Danna: Quando os Pássaros Pousam
Condado de Tulare, Califórnia
Craig dormia tranquilo, um sono pesado, um descanso merecido, que ao menos ele julgava merecer. O sono profundo não permitiu que ouvisse os latidos insistentes dos cães, uma agitação anormal que o fazendeiro demoraria para perceber.
Embora Craig tenha nascido rico, filho de pais abastados, e tenha recebido em abundância tudo que suas grandes porções de terra tinham a oferecer, a vida do fazendeiro nem sempre foi fácil e feliz, onde até mesmo sua infância fora regada por trabalhos árduos, já que a ele o pai incumbira a missão de ser "macho".
Craig buscava o colo da mãe sempre que precisava lidar com o temperamento difícil do pai, e embora ela vez ou outra intercedesse em seu favor, acabava por concordar com o marido, aceitando que aquele era o destino do menino, afinal, era o único entre as cinco irmãs.
Não bastasse a rigidez com a qual era tratado, tudo piorou aos dez anos, quando o menino flagrou o pai sodomizando uma das suas jovens empregadas, o que acarretou na decisão do patriarca de que chegara a hora do menino se tornar um verdadeiro homem. O pai não só o obrigou a ter relações com a moça que outrora sodomizara, como lhe dera o aval para se "relacionar" livremente com a criadagem, o que ele fazia consternado, apenas para agradar o pai, e não por vontade própria, principalmente porque sabia o quanto tais ações desagradavam a sua mãe e a tornava cada vez mais infeliz.
A mãe de Craig faleceu antes do rapaz completar seus quinze anos, onde duas de suas irmãs há muito já haviam se casado e ido embora, enquanto outras duas estavam se preparando para constituir matrimônio também. A irmã mais jovem só casou após a morte do pai, num casamento que o próprio Craig, aos vinte anos, lhe arranjou, onde ela se mudou para a cidade de Sacramento, ficando ele sozinho nas terras da família.
Craig sempre manteve contato com a irmã caçula, mas com as demais, não havia mais qualquer proximidade.
O fazendeiro nunca planejou ser um homem solitário, pelo contrário, assim que sua irmã se mudou, ele tratou de procurar uma moça com quem pudesse casar, e caberia à sua senhora gerir a criadagem da casa e dar-lhe filhos.
A busca durou oito anos, visto que o rapaz se mostrou demasiado exigente, vendo defeitos praticamente em todas as suas possíveis esposas.
Nenhuma outra o interessou tanto quanto a jovem Heloisa, mesmo as filhas dos mais importantes fazendeiros que circundavam suas terras, não possuíam a beleza e a graça daquela que encheu seus olhos e coração, embora não passasse de uma moça pobre, cuja família buscou refúgio e trabalho nas terras do jovem patrão. Craig poderia mantê-la facilmente como sua empregada e possui-la quando quisesse, mesmo que assumisse outra para ser sua senhora, assim como seu pai fazia e o ensinara a fazer. Mas a verdade é que o rapaz repudiava as ações do seu falecido pai, assim como as suas próprias, que cessaram tão logo o pai adoeceu.
Craig a queria para ser sua esposa e senhora das suas terras, não interessava ao rapaz nenhuma outra mulher.
Heloisa não planejara seduzir e conquistar o patrão dos seus pais, chegou naquelas terras disposta a trabalhar com eles e ajudá-los no que fosse necessário, mas ao perceber os sentimentos de Craig por ela, assim como as nobres intenções do rapaz, se aproveitou da sorte e da situação, mesmo não nutrindo por ele qualquer sentimento, o que esperava que surgisse com o tempo.
Heloisa se mudou para a casa grande assim que se casou. Craig a venerava e a idolatrava, sempre disposto a fazer suas vontades, até mesmo os seus caprichos mais fúteis.
Craig se tornara um homem melhor que seu pai e tinha muito orgulho disso. Tratava Heloisa tal qual acreditava que sua mãe merecia e queria ser tratada, por isso era fiel.
Os primeiros meses de casados foram felizes para Craig, que se esforçava em agradar Heloisa, assim como ela tentava sempre o agradar, como tentando retribuir por ser eleita sua esposa. No entanto, conforme o tempo foi passando, foi ficando cada vez mais difícil para Heloisa viver em harmonia com o seu marido.
Heloisa realmente se empenhou, mas percebeu que seria incapaz de nutrir por aquele homem, disposto a tudo por ela, qualquer amor, onde cada uma das imperfeições de Craig, que seriam facilmente relevadas se ela o amasse, a incomodava, ao que ela, mesmo sem perceber, se distanciava. Heloisa não o desejava como homem e se sentia incomodada toda noite em que ele a procurava, e sem opção, tendo que cumprir seu papel de esposa, saciava-o sempre como o marido lhe mandava.
Foi no primeiro ano de casados que Heloisa viu Craig surtar pela primeira vez, quando um de seus empregados, conhecedor das suas origens simplórias, decidiu paquerá-la, o que não passou despercebido pelo atento — e ciumento — marido. Heloisa se desesperou ao ver Craig, em notório desequilíbrio, espancar o infeliz. Foi necessário dois de seus empregados para contê-lo, enquanto outros dois arrastaram o corpo desfalecido para longe do patrão.
O empregado não retornou nem mesmo para receber os dias trabalhados, juntou suas tralhas e desapareceu.
Heloisa não era feliz, mesmo convencendo todos à sua volta do contrário, se mostrando sempre alegre e bem-disposta, pois sabia o quanto o marido a amava e o quanto sua vida melhorara desde que ele a escolhera, tirando-a da pobreza. Quanto aos seus pais, ela acabou por se distanciar, visto que diferente dela, eles não sabiam se portar entre pessoas de posses, e já não faziam qualquer diferença em sua vida. A eles restava o consolo de que a filha estaria bem ao lado do fazendeiro.
Para felicidade do casal, após Heloisa sofrer três abortos espontâneos, finalmente ela conseguira levar a gestação até o final, dando à luz ao franzino Nicolas.
O garotinho, que nem sempre gozou de boa saúde, era a maior alegria da casa. Aos poucos, com o passar dos anos, através de muito cuidado e dedicação, Nicolas foi se tornando um menino forte e para contentamento dos pais, finalmente gozava de boa saúde.
Heloisa já havia se conformado com a vida que levava, embora cheia de regalias, uma vida de aparências e infeliz. Craig nunca fora ruim para com a esposa, mas já não era o mesmo homem dedicado de antes, fosse por perceber a frieza com a qual a mulher o tratava, fosse pela rotina de casados. Na maior parte das vezes era o filho quem detinha a atenção do pai.
Heloisa se habituou à sua rotina, acreditava que nada mais poderia esperar na sua vida, a não ser ver Nicolas crescer enquanto ela envelhecia ao lado do marido.
E tudo que ela jamais imaginou que pudesse acontecer, um dia aconteceu.
Jacob acabara de se mudar para a fazenda vizinha de Craig, depois de anos vivendo na capital, cursou medicina veterinária e retornou às suas origens para trabalhar para o próprio pai. Além de bonito, o rapaz era bastante galanteador, atraindo olhares e fazendo disparar os corações das mulheres a quem foi apresentado pelo pai, exatamente para que elegesse uma esposa. E foi Heloisa, que mesmo sem ser uma opção para o rapaz, mais uma vez, despertou o interesse de um homem exigente.
Embora Heloisa se mostrasse arredia, Jacob percebeu logo que exercia certo poder sobre ela, perceptível pelo desconforto que Heloisa era incapaz de disfarçar sempre que estava em sua companhia.
Jacob, sempre que podia, se empenhava em atrair a atenção daquela mulher, através de investidas nada sutis e uma obstinação com a qual a esposa de Craig não estava preparada para lidar.
Heloisa não queria se envolver, mesmo não amando o marido, sabia que era errado e conhecia os riscos de uma traição, mas Jacob estava disposto a conquistá-la, ignorando todos os seus argumentos.
Jacob não receava e não se importava com os riscos, mesmo o seu pai tentou persuadi-lo para deixar a mulher em paz, mas quanto mais difícil aquela relação parecia ser, mais obstinado o rapaz se mostrava. Jacob a queria e para o infortúnio de Heloisa, ela o queria também, de forma que sem forças para lutar contra o que sentia, ela se entregou.
Heloisa nunca antes havia se apaixonado, Jacob foi o primeiro homem por quem seu coração disparou.
A relação durou longos meses, onde Heloisa correspondia com intensidade à paixão que o amante lhe devotava. Eles se amavam. E a constatação desse amor somado ao desejo de ficarem juntos, levou-os a planejar uma fuga, já que assumirem aquela relação não era a melhor opção.
Havia apenas um porém: Nicolas. Heloisa não estava disposta a abandonar o filho e tinha o incentivo do amante para o levar seja lá para onde iriam, mas tirar o garoto de perto do pai seria mais difícil do que os amantes poderiam imaginar.
Na noite em que planejaram fugir, Heloisa esperou o marido dormir e foi ao quarto do filho para então saírem juntos da casa grande, mas se surpreendeu ao encontrar a cama vazia e desarrumada, quando ela mesma o havia colocado para dormir após o jantar.
Heloisa vasculhou o quarto, olhou dentro do guarda-roupa e embaixo da cama, mas não o encontrou. Imaginando que o garoto poderia ter ido ao banheiro, seguiu pelo corredor cuidando para não fazer barulho, mas nada encontrou. O mesmo se deu na cozinha e em todos os cômodos da casa.
Nicolas não estava mais lá e só havia uma explicação: Craig sabia de tudo!
Desnorteada com o sumiço do filho e certa de que Craig era o responsável por isso, Heloisa adentrou o próprio quarto aos gritos, na intenção de acordar o marido, exigindo dele o paradeiro do menino.