Filosofia para Corajosos- Lui...

By Siquers

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O objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor L... More

APRESENTAÇÃO
PARTE I
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
PARTE II
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
PARTE III
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30

CAPÍTULO 12

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By Siquers

Materialismo

Essa palavra significa duas coisas em filosofia. A primeira, e mais

antiga, e mais importante, data da Grécia e quer dizer o seguinte:

tudo o que existe é feito de átomo, e quando morremos tudo acabará.

A segunda, mais recente, filha da tradição sociológica (Marx, no

século XIX, navega nesse sentido), quer dizer que o mundo do

pensamento, dos afetos e das instituições pode ser explicado pelas

relações materiais que se tem em sociedade, tais como modos de

produção, comércio, guerras, instituições, e por aí vai. Um exemplo

simples disso seria: se você anda de ônibus, você ama de um jeito; se

você anda de helicóptero, você ama de outro jeito. Entendeu? Amor,

aqui, seria função do modo como você se desloca no mundo, que por

sua vez seria função de quanta grana você tem, que por sua vez seria

função do seu lugar na cadeia produtiva de bens, ou seja, você é

agente ativo ou vítima passiva?

A importância desse viés está em nos ajudar

(independentemente da viagem louca de Marx e seu comunismo) a

pensar a sociedade sem nenhum recurso da metafísica como

fundamentação da história. Isto é, não pensar que a história possa ser

conhecida sem levar em conta as relações concretas que os homens

estabelecem entre si para criar o mundo em que vivem. E também

sem imaginar que exista um sentido metafísico para a história, ou

que ela esteja indo para algum lugar. A propósito, percebemos o

caráter metafísico de Marx na medida em que ele achava que a

história estava indo para algum lugar, a saber, o comunismo.

Vou voltar para a forma mais antiga de entender o

materialismo, porque ela é que atormenta os seres humanos comuns,

como eu e você. O materialismo histórico, como os marxistas

chamam sua teoria, apesar de ser bastante sofisticado (e, muitas

vezes, delirante quando quer prever o futuro e o comportamento

humano em sua totalidade), permanece muito distante da percepção

da realidade mais imediata que os meros mortais têm. Apesar de que,

de certa forma, o materialismo histórico é construído pelo combate

constante que os humanos têm com sua realidade precária e finita,

por isso mesmo econômica.

Mas, afinal, tudo é feito só de átomos?

Sim, segundo os gregos antigos, gente como Demócrito

(460-370 a.C.), Leucipo (filósofo pré-socrático), Epicuro e o romano

Lucrécio (99-55 a.C.). Não só a afirmação materialista (ou atomista) é

importante em si, mas as consequências dela, ou seja, não existiria

vida após a morte, nem a moral seria fundamentada num bem maior

metafísico. E isso é um problema para a maioria de nós, como já

falamos antes (eu, como disse, nunca me interessei pela vida após a

morte). E mais: se tudo é apenas matéria, e nada existe de metafísico,

como ficam os valores como o bem ou a justiça? (Esse problema

também já vimos.) O materialismo não é um problema em si, mas o é

pelas consequências que decorrem dele. A maioria das pessoas julga

que o materialismo nos levaria à depressão e à falta de sentido na

vida. Ao caos também. Será?

Muitos filósofos materialistas tentam responder a essas

perguntas, e veremos algumas delas aqui. A questão quase sempre é

responder ao nosso temor de que o materialismo nos transforme em

meros bichos, amontoados de átomos, sem valores, sem alma, sem

futuro. Será?

Não para Epicuro e Lucrécio. Mas, para muitos, suas

soluções são ou ingênuas ou desesperadas. Vejamos.

Não sabemos muita coisa sobre Demócrito e Leucipo,

além de que eles teriam sido os primeiros a falar de átomos como

partículas indivisíveis de que tudo seria feito. Até onde se sabe, para

eles, o universo, e nós dentro dele, seria composto dessas partículas

que se movimentam eternamente e sem destino, formando e

desformando corpos maiores e menores, mais densos e menos

densos, entre eles nossa alma, uma espécie de ar que se esvai com o

último suspiro. Portanto, nada de vida após a morte.

Epicuro e Lucrécio avançaram nessa ideia dizendo que os

átomos, por alguma razão, desviavam de sua rota sem destino e

batiam uns nos outros, formando e desformando os tais corpos que

compõem a matéria total do universo. Para essa virada, eles deram o

nome de clinâmen.

Para todos os atomistas antigos, portanto, o fundo da

realidade é caótico e sem sentido nenhum. Não se pode deduzir de

partículas doidas moral alguma, bem algum, justiça alguma, a não

ser a negação de qualquer ordem fundamentada nesse fundo da

realidade. É isso que afeta muita gente. Por quê?

Simples. Aqueles que acreditam em Deus ou similares

presumem que esse fundo da realidade é Ele ou sua vontade suprema

(portanto, um fundo da realidade metafísico e não físico, como os

átomos, e que se preocupa conosco acima de tudo). Deus sabe o que

faz, porque os crentes pensam que Ele é legal, mesmo que, às vezes,

seja um pouco difícil de entender.

Já para caras como Epicuro e Lucrécio, estamos sós nessa.

O universo é vazio em termos de planos, suas partículas vagam por

espaços infinitos, sem que ninguém saiba nada delas. É essa solidão

dos espaços infinitos que aterrorizava gênios como Blaise Pascal no

século XVII, após a física atomista newtoniana. Essa solidão grita em

nossos ouvidos palavras de espanto. Como enfrentá-la? Estamos aqui

num dos corações do drama humano.

Esse coração do drama humano aparece cada vez que o

sofrimento bate em nossa porta. Como sobreviver ao medo de que o

fundo da realidade seja a contingência (sorte-azar, acaso) dos

átomos? Não há ninguém ali para nos consolar? Os medievais

falavam muito de consolação da alma porque precisamos de

consolação. Os materialistas (que, além dos gregos fundadores,

somam gente como Nietzsche, Sartre, Camus, Cioran, entre outros),

ao longo da história da filosofia, tentaram algumas formas de

acalmar nosso coração amedrontado. Vejamos algumas delas.

Entre os antigos, tentava-se superar esse medo dizendo

que na hora da morte não estaríamos presentes, porque, uma vez a

morte instalada, não haveria consciência alguma dela, já que é a

negação da consciência. Sempre achei essa ideia epicurista ingênua,

na medida em que nosso medo não é o nada mas o sofrimento até a

morte, além da perda do que significa a vida em si. Mas Epicuro

estava em busca de um argumento que acalmasse os crentes diante do

medo de que os deu ses nos atormentariam em nossa eternidade. Ao

dizer que com a morte não estaríamos mais presentes em lugar

algum, Epicuro nos garantia que os deuses nada poderiam fazer

contra nós, na medida em que não existiríamos para ser

atormentados por eles. Esse aspecto do argumento me parece melhor

do que a tentativa de acalmar nosso medo da morte enquanto tal. O

repouso na pedra pode ser um fim razoável para uma consciência que

não relaxa nunca como a nossa.

Afora Sartre (século XX), que se equivocou feio quando

achou que Marx ficaria no lugar de Deus (risadas?), gente como

Nietzsche e Camus, filósofos ateus (e, portanto, muito próximos do

materialismo enquanto tal), apostou na busca da coragem como

virtude máxima, tentando virar o jogo e dizer que a coragem de

enfrentar a aparente falta de sentido da vida (intrínseca à ideia de

materialismo, finitude e inexistência da fundamentação do bem

moral), e não o medo dessa falta de sentido, é que nos daria gosto

pela vida. Será?

Será que somos tão corajosos assim? Espero que sim,

senão este manual de filosofia para corajosos não terá público. Até

porque a coragem não é algo que se compra em free shop. Como toda

virtude, como dizia Aristóteles, é um saber prático. Só se sabe o que

é coragem quando se é corajoso.

Concordo com Aristóteles, Nietzsche e Camus, mas acho

que visões como a materialista levam mais pessoas a remédios

ansiolíticos do que à coragem. Somos seres medrosos porque

sabemos mais do que devemos e menos do que precisamos. Essa

consequência "médica" do materialismo em nada depõe contra ele,

uma vez que descreve nosso desespero e não nega a afirmação

materialista acerca da finitude humana e da inexistência de uma

fundamentação absoluta para o bem – já que o fundo da realidade

seria o caos atômico e sua indiferença para com nossa necessidade de

sentido.

Enfim, os materialistas terão razão? Acho que sim, mas

não há provas nem que sim nem que não. As narrativas espíritas me

parecem infantis, mesmo porque os espíritos nunca sabem mais do

que nós. Entretanto, nosso desespero é tal que ainda assim a maioria

de nós crê neles. A coragem da qual fala Nietzsche e Camus me parece

uma ideia muito elegante e muito próxima da virtude heroica:

admiramos quem demonstra não ter medo diante do chefe ou de

qualquer situação mais dramática na vida, mas, assim como a

maioria dos europeus colaborou com os nazistas durante a Segunda

Guerra Mundial, creio que continuamos optando pelo medo e pela

mentira que servem à nossa sobrevivência. Apesar de a moral sofrer

com a teoria materialista, muitos filósofos sustentaram e sustentam

que não precisamos de deuses para agir segundo o que é certo (seja lá

o que isso for). Isso vamos ver no próximo capítulo, quando

enfrentaremos o que chamamos de moral ou ética.

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