Perfeitamente Quebrados

By LucasBrasilS03

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[Vencedor do Wattys 2017] Capa by @anniectorres Uma infância traumatizante, uma adolescência a ser esquecid... More

Prólogo
Professor Pedro
Bruna
Quando o amor acaba
O grande dia
O início do meu fim
Eu e ele
Estou aqui
Problemas
Que horas são?
Família Garcez
*PERSONAGENS*
Reunião de pais
Segredo
Amigos
Olá Anônimo
Café da manhã
Convite
AVISO
Vende-se
O Baile - Parte I
O Baile - Parte II
AGRADECIMENTOS
NÃO É CAPÍTULO
Booktrailer! *Leia*
Casa de praia
*AVISO* Grupo Whats
*MAIS AVISOS*
Desespero
Acorde!
*ENTREVISTA*
Jantar
Até mais
OBRIGADO
Lar doce lar
Sentiu minha falta?
Wattys 2017
Um Novo Tempo
A gente se vê
Eu voltei
Batman e Alfred
"Relembrar é Sofrer"
À Luta!
LEIA
Irmãos
Teo

Um Presente de Natal

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By LucasBrasilS03

Finalmente saiuuu gente, fiquei HORAS escrevendo esse capítulo que eu tanto aguardava e agora tô com um baita medo de ter ficado uma bosta! Por favor, digam no fim o que acharam, a verdade! Hahaha E desculpa o capítulo enorme!!
Beijossss

------------------------

Quase um mês depois do Baile...

—Você já fez as malas? Já está pronto? Você vai mesmo né!? — interrogava Sam do outro lado linha enquanto eu arrumava as coisas com uma mão e falava ao telefone com outra.

—Desse jeito você me deixa nervoso! Sim, claro que eu vou. — falei já irritado. —E estou tentando arrumar a mala mas com uma das mãos ocupada fica difícil.

—Ok ok, entendi o recado. — bufou em alívio. —Essa viagem só é muito importante pra mim. Mas ela só é importante se vocês forem. Então fiquei nervoso.

—Tudo bem Sam, não se preocupa, eu entendo. Agora deixa eu ir que preciso terminar de arrumar as coisas beleza?

—Beleza irmão. Espero vocês mais tarde, tchau!

—Tchau! — respondi desligando o celular.

Sam andava paranoico com essa viagem, já fazia mais de um mês que ela estava planejada e desde então era só o que ele falava. E hoje finalmente partíriamos pela noite.

E claro que eu também estava ansioso. Afinal, é véspera de Natal. Minha data favorita do ano! E eu a passaria com meus melhores amigos. O que mais poderia querer?

Aproveitei o bom humor que essa época me concede e continuei a arrumar as malas. Como iria levar apenas o básico para alguns dias, não demorou muito pra que eu terminasse.

No final estava tudo impecavelmente arrumado, e não falo apenas das bagagens pra viagem, mas também da casa. Fiz uma limpa geral e o apê ficou novinho em folha.

Me joguei na cama e peguei o celular.

—Oi Docinho! — sorri na mesma hora em que ela atendeu.

—Você e esse seu Docinho hein!? Quer mesmo ganhar um galo na cabeça como nos velhos tempos. — respondeu Larissa. —E a propósito...oi pra você também.

—Agindo assim você só comprova que estou certo em te chamar de Docinho. — ao contrário do que podia parecer, eu não a chamava de "Docinho" em vão ou porque ela era um doce. Era mais uma referência a personagem Docinho das meninas superpoderosas,  que bem sabemos que de docinho não tem nada...

—Enfim, o Sam já te ligou? — perguntou.

—Se ele me ligou? — ri, mas de nervoso. —Desde as cinco horas de hoje que ele começou com as ligações! Eu nem dormi Larissa! — ouvi sua gargalhada na ligação.

—Bem feito! Aliás, isso me lembra um episódio... Não é mesmo Pedro?

—Não sei de nada...

—Aham! Sei. — falou me acusando. —Tá bom, olha, eu já arrumei minhas coisas, vamos no seu carro né?

—Sim. Eu passo aí umas 19h.

—Certo, vou te esperar ansiosamente! Agora preciso ir, beijo!

—Beijo. Amo você, Docinho!

—Também amo você, bobo! — desligou.

Larissa tinha voltado a morar na casa dela fazia algumas semanas. Tínhamos decidido que se íamos tentar algo, seria bom que fôssemos devagar, sem pular etapas. No início ela ficou apreensiva pelo fato de que eu ficaria sozinho, mas depois acabou concordando.

Devo admitir que acabei me acostumando com sua presença em casa e agora sem ela estava difícil, de certa forma eu dependia dela, e ela de mim. No entanto ela vivia aqui em casa, vinha sempre que podia, e eu ia em sua casa também.

Continuei deitado, estava cansado e precisava dormir. Iria dirigir a noite toda e precisava estar esperto para a estrada.

Não demorou muito e caí no sono, tão rápido que depois nem lembrei como aconteceu.

***

Buzinei algumas vezes e poucos minutos depois vi Larissa saindo pela porta com algumas... Não, espera, várias malas! Desço do carro e vou em sua direção pra ajudá-la.

—O que é tudo isso? — pergunto chocado.

—Minhas coisas pra viagem oras! — respondeu como se fosse extremamente natural levar aquela quantidade de coisas para uma viagem de dois dias.

—Não sabia que estávamos de mudança então. — respondi ironicamente enquanto levava as malas para o carro.

—Ha ha ha! Muito engraçado seu Pedro. — falava enquanto me ajudava a carregar as coisas.

Assim que terminamos a mala do meu carro já estava lotada e apenas 5% do espaço era ocupado pelas minhas coisas. O resto... Já sabe.

Entramos no carro e mais uma vez Larissa foi a primeira a dar play. Novamente, fui obrigado a ouvir suas músicas. Eu só esperava que essa brincadeira não valesse na viagem, não iria aguentar dirigir com aquele fundo musical. No mínimo eu enlouqueceria e desviaria o carro para uma árvore.

Da casa de Larissa fomos pegar o Leo, depois o Sam e então partimos para a feirinha de Natal que acontece todo ano na Praça Osório. Nessa época do ano esse enorme calçadão no Centro é ocupado pelos mais diversos tipos de barracas, onde vendem comidas especiais de Natal, souvenirs e tantas outras coisas.

Passeamos um pouco por ali, compramos algumas besteiras e também alguns doces. Escolhemos ir de noite pois a iluminação era incrível, na cidade toda, e ainda mais no Centro.

Depois de andar um pouquinho pelo calçadão saímos da feira e fomos atrás de um restaurante ali por perto. Não demorou muito e encontramos um, era um restaurante retrô e ficava bem escondido, só o encontramos pois na porta tinha uma placa, mas por fora não dava para saber que havia um restaurante ali. Subimos a longa escada que havia depois daquela porta e lá em cima nos surpreendemos com a imensidão e beleza do lugar.

Músicas de Natal ecoavam por todo o estabelecimento como um fundo musical, suave como música clássica. A iluminação era forte, as paredes eram de um vermelho quente e pelo teto estavam penduradas algumas bolas decorativas e nas paredes algumas guirlandas estavam postas estrategicamente. E não bastava isso, no fundo, quase na janela, havia uma enorme árvore de Natal e ao lado dela uma miniatura de Papai Noel muito engraçada.

O lugar estava cheio, famílias de todos os tipos ocupavam as mesas e se ouvia risadas a todo momento. Crianças falavam e brincavam entre si, conversando sobre suas expectativas acerca dos presentes que Papai Noel traria.

O clima era de muita alegria e gratidão. Vi que Larissa e os garotos estavam tão admirados quanto eu, nos olhamos e foi como se telepaticamente concordássemos que ficaríamos ali.

Logo um garçom veio em nossa direção e nos levou a uma mesa na parede muito bem iluminada, fizemos nossos pedidos e ele saiu em direção à cozinha.

—Esse lugar é mágico! — disse Larissa e nós todos concordamos estupefatos.

—Incrível! Não sei como nunca ouvimos falar dele antes! — disse Leo.

—Estão ansiosos galera? — perguntou Sam sorrindo.

—Claro! Nem sei mais o que esperar, o dia já tem sido fantástico. — disse Leo.

—Ah, eu queria que fosse Natal todos os dias... — exasperei em frustração. Daqui a apenas alguns dias tudo aquilo acabaria e voltaríamos às nossas vidas, as decorações sumiriam, e toda aquela alegria também iria embora. É a verdade. Não que as pessoas não sejam alegres quando não é Natal, mas não são tão alegres quanto nele. E até entendo.

De qualquer forma aproveitaria aquele Natal como se fosse o último.

—Sam, antes de irmos eu queria perguntar se tá tudo bem se dermos uma passadinha em um lugar antes. — perguntou Leo.

—Er... Claro, tudo bem eu acho. Mas que lugar é esse? — perguntou Sam.

—Vocês vão ver. — falou em tom de suspense, me deixando curioso.

Uns 15 minutos depois nossos pedidos chegaram, comemos e no fim tivemos que ir embora com muito pesar.

—Não queria ir embora. — disse Larissa triste.

A abracei e falei:

—Ei. O Natal só começou. Tenho certeza que ainda vamos nos surpreender bastante. — falei confortando-a e assim fomos abraçados no longo caminho até o carro.

—Ai, vocês são melosos demais. Minha mente não aguenta! — disse Sam revirando os olhos, que estava nos observando.

Sam e Leo fizeram a maior festa quando eu e Larissa contamos sobre nosso novo relacionamento.

Aleluias! Me perguntava quando esse lerdo ia perceber que você gostava dele! — falou Sam estendendo as mãos pro céu.

—Eu já tava vendo você perdendo ela pro George... — agora foi Leo que falou e dei um murro em seu ombro. Enquanto Larissa apenas ria.

—Não reclama não. Não era tu que dava de cupido pra cima da gente? Agora lide com isso. — falei o lembrando de seu papel na história toda.

Ele ia falar algo mas desistiu.

—Então... — falei. —Aonde nós vamos Leo? — perguntei.

—Calma gente, vocês vão já ver. — ele sorria a cada vez que perguntávamos.

—Espero que não esteja planejando nos levar em uma boate, ou um bar strip ou sabe... Nesses lugares nada divertidos que eu não gosto nem um pouco. — disse Sam inocentemente.

—Pelo amor cara! — retrucou Leo. —Não!

—Quem vai num lugar assim em pleno Natal? — Larissa pensou alto e Sam se encolheu. —Quer saber, esquece. Não responda. — disse dando seu típico olhar de reprovação para Sam.

—Primeiro, quem trabalha num lugar desses em pleno Natal!? — questionou Leo surpreso.

—Ah, você não acreditaria meu amigo! — falou Sam com malícia em suas palavras. Sua frase claramente carregava histórias, mas não estava disposto a ouvi-las no momento.

—Tá, tá... Depois a gente te dá a oportunidade de contar. — falei.

—Eu hein! Vocês são uns coroas baita estraga prazer! — resmungou Sam.

E no mesmo instante Larissa deu um salto de meu abraço e deu uns murros em Sam.

—AI! — gritou colocando as mãos na frente do rosto se protegendo.

—Ora, seu idiota! Quem é coroa aqui hein!?? Quem? — Larissa o atacava.

—Ninguém, ninguém!

—Foi o que pensei. — disse ela se recompondo e ajeitando seus cabelos. —Só porque é dois anos mais novo que a gente... Iludido. Eu sei que você pinta o cabelo.

Sam arregalou os olhos e eu e Leo também.

—E...eu o... Quê? — gaguejou Sam.

—E aliás, você tá pintando errado neném. Essa tinta é mais clara que seu cabelo, além do que de longe eu tô vendo essas aberrações brancas no meio desse mar preto. — Larissa terminou de falar e eu e Leo nos entreolhamos caindo na gargalhada. Sam estava vermelhinho.

—Qual o problema de eu querer cuidar da minha aparência? — resmungou.

—Nenhuma amorzinho, só faz direito da próxima e pensa bem antes de chamar a gente de coroa. — disse Larissa colocando a mão em seu rosto e depois bagunçando sua juba.

—Essa eu não vou esquecer hein... — disse Leo.

—Ah, cala a boca e leva logo a gente vai! — Sam estava irritado como uma criança de 4 anos. Fazendo bico e tudo.

Continuamos caminhando pelo centro e fazendo o mesmo caminho mais uma vez, passando pela feira no calçadão que já estava quase encerrando e indo em direção a rua onde deixamos o carro estacionado.

—Pedro, tem problema se eu dirigir? — perguntou Leo.

—Problema nenhum! — sorri e joguei as chaves do carro para ele. Entramos e assim Leo começou a nos conduzir para algum lugar misterioso.

Estávamos em movimento até que de repente Leo parou o carro.

—Chegamos! — disse ele.

"Já?", pensei. Não havíamos percorrido nem 10 minutos de carro. Olhei pela janela e vi a minha direita um casarão aparentemente antigo. Não éramos os únicos ali, havia várias crianças e alguns adultos também. Estavam na área da frente, entrando e saindo com várias sacolas. As crianças sorriam e pulavam de felicidade. A decoração do local era bem simples e ele não era lá essa beleza. Todavia, a energia daquelas crianças... Tornava o lugar belo.

—Que lugar é esse Leo? — perguntei fascinado.

—Um abrigo! — respondeu sorrindo, mas em seu sorriso eu via uma ponta de tristeza também.

—E por que nos trouxe aqui? — dessa vez Larissa que perguntou.

—Porque... Bem, eu falei para mim mesmo que nesse Natal eu faria algo diferente. E nada melhor do que ser o Papai Noel dessas crianças. — falou. —Venham, vamos descendo! — disse saindo do carro. Nós o acompanhamos e fizemos o mesmo.

Só então quando estávamos fora que me dei conta de que Leo ainda carregava as sacolas de suas compras na feira. Mas é claro. Ele comprara aqueles doces e brinquedos para elas. Me senti mal pois não tinha levado nada.

—Leo... Eu não sabia, não tenho nada para essas crianças... — falei.

—Relaxe, eu trouxe o suficiente por todos nós. Agora vamos!

Assim, atravessamos e nos aproximamos daquela casa. Pelo visto outros adultos assim como nós tinham escolhido aquele dia para ir ali, porém eram poucos. Deduzi que aquele lugar não era tão conhecido, e se era, as pessoas não iam ali com tanta frequência.

Uma senhora nos viu e sorriu se aproximando. Ela era bem idosa, dos cabelos grisalhos e lisos, usava um óculos redondo e você podia jurar que ela era a encarnação da Mamãe Noel.

—Bem vindos queridos! Feliz Natal! — disse ela.

—Feliz Natal! — falamos em uníssono.

—Leo, ó querido... — disse ela desviando sua atenção para ele. —Obrigado por vir, significa o mundo!

—Imagina Aurora! É o mínimo que eu poderia fazer.

—Ora, onde estão meus modos? Venham, entrem, não fiquem aqui fora nesse vento frio! — disse a senhora nos chamando para dentro.

Assim que entramos novamente me surpreendi, com a situação precária daquele lugar e de como no entanto ele era ao mesmo tempo tão vivo e irradiava alegria.

—Me desculpem pelo... Bem, pelo estado do estabelecimento. Nós nos viramos aqui, e não somos financiados pela prefeitura. Mas sintam-se em casa! — ela sorria com a mesma intensidade daquelas crianças. Talvez tivessem aprendido com ela.

—As crianças são tão...felizes! — falei, obviamente surpreso e ainda fascinado.

A senhora parece ter ficado mais séria e assumiu um semblante triste.

—Ah... Querido. Nem sempre é assim. — disse ela. —As crianças... Bem, elas fazem o melhor que podem, e é Natal, mas ainda assim... Nem tudo é flores. As crianças apenas são guerreiras mais fortes do que nós, suponho.

—Entendo. — eu olhava para as crianças ali, alguns adultos brincavam e conversavam com algumas delas. Estavam ganhando roupas, brinquedos, comida, etc.

Havia algumas beliches e vários colchões espalhados pelo pátio dos fundos. O lugar era maior do que aparentava ser por fora, mas faltava recursos.

—Vamos, vou avisar as crianças que vocês chegaram! — ela saiu em direção ao pátio e nós a seguimos.

Logo algumas crianças vieram correndo em sua direção e a abraçaram. Aquela senhora era como um anjo.

Olhei para os outros, e quando bati os olhos em Sam, o vi chorando e lutando para conter as lágrimas. Estranhara o fato de que estava tão quieto desde que chegamos, mas agora entendia. Também era difícil para mim ver e estar naquele lugar. Tantas memórias vinham à tona. Caminhei até ele e o abracei.

—Pedro... Eu... — ele chorava.

—Eu sei, eu sei maninho. Não precisa falar nada. — o interrompi e saímos do abraço.

—Garotos, Leo está nos chamando. — disse Larissa quando viu que terminamos. Fomos até Leo, que estava abaixado falando com alguns dos pequenos.

Nos juntamos a ele e vimos os olhos daquelas crianças brilharem. Logo um garotinho se aproximou de Sam e começou a puxar papo com ele.

—Ô moço, por quê você tá vestido pro Halloween? — perguntou pra Sam, que estava sempre vestido de preto.

Agora Sam ria e brincava com o pequeno.

Conheci e brinquei com algumas, demos a elas brinquedos, doces e outras coisas que Leo havia comprado.

Logo foi minha vez de ficar abalado com aquela visita, pedi licença pra garotinha para quem eu dava alguns pirulitos e saí em busca de um banheiro ou algum lugar privado.

Adentrei em um corredor que levava ao interior da casa e ali achei a porta do que deveria ser o banheiro. Entrei e me tranquei.

Só então me dei conta de que não conseguia respirar. Meus pulmões pareciam ter travado e insistiam em expulsar incessantemente todo o ar que entrava. Tirei a camisa desesperado e apoiei as mãos na pia. Estava suando frio. Não sabia o que era aquilo.

Quando levantei a cabeça e olhei para o espelho, me vi criança, quando vivia em um destes lugares. A diferença é que eu não tinha uma Aurora na minha vida, pelo contrário, os adultos daquele lugar eram todos muito rudes e ignorantes. Não faziam aquilo por amor. Por sua vez, as crianças acabavam se isolando em seu próprio mundinho individual. Os únicos que interagiam entre si era eu e Sam.

Encarei o espelho fixamente por um bom tempo, minha respiração ia voltando ao normal assim como o ritmo do meu coração. Lavei o rosto, limpando-o do suor e das lágrimas e me vesti.

Destranquei a porta e saí dali, voltando para o pátio. Observava de longe Larissa, Sam e Leo entretendo outras crianças. Eram de todas as idades, algumas bem novinhas, e outras com cara de ter seus 11, 12 anos.

Era uma agitação só, pirralhos correndo por todos os lados. Como se alguém tivesse acabado de dar açúcar a eles.

Ouvi um grito feminino vindo da frente, ou de fora da casa. E aparentemente só eu ouvira já que todos estavam lá para o fundo do pátio.

Segui a voz até a área aberta da frente e encontrei Aurora parada na calçada em frente a casa.

—Aurora? — chamei. Ela percebeu minha presença e virou preocupada, esperando que fosse outra pessoa.

—Ah... Desculpe. — suspirou.

—O que houve?

—Uma das crianças fugiu... Não é a primeira vez, mas... Está tarde e...

—Ouvi o suficiente. Vou procurá-la.

Ela apenas assentiu e me deu um beijo no rosto agradecendo.

—Como é a criança? — perguntei.

—Bem, ele... Ele é um garotinho adorável. Seu cabelo é loiro escuro desgrenhado, sua pele é bronzeada, é baixinho e tem uns 6 anos.

—Certo. Já volto. — assegurei-a e parti rua afora em busca do garoto. Estava tarde e aquele não era um bairro muito seguro, ainda mais para uma criança vagar sozinha.

Estava andando há uns 10 minutos e não fazia ideia de onde procurar. A iluminação nas ruas era fraca e havia várias e várias possibilidades de caminhos.

Entrei em becos, ruas sem saída, etc. Nada do garoto. Decidi voltar para o abrigo no caso do piá ter aparecido e eu estar vagando por ali à toa.

No meio do caminho e já sem esperanças ouço uns latidos. Que ficam cada vez mais fortes. Começo a correr, apenas seguindo o som, pois daquele lugar eu nada conhecia.

Quanto mais corria mais o som daqueles latidos se intensificava.

Foi quando depois de fazer a curva em um beco, perto de um latão de lixo, encontrei um cachorro de frente para mim latindo e rosnando para o que vi serem dois homens que estavam de costas pra mim, tapando a visão.

—Ei! — gritei acelerando o passo na direção dos mesmos. Porém, eu ainda estava longe demais para que pudessem me ouvir.

Via agora o cão partindo pra cima de um dos homens, no entanto, este o chutou para longe, fazendo o cão gemer.

—Jack! Não! — uma terceira voz gritou, uma voz infantil. Ainda não tinha o visto mas foi o suficiente para que meus instintos agissem. O cão estava caído e agora os dois homens iam em direção ao que deduzi ser o garotinho.

Corri mais rápido e já a apenas alguns metros dos homens gritei novamente.

—Ei, imbecis! — os dois viraram assustados, mas logo que me viram sozinho relaxaram de novo.

—Você ainda pode correr de volta pra de onde veio. — disse o brutamonte a direita.

—E vocês ainda podem sair daqui vivos. — provoquei. Bastou apenas essa frase para que os dois se enfurecessem.

O da direita veio em minha direção levantando o braço para um soco, do qual desviei por baixo e levantei rapidamente desferindo um em seu rosto. O homem cambaleou para trás e o ignorei avançando para o próximo.

Quando virei vi que o outro capanga segurava o garoto pelos cabelos. O pequeno chorava e se debatia tentando se livrar das mãos do gigante mas todo esforço era em vão.

—Me solta, me solta! — o garotinho gritava com raiva.

—Solte ele por bem, ou vai ter que ser por mal. — falei.

—E você que vai me impedir? — disse cuspindo em deboche e depois rindo. Ele soltou os cabelos do garoto lançando-o no chão e veio em minha direção, revelando um canivete em uma das mãos.

Ele se aproximava e eu recuava de costas na mesma sincronia. O homem desferia facadas no ar mas eu continuava recuando, até que ele estava perto demais e não teve jeito.

Na sua próxima tentativa segurei seu braço com uma das mãos fazendo a arma cair, assim desarmando-o. Com sua mão livre ele tentou me socar mas eu também parei seu soco com a outra mão e o empurrei para longe, ganhando tempo.

Ele olhou para o chão e lembrei do canivete. Antes que ele conseguisse pegá-lo parti para cima do homem e o derrubei no chão, sufocávamos um ao outro até que ele conseguiu me acertar no rosto, me tirando de cima de si. Caí para o lado e quando vi, o mesmo já estava fugindo.

Levantei e caminhei até o garotinho. Ele se encolhia na escuridão e me olhava assustado. Estava com medo de mim?

Me abaixei com dor, segurando o antebraço com a mão direita.

—Oi, tudo bem? — falei encarando-o, na tentativa de decifrar o medo que consumia aqueles olhinhos os quais não conseguia identificar a cor, talvez pela escuridão do ambiente.

—O Jack... Ele tá machucado. — apontou para o cachorro enxugando suas lágrimas.

—Nós vamos cuidar dele tá bom? Eu prometo. — falei e ele fez que sim com a cabeça. —Qual o seu nome? — perguntei.

—Miguel. Meu nome é Miguel. — uma sensação estranha tomou conta de mim ao ouvir sua voz pronunciando aquele nome. Nem parecia que acabara de brigar com dois bandidos.

—E posso saber o que você veio fazer aqui a essa hora da noite, Miguel?

—Eu...eu... Vim brincar com o Jack. A tia Aurora não deixou eu vir mais cedo porque é Natal. Mas é Natal pro Jack também! Eu só queria ver ele...

—Ei, tudo bem! Ninguém vai te culpar ok? — falei o abraçando. —Agora vem, vamos levar você e o Jack de volta pro abrigo. — falei tomando o cachorro em meus braços enquanto mantinha Miguel do meu lado. Não iria perdê-lo de vista de novo.

Quando chegamos ao abrigo encontramos alguns carros da polícia estacionado em frente ao portão e de longe vi Aurora e o pessoal conversando com os policiais. Larissa chorava e Aurora também.

Leo foi o primeiro a ver eu e Miguel nos aproximando.

—Gente, são eles! — Leo gritou apontando para nós. E na mesma hora Larissa veio correndo em minha direção sem se importar com o cachorro entre nós e me deu um abraço, seguido de um beijo.

—Nunca mais faça isso ouviu? Nunca mais! — disse chorando. E eu não devia, mas ri, ainda com dor. Nos aproximamos dos outros e Leo e Sam vieram falar comigo.

—Estávamos preocupados cara! — disse Leo me abraçando e logo em seguida Sam.

—Miguel! — gritou Aurora e tentou correr em sua direção, mas estava velha demais para correr ou para se abaixar.

Coloquei Jack lá dentro e fui falar com os policiais. Relatei todo o ocorrido enquanto um deles anotava. Assim que terminei eles foram embora e disseram para ter cuidado da próxima vez. E eu esperava que não tivesse próxima vez.

Entrei no abrigo e os garotos vieram me perguntar o que aconteceu e eu contei tudo.

—Não podemos mais viajar! — disse Leo.

—É claro que podemos e vamos! Eu estou bem gente, de verdade. Deixem-me apenas falar com Aurora. — saí com a palavra final e fui a procura de Aurora.

Ela estava na sala cuidando de Jack que estava em cima de uma mesa.

—Aurora. — chamei.

—Pedro! — disse surpresa ao me ver. —Eu não tenho palavras para agradecer o que fez por Miguel.

—E nem precisa. O prazer foi meu. — respondi.

—Venha aqui, deixe-me cuidar desses seus ferimentos!

A adrenalina era tanta que eu nem havia percebido que estava sangrando e cheio de cortes pelos braços. Minha testa sangrava e meu nariz também. Parecia que eu tinha apanhado mas ah se eles vissem os outros!

Sentei e Aurora limpou minhas feridas e depois enfaixou os cortes em meus braços.

—Aurora? — perguntei.

—Oi querido.

—Conte-me mais sobre...Miguel. — falei sem tentar esconder minha curiosidade acerca do garoto. A senhora ficou mais séria e tentou desviar do assunto.

—Eu não acho que... Seja relevante no momento senhor Pedro. — falou.

—Por favor. — implorei. A velha expirou e se rendeu, começando a falar.

—Bem, Miguel é um... Garoto complicado, tem uma personalidade forte e ao mesmo tempo é um garoto muito sensível. Perdeu os dois pais há pouco mais de um ano e desde que está aqui não tem nenhum amigo. Se isola dos demais garotos e sempre que pode está fugindo. Seu único amigo é este vira-lata aqui...

—E o que aconteceu com seus pais? — sentia que ao fazer aquela pergunta estava entrando em um terreno arenoso e perigoso. Aurora engoliu em seco.

—O pai matou a mãe e manteve por um tempo uma relação abusiva com o menino. O vizinho descobriu e denunciou.

Fiquei em silêncio. Não acreditava no que acabara de ouvir. A história desse garoto era... No mínimo, horrível.

—Eu posso vê-lo?

—Claro, eu mandei que fosse tomar um banho, deve estar no meu quarto agora.

—Obrigado Aurora! — falei e saí.

Cheguei no quarto e bati na porta, abrindo-a devagarinho. Miguel estava na cama enxugando seus cabelos rebeldes enquanto assistia TV.

—Oi pirralho! — falei. —Posso entrar? — ele se espantou e virou-se em minha direção. Quando me viu acenou com a cabeça, permitindo que eu entrasse.

Me sentei ao seu lado na cama enquanto ele me olhava.

—Eu acho que ainda não me apresentei né? — sorri.

Ele fez que não com a cabeça.

—Bom, meu nome é Pedro. Não é tão bonito quanto Miguel, mas é meu nome. — ele sorriu. —Eu sei que a gente mal se conheceu, mas eu vim me despedir.

Então totalmente inesperado, vi Miguel se jogar em meu pescoço, me abraçando.

—Não vai, por favor! — falou com os olhos lacrimejando. Suas palavras me partiram o coração. Infelizmente eu tinha que ir, por mais que por algum motivo agora tudo que eu desejava era ficar ali naqueles bracinhos pra sempre.

—Olha, tenho algo pra você. — falei me afastando.

—O que é? — perguntou com os olhos brilhando.

Na verdade, eu não tinha planejado aquilo, for algo espontâneo.

Tirei meu relógio do pulso e entreguei em sua mão, já que obviamente era grande demais para o seu.

—Aqui! — falei mostrando-o. —Fique com ele. É uma promessa de que um dia eu vou voltar pra pegá-lo. Até lá cuide bem dele. Ok?

—Ok! — sorriu e me abraçou mais uma vez.

—E Miguel? — chamei. —Cuide bem da tia Aurora e do Jack. E não fuja mais pirralho, se não vou ter que brigar aí pela rua te procurando!

—Tá bom! — ele gargalhava.

Baguncei seus cabelos e ele riu mais uma vez.

—Tchau Miguel! — o beijei e me levantei.

—Tchau... — disse triste. O observei mais um pouquinho ali na cama enquanto mexia no relógio como se fosse um artefato mágico e sorri comigo mesmo.

Assim que virei e fui embora algo dentro de mim estava diferente. Algo tinha mudado. Eu voltaria por aquele garoto.

Cheguei no lado de fora casa.

—Vamos galera, temos uma viagem pra fazer! — falei.

Todos me olharam estranho.

—Que empolgação é essa Pedro? — Sam perguntou.

—Eu não sei... — estava feliz mas não sabia bem o porquê. —Vamos logo. Já é Natal!

Eles apenas concordaram sem entender e entramos no carro. A praia já nem me empolgava mais, e sim a pressa para que aquele feriado terminasse e eu voltasse.

Aquele foi meu primeiro de vários Natais com Miguel.

---------------------------

Narrador

Um pouco mais cedo nesse mesmo dia...

—Crianças! É hora de fazermos nossos pedidos para o Papai Noel! — tia Aurora falava. —Façam uma fila aqui!

O que Miguel ia pedir? Não queria brinquedos, nem balas, nem nada do tipo. Sua vez estava chegando e ele olhava atentamente aos amiguinhos e o que desejavam.

—Eu quero um carro de controle remoto! — dizia um.

—Eu quero um boneco do Superman! — dizia outro.

E cada vez maia sua vez se aproximava. Miguel sabia que aquele homem fantasiado e sentado naquela poltrona não era o Papai Noel de verdade. Todos sabiam que o Papai Noel só chegaria de noite, mas Miguel achou que talvez o verdadeiro Noel pudesse ouvi-lo.

Sua vez chegou e o homem o chamou com a mão o pondo em seu colo.

Ho ho ho! O que deseja de Natal menininho? — perguntou o homem barbudo.

Miguel pensou em todas as coisas que poderia pedir, mas de todos os desejos de seu coração um sobressaia os demais. E foi assim que teve certeza do que queria, tomou coragem e abriu sua boca para pedir o impossível.

Algo que Papai Noel não poderia comprar. Mas algo que o verdadeiro "Papai Noel" podia lhe dar.

—Eu quero um papai! Um papai de verdade! Que brinque comigo e também que cuide de mim.— falou sorrindo, e com fé.

O homem fantasiado o olhou cabisbaixo e sem reação.

Mas antes mesmo de sequer pensar responder o pequeno Miguel saltou de seu colo e correu para longe. Foi pra rua, esperar a qualquer momento seu presente chegar.











































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