O Presidente

By gioberlusse

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Os Estados Unidos nunca haviam tido um presidente tão jovem. Thomas Klint, 30 anos, tem a vida mais especulad... More

Ele
Jantar
Começo
Beijo
Turbulência
Indecisão
Revelações
Mudanças
Reações
Prêmio
Epílogo
Extra 1 - Damien
Extra 2 - Thomas
Extra 3 - Mike
Extra Final

Segredos

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By gioberlusse

Seus dedos percorriam as teclas do piano com agilidade e leveza. Tinha um sorriso no rosto e, às vezes me contemplava longamente enquanto tocava uma música calma e gostosa.

Meu coração batia acelerado só por saber que Thomas estava tocando apenas para mim. Percebi a dedicação que ele colocava na música só para me impressionar e fiquei lisonjeado com aquilo. Ele havia me dito que não tocava há um tempinho, mas aquilo não importava para mim. Aquela imagem ficaria gravada na minha memória para sempre: o presidente, tocando piano e olhando-me com carinho, como se estivesse dedicando a música a mim.

Seus dedos longos dedilhavam com maestria e elegância as teclas.

Sentei-me ao seu lado no banquinho, admirando mais de perto sua habilidade. Estava boquiaberto com a velocidade com que seus dedos se moviam, notando que era uma música rápida e repetitiva que exigia muita destreza nas mãos.

Thomas parou de tocar, finalizando a música, e sorriu para mim. Puxou-me pela nuca gentilmente e deu-me um beijo na bochecha.

—Posso te ensinar a tocar, quer? –sussurrou, com as sobrancelhas arqueadas

Assenti com a cabeça, ávido por aprender, já que eu não tocava nenhum instrumento musical. Ao mesmo tempo estava nervoso, pois minha coordenação motora não era das melhores.

Uma mão cobriu a minha e ele foi guiando meus dedos por cima das teclas, fazendo pressão quando eu devia apertá-las. Movemos nossos braços com sincronia e a melodia saiu lenta, mas sua paciência foi tão reconfortante que relaxei, mandando o nervosismo embora.

Tocamos juntos uma música lenta e, quando acabamos, ele bateu palmas.

—Muito bem! –acariciou meus cabelos. Eu estava um pouco acanhado e sabia que ele estava exagerando na reação.

—Foi uma das coisas mais bonitas que eu vi. Você tocando. –confessei enquanto ajeitava sua gravata

—Mesmo? –ele franziu o cenho- Faz tempo que não toco.

—Foi lindo. –selei seus lábios nos meus rapidamente

Ainda não havíamos conversado sobre a mãe dele, sobre sua presença na noite anterior e a discussão que haviam tido. Tínhamos acordado, nos vestido e eu havia insistido para que ele tocasse piano para mim. Mas as palavras dela ainda rondavam minha mente, me deixando preocupado e apreensivo.

—Você parece ansioso. Quer me falar algo? –fez uma carícia contínua em minhas costas

Era surpreendente como ele conseguia saber do que eu precisava com apenas um olhar. Como eu iria começar aquele assunto?

Respirei fundo e decidi falar sobre o que estava me deixando preocupado.

—É sobre a sua mãe. –engoli em seco- Sobre o que ela disse ontem

Thomas revirou os olhos, mas continuou me encarando, querendo saber o resto.

—Pensei que você não tivesse ouvido o que ela disse.

—Eu ouvi, ela não estava falando baixo, vamos ser honestos. –ri baixinho e ele apenas sorriu- Eu concordo com algumas coisas do que ela disse. Você não?

Não sabia como Thomas iria reagir, talvez fosse ficar irritado, mas ele não disse nada por uns instantes, apenas suspirou e entrelaçou seus dedos nos meus.

—Damien, minha mãe sempre cuidou de mim como se eu fosse feito de vidro. –disse seriamente- Eu nunca dei motivos pra ela duvidar da minha capacidade de ser presidente, ela sempre acreditou em mim. Mas o Thomas que gosta de homens ela nunca pôde aceitar. Por isso ela fala aquelas coisas sobre eu não conseguir administrar o país enquanto estou com você...

—Thomas, eu acredito em você, mas quando ela falou que você se dedicou tanto para conseguir chegar aqui e agora corre o risco de perder tudo por minha causa... Eu sei que é verdade. Nós estamos correndo um risco muito grande e ela tem razão. Eu não posso ser o responsável por te tirar da presidência. –ele franziu o cenho e segurou meu queixo

—Nunca diga isso, você não tem culpa de nada! –notei que sua respiração estava um pouco descompassada- Eu seria um idiota se não soubesse os riscos que estou correndo Damien.

Aquelas palavras me tranquilizaram porque eu já começava a me perguntar se ele estava um pouco fora da realidade, mas pelo visto não. Ele sabia o que estava fazendo.

—A verdade é que... –continuou- Eu nunca vivi de verdade. Sempre me dediquei aos estudos e nunca pude fazer outra coisa. Sempre que eu tentava me divertir eu me lembrava de que eu deveria estar estudando, não sei se você compreende isso. –Thomas respirou fundo e apertou carinhosamente minhas mãos- Eu só queria ter um pouco de paz, de conforto, junto a alguém. Quando te conheci eu quis que você fosse essa pessoa, para estar lá para mim. Fiquei um pouco cego quanto aos riscos que tudo isso poderia causar no início, mas agora já pensei bastante a respeito.

—Pensou? E o que decidiu? –indaguei com curiosidade, feliz por tele ter me contado aquilo

—Que nós não devemos parar por causa dos outros. Devemos continuar assim e tomar todas precauções possíveis. Não podemos deixar de fazer o que queremos.

—Thomas, as precauções foram por água abaixo no momento em que você me levou aquele restaurante. –o relembrei com apreensão

—Damien –ele engoliu em seco e pude notar que estava começando a ficar irritado- eu só quis ter uma noite agradável com você. Me desculpe, prometo que não vamos mais sair juntos para jantar.

—Não vamos mais sair? –murmurei com medo que ele ficasse mais irritado

—Você ainda trabalha aqui e precisa me acompanhar nos eventos oficiais. A não ser que não queira mais trabalhar aqui. –murmurou seriamente e notei um tom rude em sua voz

Aquela frase pairou sobre nós por alguns segundos, como um fantasma. Eu estava tentado a respondê-la com um "Não", porque seria mais fácil se não tivéssemos aquele laço trabalhista entre nós, mas eu estaria mentindo se o dissesse. A verdade é que eu pensava no meu currículo e em Thomas. Eu gostaria muito de ajudá-lo e conhecê-lo mais, não podia simplesmente deixá-lo daquele jeito, seria egoísta. Além disso, eu não teria um motivo concreto para vê-lo se fosse embora dali... Eu não queria deixá-lo, queria fazer parte daquilo tudo. Não poderia ir embora depois daquela noite, daqueles beijos, do piano... Do jeito que ele fazia eu me sentir.

—Não é isso, eu só estou preocupado com você. –deitei a cabeça em seu ombro- Não quero que nada de ruim aconteça.

—Uma guerra está acontecendo, já é ruim o bastante. –ele riu tristemente- Preciso me dedicar a resolver esse problema de Israel e depois a nossa situação.

—Nossa situação? –arqueei as sobrancelhas

—Sim, como e onde vamos nos encontrar, horários e códigos.

—Códigos? –afastei-me e encarei-o com desconfiança

—Você não sabia que todos presidentes têm códigos para momentos, digamos, –pigarreou- íntimos?

—E qual vai ser nosso código? –sorri

—Que tal Israel-Rússia?

—Você está nos nomeando a partir de uma guerra recente? –fingi estar surpreso- Os seguranças vão dizer: "o presidente está resolvendo o conflito Israel-Rússia"?

Gargalhamos até nossas barrigas doerem. O banco estava ficando desconfortável para nós dois, por isso nos levantamos logo em seguida, enquanto secávamos nossos olhos das lágrimas de alegria.

—Vamos para o Salão Oval?–ele perguntou- Tenho uma reunião marcada agora

—Claro que sim, senhor presidente –pisquei e passei em sua frente a caminho do corredor

Não pude dar muitos passos porque seu braço envolveu minha cintura e sua boca tratou logo de tomar conta do meu pescoço com beijos úmidos e quentes. Suspirei ao senti-lo atrás de mim e ter minhas costas apertadas contra seu peito.

Estava quase pedindo para ele parar, pois precisávamos ir até o Salão Oval, quando Oliver apareceu e me fez ficar mais vermelho que um tomate. Empurrei Thomas com rapidez e agradeci por ele não ter perdido o equilíbrio e caído no chão.

—Senhor –cumprimentou-o como se não tivesse visto nada e postou-se em seu lugar de sempre, no corredor, de frente para a sala

—Não precisava ter me empurrado desse jeito –Thomas fingiu estar indignado

—Thomas! –olhei para Oliver com nervosismo- Vamos logo. Ainda preciso escrever seus discursos. –saí a passos largos, ainda com o coração a mil

Ele me seguiu durante todo o trajeto rindo, com uma expressão debochada no rosto, as mãos nos bolsos e aquele andar altivo que só ele possuía. Todos que passavam o cumprimentavam e ele retribuía, mas eu podia sentir seus olhos azuis cravados em minhas costas, como se só eu fosse importante e digno de sua atenção. Respirei fundo, pois eu realmente não fazia ideia de onde estava me metendo.

______

Eu não conseguia prestar atenção em mais nada que não fosse ele. Todos na sala o encaravam atentamente. Suas palavras bem articuladas e o modo como ele gesticulava eram características de um líder nato, que conseguia prender a atenção com rapidez e maestria.

Éramos um grupo pequeno no Salão Oval: eu, Thomas, mais 3 homens e uma mulher. Eu apenas anotava algumas coisas em meu bloco de anotações enquanto observava cada reação.

Um dos homens era especialista em conflitos no Oriente Médio, outro especialista em segurança nacional e o outro vinha de Israel, não sabia ao certo o que ele fazia, mas me pareceu ser um diplomata ou representante do país. A mulher parecia ser mais importante, pois Thomas dava mais atenção à ela. Talvez fosse chefe do departamento de segurança ou da CIA.

Todos falavam inglês e pareciam muito cordiais, mas notei que um clima tenso pairava na sala. Não só ali, mas em todo país. Ninguém sabia ao certo como reagir a uma possível guerra após tantos anos sem uma intervenção tão invasiva em outros países.

Já havia passado uma hora de reunião e, quando eu comecei a bocejar discretamente a mulher levantou-se e os homens a seguiram. Todos apertaram a mão de Thomas antes de sair e retiraram-se da sala em silêncio. Havíamos conversado sobre a situação em Israel e como o conflito evoluía. Fiquei aliviado quando acabou.

Assim que a porta fechou-se atrás deles, Thomas suspirou e tirou a gravata, deitando-se no sofá.

—O que você anotou aí? –apoiou-se nos cotovelos para me olhar melhor, encarando o bloco de notas em minhas mãos

Sentei-me numa poltrona a sua frente.

—Nada demais, só algumas coisas sobre as quais eu não sabia, com relação a protocolo e sobre a guerra. Vamos ter uma guerra ou não? –perguntei cautelosamente

—Ainda não sei. Infelizmente não tenho bola de cristal. –riu baixinho

—Tecnicamente você fabrica a bola de cristal, afinal, você é o presidente. –sorri com brincadeira

—Queria que a realidade fosse assim –espreguiçou-se no sofá.- Quantos minutos ainda tenho?

Laura havia nos lembrado, assim que havíamos chegado, da conferência com a imprensa que Thomas faria naquele dia. Ele havia esquecido completamente, e eu também, e Margot tratou logo de deixá-lo a par dos assuntos, entregando-lhe um discurso novinho em folha (agradeci mentalmente por ela estar preparada, mas isso não a impediu de me olhar de um jeito assassino por não ter um discurso preparado).

—Meia hora –chequei o horário no celular

Thomas sentou-se e ficou massageando as têmporas com os dedos. Estava de olhos fechados, reparei nas suas olheiras e senti-me um pouco de tristeza por vê-lo tão cansado. Ajoelhei-me em sua frente e peguei sua gravata, recolocando-a sem pressa em seu pescoço.

—Obrigado –murmurou e beijou-me delicadamente

Terminei o nó e fiquei ali encarando-o de pertinho. Ele sempre tinha o mesmo cheiro, aquele perfume gostoso que eu já podia sentir em algumas das minhas roupas. Alguns fios rebeldes teimavam cair por sua testa, mas o deixava ainda mais bonito e mais parecido com um modelo.

—Thomas, se você não gostar mais de ser presidente você ainda pode ser modelo –falei, numa tentativa bem-sucedida de fazê-lo rir

—O que diriam se eu desistisse de tudo agora e estampasse a capa da GQ Style? –ri baixinho com aquela suposição

Meus joelhos começavam a reclamar da posição, por isso sentei-me ao seu lado. Thomas puxou-me para perto e eu apoiei minhas costas em seu braço, quase deitando em cima dele.

—Diriam que tivemos um presidente estiloso e bonito. –respondi

—E o que mais diriam se soubessem que eu namoro outro cara estiloso e bonito?

Arqueei as sobrancelhas. Então estávamos "namorando"? Fiquei surpreso com o rumo daquela conversa, indeciso entre aprofundá-la ou não. Mas como eu estava curioso, intrigado e se tratava do meu futuro, resolvi insistir.

—Nós estamos namorando? –indaguei e mordi os lábios, sem olhá-lo

—Você quer namorar comigo? –afastei-me e lhe encarei. Seus olhos brilhavam.

Ele me fitou de soslaio e senti meu rosto ficando quente. Aquela era uma pergunta difícil, visto que aquele namoro teria várias regras e diferenças em relação a qualquer outro namoro, porque ele era o presidente. Eu estava disposto a me aventurar daquele jeito?

—Não precisa me responder agora –sorriu gentilmente- Estou em cima da hora, não posso chegar atrasado.

Levantou-se e bocejou mais enquanto se espreguiçava. Inclinou-se para me dar um beijo rápido.

—Te vejo mais tarde? Ou você vai para casa?

—Acho que vou passar em casa, talvez jantar lá e depois voltar.

—Você pode vir para cá sempre. Se quiser pode trazer algumas roupas para deixá-las aqui.

Senti uma pontinha de esperança em sua voz, referindo-se ao convite que ele havia feito no dia anterior, para eu morar na residência oficial. Apenas sorri, sem querer desapontá-lo, mas não respondi e puxei-o para mais um beijo.

—Vou pensar sobre isso. Vai logo ou Margot vai colocar toda culpa em mim depois. –murmurei

Thomas levantou-se com preguiça, resmungando. Beijou-me rapidamente e saiu do Salão Oval. Quando a porta fechou respirei fundo, pois a presença imponente dele ainda me deixava um pouquinho nervoso. Sempre que eu o olhava me lembrava da noite anterior e do quanto havíamos nos beijado na suíte presidencial.

Caminhei até a mesa de trabalho dele. Era bem organizada, haviam duas pilhas pequenas de papéis, uma caneta tinteiro e o telefone através do qual era possível se comunicar com todas as salas da Casa Branca.

Tirei o telefone celular do bolso e disquei o número de casa. Encostei-me na mesa e esperei alguém atender.

—Residência dos Novak, quem fala? –revirei os olhos ao escutar a voz de Lilith

—Seu irmãozinho. Como vão as coisas?

—Damien! Você passou aqui muito rápido da última vez. Está trabalhando muito?

—Sim, mas hoje pretendo passar aí. –brinquei com o trinco da gaveta da mesa e a abri distraidamente

—Mesmo? Para jantar? –pensei no assunto enquanto fechava a gaveta. Comecei a abri-la e fechá-la em movimentos repetitivos, concentrando-me na conversa ao telefone

—Pode ser. Mas não vou dormir aí, vou dormir na Casa Branca.

—Eles te deixam dormir aí?! Pensei que você estivesse na casa de Jess esse tempo todo que não dormiu aqui –ela pareceu extasiada com a informação.

—Sim, fica mais fácil se eu dormir aqui. Preciso trabalhar e vou virar a madrugada escrevendo artigos e discursos. Quero uma janta bem gostosa -brinquei.

—Vou avisar a mamãe. Ela está alegre demais ultimamente, contou para todos que Thomas ligou só para perguntar o que você gosta de comer.

Franzi o cenho numa careta, sem saber o que minha mãe realmente achava daquilo. Será que desconfiava de algo?

—Ela não achou estranho ele ter perguntado isso? –indaguei de maneira ansiosa

—Não, imagina. Ele mesmo explicou, disse que estava tentando agradar os novos funcionários com um jantar especial.

"Funcionários", sei. Abri a gaveta com mais força sem querer e ela acabou caindo com um estrondo no chão. Os papéis se espalharam por todo o chão. Praguejei baixinho.

—D? O que houve?

—Derrubei umas coisas aqui. Vou chegar aí às dezoito, tudo bem?

—Sim, perfeito. Papai está no escritório, vai ficar lá até as dezesseis. Enquanto você não vem eu e mamãe vamos fazer compras e ir ao salão de beleza, ou seja, vamos tirar a tarde para ficarmos lindas –revirei os olhos com aquela fala.- Mamãe está ansiosa por uma visita sua, você nem imagina. Só fala em você agora.

—Preciso ir agora, Lilith. Até a noite, beijos.

—Tchau, estaremos te esperando!

Desliguei o celular e o deixei em cima da mesa. Abaixei-me com um resmungo para juntar todas as folhas. A gaveta não parecia ser tão pesada quando olhada de longe, mas ela era feita de uma madeira bruta e grossa, o que dificultou colocá-la no lugar.

Suspirei resignado enquanto juntava uma folha em cima da outra, pensando no que faria primeiro com aquele tempo todo até o jantar. Estava distraído enquanto recolhia as folhas, mas algo me fez ficar atento subitamente.

Havia uma pasta de papel pardo com algumas folhas dentro. No entanto, o que mais me chamou atenção foi o nome estampado na parte superior. Damien Novak.

Abri sem pensar duas vezes, com o coração acelerado de perturbação. Não parava de cogitar a hipótese de que, a qualquer momento, um segurança entraria ali e me levaria para ser torturado pela CIA. Minhas mãos tremeram de nervosismo quando peguei uma folha de dentro da pasta.

Continha uma foto minha, que eu havia tirado na faculdade. Ao lado, informações minhas, como idade, cor dos olhos, data de nascimento, nome dos pais e etc. Estreitei os olhos para aqueles papéis. Tinha a sensação de que havia acabado de descobrir algo que não era para eu ter descoberto.

Li uma breve descrição da minha personalidade, o que eu gostava de fazer e os lugares que frequentava. Arregalei os olhos ao perceber o que estava em minhas mãos. Então era aquela investigação que Thomas havia feito sobre mim? Folheei rapidamente o conteúdo da pasta enquanto olhava para a porta com medo de que alguém entrasse.

Passei os olhos brevemente e com rapidez pelos textos. Ele basicamente tinha uma agenda com informações sobre tudo o que eu havia feito durante 2 meses. Eu estava irritado, mas não surpreso. Eu sabia que ele havia investigado minha vida, mas ainda assim era estranho me deparar com aquilo.

Cheguei até a última folha e nela havia uma assinatura no final do papel. Fiquei boquiaberto e chocado ao perceber de quem era aquela caligrafia. Era de Mike. Li e reli diversas vezes seu nome ali, passei o dedo como se fosse um delírio meu, mas a letra era dele, com toda certeza, eu a reconheceria de longe.

Por que a assinatura dele constava naquela página? Minha respiração acelerou e tive que parar e respirar fundo para organizar meus pensamentos. Li o último trecho que havia na última folha.

"Como meus serviços não são mais requisitados pelo senhor presidente, retiro-me da minha tarefa imediatamente"

E logo abaixo sua assinatura. Ainda não acreditava no que estava diante dos meus olhos. O que aquilo tudo significava? Que fora Mike quem havia me espionado e investigado? Eu não estava irritado por ter sido investigado daquele jeito, pois eu já sabia, mas ser investigado por Mike, meu próprio namorado, que agora era ex?

Voltei algumas páginas, procurando por alguma data, qualquer dia, ano que fosse, porque eu precisava saber e me situar naquela teia. Os relatórios datavam de março de 2016.

Franzi o cenho e fiz os cálculos mentalmente. Havíamos nos conhecido numa festa feita em maio. Ou seja, Mike sabia tudo sobre a minha vida quando me "conheceu". Com irritação, pensei no quão bom ator ele era. Eu só conseguia pensar que ele havia mentido para mim todos aqueles meses.

Passara 2 meses, março e abril de 2016, me investigando e espionando a mando de Thomas? Isso não fazia sentido. Por que Mike? Será que ele trabalhava para a CIA ou FBI? Minha cabeça não parava de dar voltas. Com o coração acelerado ajeitei as folhas de qualquer jeito dentro da pasta e peguei meu celular de cima da mesa.

Eu ia descobrir tudo. Não suportava pensar que eu havia sido um "trabalho" para Mike. Não acreditava que ele havia mentido para mim daquele jeito. Disquei seu número rapidamente, mas caiu na caixa postal.

Uma luz de descoberta se acendeu dentro de mim abruptamente. Ele nunca estava disponível, sempre era chamado pelo seu "chefe" e, às vezes, aparecia com cortes e arranhões. Tudo se encaixava para logo se desencaixar. Ainda faltavam peças no meu quebra-cabeças, as principais, as razões pelas quais ele fizera aquilo.

Lembrei-me de um dia que ele me levara até seu apartamento, apenas até a entrada, havia me mostrado que era ali onde morava. Tentei refazer a rota, mentalmente, e descobri que sabia onde ficava o edifício.

Com euforia por ter me lembrado daquele dia, dobrei a pasta com dificuldade e a enfiei, com dificuldade, no bolso do paletó que eu carregava nos braços, já que estava muito calor. Arrumei a gaveta como pude e saí da sala apressado, em busca de um táxi, enquanto minha mente já inventava inúmeras suposições para tentar explicar a assinatura de Mike naqueles papéis.

Estava dobrando o corredor para sair quando quase caí em cima de Margot, que vinha com um passo apressado pelo mesmo lugar.

—Você não olha por onde anda?

—Margot –a cumprimentei com um aceno.

Era a última pessoa que eu queria encontrar. Ela continuava com a mesma expressão irritada da última vez.

—Dormiu aqui de novo? –arqueou as sobrancelhas

—Estou atrasado, podemos conversar depois se você quiser –falei, querendo fugir das garras dela o mais rapidamente possível

—Pensei que você fosse escutar Louise. Ela me falou de todas suas preocupações e eu a entendi, afinal, se ponha no lugar dela. -respirei fundo, pedindo calma a mim mesmo.- E vai ser bem difícil para vocês dois manterem isso em segredo, não é mesmo?

—Você devia estar feliz por Thomas –repliquei, mandando minha paciência para longe.r- Finalmente ele está vivendo e gostando de alguém. É uma pena que você não goste de mim, mas, querendo ou não eu trabalho aqui também. Sobre Louise, vou avisar Thomas que vocês andam bem próximas –estreitei os olhos e pude vê-la ficar tensa.- E você, mais do que ninguém deveria torcer por nós dois. Fiquei sabendo que tem uma namorada –ela arregalou os olhos e eu me senti mal por estar usando aquilo para escapar dela

Saí com passos largos e apressados da Casa Branca. Praticamente corri até a saída e, em um minuto, já estava na rua, um pouco tonto e confuso. Endireitei meus pensamentos e entrei no primeiro táxi que passou. Lhe falei o endereço e logo arrancamos pelas ruas de Washington.

Estava quente e eu me agarrava ao meu paletó como se fosse uma relíquia, a qual eu não poderia perder. Aos poucos minha respiração foi acalmando, os batimentos cardíacos desaceleraram e pude respirar e pensar com lucidez.

Fiz uma lista mental rapidamente, das coisas que eu precisava fazer:

1) Falar com Mike. Era o principal no momento.

2) Perguntar por que sua assinatura estava naqueles papéis.

3) Onde ele realmente trabalhava?

4) Como conheceu Thomas?

5) O que havia sido mentira e o que havia sido verdade até agora?

Se eu não anotasse aquelas perguntas eu as esqueceria, mas, pela primeira vez, confiei em meu cérebro para lembrar-me depois.

Não havia um tráfego muito intenso, pois era horário de expediente e a maioria das pessoas estava trabalhando. Mordi os lábios nervosamente, ansioso por chegar logo ao lugar onde eu só havia ido uma vez.

Ainda me lembrava das palavras de Mike no dia em que estivéramos em frente ao edifício.

—É aqui que eu moro –falou, apertando minha mão carinhosamente

Olhei para cima. Era um prédio com, no mínimo, 10 andares, com janelas de vidro, e parecia ser bem luxuoso. Havia uma guarita no portão e imaginei que o zelador ou porteiro estivesse ali. Era muito bonito, bem decorado e tinha muito verde a sua volta.

—Nós vamos entrar? –perguntei, querendo conhecer sua casa, seu quarto e tudo sobre ele

—Outro dia. Hoje eu quero te levar para outro lugar. –sorriu e me beijou ali, no meio da rua

Depois daquilo havíamos ido a um parque bem arborizado passear, caminhar e namorar. Fechei os olhos com as memórias que entupiam minha mente. Lembrava das suas roupas daquele dia, do cabelo, do quão alegre ele estava, bem diferente dos últimos dias que estivemos juntos. No início Mike fora um namorado perfeito, carinhoso e atencioso. Ele continuou assim até o fim, só que menos atencioso.

Aquelas escapadas dele quando estava comigo sempre foram estranhas. Xinguei-me mentalmente por nunca ter percebido que podia haver algo errado ali. Ele recebia um telefonema ou uma mensagem e pronto, tinha que me deixar imediatamente e ir para o "trabalho". Senti um frio na barriga só de imaginar qual seria seu trabalho real.

E os machucados... Ele havia me dito que conseguira aquele corte na sobrancelha na academia. Da última vez ele tinha marcas roxas nos braços. Tudo ficava mais e mais esquisito.

—Chegamos –o taxista anunciou

Estava perdido em devaneios, nem vi o tempo passar e muito menos prestei atenção às ruas de tão absorto que me encontrava. Paguei o motorista rapidamente e desci do carro com ansiedade, o paletó ainda em meus braços, apertado como se pudesse criar pernas e fugir.

Olhei para cima, constatando que era aquele prédio mesmo. Ele brilhava, era todo feito de vidro e o jardim a sua volta era colorido e vibrante. Eu estava na mesma calçada em que Mike e eu estivéramos, meses atrás. Um arrepio passou pelo meu corpo quando caiu a ficha de que ele havia escondido muitas coisas de mim.

Tomei coragem e, em passos largos, me encaminhei até a guarita. Havia um homem ali, conversando ao telefone com alguém. Um vidro me separava dele, mas havia um círculo através do qual podia-se falar com ele. Bati no vidro com receio e ele me olhou com cara feia.

Possuía traços mexicanos e um bigode acima dos lábios. Desligou o telefone com resignação e aproximou-se do vidro.

—Em que posso ajudar? –perguntou com um sotaque forte

—Vim visitar Mike. –falei, tentando soar simpático

Ele me analisou por alguns segundos. Reparei no crachá no bolso da sua camisa, Elias Carrillo. Elias franziu o cenho para mim e interpretei aquilo como desconhecimento.

—Mike Port? –tentei novamente

—Não mora nenhum Mike aqui. –respondeu

—Tem certeza? –meu coração batia com velocidade. Tirei meu celular do bolso e procurei na galeria até achar uma foto de Mike, com minhas mãos tremendo. Mostrei-a através do vidro.- Não viu esse cara por aqui nunca?

—Você é da polícia? –me olhou desconfiado

—Não. –vi que Elias olhou para a foto no celular e tentou lembrar, mas não adiantou muito- Por favor, você viu essa pessoa aqui? –insisti, mostrando novamente a foto

—Nunca vi. O senhor pode ir embora agora? –ele estava um pouco tenso e me perguntei se talvez não fosse um imigrante ilegal

—Muito obrigado por suas respostas –agradeci e saí dali rapidamente, me sentindo derrotado

Mike não morava ali. Elias havia sido sincero, por que ele mentiria? Por que Mike havia mentido? Engoli em seco. Não sabia se queria descobrir o resto, tinha medo. Relutei a fazer algo enquanto meus pensamentos e sensações se debatiam dentro de mim.

Abri os contatos do meu celular e entrei no nome de Mike. Fiquei olhando-o por segundos. Havia a foto dele ali, fazendo careta, com a língua de fora. Havia tirado naquele mesmo dia em que fomos ao parque, em que ele havia dito que aquele era o prédio onde morava.

Apertei o celular na mão com irritação e disquei o número sem pensar muito. Milagrosamente não caiu na caixa postal e eu pedi, mentalmente, que ele atendesse, ao mesmo tempo em que sentia receio de ouvir sua voz depois do que havia descoberto.

—Alô? –meu coração deu um pulo ao ouvir sua voz. Parecia ofegante e a respiração saiu entrecortada. Arregalei os olhos e tentei inventar alguma coisa rapidamente.

—Mike? Preciso da sua ajuda, urgente! –praticamente cuspi aquela frase e tentei soar desesperado. Acho que consegui, porque ele parou de ofegar momentaneamente

—Damien? O que aconteceu? Onde você está? –meu peito apertou ao ouvi-lo tão preocupado

—Em casa! –corri para pegar um táxi, equilibrando o celular no ombro- Mas... Mas eu acho que tem alguém aqui, tentando entrar. –revirei os olhos com a minha imaginação, pois aquela desculpa era ridícula.

—Fique trancado no quarto, chego aí em cinco minutos.

Ele desligou e eu entrei no primeiro táxi que vi. Dei o endereço e pedi para que ele fosse o mais rápido possível. Não podia correr o risco de Mike chegar lá antes de mim, onde quer que ele estivesse.

Perguntei-me se eu não havia exagerado com aquela desculpa, deixando-o tão preocupado, mas não queria tentar decifrar Mike, não agora que eu não fazia ideia nem de quem ele era.

Nunca estivera tão desesperado para saber de algo, para ter alguma confirmação, fosse ela boa ou ruim. Minhas mãos tremiam um pouco e eu senti algumas gotas de suor escorrendo pela testa.

Vi algumas pessoas caminhando apressadas, gritando ao telefone, sorrindo e andando de mãos dadas. Pensei no quanto eu daria pra não estar envolvido naquele jogo político que sempre estivera armado, mas do qual eu nunca fizera parte. Agora que eu fazia parte do poder, estando lá, vendo decisões sendo tomadas, eu só podia sentir pena pelas pessoas que queriam estar no meu lugar, ou no de Thomas, ou até de Margot. Por baixo daquilo tudo existiam muitas mentiras.

Minha casa estava ali, quieta e grande como sempre. Não havia ninguém em casa, pois nenhum carro estava na garagem. Paguei o taxista e murmurei um "obrigado", saindo do carro um pouco desnorteado. Vasculhei meu bolso com pressa e encontrei a chave. Hesitei alguns momentos antes de abrir a porta.

Eu estava preparado para olhar na cara de Mike? Nunca havia mentido para ele daquele jeito. Comecei a me sentir mal pelo que eu fizera, deixando-o preocupado, mas então lembrei-me que ele podia (e eu tinha certeza que estava) estar escondendo várias coisas de mim. Voltei a me sentir enganado e girei a chave com impaciência.

Ao entrar, respirei fundo ao notar que eu estava atrasado. Mike me olhou com os olhos arregalados. Estava suado, vestia uma regata vermelha e uma calça jeans preta com algumas correntes, enfiadas numa bota de couro que eu havia lhe dado de presente meses atrás.

As tatuagens se destacavam na pele brilhante pela transpiração e alguns fios de seus cabelos castanhos caíam por sua testa. Notei que sua respiração estava ofegante e carregava o capacete da moto na mão. Olhava-me como se eu fosse louco, com o cenho franzido. Como ele havia entrado ali, se não tinha a chave?

Meu coração bateu mais rápido à medida em que eu o analisava. Ignorei o fato de que ele ficava lindo demais daquele jeito, afinal, eu estava irritado.

—Você saiu? –me analisou de cima a baixo

Fechei a porta atrás de mim e tentei me recompor, repassando tudo o que precisava ser dito para ele.

—Damien? Quer me explicar o que está acontecendo? –jogou o capacete no sofá com irritação

—Como entrou aqui? –guardei a chave no bolso e me aproximei lentamente

—Isso importa?! Achei que alguém tivesse invadido a casa e...

—Como entrou aqui?! –gritei, o interrompendo sem muita paciência. Ele aliviou a expressão de irritação no rosto e me encarou um pouco assustado

—Pela janela. Consegui abrir por fora e entrei. –estreitei os olhos

—Preciso que você me explique algumas coisas –comecei a falar enquanto procurava no bolso do paletó a pasta que eu havia colocado ali.

—Então era tudo mentira? Por que me chamou, pra conversar? –ele parecia descrente e decepcionado

—Sim, Mike, era tudo mentira –falei num tom mais alto. Quando achei a pasta a atirei, dobrada e amassada, para ele, que pegou-a com rapidez no ar, num reflexo rápido- Mas eu quero saber se tudo o que nós tivemos também foi mentira.

O observei atentamente enquanto desdobrava a pasta e a abria. Reparei que seus olhos primeiro mostraram surpresa, depois vi tristeza estampada neles, o que me deixou devastado. Mike passou algumas páginas com cuidado e, quando chegou na última, fechou os olhos e suspirou.

—Então? Era isso que você fazia enquanto estava comigo, me espionava? –perguntei cinicamente

—Não –ele murmurou, fechando a pasta.- Não pensei que você fosse descobrir assim. Onde encontrou isso?

—No Salão Oval –respondi. Cruzei os braços e esperei ele dizer mais alguma coisa.

—Ah, D... –senti angústia ao ouvir meu apelido saindo de seus lábios- Acho que eu vou ter que te contar tudo desde o início então. –suspirou, derrotado, e sentou-se no sofá lentamente

"Eu trabalho para uma organização nacional secreta, a PNPA, ou Proteção Nacional do Povo Americano. O objetivo dessa organização é esconder qualquer vestígio de escândalo ou boato que atrapalhem a vida do povo e a economia norte-americana."

"Quando Thomas me contratou eu ainda não fazia parte da PNPA, eu trabalhava apenas no serviço secreto. Ele designou uma missão para mim: investigar sua vida e a de outros dois jovens, possíveis futuros assistentes dele. Nós não podemos fazer perguntas, temos que obedecer, então foi isso que eu fiz. Te segui por dois meses, fiz relatórios, descobri todos lugares que você frequentava, o nome dos seus amigos, sua família e até consegui acesso aos sites que você acessava e o que costumava procurar no google, pois eram informações importantes para o governo."

"Entreguei o relatório para Thomas, seu e dos outros garotos. E essa foi minha tarefa para ele. Mas fiquei muito surpreso de te encontrar naquela festa, logo depois que meu trabalho estava concluído. Thomas havia me dito que iria analisar os relatórios, e essas coisas geralmente demoram, porque não seria só ele a analisá-los. Então torci para que ele não te escolhesse, porque eu havia gostado de vocÊ."

"Eu te conheci de verdade, pessoalmente, naquela festa e alguma coisa aconteceu entre nós dois ali. Foi muito natural que o namoro acontecesse. Namoramos por seis meses e nada daquilo foi mentira, eu senti tudo aquilo, eu ainda sindo. Mas não podia te contar sobre meu trabalho, nunca, porque você iria me deixar se soubesse que eu passei dois meses te investigando."

"Um pouco antes de você me informar que iria trabalhar na Casa Branca eu fui convocado para a PNPA. Foi como uma promoção, digamos que eu subi de cargo, mas preferia não ter subido. As coisas começaram a ficar estranhas entre nós, eu vivia treinando e em missões, não tinha mais tempo para nosso namoro."

"Eu tive que terminar com você. Não podia ficar perto, não quando você não tinha ideia do que eu fazia. Outro dia eu cheguei aqui querendo te contar tudo isso, pois eu não queria esconder nada de você, e encontrei Chris. Chris trabalha na PNPA, foi meu colega no serviço secreto. Fiquei louco, apavorado por vê-lo aqui. Pensei que estivesse aqui para te matar. E ainda não sei qual o objetivo dele. Resolvi te contar tudo outro dia, porque você precisava saber onde estava se metendo. Mas mudei de ideia ao vê-lo aqui, precisava investigar Chris e saber por que ele estava aqui".

Sentei-me no sofá, ao seu lado, boquiaberto. Ele me explicara tudo aquilo sem olhar para mim, talvez porque sentisse vergonha. O fato de que Thomas e Mike se conheciam me deixava inquieto. E Thomas perguntando o nome do meu namorado... Vários sinais de alerta se acenderam em minha cabeça.

Tentei assimilar tudo aquilo. Como reagir depois daquela história? O que eu devia fazer? Eu tinha o direito de ficar irritado? Eu devia avisar Jess sobre Chris? Parecia que eu estava sonhando.

—Chris... –murmurei, pensando no quanto eu nunca gostara dele, mas no quão simpático ele pareceu fazendo panquecas e muffins na cozinha

—Acho que ele é perigoso, Damien. Fique longe dele, nunca mais o deixe entrar aqui ou ficar a sós com você.

—Eu preciso avisar Jess então!

—Não, e nem vai. Não até eu descobrir qual é a dele.

Fiquei alguns segundos em silêncio, tentando absorver todas aquelas informações.

—Por que você estava sempre com machucados? –murmurei

—Essa é a parte que eu não queria que você descobrisse –sorriu tristemente.- Eu tive que fazer coisas que eu não queria, mas as quais precisava fazer. Pelo país.

—Mike... –fechei os olhos, que agora estavam cheios de lágrimas- Você está falando de... –engoli em seco- assassinatos? –sussurrei a palavra

Ele me olhou com tristeza e assentiu. Enterrei o rosto nas minhas mãos enquanto meu cérebro dava voltas frenéticas. Minha garganta estava apertada. Puxei alguns fios dos meus cabelos, esfreguei as mãos em meu rosto até a pele ficar esticada e repeti por vários minutos os movimentos. Eu tentava fazer alguma ideia surgir dentro de mim, qualquer palavra que me ajudasse naquele momento.

—Você não pode sair dessa organização? –perguntei, desesperado

Levantei a cabeça. O rosto de Mike estava vermelho, aos olhos cheios d'água. Suas mãos estavam fechadas com força, como se ele estivesse com raiva, mas seu rosto estava contorcido de angústia.

—Nem Thomas sabe da existência da PNPA, Damien. Ela existe para proteger o povo e a economia do presidente, caso ele faça alguma besteira administrando o país. Serve para terminar escândalos e dissipar boatos. Ele não pode saber, ou não teria sentido.

—Mike, você não pode fazer parte de algo contra sua vontade! –exclamei

—Me desculpe, Damien, por envolver você nisso tudo. Eu torci para que você não fosse trabalhar lá, para que nunca se envolvesse nesse jogo todo. –agora as lágrimas escorriam por suas bochechas

Eu nunca havia visto Mike chorar. Aquela visão era demais para mim, por isso desviei o olhar. Não queria vê-lo daquele jeito. Ele sempre fora forte, decidido, firme e sempre estivera ali para mim quando eu precisava chorar. Vê-lo naquela posição era angustiante.

—Mas você pareceu feliz quando te contei que eu ia trabalhar lá –acariciei suas costas com movimentos circulares e ele riu

—Eu tinha que parecer feliz, Damien, não podia interferir. Se o presidente queria você ele te teria de um jeito ou de outro.

Estremeci com aquela frase. Mike não sabia o quão envolvido com Thomas eu estava. As memórias da noite passada voltaram como num turbilhão e meu rosto esquentou. Ele riu ao olhar meu rosto.

—O romance de vocês já chegou até a PNPA.

Um arrepio passou por todo meu corpo. Afastei-me um pouco e o encarei com olhos arregalados. Fiquei tenso com aquela revelação e consegui apenas olhá-lo, apavorado.

—Eu sabia que ele estava interessado em você –riu.- Ele pediu para eu investigar os outros garotos, mas me disse para dar atenção especial a você –arqueou as sobrancelhas de modo sugestivo.- Lá no fundo eu sabia que isso ia acontecer, que vocês dois iam se envolver. Eu não podia impedir nada, pois ele é o presidente. Ele é o presidente e você é o amor da minha vida. Mas eu sou só um agente do governo que segue ordens.

Fiquei angustiado de vê-lo daquele jeito. Sua respiração já estava regularizada agora, os músculos mais relaxados, assim como a expressão do rosto. As lágrimas já haviam secado, mas sua voz permanecia um pouco embargada.

—Damien, infelizmente você tem que terminar tudo com Thomas o quanto antes. Você já é considerado uma ameaça para a PNPA, não pode se arriscar mais. Ainda assim terá que se mudar, ir para outro estado ou até país. Tem que dar alguma garantia de que não vai revelar nada sobre Thomas ou sobre qualquer coisa que descobriu.

Ele me olhou com súplica. Mike parecia um pouco desesperado, mas pude perceber medo em seus olhos.

—O que eles vão fazer se... Se eu não parar de ver Thomas? –engoli em seco, com medo da resposta

—Você sabe por que eu vim correndo? Por que eu pensei que eles estavam tentando te matar. Aqui, dentro de casa. –segurou meu rosto com ambas mãos

Foi como se um peso tivesse caído em cima de mim. Então existiam pessoas que estavam tentando me matar. E que sabiam de tudo que acontecera entre Thomas e eu.

—Como isso tudo pode ter vazado, Mike? –o segurei pelos ombros- Eu não quero morrer! -disse, exaltado

—A Casa Branca tem câmeras, Damien, e os seguranças têm ouvidos. Era óbvio que tudo ia vazar. –largou meu rosto com decepção

Encostei-me no sofá e fiquei assim por vários minutos. Ainda não havia caído a ficha de que eu corria perigo mortal. Respirei fundo, mas só tive mais vontade de chorar ao fazê-lo. Sentia raiva, tristeza e irritação comigo mesmo por ter deixado tudo aquilo acontecer, por ter levado aquele romance com Thomas tão longe.

Haviam muitos motivos para eu ter me envolvido com ele, um deles era que tudo parecia uma aventura perigosa da qual eu precisava experimentar. Mas também porque Thomas era uma pessoa incrível e eu me sentia lisonjeado por ele gostar de mim. Mesmo assim eu achava que tudo aquilo era culpa minha, por ter cedido aos meus desejos e impulsos sem pensar direito no que isso significaria.

—Mike... –suspirei- O que eu faço agora?

—Agora que você é um alvo direto você precisa terminar tudo o que tem com Thomas.

—Não existe outra alternativa?

—Não vai demorar muito até que essa história vaze para a imprensa. E o que a PNPA não quer é isso, todos sabendo, porque o objetivo da organização é evitar escândalos que podem abalar a opinião pública e a economia. É a única saída.

—Mas e Thomas, ele vai sofrer alguma consequência?

—Não, infelizmente só você. Mas se as mídias ficarem sabendo vocês dois vão afundar juntos. Eu não quero você sofrendo.

—Você está aqui contra a vontade da organização?

—Sim. Estou traindo meu país por você. –sorriu amargamente- Porque eu me preocupo com você. Eu não tenho escolha quanto ao meu trabalho. Não suportei terminar com você daquele jeito, e não quero que sofra mais. Pro seu próprio bem deve ficar longe dele.

Funguei e limpei meu rosto das lágrimas que agora escorriam em abundância. Meu celular vibrou em meu bolso, o celular que Thomas me dera. Apertei as teclas e li 1 NOVA MENSAGEM no visor, relutei antes de ler.

"Obrigado pelas dicas do outro dia, sobre a guerra. Fiz o que você me sugeriu e agora é questão de dias até os rebeldes se assentarem no território que cedi para eles. Vamos comemorar hoje?

-K"

Uma lágrima escorreu do meu olho esquerdo e eu comecei a chorar compulsivamente. Mike me abraçou e beijou meus cabelos.

—O que houve? –perguntou gentilmente

—Israel –tateei o sofá atrás do controle da TV e a liguei no canal de notícias

Thomas assinando um papel com uma expressão séria e o cabelo bem alinhado assim como o terno. Seus olhos azuis focaram diretamente para a câmera. A legenda dizia: "Presidente Klint assina decreto que entrega territórios aos rebeldes" e, embaixo, passavam algumas frases como: "Seria esse o fim da guerra no Oriente Médio?", "Os EUA recuando em uma guerra: verdade ou blefe?", "País recua antes mesmo do confronto real começar, por quê?.

Chorei mais ainda ao ver tudo aquilo e ao perceber o quanto Thomas era incrível e diferente dos outros presidentes. Ele havia acatado minha sugestão, contrariando os chefes de segurança que, muito provavelmente, não queriam uma decisão tão submissa do país.

—Você gosta dele, não é? –Mike murmurou a pergunta- Seus olhos brilham quando olha para ele.

Eu assenti em seus braços e me acomodei para deitar em seu peito no sofá. Deixei as lágrimas fluírem e os soluços saírem enquanto meu corpo tremia de angústia, tristeza e indecisão.

—Não se preocupe, nada de ruim vai acontecer com você. Não enquanto eu estiver por perto –acariciou minha bochecha

—Mike, eu... –olhei para o relógio no celular e sentei-me- Você precisa ir, combinei de jantar com meus pais, faz tempo que eu não durmo em casa.

—Você tem dormido na Casa Branca?! –levantou-se exaltado

—S-sim... –respondi com receio

Ele me olhou com uma expressão incrédula. Pelo visto o que eu havia feito era pior do que imaginava. E ficaria pior ainda se ele soubesse que havíamos jantado fora juntos.

—Vou embora. Mas antes...

Ele pegou o celular da minha mão e só ouvi os barulhos das teclas que ele apertava.

—Esse é meu outro número. Eu sempre vou atender quando você telefonar para ele. Mas apenas em caso de emergência, Damien. Qualquer outro assunto me ligue no mesmo número de sempre.

Levantou-se e pegou o capacete do sofá. Eu o olhei de baixo, ainda transtornado.

—Você vai ficar bem? –perguntei preocupado

—Vou, você que precisa descansar, meu amor. –sorri ao ouvi-lo me chamar daquele jeito carinhoso

Mike ficou um pouco envergonhado por me chamar assim, pude perceber. O apelido havia saído sem ele perceber, pois era sempre amável comigo. Olhou-me por alguns segundos, analisando-me com seus olhos negros sem demora.

—Tchau, Damien

—Tchau, Mike

Ele encaminhou-se para a porta e a abriu, mas antes de sair olhou para trás e sorriu para mim.

—Você sabe que eu ainda te amo, não é?

Fiquei vermelho e desviei o olhar.

—Eu também te amo –murmurei baixinho esperando que ele ouvisse

Em seguida ouvi a porta fechar. E chorei mais. Por Mike, por Thomas e por não fazer ideia do que eu sentia, qual deles eu amava, se era possível amar ambos. Deitei-me no sofá e quis desaparecer dali, ser outra pessoa, viver outra vida...

Então lembrei que precisava fingir que nada havia acontecido para minha família, durante o jantar. E no dia seguinte ainda precisaria trabalhar e conversar com Thomas sobre tudo aquilo. As lágrimas de irritação escorreram pelo meu rosto novamente. No fim eu nem sabia mais pelo que eu estava chorando.

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