Junho de 1985, Los Angeles.
-Slash
Estava sentado, no nosso pequeno estúdio, dedilhando uma melodia suave na minha guitarra, uma B.C. Rich Warlock vermelha. Era o fim do nosso primeiro ensaio. O primeiro ensaio da única banda em que eu realmente acreditava.
A porta estava aberta, e o ambiente muito mais calmo do que o usual. O estúdio ficava numa parte pouco movimentada, e já afastada da cidade. Era num espaço abandonado, e rodeado de árvores.
Olhei para as horas. Já era tarde, e eu estava, provavelmente, sozinho. Não sabia para onde ia a seguir, onde ia comer ou sequer dormir, por isso o tempo já não era um problema para mim. Na realidade, deixara de ser há muito tempo.
Ouvi passos à entrada, e parei de tocar. Quando olhei, vi Axl, que entrava, fechando a porta, e com vários papéis rabiscados nas mãos. Parecia aborrecido.
Duff, Steven e Izzy tinham-se ido embora há pouco. Eles perguntaram-me se eu queria boleia, mas eu decidi ficar apenas por ali.
-Eu pensava que já tinhas ido embora-murmurei, enquanto pousava a minha guitarra, para beber mais um gole da minha garrafa de Jack.
-Nah-respondeu.
Eu voltei a pegar na guitarra e apenas continuei a tocar, enquanto Axl se sentava em cima de um amplificador desligado, observando-me. Ele parecia meio perdido, segurando os seus papéis firmemente.
-Sentes-te bem?-perguntei, por fim.
-Sim...-suspirou-É só que...Eu não tenho onde ficar esta noite...
-Não és o único-respondi.
Permanecemos algum tempo em silêncio, enquanto eu continuava a tocar. Não sabia bem o que tocava, nem sequer tinha controlo sobre as minhas mãos. O instinto guiava-me.
-Slash...-disse-Nós podíamos...ficar aqui, tu sabes...
Sim, Axl tinha alguma razão quanto a isso. Steven estava a viver na casa da namorada, assim como Duff. Izzy estava com a última prostituta com quem ele tinha dormido. Assim, só sobrávamos nós os dois.
-Sim, mas onde?-perguntei.
-Há uma cama no andar de cima-disse Axl.
-Como sabes?
-Vem e vê-disse, levantando-se.
Eu levantei-me e fui atrás de Axl. Subimos umas escadas, e Axl chutou uma porta, que caiu no chão como uma pedra. Depois, segui-o até mais umas escadas, que nos levaram até ao sótão. Estava completamente escuro, então eu tive de me agarrar a tudo o que encontrava para ter a certeza de que não ia tropeçar.
No sótão havia mais claridade, devido ao luar, o que nos permitia ver «onde púnhamos os pés». O chão, feito de madeira, assim como as paredes, rangia a cada passo que nós dávamos. Tinha brechas entre a madeira, nas paredes, e uma janela aberta, por cima da cama, sem vidro ou portadas, o que explicava a corrente de ar que nós sentíamos lá em baixo. Por baixo da janela, havia uma cama, pequena, e ao lado, uma cómoda com um espelho enorme.
-Achas mesmo que cabemos os dois aqui?-perguntei, ironicamente.
-Não sei-Axl encolheu os ombros-Mas podemos experimentar.
Axl descalçou-se e deitou-se na cama, com a cabeça virada para cima. Eu fiz o mesmo, posicionando-me ao lado dele. Ambos fitámos o teto. Dava para ver as estrelas através dos buracos.
-E então?-perguntou Axl.
-Desenrasca por uns dias-disse eu, e rimo-nos os dois. Estávamos apertados, mas cabíamos. Sempre era melhor do que dormir na rua.
Levantei-me da cama e andei até a uma porta pequenina, ao lado da cómoda. Quando a abri, vi uma casa-de-banho, mas bastante pequena. Tinha uma banheira, e um lavatório com um espelho partido. Abri a torneira que, surpreendentemente, tinha água. Fria, claro. Se quiséssemos tomar banho aqui, íamos congelar.
-Hey, Axl-disse, voltando. Ele ainda estava deitado na cama-Temos água.
Ele fitou-me.
-Eu não quero saber da porra da água, Slash-disse-Eu não como há um dia.
-Achas mesmo que és só tu?-perguntei.
-Eu estou cansado disto tudo-respondeu, com lágrimas nos olhos, embora as quisesse disfarçar.-Quando vim para Los Angeles, achei que a minha vida fosse mudar. Mas adivinha só? Fica pior cada dia que passa.
Axl parecia frustrado, mas eu percebia o que ele estava a sentir. Porque eu sentia o mesmo desde que aqui cheguei.
-Ainda tens Jack?-perguntou.
-Tenho-disse, e saí do sótão. Pouco tempo depois, voltei com a garrafa, a minha guitarra e os papéis de Axl. Eu achei que ele os quisesse ter.
-Obrigado, Slash-disse, pegando na garrafa.
Eu sentei-me na cama, encostado à parede.
-Eu tenho erva-disse-Mas só tenho um cigarro.
-Partilhamos- respondeu Axl.
Tirei o cigarro do bolso e o isqueiro. Acendi-o e exalei um pouco do fumo. Depois, estendi a Axl, que inalou o cheiro da erva, tossicando.
Eu deitei a minha cabeça sobre o colchão velho. Queria adormecer, mas não conseguia. A janela por cima da cama deixava entrar o vento frio, e nós não tínhamos mantas. A minha barriga andava às voltas, implorando por comida, e eu simplesmente não podia fazer nada.
Aproximei-me um pouco mais de Axl, mas ele também estava frio, e ainda mais do que eu. Eu achei que ele tivesse adormecido, mas estava apenas silencioso.
-Eu estou a congelar-disse, cortando o silêncio.
-Eu também.
Encarei-o, bem nos olhos. Juntei-me um pouco mais ao seu corpo, e abracei-o.
Mas eu não queria apenas abraçá-lo.
Eu aproximei-me mais da sua cara, lentamente. Eu só queria sentir os seus lábios, finos e suaves, a sua pele branca, ver o seu sorriso contagiante todos os dias.
Olhar para os seus olhos e ver o reflexo dos meus.
**********
Acordei, na minha cama, no nosso apartamento.
Estávamos no dia 6 de junho de 1985, data do nosso primeiro concerto, que seria naquela noite, no Troubadour. Lá fora, chovia furiosamente.
Olhei para Axl, que dormia na cama ao lado, profundamente. Do outro lado, estava Izzy, também a dormir e, na sala, estavam Duff e Steven, provavelmente de ressaca por causa da festa onde tínhamos ido ontem.
Fora tudo apenas mais um sonho.
Eu, beijar Axl? Ria-me com isso.
Nunca iria acontecer. Nunca.
Estendi a mão e agarrei num cigarro, que tinha em cima da mesa-de-cabeceira. Precisava seriamente de afastar estes pensamentos, de afastar tudo sobre Axl. Mas era impossível, quando ele dormia a pouco mais de 1 metro de mim, com o seu aspeto angelical. Era impossível quando eu lhe queria tocar, mas... simplesmente não podia. Só nos meus sonhos.
Ouvi Axl a remexer-se.
-Hey, Slash-Axl abriu os olhos-Passas-me um cigarro?
Estendi-lhe o cigarro, e acendi-o com o meu isqueiro. Axl ficava demasiado perfeito a fumar. E eu nunca lhe poderia dizer isso. Nunca teria coragem para o fazer.
Eu amo Axl. Porém, Axl nunca me amará.
Às vezes, eu sinto que a minha vida não passa de uma ilusão.