Quando os Pássaros Pousam e O...

De JulieteVasconcelos

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O vento sopra as folhas do milharal levando para longe o fedor da carne pútrida, enquanto alguns pássaros sob... Mais

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DEZESSEIS
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VINTE
VINTE E UM
Esclarecimentos e Agradecimentos

DEZOITO

122 20 2
De JulieteVasconcelos

Danna: Publicidade Sangrenta

Los Angeles, Califórnia

— Ele é um babaca, Alicia! — falou Henry descendo os degraus da escada seguido pela irmã.

— Não fala assim dele, Henry! — retrucou a adolescente irritada.

— Falo a verdade, você tá cega e não vê quem ele é — declarou o rapaz já na sala, seguindo para a cozinha com Alicia.

— Só porque ele não é do seu clubinho de populares não te dá o direito de falar assim dele! — disse a garota empurrando o irmão pelas costas. — Idiota!

— Bom dia, queridos! — cumprimentou Ellen com um sorriso ao ver os filhos entrarem na cozinha, ao que Alicia se aproximou dando-lhe um beijo na bochecha e se sentando à mesa. Henry fez o mesmo. — Estão brigando logo cedo? — indagou com reprovação, ao mesmo tempo que colocava a jarra da cafeteira sobre a mesa, se sentando em frente aos adolescentes em seguida.

— Henry está implicando com o Greg! — acusou Alicia se servindo do café.

— Quem é Greg? — Ellen perguntou sem olhar para a filha, concentrada na fatia de pão em que passava a manteiga.

— Um garoto do colégio... ele me convidou pra ir ao cinema no sábado e eu aceitei — contou empolgada.

— Continua dando confiança pra esse babaca, que você vai ver...

— Não fala assim dele!

— Henry, algum motivo pra se referir dessa forma ao novo amigo da Aly?

— O cara é estranho, mãe, ninguém gosta dele!

— Ele não tem nada de estranho, ele só não se enturma, o que tem de errado nisso? — Alicia perguntou ainda mais irritada, ao que o irmão deu de ombros.

— Você que sabe, tô nem aí... depois não diga que não avisei! — concluiu Henry.

— Mãe!

— Chega, Henry, se não tem nada mais concreto pra falar sobre esse garoto, pare de chatear a sua irmã — disse encarando o filho que comia a sua omelete. — E, Alicia, meus conselhos sobre esses garotos servem para esse Greg também, ok?

— Claro, mãe! Não precisa se preocupar, só vamos ao cinema e ele vai me deixar em casa.

— Ok, agora terminem o café de vocês ou perderão o ônibus para o colégio.

— Tá bom! — responderam em coro.

— Mãe?

— Sim, filho!

— O papai me convidou pra ir à casa dele depois das aulas, tudo bem se eu for? — Henry disse cauteloso, percebendo o desconforto da sua mãe enquanto Alicia também voltava sua atenção para Ellen, atenta à sua reação. — Se bem que o Will me convidou pra ir na casa dele pra jogarmos videogame, acho melhor eu ir lá...

— Não, querido! Vai à casa do seu pai, outro dia você joga videogame com seu amigo! — disse olhando terna para o seu filho, sem deixar de admirar a sua beleza, notando pela milésima vez o quanto ele se parecia com o pai, diferente de Alicia, que aos seus dezesseis era mais parecida com ela.

Enquanto Henry era alto, pele morena, cabelos e olhos castanhos como o pai, a irmã era de estatura mediana, pele mais clara e de cabelo liso e loiro como o da mãe, tinha ainda os mesmos pequenos olhos verdes de Ellen. Ambas mantinham os cabelos longos, cobrindo suas costas.

— Não, mãe, tudo bem...

— Henry, é o seu pai! Está tudo bem que você tenha uma boa relação com ele, nosso divórcio não muda o fato que você e sua irmã são filhos dele e... fico feliz que ele seja presente em suas vidas!

— Mas, mãe...

— É sério, Henry, já falamos disso outras vezes! Vá à casa dele, querido!

— Está bem, mãe, obrigado! — agradeceu sem jeito. — Você vai fazer alguma coisa hoje? — perguntou tentando mudar de assunto, mas ao perceber a expressão aflita em seu rosto, se arrependeu de ter perguntado.

— Vou para a editora mais tarde — respondeu ela com um suspiro.

— Não querem mesmo renovar o seu contrato, mãe? — perguntou Alicia.

— Não, ele irá encerrar daqui seis meses e... eu não consegui produzir nada até agora que valha a renovação do meu contrato!

— Mas os seus livros fazem tanto sucesso, mãe!

— Bem, eles ainda vendem, mas não como um lançamento, e a editora não se interessa por um escritor incapaz de escrever novas histórias....

— Você não é incapaz, mãe!

— Eu só não consigo mais... Faz quatro anos que não consigo produzir nada que preste! — declarou passando as mãos na cabeça, sem esconder seu nervosismo.

— Mãe, você vai conseguir — incentivou Alicia acariciando a mão da mãe sobre a mesa. — Você é uma escritora maravilhosa, a melhor! — disse sincera fazendo a mãe sorrir em agradecimento.

— Nós acreditamos em você, mãe! Mas você precisa acreditar também! — disse Henry olhando-a de forma suplicante.

— Eu sei, eu... Amo tanto vocês! Muito obrigada, de verdade! — agradeceu com os olhos lacrimejantes. — E-eu vou conseguir sim, vou escrever uma boa história, não... Vou escrever uma ótima história e não vou perder meu contrato, não vou! — falou tentando ser convincente.

— Vai sim, mãe, vai dar tudo certo! — disse Henry se levantando. — Temos dez minutos, pirralha, quer que eu pegue a sua mochila? — perguntou para a irmã que assentiu com a cabeça, já que estava de boca cheia.

Henry saiu da cozinha e subiu os degraus correndo, correu para o seu quarto e apanhou a mochila que havia deixado sobre a cama, depois seguiu para o banheiro e escovou os dentes, e só então foi ao quarto da irmã, que ao contrário do seu, era pura desorganização, tanto que a mochila da garota estava jogada no chão, em meio a várias pelúcias e livros.

Ao descer as escadas cruzou com Alicia que subia apressada para escovar os dentes.

— Não enrola no banheiro, Aly, ou vamos perder o ônibus! Não tô a fim de ir a pé não!

— Não vou demorar — respondeu ela sem olhar para trás.

Tão logo os seus filhos saírem, Ellen lavou as louças e organizou a cozinha, para em seguida se afundar na cadeira do seu escritório. A mesma cadeira que ocupava há anos, como parte importante do seu ritual de criação, exceto que nos últimos anos ela nada tinha conseguido criar, pelo menos nada que estivesse à altura das obras que já tinha lançado.

A verdade é que seu mundo perfeito desmoronara quando Alex a deixou, depois de mais de quinze anos de casamento, se envolveu com uma colega de trabalho por quem se apaixonou, e decidido a viver com sua nova paixão, simplesmente arrumou as malas e partiu.

Alex não deu maiores explicações para sua esposa, não teve qualquer consideração, tampouco se viu na obrigação de se desculpar pela traição ou por estar abandonando-a. Mesmo após cinco anos do divórcio, Ellen lembrava bem das poucas palavras ditas pelo homem que tanto amava e venerava.

"Só aconteceu, Ellen... Eu amo a Meg e vou viver com ela!" — disse enquanto apanhava as camisas para colocá-las numa mala.

"Mas... Assim? Não entendo... E-eu... O que vou dizer aos nossos filhos quando voltarem das aulas?" — perguntou confusa, sem saber ao certo o que dizer ao ser pega de surpresa pela decisão do marido.

"Somos pessoas maduras, Ellen, vamos saber lidar com isso!" — Foi tudo que ele disse antes de sair do quarto, deixando-a totalmente sem reação, além da responsabilidade de lidar sozinha com Henry ainda com treze e Alicia com onze anos.

Aquelas palavras ainda doíam muito em Ellen, o abandono ainda parecia recente, além de ter certeza que mesmo não querendo, ainda amava aquele homem. Mesmo tendo enfrentado quase três anos de depressão, tendo perdido quase que por completo a sua vontade de viver.

Foram anos difíceis, que custaram os seus sonhos e sua carreira, pois com Alex se foi toda a sua inspiração, pois desde sua partida, Ellen não conseguia mais escrever, e por mais que tentasse, que sentasse naquela velha poltrona e ali permanecesse por horas a fio, não conseguia produzir nada.

O que parecia ser só um momento ruim e de indisposição, se revelou o que a escritora costumava chamar de eterna fase do branco, já que isso era tudo que havia na sua mente e ela já não conseguia acreditar que sua falta de inspiração fosse um estado temporário, mas sim permanente. Mesmo o tratamento para depressão, as horas gastas com psicólogos, e até os medicamentos receitados por seu psiquiatra não surtiram qualquer efeito sobre seu processo de escrita.

E agora, quase cinco horas em frente ao monitor, Ellen contemplava seu editor vazio, uma tela em branca onde rascunhara algumas frases e até alguns parágrafos, mas incapaz de prosseguir, apagara tudo e retornara para o começo. Seus olhos lacrimejavam, não só por forçá-los demais em frente ao computador, mas por saber que aquilo custaria o seu contrato editorial.

O contrato pelo qual lutou anos para conseguir e o sonho de integrar uma das maiores casas editoriais da Califórnia em breve chegaria ao fim, e após isso, não havia para a escritora nenhuma outra perspectiva de vida, porque escrever era sua vida, não havia mais nada que pudesse lhe proporcionar a mesma satisfação.

Encerrar assim a sua carreira era para Ellen como ter parte do seu próprio corpo arrancado de si, e lamentavelmente, a escritora sabia que não havia mais nada que pudesse fazer.

Ellen ouviu o seu celular apitar, avisando do recebimento de uma SMS, ao que ela abriu, constatando se tratar de uma mensagem de sua agente a convidando para um café, o que a escritora sabia ser na verdade uma convocação para uma conversa séria, possivelmente a última de sua carreira. Alarmada, Ellen respondeu a mensagem confirmando o encontro, recebendo em seguida o nome da cafeteria onde se encontrariam dali três horas.

Como Henry iria para casa do pai após o término das aulas, apenas Alicia viria para almoçar, então Ellen preparou uma refeição rápida para ela e a filha, que não tardou a chegar.

O almoço foi tranquilo, e como Ellen não quis falar sobre sua frustração em não conseguir escrever pela manhã, fez inúmeras perguntas sobre o novo amigo da filha, percebendo que a garota estava realmente interessada no rapaz.

Depois do almoço, enquanto Alicia se encarregou de arrumar a cozinha para sua mãe, Ellen subiu para seu quarto para se arrumar e então ir ao encontro de sua agente para discutirem sobre a renovação do contrato que provavelmente não iria acontecer.

Ainda assim, Ellen se vestiu de forma elegante e se maquiou como de praxe. Pôs um vestido cavado marrom e saltos da mesma cor, os cabelos louros caíam lindamente sobre seus ombros e costas, contrastando com a cor da vestimenta.

Dentre suas várias bolsas, escolheu uma pequena, pois teria que levar também sua pasta, embora não tão pesada quanto gostaria, já que nela estavam apenas alguns dos seus projetos, que consistiam em rascunhos e roteiros de histórias, que se por sorte agradasse à sua agente, ela poderia tentar desenvolver e assim manter o seu contrato.

Pronta para sair, Ellen passou rapidamente no quarto da filha para se despedir, encontrando Aly deitada de bruços na cama, apoiada sobre uma revista aberta e ouvindo música alta. A garota levantou a cabeça tão logo sua mãe adentrou o seu quarto, mas permaneceu na mesma posição.

— Estou indo, filha! — disse Ellen inclinando e lhe beijando a bochecha, se afastando em seguida para sair do quarto.

— Boa sorte, mãe! — respondeu a adolescente.

— Obrigada, querida! — disse tentando parecer confiante enquanto segurava a maçaneta da porta. — Eu te amo, Aly! — declarou.

— Também te amo, mãe! — respondeu voltando a atenção para sua revista, enquanto a mãe fechava a porta do quarto.

Ellen segurava sua xícara de café com a mão trêmula, atenta aos gestos da mulher sentada à sua frente, que parecia analisar cada página atentamente, ao que parecia há mais de meia hora.

— Isso é tudo o que tem, Ellen? — perguntou Sophie com sua voz grave após ingerir um gole de sua xícara de café. A agente era uma mulher no auge de seus cinquenta anos, de cabelos curtos e tingidos de castanho, e agora sustentava uma expressão de decepção bastante visível em seu semblante.

— Posso fazer alterações em qualquer um desses enredos, só você me dizer qual te agradou mais... — Ellen começou a dizer enquanto puxava a pasta da mesa para ela e folheava nervosa os seus textos, mas a agente a interrompeu.

— Ellen! — chamou colocando a xícara já vazia sobre a mesa.

— Tenho outros personagens que poso inserir no enredo, posso alterar algumas falas e...

— Ellen, por favor! — interrompeu Sophie mais uma vez, enquanto passava uma mão sobre a testa e com a outra retirava os óculos escuros, repousando-os sobre a mesa, exibindo assim os seus olhos verdes.

— Não será o bastante, não é? — A escritora perguntou forçando um sorriso.

— Não, Ellen, eu lamento! — Sophie respondeu com o olhar fixo no rosto da escritora, sem conseguir disfarçar a pena que sentia da mulher à sua frente.

— Posso melhorá-los, Sophie! — pediu com a voz baixa, numa tentativa desesperada de obter mais uma chance.

— Ellen, sinceramente, já não acredito que possa!

— Sophie, por favor! — insistiu, ao que a agente negou com a cabeça.

— Todos esses... Esses rascunhos não passam de cópias mal feitas dos seus livros que fizeram sucesso, Ellen! Não há nada original neles, as tramas são praticamente as mesmas! — concluiu, lamentando mentalmente por ter que dizer o que a escritora não conseguia ver. — Ellen Clarke é muito mais do que isso!

— Então?

— Infelizmente seu contrato não será renovado, já que não temos nada para apresentar ao seu editor!

— Meu Deus, o que eu faço, Sophie? — perguntou com as duas mãos sobre a cabeça.

— Você pode continuar tentando, quando tiver algo que valha publicar, pode me procurar ou a qualquer outro agente, mas...

— Mas?

— Talvez o que não valha é você continuar tentando escrever, talvez seja a hora de parar, Ellen!

— Está me dizendo para desistir?

— De escrever sim, de ser feliz de novo, não! Você pode tentar outra profissão, pense nisso! — disse enquanto apanhava a bolsa pendurada na sua cadeira, se levantando em seguida. — Preciso ir, tenho uma reunião com outro cliente e não posso me atrasar! — avisou já em pé.

— Tudo bem, Sophie, eu agradeço por tudo que já fez por mim!

— Não precisa agradecer, Ellen, fiz o meu trabalho! Só não deixe que isso te afunde mais, você precisa tomar as rédeas da sua vida, querida!

— Sim, e-eu... vou pensar no que devo fazer, obrigada! — disse sincera, ao que a agente sorriu sem jeito, saindo em seguida.

Ellen acompanhou sem reação os passos apressados de sua ex-agente, com aquela mulher partiam também todos os seus sonhos e sua carreira chegava ao fim.

Tudo o que ela mais queria era estar em sua casa naquele momento, preferencialmente na sua cama, onde poderia derrubar todas as lágrimas que tentava a todo custo segurar, mas seu corpo fora tomado por uma forte emoção, suas pernas estavam bambas e seriam incapazes de sustentar o seu corpo, por isso não restava nada a fazer a não ser esperar todo aquele torpor passar.

Então Ellen permaneceu sentada pelas próximas horas, aceitando vez ou outra que lhe fosse servido algo para beber e comer, não que tivesse vontade de ingerir qualquer coisa. Apenas não queria que a fizessem se retirar daquela mesa.

Três meses havia se passado desde que Ellen tivera seu encontro com Sophie, e após dias de muita tristeza e indecisão sobre o que fazer dali para frente, a escritora resolveu ouvir o conselho da agente, afinal, seus filhos precisavam que ela desse a volta por cima, que se reerguesse mesmo que não fosse através de livros publicados.

Finalmente Ellen se convencera de que era possível seguir em frente por um caminho diferente do que havia planejado anos antes, e tudo que importava era que ela e os filhos pudessem ser felizes.

Assim, sua decisão de arrumar um emprego foi aplaudida pelos filhos, sempre presentes nos momentos em que a mãe mais precisava. No entanto, Ellen percebera que retornar para o mercado de trabalho seria mais difícil do que imaginara, afinal, sua única experiência em mais de uma década era apenas escrever.

Foram várias entrevistas de emprego, todas sem sucesso, mas Ellen se recusava a desanimar, não só precisava trabalhar para arcar com as despesas da casa, como também sabia que era sua única chance de voltar a viver, deixando para trás a sombra do ex-marido.

Agora Ellen estacionava em frente a um imponente prédio nos subúrbios de Los Angeles, pois atendera a um anúncio de emprego no jornal e concorreria à vaga de assistente de marketing de um jornal local, que para sua sorte dispensava experiência na área e oferecia treinamento.

Ela saiu do carro e trancou a porta, compenetrada no prédio à sua frente. A conversa que teve ao telefone com o recrutador a deixou bastante otimista, já que ele se mostrou bastante satisfeito ao saber que ela era a autora de livros conhecidos.

Decidida, a escritora deu os primeiros passos na direção da recepção, Ellen fazia uma oração silenciosa, implorando a Deus que lhe garantisse aquela vaga.

— Ellen Clarke? — Uma voz masculina soou atrás dela, fazendo-a interromper o seu trajeto e se virar na direção em que ouvira o seu nome.

— Sim! — respondeu tentando identificar aquele rosto que lhe pareceu familiar. — Em que posso ajudá-lo? — perguntou vendo-o se aproximar com uma expressão indecifrável.

— Ah, me desculpe... — disse levantando uma das mãos, exibindo um maço grosso com três ou quatro livros, dos quais não foi possível para Ellen ver nenhuma das capas. — Pode me dar um autógrafo? — perguntou com um sorriso discreto.

— Claro! — Ellen respondeu abrindo um largo sorriso. — Será um prazer! — disse animada ao vê-lo na sua frente.

— Desculpe se a interrompi, é que a vi descer do carro e a reconheci de imediato, mas levei alguns minutos para encontrar seu livro, sempre quis um autógrafo... — explicava tentando soar simpático, o que exigia bastante esforço da sua parte.

— Não precisa se desculpar! Você trouxe uma caneta? — perguntou ela, ao que ele meneou a cabeça negando, fazendo uma careta de decepção. — Tudo bem, eu sempre carrego uma comigo! — falou abrindo a bolsa e retirando uma caneta, enquanto o homem ajustava discretamente o seu sobretudo. — Pronto! — concluiu ela estendendo a mão. Ele então entregou um dos livros já com a capa aberta.

— Me desculpe, senhor! — disse ela sem jeito com o livro nas mãos. — Mas não escrevi esse livro!

— Eu sei! — respondeu ele, e usando como arma o maço de livros restantes que trazia nas mãos, atingiu com força a têmpora da escritora, que cambaleou e caiu desacordada.

Tudo estava silencioso demais para Ellen, que pouco a pouco começava a despertar. Os seus olhos foram se abrindo cautelosamente, enquanto sentia seus braços e pernas dormentes, graças a posição desconfortável em que se encontrava. Não bastasse isso, o chão duro, frio e pedregoso lhe causava pequenos ferimentos na pele, o que aumentou conforme a escritora despertou.

De olhos abertos, Ellen não conseguia ver nada, o breu à sua volta não permitia que ela identificasse aonde estava, aonde fora deixada sabe-se lá com que propósito.

A escritora tentou forçar a vista, numa vã tentativa de enxergar qualquer coisa que a situasse na estranha situação em que se metera. Ao se apoiar nas mãos para se levantar, sentiu pedregulhos adentrarem sua carne, tirando-lhe um gemido agudo de dor.

Enquanto Ellen se levantava, as últimas lembranças vinham à sua mente, lembrava que um homem desconhecido, mas que possuía um rosto familiar, se aproximara pedindo o seu autógrafo, mas que desferiu-lhe um golpe, nocauteando-a.

Aquelas lembranças não faziam qualquer sentido, nada parecia fazer sentido para a escritora.

— Tem alguém aí? — gritou o mais alto que pôde ao ficar em pé, mas a resposta não veio.

Agora pensava na sua bolsa, no seu celular... Onde poderia estar? Naquela escuridão, se estivesse ali, jamais iria encontrar. Pensou em caminhar, mas sem saber aonde podia ou não pisar, resolveu não arriscar.

Cautelosa, Ellen se abaixou e começou a apalpar todo o chão, buscando encontrar qualquer coisa que pudesse ajudá-la de alguma forma.

Suas mãos inicialmente tatearam pedras e mais pedras, mas logo se depararam com o que parecia ser carris, e mais abaixo, madeira...

— Trilhos! — falou exasperada, agora, em meio ao desespero, Ellen começava a fazer associações.

Manchetes. Escritores. Assassinatos brutais.

E a parte ainda mais bizarra.

Mortos como algum dos seus personagens.

Ellen gritou aterrorizada tão logo sentiu a vibração debaixo de si. O eco produzido... Ela já sabia qual de seus bestsellers fora escolhido. Aquela história, e aquele maldito desfecho...

Ela sabia onde estava.

Trilhos. Túnel.

Ela sabia o que a esperava.

E o apito do trem anunciava que tudo estava prestes a acabar.


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