Quando os Pássaros Pousam e O...

By JulieteVasconcelos

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O vento sopra as folhas do milharal levando para longe o fedor da carne pútrida, enquanto alguns pássaros sob... More

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UM
DOIS
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QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
QUATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
Esclarecimentos e Agradecimentos

NOVE

212 41 5
By JulieteVasconcelos

Danna: Quando os Pássaros Pousam

Condado de Tulare, Califórnia

Charles se aventurou sozinho pelo milharal, ninguém mais quis acompanhá-lo, já que o seu patrão, senhor Craig, fora claro ao dizer que não permitia qualquer busca em suas terras, garantiu que sua jovem empregada dali saíra e certamente não retornara, de forma que não via motivos para que alguém se embrenhasse em meio às suas plantações, podendo até causar estragos à futura colheita.

Antonella sumira há muitos dias, sua mãe e irmãos estavam desesperados à sua procura, pois além de ser uma moça muito boa e querida, era quem sustentava a casa, de forma que agora não demoraria para que a família começasse a passar necessidades.

O patrão da moça, rico e bom de coração, até deu àquela pobre senhora uns trocados a mais do que Antonella de fato trabalhara, um gesto de generosidade da sua parte, mas que certamente não ia mais se repetir, já que não tinha nenhuma obrigação de sustentar aquelas pessoas. Senhor Craig até mesmo contratou outra empregada para ocupar o lugar da desaparecida, visto que os afazeres da casa não podiam ficar à espera da boa vontade da outra aparecer, segundo suas próprias palavras.

Nunca em sua vida, Charles pensou em desobedecer seu patrão, mas as circunstâncias o forçaram, pois a pobre mulher podia ter sido atacada por alguém e deixada largada em meio à plantação. Ele entendia que o velho não queria correr o risco de ter suas terras pisoteadas, mas era uma emergência, Antonella poderia estar ali em algum lugar e precisando de ajuda.

Charles fora contratado para o trabalho braçal quando ainda era um menino, por isso tinha imenso respeito e até gratidão pelo velho Craig, o dono daquelas terras sem fim. Um homem rico que beirava seus cinquenta e cinco anos, um pobre solitário, já que sua esposa o abandonara dez anos atrás, fugira com o filho de um fazendeiro vizinho, um rapazote que vivera boa parte da sua vida em Sacramento, e que provavelmente para lá a levara, deixando o marido para trás.

Depois de Heloisa, Craig nunca mais quis casar, na verdade, sabia que nenhuma mulher ficaria com ele se não fosse por seu dinheiro, ou por pura pena, já que ele não passava de um pobre aleijado, entrevado numa cadeira de rodas.

Ele sabia que a deficiência do patrão fora fruto de um trágico acidente, o mesmo que tirou a vida do seu filho e que acontecera antes de ser traído e abandonado pela mulher. Um homem amargo, fruto de uma vida amarga, por isso os seus empregados nutriam por ele muito respeito, e consideravam-no um bom homem.

Charles caminhara a noite toda, o sol já estava nascendo quando chegou mais uma vez ao meio do milharal, passara por ali incontáveis vezes desde que começara a sua busca, já que dali partiam todas as trilhas que levavam para as extremidades da plantação.

Já estava cansado e o estômago começava a roncar, havia ainda mais duas trilhas, longos quilômetros para percorrer, então decidiu descansar para só depois seguir por uma delas. Escorou-se abaixo da estaca do espantalho, arrancou a própria camisa e colocou sobre seu rosto, numa tentativa de descansar a própria vista e protegê-la dos primeiros raios de sol. O cansaço era tanto que acabou cochilando.

Mais de uma hora se passou desde que Charles se entregara ao cansaço e ao sono, despertou assustado ao sentir algo cair sobre seu rosto, por sorte, encima da sua camisa. Apenas quando levou uma das mãos para identificar o que o atingira, sentiu as fezes ainda quente de um pássaro que acabava de alçar voo do ombro do espantalho

— Ave maldita! — grunhiu limpando a mão na parte limpa da camisa. — Que Diabos é isso? — falou se levantando sobressaltado ao perceber a cabeça do espantalho se mover de um lado para outro lentamente.

Imaginou que devia estar alucinando, afinal, qual a possibilidade de um espantalho mover a cabeça? Agora em pé, não notava qualquer movimento por parte daquela coisa, se não tivesse alucinado, poderia ter sido o vento.

"Mas que vento?" Pensou assustado.

Concluiu que fora apenas uma peça que sua mente lhe pregou. Encarou o espantalho por mais alguns segundos, mas a cabeça abaixada, rente ao pescoço não permitia que ele visse muito, pois estava totalmente coberto pela aba do chapéu de palha.

A atenção de Charles foi da cabeça da criatura para o seu corpo, as vestes largas de saco de estopa lhe cobriam quase tudo, exceto os pés. Não passou despercebido o quanto aqueles pés pareciam ser humanos, não estivesse a uma altura considerável, poderia crer que aqueles pontos pretos sobre eles era sangue seco. Pensou em chamar pelo espantalho, quem sabe aquela coisa respondesse.

— Merda! — reclamou se sentindo um idiota. — Não tô regulando bem da cabeça! — concluiu decidido a se afastar. Charles sentia que precisava ir embora, comer alguma coisa e então descansar, outro dia continuaria procurando a moça desaparecida, embora já tivesse perdido as esperanças de encontrá-la nas terras do seu patrão.

Apanhou a camisa suja no chão e as tralhas que usara durante a noite, deu alguns passos, mas algo o impeliu a voltar. Charles estava tentado a mexer naquele espantalho, estava realmente intrigado, embora quisesse acreditar que não era nada, alguma coisa lhe dizia que precisava averiguar.

Ele procurou por um galho qualquer, não encontrou, procurou por uma pedra, o que encontrou aos montes.

— Desculpe se doer! — disse em tom brincalhão e arremessou com força a pedra na barriga do espantalho, o resultado o fez cair para traz ao tropeçar na própria perna tentando se afastar.

Charles vira a coisa estrebuchar.

Agora tinha certeza, aquela coisa estava viva, tinha uma pessoa pendurada bem à sua frente, não tinha dúvidas que fora deixada ali para morrer — ou não estaria ali. Charles começava a ficar amedrontado, embora não soubesse ao certo o que fazer, só pensava que precisava pedir ajuda e que precisava tirar seja lá quem fosse dali.

Olhou ao redor da estaca até encontrar as pontas das amarras e assim abaixar o espantalho, não foi difícil, quem colocou aquela pessoa ali nem se deu ao trabalho de dar nós, certamente para facilitar o próprio trabalho quando fosse removê-lo.

A cada gesto, Charles sentia um desconforto em seu corpo, uma vontade descontrolada de sair correndo daquele local, mas seu coração generoso não lhe permitia pensar a respeito, se saísse em busca de socorro, quando retornasse, aquela pessoa poderia estar morta ou quem sabe ter sido retirada dali. O medo aumentou ao pensar na possibilidade do lugar estar sendo vigiado, nunca tivera medo de homem nenhum, mas quem fez aquilo já o apavorava mesmo sem chamá-lo para uma briga.

— Isso deve ser coisa de gente que fez pacto com o diabo! — falou desamarrando as cordas.

Tão logo desamarrou, se preparou para pegar aquele corpo ainda no ar, impedindo que caísse e viesse a se machucar. Poucos minutos depois, o espantalho estava em seus braços. Um corpo leve e com um odor muito forte, mas era humano, tinha certeza disso. Assim que o desvencilhou das amarras, colocou o espantalho no chão.

A curiosidade o fez remover o chapéu de palha do espantalho, tocando com asco aquele rosto machucado. Charles paralisou ao reconhecer Antonella, o terror aumentou ao notar que no lugar dos seus olhos haviam duas bolas infecciosas, já vira muitos bichos com os olhos perfurados, os daquela moça com certeza estavam.

Para Charles, tal monstruosidade era difícil de ser digerida sendo com qualquer outro indivíduo que ali se encontrasse, mas ela? Era pior, muito pior. De tudo que pensou que podia ter acontecido a ela, aquilo nunca passou por sua cabeça. Pobre Antonella, quem fora capaz de a colocar ali e de a deixar em tais condições? Charles nunca vira nada do tipo, nunca na vida imaginou que alguém tivesse coragem de fazer uma crueldade dessas contra uma inocente.

— Antonella? — chamou angustiado, buscando uma reação qualquer da parte dela enquanto a pegava no colo. — Preciso tirar você daqui! — disse para si mesmo. Ele queria tanto encontrar a moça, levar paz ao coração da mãe dela, aplacar o desespero e a tristeza de seus irmãos, mas agora, tudo o que tinha para oferecer para aquela família era aquilo, uma carcaça moribunda do que fora Antonella.

Charles pensou em matá-la e assim acabar com o seu sofrimento, e consequentemente não aumentar ainda mais o dos seus familiares, mas logo mudou de ideia. Era bom demais, incapaz de ferir outro ser humano. Se fosse para a pobre morrer, não seria por nenhum ato seu, não seria por suas mãos.

Assim, a única opção era pedir ajuda, então lhe restava decidir em qual direção seguir: para a casa do fazendeiro Craig, que certamente providenciaria o socorro necessário para a moça, ou levá-la até o seu vilarejo, mas era bem mais distante e Antonella poderia não resistir.

— Você vai ficar bem! — disse baixinho. — O senhor Craig vai te ajudar, é nossa única chance! — declarou esperançoso.

Como que compelida a reagir ao ouvir aquelas palavras, Antonella reuniu a força que lhe restara e apertou-lhe o braço mais próximo, um aperto frouxo, mas qualquer coisa a mais que isso era impossível para ela fazer naquele momento. Charles percebeu sua tentativa de se comunicar, teve dúvidas se ela quisera demonstrar confiança nas palavras dele, um agradecimento talvez, ou se uma recusa do que Charles havia se proposto a fazer. Ao cogitar sobre a possibilidade de recusa, um arrepio passou por sua espinha e um pensamento horrível veio à sua mente.

— Antonella, quem fez isso com você? — perguntou segurando-a nos braços, trazendo-a para mais perto do seu rosto. Charles viu seus lábios se moverem com dificuldade, então aproximou mais o seu ouvido da boca dela e ouviu perplexo as únicas palavras que ela emitiu.

— Senhor Craig! — sussurrou.

Charles entrou em choque, relutando para acreditar no que acabara de ouvir. Como ele podia pensar que aquilo era verdade? Craig era um aleijado que nem sequer podia caminhar por suas terras, não passava de um coitado. Charles não sabia quanto tempo Antonella estivera ali, mas se passaram muitos dias desde o seu sumiço, certamente estava delirando.

Depois de mais alguns minutos, Charles não tinha mais o que perguntar, não tinha mais o que pensar, com o espantalho no colo, seguiu na direção que escolhera, pois finalmente tomara uma decisão.

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Algumas dessas histórias são experiências de algumas pessoas que quiseram compartilhar comigo pra postar aqui, outras são só da minha cabeça mesmo😅