos, ou porque precisavam agradar um ao outro, mas porque a situação pareceu menos negativa quando colocada daquela forma.

Porque Adams se sentiu menos solitário — e aquilo era bom a um nível que o fez esquecer, um pouco, o incômodo que sentia quando falava. Até tinha começado a pronunciar as palavras de uma vez só, por mais que a dor existisse, uma parte de si estava melhor.

E porque Lucas realmente se encontrava animado pela oportunidade de ter uma conversa de verdade — depois de tanto tempo tentando e fracassando.

— Bem, parece que alguém já está definitivamente acordado. Eu irei chamar o médico, para eles te verem e fazerem o que tem para fazer.

— Não!

Quase gritou.

Então, tossiu, porque ainda tinha diversas coisas ligadas a si e aquilo incomodava profundamente. Quando tossiu, o hospital voltou a fazer sentido. Lucas o perguntou se estava bem, mesmo sabendo a resposta.

Ninguém estava bem naquela situação — existia a possibilidade, no máximo, de estar menos pior.

— Eles vão querer me internar.

— Não vão te internar, Adams. Talvez, facilitem meu trabalho e te obriguem a fazer uma terapia, mas não vão te internar.

— Você já viu o meu histórico?

— É, talvez eles internem. — E sentou no banco novamente, olhando para o rapaz. Uma parte de si estava assustada, tudo parecia tão complexo, o que levava alguém como Adams a atentar tantas vezes contra a própria vida? O que levava um garoto bonito e rico a se fechar? Eram tantas perguntas, que não conseguiu conter todas. — Eu não entendo, por quê?

— Ah?

— A última vez que vi uma pessoa ser internada por ingestão de água sanitária... eu nunca vi ninguém ingerindo água sanitária. — Uma risada leve, de nervosismo, fluiu.

O próprio Adams também não conhecia alguém que tivesse ingerido água sanitária.

Porque era o tipo de coisa que todos sabiam que não deveriam fazer.

— Não ria, estou falando sério. Eu já bebi a ponto de colocar uma bacia nas minhas costas e dizer que era um cágado, você ao menos sabe o que é um cágado, Adams? Eu já tive amigos que viram duendes, discos voadores e fizeram eu sentir orgulho do meu diploma do PROERD. Mesmo com tudo isso, eu nunca fiquei mais de nove horas em um hospital esperando alguém acordar, o que me faz pensar que ou eu amo muito o meu emprego, ou você me paga muito bem.

— Quanto te pagam? Eu não sei.

— Não é muito bem.

Novamente, uma fraca risada contaminou a sala. O menino tossiu um pouco, se incomodando novamente com as agulhas e a dor — ambas lutavam para não serem esquecidas.

— Eu quero ir para casa.

— Eu vou chamar o médico.

Um fato interessante é que não existe tempo — ou espaço — quando estamos em um hospital. O conceito destes é completamente manipulável nesses locais, os minutos parecem horas e as horas tornam-se minutos. Quando piscamos, passou-se horas e quando nos distanciamos, segundos. Adams não se recordava mais do que estava acontecendo — embora, a palavra cágado estivesse rodando sua cabeça, procurando uma imagem representativa — e só voltou ao mundo real quando uma mulher de cabelo curto entrou.

Não tiveram que poderia ser chamada de conversa — foi mais uma negação de qualquer que fosse a suspeita de tentativa de suicídio — e ao ser indagado sobre como andava a vida, soltou aqueles sorrisos de revistas e respondeu que estava ótima.

Não foi um plano mortal, eu apenas troquei os meus copos enquanto limpava a casa, pronunciou. Eu moro sozinho, acho que preciso de uma faxineira.

Embora insistisse nisso, era algo impossível de se acreditar.

Tanto olhando o seu histórico, quanto olhando os seus olhos. Aquelas palavras, mesmo que seguidas de afirmações animadas, eram tão falsas quanto as fotos que estampava na capa da revista. Usava o mesmo esquema, o mesmo sorriso, a mesma forma de fechar as belas orbes verdes. Se tivesse que definir em uma palavra bonita, usaria modus operandi. Há anos, mentia àquele mesmo estilo de profissional, mentia tanto, que já não sabia distinguir o que era verdade e o que era ilusão. Uma parte de si entendia que a moça estava certa em desconfiar, uma parte de si teve consciência do que estava bebendo e tentou evitar, mas aquela parte era tão pequena... tão frágil. A maioria em sua mente ainda era formada por impulsos criados pelas compulsões. No final, como em uma democracia, a maioria vencia.

Mas aquilo não era uma democracia. Era uma ditadura.

Quem se opusesse, seria exilado. Seja pessoa, seja pensamento.

Seja ele mesmo.

A médica fechou a divisa de pano que separava sua maca do corredor e chamou a atenção do agente para uma conversa. Adams, com toda sua experiência de hospitais, conseguia enxergar perfeitamente o assunto estampado no rosto dela.

Ficaria naquele recinto por mais algumas horas.

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