Quando os Pássaros Pousam e O...

By JulieteVasconcelos

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O vento sopra as folhas do milharal levando para longe o fedor da carne pútrida, enquanto alguns pássaros sob... More

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VINTE
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Esclarecimentos e Agradecimentos

ONZE

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By JulieteVasconcelos

Danna: Quando os Pássaros Pousam

Condado de Tulare, Califórnia

— Um crime bárbaro, senhor Craig! Nunca houve por aqui um acontecimento macabro nessas proporções — falou o velho xerife, confortavelmente acomodado no estofado da sala do fazendeiro.

— Ainda não consigo acreditar que isso aconteceu nas minhas terras, xerife! Não fosse eu um aleijado desgraçado, isso nunca teria acontecido por aqui! — declarou o fazendeiro revoltado, se mexendo desconfortável em sua cadeira de rodas, ao mesmo tempo que uma senhora adentrou a sala segurando uma bandeja com duas xicaras de chá. — Essa é Aracy, contratei ela essa semana, você sabe, não podia ficar esperando pelo retorno da pobre Antonella... Triste fim, nunca poderia imaginar!

— Ninguém poderia, senhor Craig, ninguém! — disse apanhando a outra xícara, ao que a empregada se retirou da sala, deixando-os sozinhos.

— Confesso que cheguei a pensar que Antonella tinha fugido, sabemos que o irmão e a velha era um fardo pesado para ela.

— Sim, sim, senhor Craig, não nego que também suspeitei disso, mas antes fosse, não é verdade? — Craig concordou acenando a cabeça. — Mas de qualquer forma, reforce sua segurança, e qualquer coisa me chame que venho logo para cá!

— Se eu imaginasse que algo assim pudesse acontecer nas minhas terras, eu... Como eu poderia imaginar?

— Sim, sim, não fosse seu empregado, nunca saberíamos disso — falou com um sorriso débil.

— Charles é um bom homem, xerife, fico feliz que ele a tenha encontrado, pena que não a tempo de salvar a sua vida!

— Uma lástima realmente, ele a encontrou tarde demais, mesmo tendo sido socorrida no hospital, não durou um dia a pobrezinha! — contou em tom de lamento meneando a cabeça.

— Uma pena! — declarou Craig com uma expressão de tristeza. — Mas Antonella ao menos conseguiu dizer alguma coisa? Alguma pista sobre quem a atacou?

— Não, infelizmente, a pobre não teve chances de delatar o monstro que a feriu tão covardemente.

— Uma pena, uma pena — repetiu o fazendeiro pensativo. — Mas, e Charles? Por acaso ele não encontrou nada que possa ajudar nas investigações? — perguntou curioso, ao que o xerife negou com a cabeça.

— Ele ficou muito abalado por vê-la daquela forma... Pobre homem! Aposto que nunca viu algo tão horrível em sua vida!

— É, imagino que não — respondeu Craig coçando a cabeleira grisalha.

— Bem, eu vou indo — disse o xerife se levantando. — Obrigado por sua hospitalidade, senhor Craig. E mais uma vez, não hesite em me chamar se precisar — falou solícito.

— Eu agradeço, xerife! Chamarei se precisar — respondeu enquanto o outro apanhava o chapéu sobre o sofá, colocando-o na cabeça.

Craig se aproximou devagar em sua cadeira de rodas, se dispondo a acompanhar o xerife até a porta, onde parou enquanto o outro desceu a rampa improvisada, ao término dela, se virou pela última vez para o cadeirante ainda parado na porta, lançando para ele um olhar de piedade, o qual lhe foi impossível disfarçar. O xerife se lembrou dos tempos em que o velho fazendeiro ainda se sustentava nas próprias pernas, quando Heloisa ainda iluminava aquela casa com sua graça e beleza. Mais uma vez, ao longo dos últimos anos, pensou no quanto a fuga da mulher abalou aquele homem.

— Tenha um bom dia, senhor Craig — disse e seguiu na direção do seu velho furgão.

Craig acompanhou com o olhar o velho xerife se afastar, enquanto se segurava para não gritar enraivecido, esmurrar e chutar a parede, mas sabia que tais gestos naquele momento não eram possíveis, pois não estava sozinho.

O fazendeiro acenou para o xerife que dava ré com seu furgão. Os dois homens exibiam a mesma expressão preocupada e de lamento, mas a de Craig se contraiu numa carranca de puro ódio ao ver o veículo se afastar.

Antonella fora descoberta graças à desobediência de seu funcionário, que desrespeitou sua ordem direta e se embrenhou no milharal em busca da desaparecida.

Muitos anos antes, Charles também resgatou daquele mesmo lugar a pobre Heloisa, mas a levara imediatamente para Craig, já com Antonella fizera diferente, e Craig se perguntava o motivo.

Seria medo de encará-lo após desobedecê-lo? Ou havia algo mais?

Instantaneamente Craig cogitou na possibilidade de Charles não mais confiar nele, até mesmo do empregado nutrir alguma desconfiança. Quem sabe a moribunda Antonella tenha dito algo para ele em sua agonia, mas se isso realmente aconteceu, por que o empregado não o denunciou?

Craig queria saber, sua mente perturbada exigia respostas. Demorou para que o turbilhão de pensamentos cessasse, dando espaço para sua decisão.

A confiança uma vez perdida, dificilmente poderia ser adquirida novamente. Agora, não havia mais confiança na relação empregado e patrão.

Os dias passaram lentamente, Craig se mostrava satisfeito com o trabalho da nova empregada, além de uma aparente preocupação com o bem estar da mulher, aconselhando-a sempre a ter cuidado ao percorrer suas terras ao se dirigir para o trabalho.

Entre seus funcionários, que se preparavam para a próspera colheita, o assunto principal ainda era a barbárie que se sucedeu naquelas terras, de forma que o medo e até mesmo a curiosidade aguçavam cada vez mais.

Charles se empenhava em seus afazeres como sempre fez. No entanto, evitava ir à casa do patrão. A verdade era que não temia ser confrontado pela sua desobediência, mas sim ser encarado de frente. Sentia vergonha pelos pensamentos que sem querer alimentava sobre o seu senhor, o caridoso Craig.

O homem não comentara com o xerife as impressões que teve ao sentir que Antonella talvez receasse ser levada ao fazendeiro.

Anos atrás, também não contou ao xerife que encontrara sua pobre patroa Heloisa, fraca, faminta e abatida naquele mesmo milharal. Isso porque Craig, ao receber a esposa inconsciente, o fizera prometer, assim como os demais funcionários que a viram naquele estado deplorável, que não contariam nada a ninguém, pois já lhe bastava o sofrimento advindo do acidente que todos sabiam ter tirado a vida de seu filho e o deixou travado numa cadeira de rodas. Lidar com a vergonha de ser abandonado pela esposa, que todos sabiam ter um amante, era sofrimento demasiado para ele.

No entanto, a necessidade de desabafar não permitiu que Charles, após a morte de Antonella, se mantivesse de boca fechada dessa vez, então desabafou, envergonhado, tudo que lhe veio à cabeça após ingerir bastante álcool, que foi ofertado por seu então confidente, um fazendeiro cujas terras eram vizinhas das do seu patrão, para quem vez ou outra prestava algum serviço braçal, e por quem tinha grande estima, tal qual o velho por ele, de forma que o ouviu bastante interessado.

E foi após essa conversa que Charles acreditou ter tirado um fardo das suas costas, apesar de ter que conviver com a vergonha por tudo que falara contra o seu patrão.

Agora, Charles se sentava à mesa envergonhado, ressabiado até. Embora não fosse a primeira vez que fizesse companhia ao seu patrão durante uma refeição, se sentia desconfortável como nunca antes estivera.

Craig, já sentado à mesa em sua cadeira de rodas, insistira para Charles se sentar, chegou a quase ordenar, tamanha era a firmeza em seu tom de voz, enquanto o analisava atentamente.

Mentalmente Charles se martirizava incomodado, pois por semanas evitou essa proximidade com o patrão, mas em época de colheita, estando ele à frente dos demais trabalhadores, onde representava a todos perante Craig, naquela noite, após um dia exaustivo de trabalho, chegara o momento que ele não podia mais evitar.

Momento esse tão esperado pelo fazendeiro Craig.

— Está com fome? — O patrão perguntou em tom animado após limpar a boca.

— Não, obrigado — respondeu nervoso.

— Charles? — chamou colocando o guardanapo gentilmente sobre a mesa e devolvendo o talher para o prato. — O que está acontecendo?

Charles gelou com aquela pergunta.

— Nada, senhor! — respondeu acuado, num misto de vergonha e nervosismo.

— Diz que não está com fome quando ouço sua barriga roncar daqui!

— Eu não fui almoçar hoje, senhor — explicou sem jeito.

— Então, por que rejeita a comida que estou oferecendo? — perguntou ofendido. — Diz que não tem nada acontecendo, mas parece assustado... Com medo!

— Não, que isso, senhor! — negou sobressaltado.

— Então por que está fugindo de mim, Charles? — Encarou-o cruzando os braços, esperando uma resposta.

— N-não, senhor, eu...

— Acha que não percebi que me evita, já que não veio mais aqui nem para buscar as sobras para sua família como você sempre fez! Sabe, se eu não estivesse entravado nessa maldita cadeira de rodas, teria levado na sua casa, porque sei que fez falta para sua família, mas você sabe, não passo de um inútil, um aleijado!

— Não diga isso, senhor Craig! — falou exaltado com aquela declaração.

— Digo a verdade, Charles! Mas o pior de tudo é perceber que meu homem de confiança anda tão arredio, que mudou comigo!

— Ah, senhor... eu... me desculpe! — pediu emocionado.

— Vou perguntar de novo, Charles. O que está acontecendo? — perguntou sério.

— Não sei, senhor, me desculpe! — declarou com sinceridade.

— Por acaso tem a ver com você ter me desobedecido, e graças a isso ter encontrado Antonella?

— Claro que não, senhor! — negou envergonhado.

— Porque se for, Charles, quero que saiba que se por um momento eu imaginasse que Antonella estava nas minhas terras, ferida e precisando de socorro, eu jamais impediria você de procurá-la, na verdade eu... eu quero dizer que me arrependo de ter negado o seu pedido. Me perdoe por isso! — falou sem conter as lágrimas que começava a escorrer pela sua face.

— Senhor, não tem que pedir perdão por nada. Imagina, o senhor não podia imaginar, só estava preocupado com a plantação e...

— Sim, Charles — confirmou secando com um lenço as suas lágrimas. — Apenas pensei na plantação, em danificá-la e nos prejuízos que um monte de homens poderia me causar se vasculhassem sem zelo as minhas terras... Não pensei na pobre Antonella, tão boa moça, trabalhadora e... Não pensei na vida dela, e isso me torna um desgraçado desprezível — declarou fazendo um gesto com a mão, impedindo Charles de protestar. — Eu errei proibindo que você a procurasse antes, lamento que por causa disso, Antonella não tenha sobrevivido. Vou carregar a culpa da sua morte para o meu túmulo, Charles! — disse em tom de arrependimento e pesar.

— Não, senhor, por favor, o senhor não tem culpa, o único culpado do que aconteceu é o monstro que atacou Antonella, que fez todas aquelas maldades com ela — falou lembrando da imagem deplorável da moça. — O médico falou que ela estava muito machucada e fraca, não tinha nenhuma chance de sobreviver e... talvez, depois de tudo que ela passou nos últimos dias, tenha sido melhor morrer do que... — falou emotivo.

— O xerife me contou que até furaram os olhos dela — Craig abaixou a cabeça, desviando o olhar de Charles que o fitava com expressão triste.

— Sim, ela estava horrível, senhor, tão magra, suja... Nunca poderei esquecer!

— Eu posso imaginar, Charles, só não consigo entender por qual motivo não a trouxe para minha casa, era mais perto, não era? — perguntou olhando nos olhos do empregado, que estremeceu.

— Me desculpe, senhor! Eu tive medo da sua reação porque te desobedeci, e ela precisava ser atendida logo por um médico. Não fique bravo comigo, senhor! — pediu arrependido.

— Não, não, Charles, pelo contrário, fico feliz que você a tenha encontrado e tentado salvar a vida dela. Só não quero perder os seus serviços ou que se afaste de mim. Você sabe que minha família sempre teve a sua em grande estima, seus pais serviram os meus, assim como os seus avós e as gerações passadas deles serviram fielmente aos meus antepassados. E eu estimo muito você e os serviços que tem prestado para mim. Acho até que você é meu único amigo, porque se preocupa mais comigo do que a família que me restou. Com exceção do meu querido sobrinho, ninguém vem me ver, ninguém liga para saber como estou. Sou sozinho, Charles, um aleijado, inútil e rejeitado que só tem a você com quem contar! — concluiu emocionado.

— Senhor Craig, pode contar comigo sempre, eu sou muito agradecido por tudo que já fez por mim, me desculpe se o decepcionei — falou comovido.

— Está desculpado, Charles, vamos colocar uma pedra nisso. Agora jante comigo, não me faça esta desfeita, meu amigo. Aí falamos da colheita, afinal, você veio aqui para me colocar à par, não é?

— Claro, senhor, vim para isso e... aceito o convite para jantar!

— Então vá na cozinha apanhar um prato e volte aqui para comer em minha companhia. Dispensei a Aracy mais cedo para que ela não fique perambulando até tarde pelas estradas, disse a ela que você ia comer comigo e prometi que amanhã quando ela chegasse, encontraria tudo organizado, como todas as vezes em que você jantou aqui — falou sorrindo com a lembrança.

— Claro, senhor, vou limpar tudo, fique tranquilo! — falou se levantando da mesa e seguindo na direção da cozinha, onde não teve dificuldades para achar um prato e talheres, afinal, como disse o solitário patrão, muitas vezes, ao chegar na casa grande para falar do trabalho realizado, o bom homem o fazia se sentar à mesa e se servir. Em agradecimento, Charles organizava a pequena bagunça para não deixar para a empregada no dia seguinte.

Charles retornou para a mesa segurando seu prato, se sentou animado no mesmo lugar que ocupava antes, ao que Craig sorriu feliz.

— Sirva-se, a sopa ainda está quente e a Iracy caprichou! — Deu um sorriso largo enquanto levava um bocado à boca. Seu olhar, no entanto, pareceu assustadoramente excitado por um momento, o que deixou o empregado confuso.

Charles olhou para o patrão e em seguida para o caldeirão à sua frente, o aroma só aumentava a sua fome, e mais uma vez se sentiu envergonhado com os pensamentos ruins que vieram na sua mente naquele momento. Disposto a colocar um ponto final no desconforto que sentiu nos últimos dias, tratou de tirar uma enorme porção da sopa, enchendo o prato.

— Isso, coma à vontade, depois pode levar o que sobrar para a sua família! — Sorriu.

— Obrigado, senhor! — agradeceu sorrindo a generosidade do patrão, levando em seguida a primeira colherada à boca.

Logo Charles devorava a refeição, ainda tinha um pouco no prato, mas ele já planejava uma repetição, estava realmente faminto.

Craig, no entanto, finalizou a sua porção e se mostrava satisfeito, então apenas sorria com simpatia para o seu empregado, que começava a achar que estava sendo analisado pelo patrão.

O olhar simpático de Craig, aos poucos mudara, mas nada que Charles pudesse perceber. O fazendeiro parecia apenas menos empolgado do que antes.

— Preciso ir ao banheiro! — Charles falou se apoiando na mesa para se levantar, mas voltou a se sentar tão logo percebera que suas pernas estavam bambas, não tinham forças para mantê-lo em pé.

— Algum problema, Charles? — Craig perguntou solícito.

— Não sei... Fiquei tonto de repente — disse assustado.

— Você deve estar cansado, disse que não tinha almoçado — falou apontando para o prato do empregado. — Você comeu tudo tão rápido! Deve ser só um mal-estar — observou sorrindo, ao que Charles percebeu um brilho estranho em seu olhar, enquanto a tontura parecia aumentar.

— E-eu preciso ir, senhor! — disse de repente tentando mais uma vez se levantar, ao que seu coração disparou ao perceber que não seria capaz de sair do lugar. — N-não c-consigo me...

— Tudo bem, Charles, eu vou te ajudar — falou o fazendeiro, ao que Charles sentiu o estômago revirar e o corpo esmaecer ainda mais ao constatar que seu patrão ficara em pé.

— E-eu não... — disse tentando levar uma mão até a testa para averiguar se estava febril, o que explicaria aquela alucinação, mas nem sequer conseguiu erguer o braço.

Charles viu a cadeira de rodas vazia sendo empurrada para o lado dele, seu olhar aterrorizado encontrou o olhar duro do patrão que sorria para ele.

— Venha, eu te ajudo — declarou se inclinando sobre o corpo de Charles, apoiando as costas dele com os seus braços e forçando-o a se levantar, para em seguida deixá-lo cair sentado na cadeira de rodas antes usada por ele.

Charles sabia que algo ruim estava acontecendo, mesmo considerando que poderia estar alucinando ou tendo um pesadelo. Aos poucos sua visão ficou turva, logo não via mais nada, mas ainda ouvia Craig cantarolar em um assovio fúnebre enquanto o conduzia sentado na cadeira de rodas pela casa adentro.

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